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Esquadrinhando a governança corporativa: o comportamento dos personagens sob o ponto de vista dos discursos dos autores acadêmico

Resumos

O objetivo deste trabalho é compreender como o discurso dominante, no meio acadêmico, concebe o comportamento dos personagens a respeito da governança corporativa. Para tanto, percorremos todas as revistas brasileiras do campo da Administração e da Contabilidade qualificadas pela Agência de Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) como A1, A2, B1, B2 ou B3. Também investigamos os Encontros da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração (EnANPAD) e as teses e dissertações dos programas de pós-graduação em Administração e Contabilidade qualificados pela Capes como 4, 5, 6 ou 7. Utilizamos a análise do discurso como instrumental de análise dos dados obtidos. Os resultados apontam a separação de papéis, o conflito de agência e o comportamento oportunista como temas principais do discurso sobre governança corporativa; discurso, este, que tem a segurança para investimentos em organizações capitalistas produtivas e o controle sobre o comportamento oportunista como ideologias dominantes. Como interdiscursos, temos os discursos do capitalismo e das ciências econômicas. Os temas controle, separação e expropriação têm sustentado a ideologia capitalista de direito da propriedade. A perspectiva comportamental dos personagens proprietários e gestores tem sido estruturada pela ideologia estrutural-funcionalista. Isso implica no direito de propriedade como valor a ser respeitado e na compreensão da ação sob a razão de maximizar a própria função utilidade. As arguições e discussões sobre governança corporativa tornam-se arguições e discussões sobre segurança e confiança dos financiadores de capital, o que resulta no subentendido da governança corporativa sob a significação de mecanismo de fixação de comportamento que simboliza a determinação de relações de modo a representar segurança e confiança. Diante disso, acreditamos que este trabalho, ao focar uma reflexão analítica sobre o campo de abrangência e análise da governança, possa trazer para a área de contabilidade e finanças novas perspectivas de entendimento que contribuam para dirimir lacunas existentes nas perspectivas conceituais dominantes.

Governança corporativa; Análise do discurso; Comportamento dos personagens; Controle; Segurança


The aim of this work is to understand how the dominant discourse in academia conceives the characters' behavior with respect to corporate governance. To do this, we examined all Brazilian journals in the fields of management and accounting classified by the Agency of Coordination of Improvement of Higher Education Personnel (Agência de Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES) as A1, A2, B1, B2, or B3. We also studied minutes of meetings of the National Association of Graduate Programs in Management (Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração - ENANPAD) and the theses and dissertations of graduate programs in management and accounting classified by CAPES as 4, 5, 6, or 7. We used discourse analysis to analyze the data obtained. The results show the separation of roles, agency conflict and opportunistic behavior as major themes of corporate governance discourse. This discourse has investment safety in productive capitalist organizations and control over opportunistic behavior as dominant ideologies. Discourses on capitalism and economic sciences are inter-discourses. Themes of control, separation, and dispossession have sustained the capitalist ideology of property rights. The behavioral perspective of owners' and managers' characters has been structured by structural-functionalist ideology. This implies property rights as a value to be respected and understands action under the rationale of maximizing its own utility function. Claims and discussions on corporate governance become claims and discussions on capital financiers' safety and trust, resulting in corporate governance being implicitly seen as a behavior-clamping mechanism that symbolizes the determination of relationships to represent safety and confidence. We therefore believe that the present work, by focusing analysis on the field of governance, can bring new perspectives of understanding to the fields of accounting and finance that will help to fill in the dominant conceptual perspectives.

Corporate governance; Discourse analysis; Characters' behavior; Control; Safety


ARTIGOS

Esquadrinhando a governança corporativa: o comportamento dos personagens sob o ponto de vista dos discursos dos autores acadêmico* * Artigo apresentado no XXXVI Encontro Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Administração, Rio de Janeiro, 2012.

Alexandre Santos Pinheiro I ; Alexandre de Pádua CarrieriII ; Nathália de Fátima JoaquimIII

IProfessor Assistente do Instituto Federal de Minas Gerais e Doutorando em Gestão de Corporações e Relações de Poder da Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: professoralexandresantos@gmail.com

IIProfessor Titular do Departamento de Administração do Centro de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: alexander@face.ufmg.br

IIIProfessora Assistente da Faculdade de Administração, Ciências Contábeis e Economia da Universidade Federal da Grande Dourados e Doutoranda em Administração da Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: nathaliafjoaquim@hotmail.com

RESUMO

O objetivo deste trabalho é compreender como o discurso dominante, no meio acadêmico, concebe o comportamento dos personagens a respeito da governança corporativa. Para tanto, percorremos todas as revistas brasileiras do campo da Administração e da Contabilidade qualificadas pela Agência de Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) como A1, A2, B1, B2 ou B3. Também investigamos os Encontros da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração (EnANPAD) e as teses e dissertações dos programas de pós-graduação em Administração e Contabilidade qualificados pela Capes como 4, 5, 6 ou 7. Utilizamos a análise do discurso como instrumental de análise dos dados obtidos. Os resultados apontam a separação de papéis, o conflito de agência e o comportamento oportunista como temas principais do discurso sobre governança corporativa; discurso, este, que tem a segurança para investimentos em organizações capitalistas produtivas e o controle sobre o comportamento oportunista como ideologias dominantes. Como interdiscursos, temos os discursos do capitalismo e das ciências econômicas. Os temas controle, separação e expropriação têm sustentado a ideologia capitalista de direito da propriedade. A perspectiva comportamental dos personagens proprietários e gestores tem sido estruturada pela ideologia estrutural-funcionalista. Isso implica no direito de propriedade como valor a ser respeitado e na compreensão da ação sob a razão de maximizar a própria função utilidade. As arguições e discussões sobre governança corporativa tornam-se arguições e discussões sobre segurança e confiança dos financiadores de capital, o que resulta no subentendido da governança corporativa sob a significação de mecanismo de fixação de comportamento que simboliza a determinação de relações de modo a representar segurança e confiança. Diante disso, acreditamos que este trabalho, ao focar uma reflexão analítica sobre o campo de abrangência e análise da governança, possa trazer para a área de contabilidade e finanças novas perspectivas de entendimento que contribuam para dirimir lacunas existentes nas perspectivas conceituais dominantes.

Palavras-chave: Governança corporativa. Análise do discurso. Comportamento dos personagens. Controle. Segurança.

1 INTRODUÇÃO

Procuramos por uma compreensão mais profunda sobre o campo da governança corporativa no Brasil, pois um ponto de divergência nos tem incomodado: se a governança corporativa pretende minimizar o comportamento oportunista, por que esse comportamento tem se revelado com tanta frequência? Para podermos conseguir alguma luz sobre esta questão, um longo caminho deve ser percorrido; caminho este que, dentro das limitações de espaço físico dos papers, não poderia ser esgotado em um único trabalho. Parte desse caminho passa pelo comportamento dos atores que são considerados constituintes do campo aqui em voga. Para podermos compreender mais profundamente a governança, precisamos, pois, compreender quais seriam os comportamentos de seus atores constituintes. Nosso objetivo aqui é elucidar qual é o discurso dominante a respeito do comportamento dos personagens sob o ponto de vista dos autores de trabalhos publicados em âmbito nacional nas áreas da contabilidade e da administração. Pretendemos mapear o padrão discursivo sobre o comportamento dos personagens da governança corporativa que permeia a ideologia do controle principalmente nas áreas de finanças e contabilidade.

Ricardino e Martins (2004) afirmam que a maior parte das discussões sobre governança reflete práticas antigas, sugerindo que essas discussões podem estar obsoletas. Nesse sentido, temos a expectativa de que nosso debate possa trazer para as áreas de contabilidade e finanças novos olhares sobre a governança corporativa; olhares que possam ir além da dominante e provavelmente limitada perspectiva de comportamento oportunista e, por conseguinte, estrita necessidade de controle sobre o Agente.

Para tanto, partimos da perspectiva do aspecto semiótico da palavra, fazendo dessa "o fenômeno ideológico por excelência" (Voloshinov, 1979, p. 22, grifo do autor). Isso implica em considerá-la o modo mais puro e sensível de relação social, sendo assim, o primeiro plano no estudo das ideologias1 1 Entendemos a ideologia como sendo a unidade de uma ordem de mundo, a unidade de normas de condutas adequadas; condutas estas construídas por meio da estrutura da totalidade parcial na qual o discursante habita. Por estrutura, compreendemos ser os elementos que serviriam como base de referência para as possibilidades de ações. Assim, consideramos a ideologia fruto de embates de práticas e políticas sociais (Bakthin, 1988; Fiorin, 2003; Van Dick, 1998). . Tomando como base Voloshinov (1979), assumimos a palavra como material semiótico da consciência (discurso interior), a qual não poderia se desenvolver sem um material utilizável como signo para expressões externas do conteúdo subjetivo.

