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Interesses Compartilhados Afetam a Veracidade dos Orçamentos?* * Artigo apresentado no VII Congresso ANPCONT, Fortaleza, Brasil, 2013

Resumos

A criação da folga orçamentária é um fenômeno associado com diferentes aspectos comportamentais, mas neste estudo se destaca o que focaliza a veracidade na elaboração dos orçamentos quando o benefício da folga é compartilhado entre o gerente da unidade e seu assistente. Neste caso, a veracidade é mensurada pelo nível de folga nos orçamentos e o benefício da folga representa um reflexo financeiro para o gerente e seu assistente. O estudo objetiva verificar como os interesses compartilhados na folga orçamentária afetam a veracidade dos relatórios orçamentários em uma organização. Para tal, realizou-se pesquisa experimental com uma amostra de 90 empregados, em cargos de gerência e liderança, de uma cooperativa que possui um plano de remuneração variável baseado no alcance das metas organizacionais. O experimento realizado na pesquisa consubstanciou-se no estudo de Church, Hannan, e Kuang (2012), desenvolvido com alunos de ensino superior dos Estados Unidos, e utilizou abordagem quantitativa na análise dos resultados. Constatou-se na primeira parte do experimento que, na condição de não compartilhamento da folga, os gerentes tendem a criar maior folga quando o seu assistente não é conhecedor da situação, refletindo-se em um índice de veracidade inferior, quando comparado com o assistente conhecedor da situação. Na condição de compartilhamento da folga, constatou-se média superior de folga quando o assistente é conhecedor da situação. Na segunda parte do experimento, os gerentes apontaram maior índice de veracidade na situação em que elaboram seu orçamento sabendo que seu assistente tem preferência por valores maiores de folga. Porém, o nível de veracidade é diferente entre os gerentes que sabem que o assistente prefere maximização de valores e gerentes que não sabem a preferência do assistente. Esses resultados contribuem com a literatura, ao apresentar evidências do comportamento de gerentes na criação de folga orçamentária em cenários de compartilhamento dos benefícios da folga com seus assistentes.

interesses compartilhados; folga orçamentária; benefício da folga; veracidade dos orçamentos


The creation of budgetary slack is a phenomenon associated with various behavioral aspects. This study focuses on accuracy in budgeting when the benefit of the slack is shared between the unit manager and his/her assistant. In this study, accuracy is measured by the level of slack in the budget, and the benefit of slack represents a financial consideration for the manager and the assistant. The study aims to test how shared interests in budgetary slack affect the accuracy of budget reports in an organization. To this end, an experimental study was conducted with a sample of 90 employees in management and other leadership positions at a cooperative that has a variable compensation plan based on the achievement of organizational goals. The experiment conducted in this study is consubstantiated by the study of Church, Hannan and Kuang (2012), which was conducted with a sample of undergraduate students in the United States and used a quantitative approach to analyze the results. In the first part of the experiment, the results show that when budgetary slack is not shared, managers tend to create greater slack when the assistant is not aware of the creation of slack; these managers thus generate a lower accuracy index than managers whose assistants are aware of the creation of slack. When budgetary slack is shared, there is higher average slack when the assistant is aware of the creation of slack. In the second part of the experiment, the accuracy index is higher for managers who prepare the budget with the knowledge that their assistants prefer larger slack values. However, the accuracy level differs between managers who know that their assistants prefer maximizing slack values and managers who do not know their assistants' preference regarding slack. These results contribute to the literature by presenting evidence of managers' behavior in the creation of budgetary slack in scenarios in which they share the benefits of slack with their assistants.

shared interests; budgetary slack; benefit of slack; budget accuracy


1 INTRODUÇÃO

O orçamento é parte integrante da estrutura de governança e possivelmente o instrumento de gestão mais utilizado pelas organizações (Davila & Wouters, 2005Davila, T., & Wouters, M. (2005). Managing budget emphasis through the explicit design of conditional budgetary slack. Accounting, Organizations and Society, 30 (7/8), 587-608.). Ele proporciona direcionamento em um determinado espaço de tempo e é uma importante base para avaliar o desempenho da organização e de seus gestores (Davila & Wouters, 2005; Frezatti, Nascimento, Junqueira, & Relvas, 2011Frezatti, F., Beck, F., & Silva, J. O. (2013). Percepções sobre a criação de reservas orçamentárias em processo orçamentário participativo. Revista de Educação e Pesquisa em Contabilidade, 7 (4), 335-354.). Essa última finalidade pode conduzir os gestores a promover folga no orçamento para facilitar o alcance das metas estabelecidas e quantificadas neste instrumento (Yuen, 2004Waller, W. S. (1988). Slack in participative budgeting: the joint effect of a truth-inducing pay scheme and risk preference. Accounting Organizations and Society, 13 (1), 87-98.).

A folga orçamentária é concebida como a busca pelo alcance facilitado das metas orçamentárias, por meio da subestimação das receitas, da superestimação dos gastos e/ou do viés no estabelecimento das metas e, nesse sentido, representa a diferença entre os recursos orçados e os necessários para a consecução das atividades (Merchant, 1985Merchant, K. A. (1985). Budgeting and the propensity to create budgetary slack. Accounting, Organizations and Society, 10 (2), 201-210.; Moene, 1986Moene, K. (1986). Types of bureaucratic interaction. Journal of Public Economics, 29 (3), 333-345.; Lukka, 1988Lukka, K. (1988). Budgetary biasing in organizations: theoretical framework and empirical evidence. Accounting, Organizations and Society, 13 (3), 281-301.; Dunk & Nouri, 1998Dunk, A. S. (1993). The effect of budget emphasis and information asymmetry on the relation between budgetary participation and slack. The Accounting Review, 68 (2), 400-410.; Nouri & Parker, 1998; Kilfoyle & Richardson, 2011Kilfoyle, E., & Richardson, A. J. (2011). Agency and structure in budgeting: thesis, antithesis and synthesis. Critical Perspectives on Accounting, 22 (2), 183-199.).