Esse papel de instrumento da consciência faz da palavra um elemento essencial de construção e sustentação de ideologias, o que, muitas vezes, acaba por determinar um processo reverso ao de exteriorização: o da interiorização (Voloshinov, 1979). O processo de construção da realidade, de entendimento do real, passa pela significação linguageira dos fenômenos cotidianos (Certeau, 1998). Isso porque o real é imaginariamente construído por meio de elementos simbólicos que servem de justificativas para determinadas realidades (Castoriadis, 1982); e a palavra é um dos principais signos utilizados para estruturação, o que se denomina compreensão dos acontecimentos cotidianos para estruturação da realidade. Poucos são os acontecimentos cotidianos que não são abordados verbalmente. Isso significa que o processo de absorção do real, a tomada de consciência, segundo Voloshinov (1979), acontece por meio da interação verbal, ainda que monológica, como processo subjetivo de estruturação dos acontecimentos. A palavra está presente em todos os atos de compreensão e em todos os atos de interpretação. A utilização de uma palavra, muitas vezes, encerra uma escolha ideológica. A tomada de consciência do real, concebida na maioria dos casos por palavras, introduz no sujeito, consciente e inconscientemente (seja por mecanismos de socialização, de mimetismo ou mesmo aqueles mecanismos típicos do inconsciente e que se manifestam na própria linguagem), as ideologias relativas aos léxicos escolhidos por ele para dar significado, durante o ato de compreensão, aos acontecimentos do cotidiano.

Tomemos, como exemplo, as palavras governança e administração para compreensão do processo de gestão de uma corporação. A primeira conduzirá, na maioria dos casos, o sujeito interpretante à significação de controle e de comportamento oportunista. Outras significações e representações originam-se dessa interpretação, tais como: separação entre propriedade e gestão; necessidade de financiamento das corporações; conflitos de agência; dentre outros. Já a segunda palavra é demasiadamente ampla e genérica, a exemplo de seu sentido popular: gerir pessoas. Nessa última, infinitas são as possibilidades, sendo que, naquela primeira, algumas inferências, ainda que de forma não explícita, vêm a reboque. Essas inferências conduzem a tomada de consciência à ideologia (de controle) que dá sentido ao termo governança; e esse termo acaba sendo metonímia de governança corporativa - notem, ainda, que a significação, portanto as inferências, assumiria outro sentido no campo da gestão pública.

Do mesmo modo, as palavras escolhidas para definir o que seria o processo de gestão de corporações em que há a separação entre gestão e propriedade revelam as ideologias e, assim, os ideais que estão por trás do conceito. E, em virtude do conceito, portanto dos ideais, o processo de significação subjetiva que se vale de palavras para a tomada de consciência acaba por imputar (e na maioria das vezes por naturalizar) os comportamentos permitidos e os não permitidos no âmbito da gestão de corporações em que há a separação entre gestão e propriedade.

Citamos, como exemplo, a palavra Principal, signo da propriedade da corporação. No dicionário Michaelis significa "o que é mais importante, o que é mais relevante ou influente em um grupo de indivíduos; pessoa mais importante pela hierarquia ou por seu mérito". O significado literal dessa palavra infere um escalonamento, coerente com a ideologia da governança corporativa de maximização da função utilidade do Principal.

Disso percebemos que discurso e ideologia andam de mãos dadas. Portanto, seria inverossímil abordar um sem sequer pensar no outro. Para podermos apreender os discursos dominantes sobre o comportamento dos atores da governança corporativa (GC), logo também as ideologias, tomaremos como base as publicações sobre GC existentes entre os anos de 2007 e 2011. Ressaltamos que, dentre estas publicações, serão alvo deste estudo as teses e dissertações dos programas de pós-graduação em Administração e Contabilidade qualificados pela Capes como 4, 5, 6 ou 7 que abordam o tema, bem como os trabalhos publicados em todos os periódicos brasileiros qualificados pela Capes como A1, A2, B1, B2 ou B3, e também os trabalhos publicados nos Encontros da Anpad (EnANPAD), nesse período, sobre a temática.

Do ponto de vista epistemológico, é importante ressaltar que este trabalho está amparado pelo paradigma pós-estruturalista. Segundo Peters (2000, p.10), o pós-estruturalismo "é uma resposta filosófica ao estruturalismo2 2 O estruturalismo é um método científico social, que revela as estruturas universais individuais e sociais que, inconscientemente, as pessoas adotam em seu comportamento diário. Para mais detalhes ver: Paula (2008) e Peters (2000). ", busca descentrar as "estruturas", mas mantém a crítica ao sujeito humanista totalizante. Os pós-estruturalistas criticam a suposta universalidade das "asserções de verdade", a Verdade universal, única. Como nos lembra Foucault (2008), as verdades são frutos de regimes ou gêneros discursivos que, por meio de um conjunto de regras, constroem proposições bem coerentes e aperfeiçoadas.

São os regimes de verdade a que cada época, cada homem tem que lidar, regimes esses que mudam, não existindo um único regime, mas uma variedade, com regras específicas, histórica e culturalmente construídas. Essa visão se contrapõe veementemente à visão dominante nas ciências de modo geral e, de modo particular, nos estudos sobre finanças (Herling, Lima, & Moritz, 2013; Iquiapaza, Amaral, & Bressan, 2009; Silva, 2010) e contabilidade (Mendonça, Roccio, & Sakata, 2006), que é a positivista. Segundo Burrel e Morgan (1979), o positivismo está fundamentado em uma visão de mundo objetivista, caracterizada por uma realidade concreta que pode ser sistematicamente investigada de modo a revelar suas regularidades subjacentes. Ao indivíduo coube um papel essencialmente passivo. Seu comportamento no trabalho era visto como determinado pela situação a que ele era exposto.

Por não concordar com essa visão de passividade do sujeito é que tecemos as análises deste trabalho sob uma perspectiva pós-estruturalista. Sob o ponto de vista teórico, estruturamos o trabalho a partir dos discursos presentes nos artigos estudados. Sendo assim, primeiro precisamos elucidar ao leitor os métodos que utilizamos para levantamentos dos dados discursivos. Depois disso, passamos a discutir a governança corporativa para, então, apreendermos o discurso dominante sobre o comportamento dos atores. Comportamento, esse, que busca coerência com a ideologia dominante a respeito do processo de governança de corporações. Por fim, tecemos algumas considerações sobre o estudo.

2 PERCURSO METODOLÓGICO

Como citado anteriormente, percorremos todas as revistas brasileiras do campo da Administração e da Contabilidade qualificadas pela Capes como A1, A2, B1, B2 ou B3. Também investigamos os Encontros da Anpad (EnANPAD) e as teses e dissertações dos programas de pós-graduação em Administração e Contabilidade qualificados pela Capes como 4, 5, 6 ou 7. Todos os trabalhos analisados foram publicados entre os anos de 2007 e 2011. Esse período foi escolhido porque desejamos compreender a atual estrutura da governança, a estrutura do agora, e não pretendemos o passado. Isso não significa que possamos descartar a influência histórica.

Acreditamos que os últimos cinco anos seriam suficientes para nos revelar o atual formato do corpus de conhecimento sobre governança corporativa. Um horizonte temporal maior do que cinco anos nos abriria a possibilidade de compreender a evolução do campo e, talvez, as forças direcionadoras que conduziram o campo da GC até o estágio em que se encontra. No entanto, fugiria do nosso intuito de compreender a prática cotidiana, compreensão que parte da atual concepção teórica. Neste sentido, por que não permitir que os próprios autores contem a evolução do campo por suas próprias óticas? Parece-nos mais interessante compreender a interpretação que os autores fazem da evolução do que interpretar a evolução.

Após ler os resumos de todos os trabalhos pertencentes a esse universo, foram selecionados 179 trabalhos sobre governança corporativa. Para a análise, não foram considerados os artigos que discutiam sobre: impacto de decisões de financiamento no valor de mercado das ações; estrutura de capital; fusões e aquisições; formas de valorização da ação; gerenciamento de resultados; Initial Public Offering (IPO); práticas de accountability; governança em empresas familiares que discutem a GC como mecanismo de sucesso e longevidade; valor de ação e desempenho; transparência e desempenho; ou variações afins desses temas. Esses temas não foram analisados porque entendemos que, muitas vezes, eles são mencionados dentro do assunto de abrangência da GC, mas não discutem a GC em si, mas apenas o processo de governança.

Nossa arguição sobre os discursos dominantes utiliza trechos retirados dos trabalhos analisados como estratégia didática para ilustrar o sentido comum nos trabalhos. Os fragmentos foram selecionados de acordo com a recorrência do tema e com a representatividade do fragmento perante o universo estudado. Os autores dos fragmentos não serão identificados a fim de preservar-lhes a identidade.

A ferramenta utilizada para tratamento e compreensão dos dados é a análise do discurso (AD). O discurso é aqui considerado uma expressão, explícita ou implícita, de ideologias que constituem ordens de mundo. Levando em conta a influência de parâmetros sociais sobre o comportamento do indivíduo, lembrando que isso não significa necessariamente um posicionamento estruturalista, o discurso, enquanto engenhosidade humana, apresenta-se como potencialidade de manifestação objetiva que é capaz de revelar uma subjetividade. Isso aponta para o discurso como um elemento estratégico de objetivação de realidade subjetiva, utilizado pelo sujeito discursante. O discurso é, nesse sentido, o elemento que confere materialidade a regimes de verdade, lembrando que consideramos a verdade um artefato humano, histórico e socialmente construído por sistemas de poder que produzem o que pode ser e o que não pode ser, o que é e o que não é, o que é verdade e o que é mentira (Foucault, 2008).

Consideramos o enunciador como sendo produto e produtor do discurso e acreditamos que sua prática discursiva acontece dentro de certas regras e ideologias. O sujeito deve ser entendido como efeito de um plano ideológico e que também interpela a ocupar uma posição dentro de uma organização social. Cabe à análise de discurso a descoberta das condições do discurso e a descoberta da construção do eu por meio da linguagem e da ideologia.

Analisar um discurso implica, conforme Orlandi (2001), a transcendência à simples decodificação de um texto. A AD busca apreender os meios pelos quais a realidade foi construída e como a linguagem participa da construção de um dado fenômeno. A AD "tenta explorar os meios pelos quais as ideias e os objetos socialmente produzidos que povoam o mundo passam a existir por meio do discurso" (Phillips & Domenico, 2009, p. 551).

Optamos por seguir os critérios linguísticos para análise de discursos e seus constituintes sugeridos por Faria e Linhares (1993). Para os autores, existem quatro principais estratégias de persuasão:

1) a construção dos personagens no discurso e sua relação com os personagens efetivamente existentes;

2) a seleção lexical, isto é, a escolha do vocabulário usado nos discursos;

3) as relações entre os conteúdos explícitos e os implícitos, que possibilitam criar um efeito ideológico de sentido;

4) o silêncio sobre determinados temas, ou seja, aquilo que não é dito.

Assim, pretendemos construir uma análise dos discursos contidos nos trabalhos que abordam a temática da GC, tomando como ponto de partida as definições comumente encontradas na literatura sobre o tema e, a partir daí, iremos apontar algumas inconsistências discursivas e práticas.

3 GOVERNANÇA CORPORATIVA

Nesta seção, nos propomos a refletir sobre a literatura que trata da Governança Corporativa (GC) e, a partir dessa reflexão, tecer algumas análises, por meio da interpretação dos discursos presentes nos trabalhos que tratam dessa temática. As análises e discussões apresentadas nesta seção versarão, efetivamente, sobre os conceitos relacionados à GC como maximização de valor e também aqueles relativos à teoria de agência (TA).

Para contextualizar os leitores sobre o padrão discursivo conceitual sobre a Governança Corporativa (GC) encontrado no âmbito da literatura especializada, vale citar ilustrações que perpassem o sentido comum utilizado pelos autores para definir GC:

A governança corporativa é o campo da administração que trata do conjunto das relações entre a direção das empresas, seus conselhos de administração, seus acionistas e outras partes interessadas. Ela estabelece os caminhos pelos quais os supridores de capital das corporações são assegurados do retorno de seus investimentos. (Shleifer & Vishny, 1997). (Fragmento do Trabalho 29).

A governança corporativa é um conjunto de mecanismos de incentivo e controle, interno e externos, para minimização dos custos decorrentes do problema de agência dos gestores. (La Porta et al., 1998). (Fragmento do Trabalho 16).

Governança corporativa é o sistema pelo qual as organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre proprietários, Conselho de Administração, Diretoria e órgãos de controle. As boas práticas de Governança Corporativa convertem princípios em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para sua longevidade. (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC, 2012). (Fragmento do Trabalho 07).

Os temas principais do discurso sobre governança foram: separação de papéis; conflito de agência; e comportamento oportunista. Temas, esses, constituintes dos discursos de segurança para investimentos em organizações capitalistas produtivas; e de controle sobre o comportamento oportunista. Como interdiscursos, temos os discursos do capitalismo e das ciências econômicas.

(1) A governança corporativa surgiu para eliminar ou diminuir o conflito de agência entre gestores e proprietários, que é resultado da separação entre a propriedade e a gestão nas empresas. Esse conflito de agência decorre da disparidade de interesses existente entre gestores e investidores (Jensen e Meckling, 1976, p.10-12). (Fragmento do Trabalho 09, grifo nosso).

(2) Jensen e Meckling (1976:310) definem uma relação de agência "como um contrato onde uma ou mais pessoas (o principal) emprega uma outra pessoa (o agente) para realizar algum serviço ou trabalho em seu favor, envolvendo a delegação de alguma autoridade de decisão para o agente". (...) outorga-se aos gestores, consequentemente, mais do que a execução de ações previsíveis – o direito residual de controle da empresa. De outro lado, Jensen e Meckling (1994) salientam que a natureza humana é utilitarista e racional, conduzindo os indivíduos a maximizar uma função utilidade voltada muito mais para as suas próprias preferências e os seus próprios objetivos. Portanto, os agentes perfeitos, que exercem suas funções de forma indiferente entre maximizar os seus próprios objetivos e o de terceiros, não existem.

Dentro desse contexto surge a discussão sobre a governança corporativa, que segundo Andrade e Rossetti (2006) enfatiza duas questões-chave: os conflitos e os custos de agência. Nessa medida, Blair (1999) menciona que a governança corporativa trata dos meios utilizados pelas empresas para estabelecer processos que ajustem os interesses em conflito de acionistas e de seus dirigentes de alto nível. Segundo Shleifer e Vishny (1997), a governança corporativa estabelece os caminhos pelos quais os investidores (acionistas e credores) das corporações são assegurados do retorno de seus investimentos. (Fragmento do Trabalho 27, grifo nosso).

Como sustentáculo do discurso capitalista de direito de propriedade, encontramos no discurso da governança, que aqui poderíamos chamar de infraestrutura (Voloshinov, 1979), a ideologia de maximização da função utilidade, proveniente das ciências econômicas. A partir daí, observamos outra ideologia: o discurso científico como enunciador da verdade (Foucault, 2008).

Os léxicos constituintes da definição hegemônica sobre governança corporativa, significantes e signos das ideologias capitalista, econômica e científica, inferem um conjunto de regras que fornece domínios de espaço, de inteligibilidade e de continuidade. Outras possibilidades, além das determinadas, não são possíveis. O fenômeno, assim, passou a ser classificado e estigmatizado enquanto um fenômeno de agência; percorrendo todo um percurso semântico e de continuidade que seriam embasados na efetividade do controle.

3.1 Os Discursos sobre a Maximização de Valores.

Um discurso recorrente na literatura de GC é o da maximização de valores. Nesse sentido, o léxico conflito, que aparece tanto no primeiro quanto no segundo fragmento analisados anteriormente, tem um papel fundamental no entendimento do discurso explícito e implícito do capital, travestido na expressão maximização de valores. Dessa forma, é importante observar que o léxico conflito, geralmente, é acompanhado pela preposição de, que sugere posse, responsabilidade, causa (aqui se nota novamente o discurso científico: relação mecanicista determinística, ou seja, de causa e efeito). Essa preposição precede a palavra agência, colocando, pois, a agência como autor, causa, do termo antecessor conflito. Na relação de causa e efeito, temos, então, o efeito conflito causado pela agência. Assim, o termo conflito de agência fornece indícios linguísticos sobre a ideologia da governança: um conflito causado pelo gestor, agente, um personagem desunido; quer dizer, "separado" da propriedade.