O estudo de Church, Hannan, e Kuang (2012)Church, B. K., Hannan, R. L., & Kuang, X. (2012). Shared interest and honesty in budget reporting. Accounting, Organizations and Society, 37 (3), 155-167., utilizado como base para a consecução da presente pesquisa, usou, nos experimentos realizados em laboratório, a criação da folga orçamentária pelos gestores, quando da elaboração de seus orçamentos, considerando a diferença entre o custo orçado e o custo real, o que coaduna com o entendimento de superestimação dos custos e despesas no orçamento.

Na perspectiva positivista, que é a lente predominante da literatura sobre folga orçamentária, "a folga resulta em desnecessária expropriação de recursos pelo gerente da unidade, logo ela não é do interesse geral da empresa" (Church, Hannan, & Kuang, 2012, p. 1). Desse modo, pela concepção de eficiência e eficácia organizacional, a folga orçamentária representa o desajuste das metas da organização e configura-se em um fenômeno a ser inibido, o que requer o conhecimento de suas características, motivações e reflexos.

Kilfoyle e Richardson (2011) aduzem que a temática do orçamento e suas especificidades, entre elas a folga orçamentária, vêm sendo apresentadas na literatura sob os mais diversos enfoques teóricos, dentre eles a Teoria da Agência, a Teoria Institucional, a Teoria Contingencial. Todavia, Kilfoyle e Richardson (2011, p. 196) sugerem que um campo fértil de pesquisa relativo ao processo orçamentário é investigar a "compreensão de como a exposição dos agentes às várias lógicas institucionais afeta a sua experiência de conflito de valores dentro do processo orçamentário".

O desenvolvimento desta temática cada vez mais vem incorporando elementos de outras perspectivas teóricas (Covaleski, Evans III, Luft, & Shields, 2003Covaleski, M. A., Evans, J. H., III, Luft, J. L., & Shields, M. D. (2003). Budgeting research: three theoretical perspectives and criteria for selective integration. Journal of Management Accounting Research, 15 (1), 3-49.). A investigação da folga orçamentária na perspectiva comportamental, a partir de atitudes, motivações, comportamentos, percepções, entre outros indicativos, vem sendo pautada em teorias psicológicas, como, por exemplo, desengajamento moral (Bandura, 1990Bandura, A. (1990). Selective activation and disengagement of moral control. Journal of Social Issues, 46 (1), 27-46.), elasticidade (Hsee, 1995Hsee, C.K. (1995). Elastic justification: how tempting but task-irrelevant factors influence decisions. Organizational Behavior and Human Decision Processes, 62 (3), 330-337.), que permitem analisar a inclinação dos gestores para a criação de folga, dadas determinadas circunstâncias de configuração dos sistemas de controle da organização.

A operacionalização do fenômeno da folga orçamentária sob essa concepção tem sido alvo de pesquisas com o intuito de verificar o comportamento dos gerentes de unidades de negócios no fornecimento de informações ao staff corporativo (à sede) da empresa (Evans III, Hannan, Krishnan, & Moser, 2001). O benefício da folga traduz-se em maior facilidade no alcance das metas, e pode refletir-se em maiores remunerações variáveis para o gestor e seus subordinados se forem atreladas às metas da organização. Nesse contexto, a veracidade dos relatórios orçamentários, representada pelo nível de folga orçamentária, parte da premissa que, quanto maior for o valor dessa folga, menos real será o orçamento.

Como a percepção do beneficio da folga é analisada pela perspectiva do indivíduo, do gestor e seus subordinados, Church et al. (2012) realizaram um experimento em laboratório, em que submeteram alunos de ensino superior a diferentes cenários, tendo como alvo a veracidade dos relatórios orçamentários, considerando (i) o benefício da folga sendo compartilhado ou não entre o gerente (responsável pela elaboração do orçamento) e seu assistente (não envolvido na elaboração do orçamento); (ii) o gerente sendo conhecedor ou não da preferência de seu assistente sobre a apresentação de um orçamento com folga; e (iii) o assistente sendo conhecedor ou não dos valores orçados e reais.

No entanto, estudos anteriores já abordavam sobre o impacto da configuração do sistema de controle no comportamento de criação de folga orçamentária, como o de Chow, Cooper, e Waller (1988)Chow, C. W., Cooper, J. C., & Waller, W. S. (1988). Participative budgeting: effects of a truth-inducing pay scheme and information asymmetry on slack and performance. The Accounting Review, 63 (1), 111-122., que observaram que o processo orçamentário sob a configuração de truth-inducing apresenta níveis menores de folga, em relação às propostas tradicionais. Evans III, Hannan, Krishnan, e Moser (2001) constataram que o nível de folga no orçamento, associado com a honestidade do relatório orçamentário, pode depender de como se divide o excedente total do contrato entre o gestor e a empresa. Este estudo revelou como a configuração dos contratos pode se refletir no comportamento dos gestores. Ranking, Schwartz, e Young (2005)Rankin, F. W., Schwartz, S. T., & Young, R. (2005). The effect of honesty and superior authority on budget proposals. Available at http://www.cob.ohio-state.edu/~young_53/Honesty_Authority.pdf.
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investigaram a criação de folga orçamentária sob a configuração de autoridade final da aprovação do orçamento. Os resultados indicaram que, quando o subordinado tem autoridade final sobre o orçamento, a folga é menor do que se para este orçamento for requerida aprovação do superior.