A significação de conflito também perpassa a ideia de que os conflitos reduzem a produtividade da firma, no contexto das organizações produtivas capitalistas. Isso carrega o pressuposto de que não deveriam existir, uma vez que sua existência pode prejudicar a acumulação ótima de capital. Diante disso, torna-se implícito o discurso de que os conflitos devem ser extintos e, também, a significação de que aqueles que provocam conflitos devem ser combatidos (leia-se controlados).

A orientação dos termos segue, ainda, a estruturação de realidade binária (capital x trabalho; homem x mulher; sim x não; bom x mau; positivo x negativo; branco x preto...). Tal orientação estabelece relação de antagonismo: conflito x agência (além de outras, tais como Principal x Agente, propriedade x gestão e retorno sobre investimento x expropriação). E, em meio a essas construções polares, surge, de forma recorrente, outro discurso na literatura sobre GC: a teoria de agência, que será analisado a seguir.

3.2 Os Discursos sobre a Teoria de Agência.

Ao analisar os trabalhos que tratam sobre GC, é impossível não discutir teoria de agência, pois, por trás dessa teoria (ou analítica), há um discurso ideológico dominante de poder, como será apresentado neste tópico. O termo agência aponta para o discurso da teoria de agência (TA), deixando explícita a TA enquanto tema predominante no discurso da governança. O discurso da TA é, ainda, constituído pelos temas separação de papéis e controle sobre o comportamento oportunista. A separação de papéis refere-se à dissociação entre os papéis de gestão e de proprietário.

(3) Governança corporativa é o conjunto de práticas que tem por finalidade otimizar o desempenho de uma companhia ao proteger todas as partes interessadas, tais como investidores, empregados e credores, contra os desvios de ativos por indivíduos que têm poder de influenciar ou tomar decisões em nome da companhia. (Comissão de Valores Mobiliários - CVM, 2002, grifo nosso).

Dois personagens são então colocados em cena, estabelecendo, pois, conforme ilustra o léxico proteger contra no fragmento 3, um código binário dualista. São elas: o personagem Agente (gestão) e o personagem Principal (proprietários/acionistas).

O sentido literal do léxico Principal infere prioridade na relação dualista. Como o discurso da economia está em posição de superestrutura em relação à GC, temos que levar em consideração a maximização das funções utilidades. Nesse sentido, o termo Principal implica no apontamento da função utilidade a ser atendida e na função utilidade a ser preterida, respectivamente, acionistas e gestores.

Uma vez que nossa realidade, socialmente construída, se sustenta pela ideologia de códigos binários, é razoável a inferência de juízos de valor a partir da escolha dos signos que denominam gestores e proprietários. Por serem antagônicos, temos o subentendido de significação de "bom" para quem é principal, restando ser "mau" ao seu opositor. O adjetivo oportunista reforça esse sentido ao designar a característica principal do comportamento do Agente, conforme explícito no termo comportamento oportunista do Agente. Embora o significado científico seja diferente do senso comum (Santos, 2010), a associação do Agente com o sentido coloquial desse adjetivo faz inferência significativa com o personagem Agente, reforçando representações que o aproximam com o mau no código binário "mau x bom". Nisso podemos perceber o subentendido do personagem Principal como sendo o código "bom".

Diversos autores afirmam que a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) criou, no Brasil, em 2000, os níveis de GC, estabelecendo regras específicas para as empresas que aderirem a novos códigos de conduta. Esse foi um importante passo rumo ao desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro (Alberton, Moletta, & Marcon, 2011; Colombo & Galli, 2010; Erfurth & Bezerra, 2013; Jacometti, 2012). Porém, é importante ressaltar que a governança corporativa ainda é incipiente no Brasil (Jacometti, 2012) e o modelo que predomina é o de um acionista majoritário (Aguiar, Corrar, & Batistella, 2004; Carvalho, 2002; Colombo & Galli, 2010; Vieira & Mendes, 2006). Diante disso, cabe pontuar que nem sempre o Agente atua de maneira oportunista. Considerando esse contexto brasileiro, o Agente pode ter mau comportamento por ordem do Principal, uma vez que nesse contexto o controlador escolhe, de maneira geral, os conselheiros e executivos. Como ressalta Jacometti (2012, p. 754), "o pensamento estratégico do empresariado brasileiro ainda sofre muita influência de uma visão provinciana incrustada em valores patrimonialistas em que imperam favoritismos e parcialidades".

Nesse sentido, é importante pontuar que a palavra Agente, que sugere aquele com capacidade de ação, assume uma conotação específica no discurso da GC, indicando aquele que tem poder de influenciar ou tomar decisões em nome da corporação. Ou seja, embora o termo possa referir-se à possibilidade de determinação de parâmetros sociais, no discurso da governança a ação fica contida na determinação objetiva da organização produtiva que, segundo o discurso científico, acontece efetivamente via tomada de decisão estratégica.

Por outro lado, o tema do controle pode ser considerado metonímia tanto da administração quanto da contabilidade, se considerarmos que um dos principais objetivos destas é o controle. O controle pode ser compreendido, também, como analogia do processo de gestão - inserindo, dessa forma, o discurso de GC nos temas do domínio científico das ciências administrativas.

O discurso da governança vai ao encontro da ideologia capitalista, denominada por Voloshinov (1979) de superestrutura, sobre o direito de propriedade, que é o eixo principal da cultura capitalista (Durkheim, 1983). No discurso da governança combate-se a expropriação da propriedade pela gestão. A possibilidade de expropriação surge a partir da separação entre os papéis de gestor e proprietário, em que conflitos de interesses, referentes à maximização da própria função utilidade, podem surgir. Para os teóricos que estudam sobre a teoria de agência (Eisenhardt, 1989; Jacobides & Croson, 2001; Jensen & Meckling, 1976), estes seriam conflitos de agência – quando o principal (acionista) delega ao agente (gestores) as decisões que maximizarão os resultados das operações da empresa.

É defendida a ideia de que os Agentes devem maximizar o valor da propriedade, ou seja, buscar o atendimento integral dos interesses do principal através da tomada de decisão corporativa. Daí, combate-se o direcionamento, pelos Agentes, de ações estratégicas da organização quando nas transações para seus interesses pessoais em detrimento do objetivo declarado dos acionistas. Combate-se, pois, o oportunismo enquanto prática de gestão. Esta prática geralmente se ancora em ambiguidades contratuais, em que o agente se vale de informação seletiva, informação distorcida e/ou promessas autodesacreditadas quando no acordo de um contrato referente ao seu comportamento futuro, ou quando se vale de oportunidades contingentes relativas a informações exclusivas (Jensen & Meckling, 1976).

Consequente a esse comportamento, é defendida a ideia de controle e monitoramento das ações dos Agentes; e também a ideia de minimizar os custos de transação inerentes ao conflito de agência por meio da estruturação da governança corporativa. Todos os trabalhos analisados relacionavam a governança ao controle sobre o Agente; relacionavam-na a uma estrutura que garante as responsabilidades dos tomadores de decisão, ou a uma estrutura que assegura os direitos dos proprietários da empresa ante a tomada de decisão corporativa. Similar às exposições de Jensen (2000), a função da GC para os autores analisados tem sido estabelecer leis de controle à ação oportunista, capazes de induzir o comportamento dos tomadores de decisões corporativas no sentido da tomada de decisões estratégicas direcionada aos objetivos do Principal.

4 O COMPORTAMENTO DOS PERSONAGENS NO CAMPO DA GOVERNANÇA CORPORATIVA

Os personagens Agente e Principal se originam na teoria de agência, por meio da separação entre propriedade e gestão da firma. Duas causas principais para a separação têm sido destacadas: escassez de recursos financeiros e otimização da tomada de decisão estratégica. Em função do número de proprietários, far-se-ia necessário centralizar e ordenar a tomada de decisões, resultando na separação entre propriedade e gestor (já que nem todos os proprietários poderão ser o gestor da firma capitalista), de modo a potencializar a maximização dos retornos.

4.1 O Comportamento dos Personagens sob a Ótica da Maximização de Valores.

A ordem do reconhecimento da capacidade de maximização do valor da firma pelo Agente requer o afastamento da ideia do gestor consequente da aquisição mercadológica de capital, logo, como mero fator de ordenação da firma. Isso exige considerar o reconhecimento da atuação do Agente sobre o desempenho da firma; assim como também exige considerar, sob a concepção epistemológica "racional-utilitarista", que a maximização da função utilidade dos proprietários seria a maximização do valor da firma.

Para melhor compreensão da capacidade do Agente como maximizador do valor da firma, sugerimos aprofundamento na evolução da teoria da firma3 3 A discussão sobre a influência do Agente sobre o desempenho da firma, dentro da teoria da firma, parte da economia clássica, especificamente em Adam Smith (século XVIII, Revolução Industrial). Esse autor discute as alterações nos modos de produção e nas relações entre agentes econômicos; alterações, estas, cujo efeito seria a superação da terra pelo capital enquanto fator de produção. Smith (1978) defende que a especialização e a divisão do trabalho possibilitariam altos níveis de produção, o que permitiria às firmas proverem melhores rendimentos financeiros com o mesmo emprego de capital. Desta forma, introduz a ideia da firma como fator de riqueza, e não a terra - investimentos em firmas proveriam potenciais melhores retornos do que investimentos em terras. Embora ele direcionasse seu objeto para as empresas, por ele vistas como sendo uma generalizada função de produção, observa-se em sua obra arguições sobre o ato gerencial; descrito como sendo a capacidade de coordenar fatores produtivos para a obtenção de escalas de produção, ou excedentes de produção. Os diferentes formatos e desenvolvimento que as firmas pudessem adquirir relacionavam-se, segundo esse autor, às (re)produções das condições ambientais, com resultados melhores ou piores dependendo do grau de divisão do trabalho. As firmas eram vistas como "caixas pretas", compreendidas a partir de condições marginais (entrada e saída de recursos, inputs e outputs) (Jensen & Meckling, 1976). Os aspectos relevantes da firma, portanto, eram referentes à estrutura interna e às limitações externas com as quais operavam. A concepção do gestor como "alocador de recursos produtivos", ou como mero ato de engenharia, perpetuou-se até a primeira metade do século XIX, quando John Stuart Mill reconheceu a importância do comportamento dos gestores ao discorrer sobre o lucro como consequência do e também da escolha dos insumos de produção (a escolha dos insumos potencialmente reduziria os custos de produção). Caberia ao dirigente da firma determinar quais seriam os insumos da produção de acordo. A escolha deveria levar em conta os níveis de risco; e o resultado seria um dado equilíbrio entre custo e lucro (Mill, 1978). O rompimento em definitivo com a abordagem do gestor como alocador de insumos aconteceu, ainda nesta corrente, ao final do século XIX, com a ideia da firma idiossincrática, introduzida por Alfred Marshall. Os "senhores da produção", homens com aptidão para fazer negócios, seriam administradores habilidosos, indivíduos raros, escassos e únicos responsáveis pela condução e controle da firma (Marshall, 1982). Segundo este autor, os administradores seriam um corpo especial de gerentes que tomavam decisões corporativas com base no conhecimento tácito que detinham – o conhecimento gera diferenciação. A linha heterodoxa da economia reconhece a influência do gestor em meados do século XIX, com Veblen. Ao empresário era atribuída a capacidade de obter lucros extraordinários por meio da (re)invenção de mercadorias e da produção de escalpos. Veblen (1965) chega a ir além, defendendo que a consolidação do capitalismo seria inerente às reinvenções e inovações, que constantemente construiriam novas demandas nos consumidores; demandas que seriam construídas por meio do consumo conspícuo. O gestor seria o fator determinante, embora não único, da idiossincrasia das firmas. Nessa linha de raciocínio, a escola da tecnoestrutura coloca as reinvenções e inovações como decorrentes do comportamento empreendedor do empresário; reinvenções e inovações, essas, que determinariam lucros rápidos e extraordinários. Nesse sentido, o que sustentaria o mundo corporativo seriam as inovações empreendedoras, isto é, a destruição criativa que impactaria as estruturas das firmas e constituiria novos bens de consumo, novos métodos de produção, novos mercados e novas formas de organização industrial (Schumpeter, 1952). As inovações empreendedoras, além de sua potencialidade de ser uma competência essencial para a organização, dotariam o mercado de produtos tecnológicos (ou, aporte de tecnologia) que sustentariam o desenvolvimento das firmas. O administrador torna-se, assim, o responsável pelo formato peculiar da organização, assim como pelo seu desempenho. De acordo com Chandler (1977), a empresa de negócios só se tornou viável quando a mão visível da gerência se mostrou mais eficiente que a mão invisível das forças do mercado. . Devemos ressaltar que a discussão sobre a capacidade da gestão na maximização do valor da firma através da tomada de decisão estratégica não foi explicitada nos trabalhos que analisamos.

Os temas controle, separação e expropriação sustentam a ideologia capitalista de direito da propriedade. Assim como capital é colocado em contraposição a trabalho, conforme revela o discurso marxista, no discurso da governança temos, respectivamente, capital em contraposição à gestão. Diante disso, poderíamos inferir que o discurso da governança seria um estado avançado do capitalismo, no qual o capital (propriedade) deixa de ser o tomador de decisão corporativa, e daí surge uma nova modalidade de trabalhador: os gestores. Conforme pode ser percebido no discurso marxista, a significação comum, que serve de metáfora à relação capital x trabalho, muitas vezes é tida como gestão x trabalho, já que, até o século XX, dificilmente o capital era dissociado da gestão. O indício linguístico da separação explicita e condiciona, no discurso sobre governança corporativa, o capital ao papel de proprietário, inferindo, pois, que propriedade não mais implica em gestão. No discurso da governança, portanto, capital necessariamente significa não ter o controle objetivo sobre a tomada de decisão corporativa (o fim da GC é justamente assumir esse controle).

Só que no discurso da governança há uma inversão de significações. O discurso marxista apregoa que o capitalista expropria o trabalhador, enquanto o discurso da governança coloca o trabalhador (ou a nova modalidade do trabalho, a gestão) expropriando o capital (comportamento oportunista que não maximiza o valor da propriedade). Essa inversão mostra-se coerente quando observamos que o discurso da governança corporativa é uma forma de discurso capitalista (se o discurso marxista é, grosso modo, um discurso de antagonismo, um discurso de compatibilidade com o capitalismo mostra-se coerente ao inverter a relação de expropriação).

Em posição de infraestrutura em relação ao discurso capitalista, o discurso da governança corporativa, além de não atribuir nenhuma atenção ao trabalhador no sentido do discurso marxista, para além da ideia de Agente, também inverte esta relação. O discurso da GC se apropria da ideia marxista de combate à expropriação, colocando-a como significante principal de seu discurso, mas posicionando o "antigo" capitalista, o gestor, no papel de trabalhador, e agora antagônico.

A sustentação do discurso capitalista é garantida, dentre outros, pelo discurso científico dominante. Nesse sentido, não podemos perder de vista a concepção epistemológica funcionalista na qual se "supõe que todas as esferas da vida desempenham alguma função social, sempre no sentido de garantir a harmonia, coesão e estabilidade do sistema" (Dias, 2011, p. 45), e que estrutura, pois, o campo estudado. O domínio da área de finanças sobre os trabalhos publicados tem implicado em abordagens estruturais sobre governança corporativa. Dentro da perspectiva funcionalista, chamaríamos de concepção estruturo-funcionalista. Essa vale-se da generalização de proposições a partir do valor médio do grupo de objetos estudados como premissa para a construção de um conhecimento substancial (Durkheim, 1978). Segundo esta concepção, os objetos manteriam relação causal com a estrutura, e os fatos sociais tenderiam a possuir representações objetivas (Turner, 1987). Objetos e/ou fatos teriam seus significados apreendidos por meio de descrições e ordenações sistemáticas e comparadas; significados, estes, relativos ao padrão estabelecido a esse mesmo objeto ou fato (Pugh, 1987).

A perspectiva comportamental dada pelos autores aos grupos de proprietários e gestores, sob influência estrutural-funcionalista, coloca o direito de propriedade como valor a ser respeitado e compreende a ação sob a razão de maximizar a própria função utilidade. Isso acontece porque o regime de verdade estruturo-funcionalista estabelece o direito de propriedade como verdade. Diante disso, esse direito torna-se presente nos enunciados e essa presença é acompanhada de consequências, como o comportamento dos atores que devem ser orientados e esse tipo de verdade. Isso implica em considerar que as escolhas seguiriam mais ou menos as mesmas motivações e responderiam mais ou menos aos mesmos incentivos, racionalizadas pela utilidade da escolha de bens e/ou serviços. Em função da perspectiva de maximização, uma relação determinística entre o comportamento dos indivíduos e o funcionamento da organização seria estabelecida. E essa relação estaria orientada pela determinação e fixação, pela estrutura organizacional, de comportamentos individuais relativos a determinados contextos, ou seja, como o proprietário não tem como controlar o administrador estabelece-se, como verdade única, o direito de propriedade, para atender aos objetivos do capital, ou seja, a maximização do valor investido na empresa.