Os resultados dessas pesquisas evidenciam o reflexo que a configuração dos sistemas de controle exerce sobre o comportamento dos indivíduos. Além disso, têm-se, na literatura, indícios de como determinadas situações (compartilhamento ou não da folga orçamentária entre gestor e subordinado, conhecimento ou não do subordinado quanto ao comportamento de criação de folga orçamentária por parte do gestor) podem influenciar nos níveis de folga orçamentária (Bandura, 1990; Hsee, 1995). Depreende-se, do exposto, o potencial para o desenvolvimento de pesquisas sobre o tema, particularmente no que tange à abordagem ontológica, perspectivas teóricas e metodológicas, nível de análise, tipo de organização, entre outras lacunas de pesquisa percebidas.

A partir das constatações teórico-empíricas apontadas, elaborou-se a seguinte pergunta de pesquisa: Como os interesses compartilhados ou não na folga orçamentária afetam a veracidade dos relatórios orçamentários em uma organização? Assim, o estudo objetiva verificar como os interesses compartilhados na folga orçamentária afetam a veracidade dos orçamentos em uma organização. A veracidade foi aferida pela (i) folga orçamentária, intencional superestimação do orçamento de custos e de recursos necessários para a realização das tarefas (Nouri & Parker, 1998; Church et al., 2012), e pelo (ii) grau de honestidade do orçamento, sendo que, quanto mais próximo de 1 o índice, maior a veracidade do orçamento (Evans III et al. 2001; Rankin, Schwartz, & Young, 2008). A relevância do estudo está em buscar compreender a folga orçamentária, fenômeno intrinsecamente ligado ao comportamento dos envolvidos no processo orçamentário dentro de uma organização.

O estudo contribui para a consolidação dos preceitos teóricos que fundamentam esta pesquisa, ao buscar evidências empíricas do comportamento dos gestores frente à criação de folga orçamentária. Seja em cenários de compartilhamento ou não dos benefícios da folga com seus subordinados, e dado ou não o conhecimento dos subordinados quanto à prática da criação da folga pelo gestor, bem como o conhecimento ou não pelo gestor das preferências de seus subordinados quanto à criação de folga nos orçamentos. Isso permite inferir sobre os reflexos da configuração do sistema de controle orçamentário na propensão do gestor em criar folga orçamentária, em termos de autojustificação dessa prática (Bandura, 1990) e da elasticidade desta folga quando a percebe como aceita ou não pelo seu grupo (Hsee, 1995).

A pesquisa também tem um apelo intrínseco de ordem metodológica, em função da realização de um experimento, com base no desenho adotado no estudo de Church et al. (2012). Essa técnica ainda é pouco empregada em âmbito nacional em pesquisas comportamentais sobre fenômenos relacionados à contabilidade gerencial. Destaca-se ainda a contribuição do experimento configurado a partir de uma situação hipotética (Gall, Gall, & Borg, 2007Gall, M. D., Gall, J. P., & Borg, W.R. (2007). Educational research (8th ed., p. 672). Boston: Pearson.; Smith, 2011Smith, M. (2011). Research methods in accounting (2nd ed., p. 223). London: Sage.) de simplificação do processo orçamentário em uma organização sob determinadas condições moderadoras, e tendo como amostra profissionais acostumados ou, no mínimo, conhecedores da aplicação do tema na prática organizacional.

Rankin, Schwartz, e Young (2008) argumentam que, em estudos sobre a criação de folga orçamentária, a cultura corporativa pode ter um efeito profundo quanto a este comportamento. Por isso a utilização de profissionais de uma mesma organização para aplicar o experimento, ainda que sob configuração laboratorial, traz indícios importantes em termos de resultados, uma vez que os elementos culturais, em certo nível, serão mantidos. Desse modo, a realização do experimento com uma amostra composta de gestores e lideranças de uma cooperativa, acostumados com um sistema de recompensa baseado em metas e com o cotidiano de uma organização, contribui no sentido de permitir extrair evidências desse fenômeno na prática organizacional e em específico do grupo investigado.

2 FOLGA ORÇAMENTÁRIA E VARIÁVEIS RELACIONADAS

Os orçamentos são planos financeiros que, segundo Bruns e Waterhouse (1975)Bruns, W. J., & Waterhouse, J. H. (1975). Budgetary control and organization structure. Journal of Accounting Research, 13 (2), 177-203., fornecem uma base para orientar e avaliar o desempenho dos indivíduos, de equipes de trabalho, de divisões da empresa e da organização como um todo. Aduzem ainda que esses planos, juntamente com a liderança e a estrutura organizacional, apresentam potenciais meios de influenciar o comportamento em uma organização. Yuen (2004, p. 517) adverte que "o modo pelo qual orçamentos operacionais são preparados e executados pode ter um impacto significativo sobre as atitudes, o comportamento e o desempenho das pessoas envolvidas".

O comportamento gerencial pode direcionar-se à propensão de criação de folga orçamentária (Yuen, 2004). Para Dunk e Perera (1997), a folga orçamentária apresenta-se como uma subestimação intencional de receitas/recursos e superestimação de custos/recursos, no intuito de garantir um cumprimento facilitado do orçamento. Além disso, sob a perspectiva positivista, a folga orçamentária configura-se como um aspecto disfuncional da organização, ou seja, reflete falta de controle e/ou distorções nas informações para a tomada de decisões.

Na literatura de folga orçamentária são apontadas diversas variáveis relacionadas ao tema, com predominância da análise de variáveis sob o paradigma econômico, utilizando-se dos pressupostos da Teoria da Agência (Covaleski et al., 2003), como, por exemplo, a ênfase no orçamento (Stede, 2000; Yuen, 2004), participação orçamentária e assimetria informacional (Merchant, 1985; Moene, 1986; Chow, Cooper, & Waller, 1988; Lukka, 1988; Waller, 1988; Dunk, 1993; Lal, Dunk, & Smith, 1996Lal, M., Dunk, A. S., & Smith, G. D. (1996). The propensity of managers to create budgetary slack: a cross-national re-examination using Random Sampling. The International Journal of Accounting, 31 (4), 483-496.; Nouri & Parker, 1998), que apresentam imbricadas relações, como nível informacional, tecnologia da informação, desempenho, remuneração, entre outros aspectos.

No entanto, no presente estudo a criação da folga orçamentária é assumida sob a lente teórica da psicologia, focalizando o comportamento e julgamento dos indivíduos envolvidos no processo orçamentário, sob o prisma de fatores como ética, honestidade e indução à verdade por meio da participação orçamentária e planos de incentivos, percepção do que é aceito ou não pelos pares no processo orçamentário (Chow et al., 1988; Evans III et al., 2001; Ranking, Schwartz, & Young, 2005; Maiga & Jacobs, 2008Maiga, A. S., & Jacobs, F. A. (2008). The moderating effect of manager's ethical judgment on the relationship between budget participation and budget slack. Advances in Accounting, 23 (1), 113-145.; Hartmann & Maas, 2010Hartmann, F. G. H., & Maas, V. S. (2010). Why business unit controllers create budget slack: involvement in management, social pressure, and machiavellianism. Behavioral Research in Accounting, 22 (2), 27-49.; Church et al., 2012).

Chow et al. (1988) investigaram o impacto que a configuração dos esquemas de recompensa (incentivos) e a assimetria informacional exercem sobre a criação de folga orçamentária. Esses autores analisaram o contexto de sistema de remuneração tratado como truth-inducing, em que o gestor tem a preferência por orçamentos iguais a sua expectativa de desempenho, viabilizado por meio de um orçamento participativo. A pesquisa revelou, por meio do experimento realizado, que os orçamentos sob esta configuração de truth-inducing apresentam níveis menores de folga, em relação às propostas tradicionais.

Evans III et al. (2001) analisaram a honestidade em um ambiente em que os gestores de unidades de negócios dispõem de mais informações do que os da sede, e necessitam tomar decisões operacionais eficientes, tendo como parâmetro o orçamento. Observaram, por meio dos experimentos realizados, que a honestidade dos gestores desempenha um papel importante no comportamento de elaboração dos relatórios orçamentários. Os resultados sugerem que os relatórios gerenciais englobam os efeitos da honestidade e do lucro, e reconhecem que o grau de honestidade pode depender de como se divide o excedente total do contrato entre o gestor e a empresa. Este estudo trata a folga orçamentária sob a perspectiva da Teoria da Agência, ilustrando como a configuração dos contratos pode se refletir no comportamento dos gestores.

Ranking et al. (2005), seguindo o estudo de Evans III et al. (2001), investigaram a criação de folga orçamentária sob a configuração de autoridade final da aprovação do orçamento, pelo subordinado ou superior. Observaram por meio do experimento realizado que, quando o subordinado tem autoridade final sobre o orçamento, a folga é significativamente menor do que se é requerido, para este orçamento, aprovação do superior. Este resultado demonstra o reflexo que as configurações dos sistemas de controle exercem sobre o comportamento dos indivíduos.

Este campo de pesquisa vem proliferando no intuito de "obter uma melhor compreensão de como a exposição dos indivíduos às várias lógicas institucionais afetam a sua experiência de conflito de valores no processo orçamentário, e como isso afeta as lógicas institucionais que são embutidas nos orçamentos" (Kilfoyle & Richardson, 2011, p. 195). O desenvolvimento dessa temática traz à tona a discussão sobre o desenho dos sistemas de controle das organizações e a percepção e interação dos indivíduos envolvidos nesse contexto.

O sistema de controle gerencial, conforme Simons (1995)Simons, R. (1995). Levers of control. Boston: Harvard Business School Press., é composto por quatro alavancas que, juntas, auxiliam a empresa no alcance de suas estratégias. O level of control é formado pelo sistema de crenças e valores, em que a missão e visão da empresa, além de comunicadas expressamente, direcionam o comportamento dos indivíduos para o que deles é esperado na organização. O segundo sistema trata das fronteiras, ou seja, códigos e condutas a serem seguidos na organização. O terceiro sistema, sistema diagnóstico, consubstancia-se em diversos mecanismos utilizados pela empresa com vistas ao controle para o alcance de seus objetivos, como, por exemplo, o orçamento e o sistema de incentivos da organização. O quarto sistema refere-se ao sistema interativo, cuja proposta é identificar oportunidades e permitir o desenvolvimento de estratégias emergentes.

No modelo de controle gerencial proposto por Simons (1995), a organização busca um alinhamento entre seus objetivos e os meios para alcançá-los. As políticas de remuneração de incentivo praticadas pela organização, por exemplo, representam fator importante a ser considerado no processo orçamentário, pois se reflete no nível em que o benefício da folga é compartilhado entre gestores e empregados (Church et al., 2012). Os autores apontam ainda que, cada vez mais, as organizações vêm aderindo aos planos de incentivos baseados em grupos.

Esta modalidade de remuneração possui como característica o fato "de que a compensação varia em função do desempenho alcançado por um grupo de funcionários" (Hollensbe & Guthrie, 2000Hollensbe, E. C., & Guthrie, J. P. (2000). Group pay-for-performance plans: the role of spontaneous goal setting. The Academy of Management Review, 25 (4), 864-872., p. 864). Nesse sentido, Church et al. (2012) inferem que a criação da folga orçamentária, por meio da subestimação de metas, traria benefícios compartilhados entre o gerente e os funcionários de sua respectiva unidade. Assim, a configuração do modelo de sistema de controle gerencial e suas especificidades pode trazer reflexos ao comportamento dos indivíduos da organização.