Em função da perspectiva epistemológica assumida de um modo geral pelos autores analisados, compreender tanto a governança quanto a organização produtiva, a firma, seria compreender suas respectivas estruturas formais. A governança aparece, então, como mecanismo estruturante de regras e normas formais a que os indivíduos componentes da organização deveriam se submeter. O que sustenta a estrutura de regras seria justamente a fixação de comportamento, ou seja, o subjugo dos sujeitos à instituição da governança.

(4) A disponibilidade de capital para financiamento depende da canalização eficiente de recursos dos agentes poupadores para os investimentos produtivos. Essa canalização, por sua vez, depende fundamentalmente da confiança dos investidores não apenas em relação à viabilidade econômico-financeira dos empreendimentos, mas também em relação à obtenção para si dos frutos decorrentes do investimento realizado, já que existe o risco de o investimento ser rentável mas os resultados não retornarem para os fornecedores de capital. A confiança dos investidores em relação à viabilidade econômico-financeira depende de técnicas de orçamento de capital e de teoria da decisão, marcadamente quantitativas de análise do retorno ajustado pelo risco. Já a confiança dos investidores em relação à obtenção para si do retorno sobre seu investimento depende de um conjunto de fatores muito mais amplos e subjetivos, relacionados ao ambiente institucional onde a empresa está inserida, onde se destacam a proteção ao investidor, a infra-estrutura legal, os direitos de propriedade e a garantia de cumprimento dos contratos. (Fragmento do Trabalho 25, grifo nosso).

Esse fragmento reflete uma preocupação central no domínio da governança: a disponibilidade de capital. A necessidade de segurança é discutida por meio de relação determinística com a disponibilidade de capital, significando essa como efeito daquela. Segurança, no discurso da GC, enseja o pressuposto da disponibilidade de capital. Conforme é representado na oração do primeiro período do fragmento acima, canalização eficiente de recursos ou, em outras palavras, eficiente tomada de decisão estratégica (lembrando que eficiente significa maximizar o valor da propriedade) está em relação de causa e efeito com confiança4 4 Confiança e segurança são colocadas como sinônimas, já que buscam gerar o mesmo efeito persuasivo no interlocutor. do investidor. O léxico eficiente é signo do dueto eficiência e eficácia, comum no campo da Administração, e sugere um ideal de perfeição. A significação da maximização do valor da propriedade está em posição de intradiscurso com a expropriação do capital pela gestão. A expropriação é representada no fragmento 4 pela expressão obtenção para si dos frutos decorrentes do investimento, e faz menção ao direito residual de controle sobre a firma, tema do discurso da teoria de agência, que diz respeito ao direcionamento e escolha de recursos operacionais para maximizar o valor da propriedade.

4.2 O Comportamento dos Personagens sob a Ótica da Teoria de Agência.

Nas ideologias presentes na teoria de agência, percebe-se que tomada de decisão, além de estar em relação determinística com confiança, também mantém esse tipo de relação com otimização do uso da organização produtiva (ou seja, maximização da função utilidade da propriedade). Como a otimização denota eficiência, temos subentendido o ideal da tomada de decisão como sendo a maximização da função utilidade da propriedade. E, com a defesa da maximização, defende-se a ideia de segurança (que carrega consigo a ideologia de direito de propriedade).

O personagem Principal, também conhecido como proprietários, acionistas, investidores ou financiadores de capital, tem sido descrito sob a ideologia racionalista de que faz escolhas motivado pela relação risco e retorno. Ele seria incentivado pelos retornos esperados de uma decisão de investimento, levando em conta dada incerteza; seria avesso ao risco de expropriação da propriedade; e racionalizaria pela decisão que maximizaria o valor da propriedade (como possuem o direito de propriedade, maximizar o valor da propriedade seria maximizar sua própria utilidade pessoal).

Sendo avessos ao risco, investidores teriam níveis de confiança inversamente proporcionais a ele. A confiança seria efeito da causa expropriação; expropriação, por sua vez, efeito da causa comportamento eficiente, ótimo, dos Agentes - o denominado agente perfeito na teoria de agência. O comportamento destoante do Agente sinaliza os níveis de riscos dos investimentos em firmas. O estabelecimento de causa e efeito entre os comportamentos de Agentes e Principais aponta o valor médio desses personagens.

A expressão os resultados [do investimento] não retornarem para os fornecedores de capital ilustra o comportamento médio dos Agentes: espera-se que não maximizarão a utilidade do Principal, isso porque se comportam para maximizar sua própria função utilidade através do uso da organização produtiva. O comportamento médio do Agente é classificado como oportunista. Geralmente, a maximização da própria função utilidade é considerada sob uma relação mutuamente excludente entre obtenção de bens e serviços para si e obtenção de bens e serviços para a organização produtiva, já que no discurso capitalista a posse caberia a um único proprietário. Obter bens/serviços para si próprio por meio da organização produtiva, portanto, significa expropriar o Principal.

(5) Em mercados com baixa proteção dos investidores minoritários e pouca transparência, os investidores aplicariam um desconto no valor das ações ofertadas pelas empresas, de forma a garantir que estariam pagando por elas um valor justo. Supõe-se, neste caso, que os referidos investidores não podem julgar de forma correta quais são as ações de melhor qualidade e, por estarem expostos a uma eventual expropriação por parte dos acionistas controladores e gestores, pagariam um valor mais baixo por todas as ações ofertadas, de forma generalizada. Logo, ações de empresas com boa GC seriam compradas com deságio em relação a seu valor justo, enquanto ações de empresas com GC ruim seriam compradas por seu valor correto ou até mesmo com ágio. A assimetria informacional criaria, portanto, um problema de seleção adversa, ao desestimular a oferta de ações por empresas com boa GC e ao estimular a oferta de ações por empresas com GC ruim. Por conseguinte, nos mercados com baixa proteção dos acionistas minoritários, caso do mercado brasileiro, não restaria outra saída às empresas com boas práticas de governança a não ser buscar outras fontes de financiamento, entre elas o endividamento, induzindo uma relação positiva entre qualidade da GC e grau de endividamento, ceteris paribus. (Fragmento do Trabalho 14, grifo nosso).

O termo valor justo (utilizado pelo autor do Trabalho 14 em sentido popular e não fazendo menção à discussão de valor justo própria da contabilidade) refere-se ao retorno esperado relativo a dado nível real de risco. Esse termo liga-se à expressão ações de melhor qualidade, signo da otimização da tomada de decisão corporativa. "Valor justo" é significação de "segurança", ou confiança, diante da causa "expropriação". Esse termo e essa expressão, somados aos léxicos baixa proteção e GC ruim, enunciam o comportamento estigmatizado do Principal: um ator que necessita de proteção, de segurança; um ator carente de valor justo e de ações de melhor qualidade. A demanda do Principal por segurança é consequência do comportamento do Agente, potencial infrator do direito de propriedade ao maximizar sua própria função utilidade.

(6) A relevância de se ter um mecanismo de controle eficiente nas empresas sempre foi uma grande preocupação entre os investidores e os empresários. A geração de valor, ou seja, adicionar valor aos empreendimentos, tem se tornado uma constante para os acionistas, visto que os mesmos necessitam saber se o investimento realizado irá proporcionar o retorno real esperado. (Fragmento do Trabalho 11, grifo nosso).

A expressão a geração de valor tem se tornado uma constante para os acionistas traz indícios linguísticos da personalidade do Principal, estruturada em termos de risco e retorno. A diminuição do risco para estabelecer novas relações risco e retorno é significante no fragmento 6 pelo termo geração de valor. Podemos, pois, observar a ideia da governança corporativa como sendo um mecanismo que gera valor à empresa ao controlar o comportamento oportunista. A reificação estabelecida pelos autores (ver Santos, Beck, & Carrieri, 2009) revela que a governança seria o instrumento de obtenção de investimentos, já que ela seria a responsável pela geração de valor. Está aí subentendido que valor é gerado a partir do momento em que o comportamento do Agente passa a ser controlado. O controle significa assegurar a tomada de decisão que maximiza o valor da empresa - por isso o termo geração de valor.

O termo grande preocupação, antecedido pelo advérbio de tempo sempre, é um indício linguístico da recorrência de um comportamento que precisa ser controlado, o que nos permite inferir que tem sido latente, ao longo do tempo, a necessidade de construção de mecanismos para controle desse comportamento. A frequência "sempre" somada à adjetivação "grande preocupação" é, ainda, indício linguístico de insegurança e demarcaria implicitamente subentendida uma necessidade crônica de controle.

Os comportamentos indesejados (ou seja, a maximização da utilidade que fere o direito de propriedade) são considerados causas de exigência de maiores retornos. O termo controle, que simboliza a diminuição dos riscos, é utilizado como elemento simbólico de assistência à necessidade (crônica) de contenção do comportamento indesejado. Isso coloca o controle como causa da relação risco e retorno, por conseguinte, da confiança na organização.

(7) Assim, esses investidores começaram a pressionar os mercados de ações dos países emergentes, exigindo modernização por meio da adoção de práticas protecionistas dos direitos dos investidores. Então, alguns países, como o Brasil viram a necessidade de que, para terem acesso aos recursos estrangeiros, deveriam adotar melhores padrões de governança corporativa. (Fragmento do Trabalho 10, grifo nosso).

O fragmento acima serve de signo para reafirmar o comportamento médio dos acionistas: inseguros, necessitados de proteção. Práticas protecionistas, também conhecidas como práticas de governança corporativa, seriam causas de geração de valor. Conforme ilustra o fragmento 7, acesso a recursos (disponibilidade de capital para financiamento da firma) mantém relação determinística com governança corporativa.

O acesso a recursos, por parte da gestão, é consequência de segurança por parte do capital. Segurança é um eixo ideológico central nas relações causais. O sentido expresso por esse eixo modifica a função utilidade do Principal, que deixa de ser a maximização do valor da empresa, tal como significa o discurso econômico. A expropriação determinística tratada pelos textos acaba resultando em uma contradição ao significar a função utilidade do Principal como sendo maximizada pelo sentimento de segurança em relação aos investimentos de capital nas corporações. A segurança, que se confunde com confiança, enquanto causa do financiamento e efeito da expropriação, acaba se tornando o enfoque principal da discussão. As arguições e discussões sobre governança corporativa, portanto, tornam-se arguições e discussões sobre segurança e confiança dos financiadores de capital. Daí surge o subentendido a respeito da governança corporativa: mecanismo de fixação de comportamento que simboliza a determinação de relações de modo a representar segurança e confiança de que, devido à determinação, não existirá um comportamento expropriador.

(8) A boa governança corporativa ajuda a empresa a sinalizar ao mercado que elas estão dispostas a evidenciar informações de forma mais justa aos participantes do mercado de capitais, transmitindo assim maior segurança aos investidores.

(...) essas práticas [da boa governança corporativa] criam um ambiente mais seguro aos acionistas, usuários e outra partes relacionadas, em função da redução na assimetria de informação que, teoricamente, ocorre quando se tem maior preocupação com a qualidade das informações publicadas e com o tratamento aos acionistas. (Fragmento do Trabalho 10, grifo nosso).

Os léxicos sinalizar e transmitir são ilustrações da perspectiva da governança enquanto elemento simbólico. Elementos simbólicos contribuem para a construção de imaginários, uma vez que são elementos estruturantes de significações de mundo, que são elementos que mediam os desejos do "eu" e as possibilidades sociais. Elementos simbólicos (re)constroem a realidade, constituindo-a através da objetivação subjetiva. Elementos simbólicos transmitem significados culturais, construindo, pois, um sentido, simbólico, para o mundo. "Um ambiente mais seguro" seria, pois, um sentido simbólico para o mundo dos investidores; mundo, este, construído pelo elemento simbólico governança corporativa.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O nosso objetivo neste trabalho foi apresentar uma compreensão mais profunda sobre o campo da governança corporativa no Brasil e, para isso, desconstruímos o discurso dominante sobre GC, percebido pela presente pesquisa, a fim de fomentar novas discussões na área. Escolhemos a análise do discurso sob a justificativa de que a significação semiótica da palavra pode revelar a ideologia de um determinado grupo social. Os inúmeros discursos que atravessam o conjunto objetivo e significante da vida cotidiana revelam as concepções de mundo para os entes dele constituintes. Isso significa que os inúmeros discursos são constituídos e constituintes de parâmetros sociais e de regras, símbolos, institucionalizações e legitimações externas aos indivíduos, ao mesmo tempo em que perpetuam e modificam esses padrões, regras, símbolos, institucionalizações e legitimações. Isso implica em considerarmos o discurso como sendo uma prática socialmente embasada.

Escrevemos para leitores que já tenham algum conhecimento sobre governança corporativa. Isso não significa que devam ser leitores com profundidade no tema, mas que, pelo menos, tenham feito algum estudo sobre governança no âmbito acadêmico da administração e da contabilidade no Brasil. E apresentamos, aqui, uma visão construtivista sobre a governança corporativa, atualmente localizada em um campo eminentemente funcionalista. Acreditamos que essa é uma leitura importante para o campo estudado, pois traçamos uma perspectiva, sob lentes diferentes, do que atualmente se entende como governança.

Compreender o campo da GC sob uma base epistemológica diferente possibilita a autocrítica do campo, fornecendo, assim, possíveis dados para a evolução do conceito, de modo a diminuir a crescente separação que vem sendo percebida entre teoria e prática. Uma importante contribuição deste trabalho é o seu caráter inédito. Não encontramos na literatura sobre a GC nenhum trabalho (pelo menos aqui no Brasil) que trouxesse essa visão/discussão para o campo. Pode até ser uma limitação do trabalho não ter procurado, exaustivamente, produções críticas ao tema. Defendemos que, ao adotar uma perspectiva de análise diferente da dominante, torna-se possível desvelar alguns pressupostos que estão implícitos aos discursos recorrentes na área que fazem com que haja uma reprodução desse pensamento dominante e uma limitação crítica sobre os caminhos de análise a se seguir. O nosso intuito é que, ao olhar para o campo da contabilidade sob um ângulo que não seja o tradicional, proporcione ao leitor questionar o que vem sendo tido como Verdade, como, por exemplo, o comportamento oportunista do Agente. A partir da análise dos discursos produzidos sobre a GC, observamos que seu discurso está fundamentalmente arraigado ao discurso do capital, especialmente ao combater o oportunismo enquanto prática de gestão.

Outro discurso implícito observado foi o da concepção da governança como mecanismo estruturante de regras e normas formais a que os indivíduos componentes da organização deveriam se submeter. Temos aí o pressuposto de que a fixação de comportamento, ou o subjugo dos sujeitos à instituição da governança, garante a ação no sentido desejado pelo discurso da GC. No entanto, fixar comportamentos não significa necessariamente seus cumprimentos pelos personagens que constituem o campo. A determinação e fixação de papéis, genéricos e generalizados, que mais parecem prospecções futuras, acabam limitando a coerência da prática cotidiana em relação às determinações e fixações. Elas acabam negligenciando os recorrentes escândalos corporativos, que deixam explícita a incoerência do comportamento dado como real, como único possível.

Nesse sentido, uma das contribuições deste trabalho é poder trazer para a área de contabilidade e finanças essa possibilidade de entender os fenômenos que acontecem nas organizações sob outra perspectiva epistemológica. Exemplo disso foi que, ao abandonar o paradigma funcionalista e olhar para a GC com olhos pós-estruturalistas, observamos que, muitas vezes, o agente é visto como oportunista, mas nem sempre ele o é de fato. Existem casos em que ele obedece a ordens de um Principal. Ou seja, nem sempre a maximização de valor é o que deseja o acionista. Além disso, ao propor essa possibilidade, questionamos também o lugar da GC: ela seria exclusividade da área de contabilidade e finanças, não podendo ser analisada em outras áreas do conhecimento? Acreditamos que o caminho não seria segmentar a abrangência de análise e sim ampliar as lentes de análises.

Assim, a consequência prática deste trabalho está em trazer um outro olhar para as práticas de governança. No sentido de compreender os sujeitos de uma forma diferente, de maneira que a teoria, ao sair das funções utilitárias, possa explicar melhor o comportamento dos indivíduos. Em outras palavras, nosso intuito é chamar a atenção para a necessidade de analisarmos o campo da GC como algo que não seja só utilitarista e funcional como tem sido descrito; pois outras coisas também ajudam a explicar a governança e, com isso, talvez seja possível minimizar as lacunas entre teoria e prática.

Quando observamos a literatura sob óticas epistemológicas não dominantes, percebemos que o discurso da GC, além de silenciar o trabalhador enquanto sujeito de ação, no sentido do discurso marxista, também inverte a relação trabalhador x capital. Como discutimos, o Agente, na posição de trabalhador, expropria o capital por meio do comportamento oportunista, ou seja, o antigo representante do capital, o gestor, é tido agora como expropriador. E, pela ótica de análise adotada pelos autores dos trabalhos analisados, que é essencialmente funcionalista, a governança corporativa é tida como uma macroestrutura, mantenedora de regras e normas formais que devem controlar os indivíduos pertencentes à organização. Porém, esta postura desconsidera totalmente o comportamento subversivo e as táticas de gestão dos sujeitos (Certeau, 1998).