Para Bandura (2002), os indivíduos em suas ações diárias adotam padrões sobre o que é certo e errado, na forma de manual de conduta, desenvolvido em uma espécie de moral própria. Os indivíduos monitoram e conduzem suas ações levando em conta as circunstâncias em que são desenvolvidas e baseando-se em suas normas morais. Neste contexto, acrescenta-se o conceito de Agência Moral (Bandura, 2002), uma teoria sociocognitiva, que inclui mecanismos de autorregulação do indivíduo, pautado em autossanções.

Osofsky, Bandura, e Zimbardo (2005Osofsky, M. J., Bandura, A., & Zimbardo, P. G. (2005). The role of moral disengagement in the execution process. Law and Human Behavior, 29 (4), 371-393., p. 371) explicam que, "no exercício da Agência Moral, as pessoas se abstém de comportamentos que violem seus padrões morais, porque tal conduta trará autocondenação". Por outro lado, Moore (2008Moore, C. (2008). Moral disengagement in processes of organizational corruption: The effect of moral disengagement. Doctoral dissertation, University of Toronto, Toronto, Canada., p. iii) destaca a Teoria do Desengajamento Moral de Bandura (1990, 1999, 2002), como um mecanismo contrário desenvolvido pelo indivíduo, ou seja, "a propensão do indivíduo suspender o processo de autorregulamentação que, normalmente, o obriga a se comportar moralmente".

O desengajamento moral, conforme Church et al. (2012), ocorre quando um gestor associa a elaboração do orçamento com folga a um benefício refletido também para outras pessoas (funcionários), ou seja, remete a uma autojustificação para sua ação, pois não está justificado em um interesse próprio e, sim, em um interesse comum. O entendimento de interesse comum leva à elaboração de relatórios com menor nível de veracidade e, consequentemente, maiores índices de folga.

O processo de desengajamento moral pelo indivíduo perpassa a consciência do contexto social da organização. Abul-Ezz e Dickhaut (1993Abul-Ezz, M. E., & Dickhaut, J. W. (1993). Incentive structure and group performance expectations in a budgeting setting: a descriptive study. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 6 (2), 17-31., p. 17) elucidam que normas sociais podem influenciar no desempenho do grupo, indicando, inclusive, "como um membro do grupo deve agir em determinada situação". Os autores referem-se ao processo orçamentário e à expectativa de desempenho quando do compartilhamento dos resultados pelo grupo.

A intensidade do desengajamento moral dos indivíduos pode estar associada à justificação elástica, que se fundamenta na Teoria da Elasticidade (Hsee, 1995, 1996). Esta Teoria trata do comportamento do gestor na elaboração do orçamento, sob o ponto de vista dos diversos fatores, justificáveis ou não, envolvidos na tomada de decisão. Diz respeito à atitude que o gestor deveria ter ou à atitude que ele gostaria de ter, no entanto, não consegue justificá-la para si mesmo, se comparado à outra opção/atitude.

Neste estudo, essa Teoria se aplica sobre a decisão do gestor de elaborar um orçamento com folga ou não, considerando ainda o nível desta folga, para o máximo possível, ou uma margem suficiente na sua percepção (Church et al., 2012). Essas decisões envolvem a percepção do gestor em relação à aprovação ou não desse comportamento perante os seus subordinados. Sendo assim, a autojustificação dos gestores ao elaborar o orçamento implica a decisão da melhor alternativa, dentre as possibilidades e os reflexos possíveis.

Pesquisas sobre folga orçamentária também são encontrados em periódicos nacionais, mas denotam iminência recente do tema no contexto brasileiro. Essas têm como foco o mapeamento dos principais temas abordados na literatura sobre folga orçamentária (Junqueira, Oyadomari, & Moraes, 2010; Pereira, Bruni, & Cordeiro Filho, 2012Pereira, A. G., Bruni, A. L., & Cordeiro Filho, J. B. (2012). Hiatos de racionalidade e decisões gerenciais: perspectivas sobre a "caixa preta" do profissional de controladoria. Revista de Contabilidade do Mestrado em Ciências Contábeis da UERJ (Online), 17 (1), 65-76.); identificação, na perspectiva interpretativista, de aspectos relacionados à criação da folga orçamentária em uma empresa (Frezatti, Beck, & Silva, 2013).

Na literatura nacional, entre os estudos que analisaram fatores associados à criação da folga orçamentária, semelhante ao proposto no presente estudo, destacam-se os de Aguiar e Souza (2010)Aguiar, A. B., & Souza, S. M. (2010). Processo orçamentário e criação de reservas em uma instituição hospitalar. Revista Contemporânea de Contabilidade, 1 (13), 107-126.; Beuren e Paton (2013)Beuren, I. M., & Paton, C. (2013). Folga organizacional em unidades de negócios de empresa descentralizada na percepção dos controllers. Pretextus, 14 (1), 13-35.; Buzzi, Santos, Beuren, e Faveri (2014)Buzzi, D. M., Santos, V., Beuren, I. M., & Faveri, D. B. (2014). Relação da folga orçamentária com participação e ênfase no orçamento e assimetria da informação. Revista Universo Contábil, 10 (1), 06-27.; Lavarda e Fank (2014)Lavarda, C. E. F., & Fank, O. (2014). Relação da assimetria da informação, da participação orçamentária e do risco na criação da folga orçamentária. Contextus, 12 (1), 81-110.. No estudo de Aguiar e Souza (2010), realizado em um hospital, constataram uma inclinação dos gestores para a criação de folga no orçamento, motivada pela busca de metas facilmente alcançáveis e pelo entendimento de dissociação entre metas orçamentárias e controle de custos.