Outra contribuição é que, a partir da compreensão sobre os comportamentos dos personagens, suas respectivas relações causais, abre-se a possibilidade de compreender as limitações do campo, de modo que outros direcionamentos possam ser abertos. Em nossas análises, observamos que nenhum dos trabalhos analisados possui compreensão construtivista sobre o campo estudado, e também não encontramos qualquer trabalho que se detivesse a discutir o comportamento dos atores. Além disso, muitas das discussões estão centradas na segurança como sinônimo de confiança por parte do financiador/investidor. Tal fato reduz a governança corporativa a um mero mecanismo controlador de comportamento que determina e assegura que não existirá um comportamento expropriador naquela organização.

Embora tenhamos investigado as áreas da contabilidade e da administração, nossa discussão permeia predominantemente a governança enquanto um processo de gestão de empresas. Isso implicou em menos atenção à perspectiva da governança enquanto processo de evidenciação de informações; o que não significa que as discussões sobre o comportamento dos atores que fizemos não contemplem os estudos que focam essa evidenciação. A diferença é que, nesse último caso, a perspectiva de controle assume papel secundário nas arguições dos autores. Mas isso não quer dizer que os autores deixam de conceituar a governança enquanto um mecanismo de controle sobre o comportamento oportunista. A questão da evidenciação de informações se liga estritamente à assimetria de informações, sendo essa, dentro da lógica mecanicista, causa do comportamento oportunista - sugerimos ver Santos (2010).

Conforme dissemos no início deste trabalho, o caminho para uma compreensão mais profunda sobre GC é longo, e a relação entre assimetria de informações, evidenciação de informação e comportamento oportunista seria um capítulo à parte. O que aqui pretendemos foi aludir ao comportamento em geral dos personagens, que permeia a ideologia do controle; e, em uma abordagem inédita no campo, desnudar as ideologias presentes de um modo geral nas discussões sobre o tema da GC. Daí se a governança é tratada como instrumento de evidenciação ou de gestão acaba sendo irrelevante, desde que ela seja conceituada com bases da teoria de agência (o que a arremeterá à ideologia de controle).

Por fim, cabe ressaltar que discutir a GC sempre sob o mesmo ponto de vista dominante faz com que autores e pesquisadores da área se tornem meros replicadores de uma mesma teoria, porém em contextos diferentes, mas, em grande parte, de maneira acrítica. De modo que os discursos dominantes são igualmente reproduzidos e tidos como verdades incontestáveis. Neste sentido, o nosso intuito é demonstrar que é possível e desejável que se analisem as situações organizacionais sob prismas distintos a fim de se considerar novas perspectivas e, consequentemente, propor novas formas de gestão.

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Recebido em 19.11.2012

Aceito em 26.11.2012

4ª. versão aceita em 21.10.2013

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  • Voloshinov, V. N. (1979). Marxismo e filosofia da linguagem São Paulo: Hucitec.
  • *
    Artigo apresentado no XXXVI Encontro Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Administração, Rio de Janeiro, 2012.
  • 1
    Entendemos a ideologia como sendo a unidade de uma ordem de mundo, a unidade de normas de condutas adequadas; condutas estas construídas por meio da estrutura da totalidade parcial na qual o discursante habita. Por estrutura, compreendemos ser os elementos que serviriam como base de referência para as possibilidades de ações. Assim, consideramos a ideologia fruto de embates de práticas e políticas sociais (Bakthin, 1988; Fiorin, 2003; Van Dick, 1998).
  • 2
    O estruturalismo é um método científico social, que revela as estruturas universais individuais e sociais que, inconscientemente, as pessoas adotam em seu comportamento diário. Para mais detalhes ver: Paula (2008) e Peters (2000).
  • 3
    A discussão sobre a influência do Agente sobre o desempenho da firma, dentro da teoria da firma, parte da economia clássica, especificamente em Adam Smith (século XVIII, Revolução Industrial). Esse autor discute as alterações nos modos de produção e nas relações entre agentes econômicos; alterações, estas, cujo efeito seria a superação da terra pelo capital enquanto fator de produção. Smith (1978) defende que a especialização e a divisão do trabalho possibilitariam altos níveis de produção, o que permitiria às firmas proverem melhores rendimentos financeiros com o mesmo emprego de capital. Desta forma, introduz a ideia da firma como fator de riqueza, e não a terra - investimentos em firmas proveriam potenciais melhores retornos do que investimentos em terras.
    Embora ele direcionasse seu objeto para as empresas, por ele vistas como sendo uma generalizada função de produção, observa-se em sua obra arguições sobre o ato gerencial; descrito como sendo a capacidade de coordenar fatores produtivos para a obtenção de escalas de produção, ou excedentes de produção. Os diferentes formatos e desenvolvimento que as firmas pudessem adquirir relacionavam-se, segundo esse autor, às (re)produções das condições ambientais, com resultados melhores ou piores dependendo do grau de divisão do trabalho. As firmas eram vistas como "caixas pretas", compreendidas a partir de condições marginais (entrada e saída de recursos,
    inputs e
    outputs) (Jensen & Meckling, 1976). Os aspectos relevantes da firma, portanto, eram referentes à estrutura interna e às limitações externas com as quais operavam.
    A concepção do gestor como "alocador de recursos produtivos", ou como mero ato de engenharia, perpetuou-se até a primeira metade do século XIX, quando John Stuart Mill reconheceu a importância do comportamento dos gestores ao discorrer sobre o lucro como consequência do e também da escolha dos insumos de produção (a escolha dos insumos potencialmente reduziria os custos de produção). Caberia ao dirigente da firma determinar quais seriam os insumos da produção de acordo. A escolha deveria levar em conta os níveis de risco; e o resultado seria um dado equilíbrio entre custo e lucro (Mill, 1978).
    O rompimento em definitivo com a abordagem do gestor como alocador de insumos aconteceu, ainda nesta corrente, ao final do século XIX, com a ideia da firma idiossincrática, introduzida por Alfred Marshall. Os "senhores da produção", homens com aptidão para fazer negócios, seriam administradores habilidosos, indivíduos raros, escassos e únicos responsáveis pela condução e controle da firma (Marshall, 1982). Segundo este autor, os administradores seriam um corpo especial de gerentes que tomavam decisões corporativas com base no conhecimento tácito que detinham – o conhecimento gera diferenciação.
    A linha heterodoxa da economia reconhece a influência do gestor em meados do século XIX, com Veblen. Ao empresário era atribuída a capacidade de obter lucros extraordinários por meio da (re)invenção de mercadorias e da produção de escalpos. Veblen (1965) chega a ir além, defendendo que a consolidação do capitalismo seria inerente às reinvenções e inovações, que constantemente construiriam novas demandas nos consumidores; demandas que seriam construídas por meio do consumo conspícuo.
    O gestor seria o fator determinante, embora não único, da idiossincrasia das firmas. Nessa linha de raciocínio, a escola da tecnoestrutura coloca as reinvenções e inovações como decorrentes do comportamento empreendedor do empresário; reinvenções e inovações, essas, que determinariam lucros rápidos e extraordinários. Nesse sentido, o que sustentaria o mundo corporativo seriam as inovações empreendedoras, isto é, a destruição criativa que impactaria as estruturas das firmas e constituiria novos bens de consumo, novos métodos de produção, novos mercados e novas formas de organização industrial (Schumpeter, 1952). As inovações empreendedoras, além de sua potencialidade de ser uma competência essencial para a organização, dotariam o mercado de produtos tecnológicos (ou, aporte de tecnologia) que sustentariam o desenvolvimento das firmas.
    O administrador torna-se, assim, o responsável pelo formato peculiar da organização, assim como pelo seu desempenho. De acordo com Chandler (1977), a empresa de negócios só se tornou viável quando a mão visível da gerência se mostrou mais eficiente que a mão invisível das forças do mercado.
  • 4
    Confiança e segurança são colocadas como sinônimas, já que buscam gerar o mesmo efeito persuasivo no interlocutor.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Dez 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      19 Nov 2012
    • Aceito
      29 Nov 2012
    Universidade de São Paulo, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Departamento de Contabilidade e Atuária Av. Prof. Luciano Gualberto, 908 - prédio 3 - sala 118, 05508 - 010 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (55 11) 2648-6320, Tel.: (55 11) 2648-6321, Fax: (55 11) 3813-0120 - São Paulo - SP - Brazil
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