Beuren e Paton (2013) examinaram os determinantes da folga organizacional na percepção dos controllers em unidades de negócios (UN) de uma empresa de estrutura descentralizada. Os resultados indicaram a existência de folga organizacional em maior ou menor proporção em unidades de negócios conforme o enfoque para: (i) alcance das metas orçamentárias; (ii) assimetria informacional entre o gerente geral da unidade de negócios e o controller corporativo; (iii) a autoridade das decisões relativas à gestão de pessoas e de mudanças nas técnicas e procedimentos contábeis; e (iv) autonomia das UN.

Buzzi et al. (2014) observaram relação entre a folga orçamentária e a participação e ênfase no orçamento, com evidências de que os gestores tendem a constituir maior folga na participação do orçamento quando a ênfase no orçamento e a assimetria da informação são elevadas. Já o estudo de Lavarda e Fank (2014) indicou que não há relação entre participação, assimetria da informação e risco com a criação da folga orçamentária. Reafirma-se, assim, o quadro inconclusivo das pesquisas sobre o tema, conforme observado por Junqueira, Oyadomari, e Moraes (2010), e o potencial de desenvolvimento de pesquisas sobre o tema no contexto brasileiro.

As pesquisas apontadas neste referencial teórico auxiliam na compreensão do status quo do desenvolvimento do tema da folga orçamentária no contexto da contabilidade gerencial, tanto na literatura internacional como na nacional. Além disso, estas pesquisas trazem elementos para o entendimento do comportamento dos gestores no processo orçamentário, em específico, a criação da folga orçamentária sob o foco da percepção/conhecimento ou não dos subordinados da sua prática pelo superior hierárquico.

3 DESCRIÇÃO DO ESTUDO DE CHURCH, HANNAN E KUANG (2012)

A pesquisa realizada por Church et al. (2012), por meio de um experimento com alunos de duas instituições de ensino superior dos Estados Unidos, é detalhada a seguir pelo fato de ela consubstanciar o presente estudo. Os autores investigaram a veracidade dos relatórios orçamentários quando há benefício resultante da folga orçamentária, e esta é compartilhada ou não pelo gerente (responsável pela elaboração dos relatórios orçamentários) e seu assistente (não envolvido na elaboração desses relatórios).

Church et al. (2012) apresentaram em seu estudo dois objetivos. O primeiro foi investigar como os interesses compartilhados afetam a veracidade dos relatórios orçamentários. Mais especificamente, como a partilha dos benefícios da folga orçamentária entre o gerente da unidade, que elabora os relatórios orçamentários, e seu assistente, que não está envolvido na sua elaboração, afeta a veracidade desses relatórios. O segundo objetivo foi investigar se o comportamento do gerente é influenciado na elaboração dos relatórios orçamentários, quando este conhece a preferência do seu assistente quanto à apresentação de folga no orçamento. Com vista a esses objetivos, os autores realizaram dois experimentos comportamentais em laboratório.

3.1 Experimento 1 - Compartilhamento ou Não do Benefício da Folga Orçamentária / Conhecimento ou Não do Assistente sobre a Manipulação do Orçamento pelo Gerente

No Experimento 1, Church et al. (2012) investigaram como os interesses compartilhados entre o gerente e seu assistente afetam a veracidade dos relatórios orçamentários, com o intuito de contemplar o primeiro objetivo estabelecido na pesquisa.

Fundamentados na Teoria do Desengajamento Moral de Bandura (1990, 1999, 2002), os autores encontraram evidências de que a folga orçamentária, decorrente de declarações incorretas, que beneficia somente o gerente, é considerada moralmente negativa e injustificável. Porém, se os benefícios da folga orçamentária forem compartilhados entre o gerente e seu assistente, tende a ser considerada positiva, pois estaria servindo a um interesse comum, o que a justificaria e a tornaria moralmente admissível. Com base neste entendimento, os autores elaboraram a primeira hipótese relativa ao interesse compartilhado:

H1 - Gerentes apresentam relatórios orçamentários com menor veracidade quando o benefício da folga é compartilhado com seus assistentes do que quando não é compartilhado.

Foi investigada também a preocupação dos gerentes com o que seus assistentes pensam sobre o comportamento de elaborar declarações incorretas. Argumenta-se que, quando o benefício da folga não é compartilhado, o gerente se preocupa com os assistentes terem uma percepção dele como sendo uma pessoa oportunista e egoísta. Sendo assim, o gestor tende a informar com maior veracidade quando os assistentes têm conhecimento de suas escolhas. Porém, quando o benefício da folga é compartilhado com seus assistentes e eles têm conhecimento das escolhas do gerente, possivelmente a veracidade dos relatórios orçamentários será afetada. Assim, formularam duas hipóteses relativas ao conhecimento dos assistentes sobre declarações incorretas dos gerentes nos relatórios orçamentários:

H2a - Se o benefício da folga orçamentária não é compartilhado, os gerentes informam com maior veracidade quando seus assistentes estão cientes do comportamento do gerente quanto às informações prestadas, do que quando não estão cientes do seu comportamento.

H2b - Se o benefício da folga orçamentária é compartilhado, a veracidade dos relatórios orçamentários fornecidos pelos gerentes não é afetada quando os assistentes estão cientes do comportamento do gerente quanto às informações prestadas.

O experimento foi realizado em um laboratório de pesquisa comportamental para testar essas hipóteses. Neste primeiro experimento utilizaram a configuração de relatórios, semelhantes ao de um "contrato de confiança" (Evans III et al., 2001), em função de esse tipo de contrato permitir ao pesquisador investigar o efeito de fatores comportamentais, quando os participantes têm incentivos econômicos significativos para agir de forma oportunista.

Participaram do experimento 174 alunos de graduação matriculados em vários cursos do Instituto Tecnológico da Georgia, dos Estados Unidos, sendo que estes participantes interagiram de forma anônima em uma mesma sala. Para o experimento dividiram a amostra em dois grupos, um fazendo papel de gerente da unidade e outro de assistente. O propósito inicial era que o gerente da unidade apresentasse um relatório orçamentário para uma hipotética sede, solicitando fundos para financiar o custo de produção de sua divisão. O gerente sabia exatamente o custo real da produção antes de submeter o relatório orçamentário, sendo que a sede proporcionaria recursos iguais ao orçado, desde que fosse um valor viável. Os autores optaram, no experimento, por não ter participantes que assumissem o papel da sede.

O experimento foi delineado com a manipulação de dois fatores. O primeiro foi referente ao benefício da folga orçamentária ser compartilhado entre o gerente e o seu assistente. Quando a folga era compartilhada, o valor da diferença entre o custo orçado e o custo real (a folga) seria dividido entre o gerente e seu assistente. Quando a folga não era compartilhada, o gerente receberia a folga inteira. O segundo fator manipulado foi que o custo real e o relatório orçamentário do gerente eram de conhecimento do assistente. Na condição de conhecedor, o assistente era informado sobre o custo real e o valor orçado pelo gerente. Na condição de desconhecedor, o assistente não era informado sobre o custo real e o valor orçado. O gerente estava ciente da condição do assistente, conhecedor ou desconhecedor das informações.

O experimento consistiu de seis etapas independentes, ou seja, os custos reais e os relatórios orçamentários não tiveram nenhuma sequência de uma etapa para outra. Para melhor comparabilidade entre os gerentes, os custos reais foram determinados aleatoriamente para as seis etapas, sendo que todos os gerentes receberam o mesmo custo real a cada etapa. Em cada etapa do experimento foram realizados os mesmos procedimentos básicos. Após as seis etapas do experimento serem concluídas, os gerentes participantes do experimento ainda responderam a um questionário pós-experimento.

Duas medidas foram calculadas para avaliar a veracidade dos relatórios orçamentários dos gestores. A primeira, referida como "folga", foi computada pela diferença entre o custo orçado e o custo real. A segunda, adaptada de Evans III et al. (2001), referida como "veracidade", foi calculada pela fórmula: 1 - [(custo orçado - custo real) / (6,000 - custo real)]. Essa medida resultou em um valor de zero a um. Se um gerente se comportava honestamente, informando o custo real, o valor era um; ao contrário, se visava ao autointeresse, informando a quantidade máxima possível de 6,000 Liras (moeda fictícia utilizada no experimento), o valor era zero.

Para testar a primeira hipótese, os autores realizaram análise de variância, comparando as médias dos dois grupos pelo teste estatístico ANOVA, considerando como variáveis dependentes a folga orçamentária e a veracidade dos relatórios orçamentários de cada gerente-participante, em cada uma das seis etapas do experimento. Foi confirmada a H1, de que os gerentes apresentam relatórios orçamentários com menor veracidade quando o benefício da folga é compartilhado com seus assistentes do que quando o benefício não é compartilhado.

Nas respostas ao questionário pós-experimento, em que foi perguntado aos gerentes se achavam que o assistente prefere um orçamento superior ao custo real, igual ao custo real ou seria indiferente, a maioria dos gerentes indicou que o assistente prefere um orçamento igual ao custo real ou seria indiferente quando o benefício da folga não fosse compartilhado. No entanto, quando o benefício da folga era compartilhado, praticamente todos os gerentes indicaram que o assistente prefere um orçamento superior ao custo real. Este resultado mostrou que, na condição de compartilhamento do benefício da folga, a suposição dos gerentes é de que o assistente prefere um orçamento com folga.

No segundo conjunto de hipóteses, a H2a (na condição de não compartilhamento da folga, assistentes cientes do comportamento do gestor quanto às informações prestadas aumenta a veracidade dos relatórios orçamentários fornecidos pelo gerente) não se confirmou. Isso denota uma preocupação do gerente com a percepção dos assistentes sobre ele ser uma pessoa oportunista e egoísta. Por sua vez, a H2b (na condição de compartilhamento da folga, assistentes cientes do comportamento do gestor quanto às informações prestadas não afeta a honestidade dos relatórios orçamentários fornecidos pelo gerente) se confirmou.

As respostas ao questionário pós-experimento, que perguntava sobre a preocupação dos gerentes quanto à impressão passada aos seus assistentes, indicam que os gerentes pouco se preocupam com a impressão que os assistentes têm deles. No entanto, no experimento, os resultados sugerem que o conhecimento por parte do assistente de declarações incorretas não influencia no comportamento do gerente somente quando a folga beneficia o assistente.

3.2 Experimento 2 - Conhecimento ou Não do Gerente sobre a Preferência do Assistente Quanto à Apresentação de Folga no Orçamento

No Experimento 2, Church et al. (2012) investigaram se o comportamento dos gerentes é influenciado na elaboração do relatório orçamentário quando esses conhecem a preferência dos seus assistentes quanto à apresentação de folga no orçamento. Fundamentaram-se na Teoria da Justificação Elástica de Hsee (1995, 1996), a qual preconiza que o grau de engajamento do indivíduo em comportamentos oportunistas depende da elasticidade de tal comportamento, isto é, da elasticidade para se justificar quanto ao comportamento. Evidências encontradas sugerem que, se os gerentes conhecem as preferências de seus assistentes por relatórios orçamentários mais honestos, a elasticidade do gerente é reduzida. Logo, serão menos propensos a manipular os valores nos relatórios orçamentários quando os seus assistentes têm preferência por orçamentos verídicos do que quando a preferência deles é desconhecida ou quando é de inflar o orçamento. Assim, os autores formularam a seguinte hipótese:

H3 - Gerentes conhecedores da preferência de seus assistentes por orçamentos mais honestos apresentam maior veracidade nos relatórios orçamentários do que gerentes conhecedores da preferência de seus assistentes pela maximização da riqueza nos orçamentos ou gerentes que desconhecem a preferência de seus assistentes.

Também foi verificado se o comportamento dos gerentes é influenciado quando a preferência dos seus assistentes é de inflar o orçamento, em comparação a quando desconhecem a preferência. O pressuposto é que, se o assistente tem uma preferência conhecida por inflar o orçamento, o seu efeito incremental no relatório do gestor seria limitado. No entanto, pelo fato de não terem bases para prever com precisão a magnitude deste efeito incremental, foi proposta uma quarta hipótese na forma nula.

H4 - O nível de veracidade dos relatórios orçamentários não é diferente entre os gerentes conhecedores da preferência de seus assistentes pela maximização da riqueza nos orçamentos e gerentes que desconhecem a preferência de seus assistentes.

Para o Experimento 2 foi utilizada a mesma configuração e condições do primeiro experimento. Participaram da pesquisa 90 alunos de graduação de diferentes cursos da Universidade Estadual da Georgia, dos Estados Unidos. O delineamento do experimento focalizou três níveis de preferência: honesta, egoísta ou desconhecida. Os três níveis foram obtidos pela mensuração da preferência de cada assistente por meio de um questionário.

O experimento foi realizado em duas fases. A primeira consistiu somente de assistentes e, a segunda, somente de gerentes. Na primeira fase, os participantes foram informados que eles seriam os assistentes. E ao serem emparelhados com um gerente em uma sessão posterior, seriam pagos com base na decisão do gerente. Foi solicitado aos assistentes indicar em que medida achavam que o orçamento deveria ser inflado a partir do custo real.

Na segunda fase, os gerentes foram informados que tinham sido emparelhados com um assistente. Desta forma, conheceriam a preferência por orçamentos honestos ou egoístas deste assistente e, com base nisso, estabeleceriam sua decisão. Em seguida, estes gerentes receberam um relatório de custos, contendo as informações do custo real, que foi um dos custos utilizados no Experimento 1, em que tiveram que demonstrar o valor orçado. Depois disso, eles preencheram um questionário pós-experimento e foram liberados.

A análise de variância foi utilizada para testar as hipóteses H3 e H4, comparando as médias dos dois grupos pelo teste estatístico ANOVA, tendo como variáveis dependentes folga orçamentária e honestidade dos relatórios orçamentários, e como variáveis independentes as preferências dos assistentes (honesta, egoísta ou desconhecida). Os testes confirmaram H3 e H4, ou seja, se o assistente tem preferência por orçamentos mais honestos, a decisão do gerente nos relatórios orçamentários será inelástica, porque o interesse comum prevê menos justificativas para inflar o orçamento. Logo, o gerente é menos inclinado a inflar o orçamento. Porém, se a preferência do assistente é desconhecida ou se é favorável à maximização da riqueza, o gerente estará mais inclinado a inflar o orçamento.

Na aplicação do questionário pós-experimento, os gerentes foram solicitados a responder sobre a influência da opinião do assistente na sua tomada de decisão nos valores incluídos nos relatórios orçamentários. Os resultados apontaram que a decisão do gerente ocorre independente da preferência do assistente.

4 METODOLOGIA DA PESQUISA

Para investigar como os interesses compartilhados na folga orçamentária afetam a veracidade dos relatórios orçamentários em uma organização, utilizou-se como base os experimentos desenvolvidos e aplicados por Church et al. (2012). O estudo caracteriza-se como uma pesquisa experimental, por simplificar uma situação (a elaboração do orçamento), e, a partir disso, ter meios de identificar a relação de causa e efeito das variáveis analisadas no estudo, observando para isso um ambiente de controle das variáveis que influenciam a situação analisada (Gall et al., 2007; Smith, 2011).

4.1 Amostra da Pesquisa

A amostra para a realização do experimento compreendeu gerentes e lideranças de uma cooperativa de produção do Sul do Brasil, totalizando 90 participantes. Para os experimentos, os papéis de gerentes e assistentes foram sorteados aleatoriamente entre os participantes, conforme recomendado pela literatura pertinente (Smith, 2011) e também em consonância com o procedimento adotado no estudo base.

A seleção desta amostra decorreu pela acessibilidade aos dirigentes da cooperativa e pela disponibilidade dos gerentes e lideranças de participar da realização do experimento na organização. Além disso, as cooperativas pertencem a um cenário ainda pouco explorado em pesquisas acadêmicas. O desenvolvimento do experimento em uma situação hipotética de uma organização configura-se como uma contribuição deste estudo, pois Smith (2011) ressalta que é necessário o desenvolvimento de experimentos com profissionais experientes na área.

Destaca-se que a utilização da mesma amostra para o desenvolvimento dos dois experimentos no presente estudo, diferente do modo como foi procedido na pesquisa de Church et al. (2012), não prejudica a análise, uma vez que as hipóteses do estudo base, em cada experimento, trazem a inferência de continuidade da pesquisa, não objetivando um comparativo entre os resultados de amostras distintas.

4.2 Ajustes no Desenho dos Experimentos do Estudo Base

Os dados da pesquisa foram coletados por meio da realização de um experimento, baseado no desenho de dois experimentos desenvolvidos e aplicados por Church et al. (2012). Para operacionalizar sua aplicação em uma organização no Brasil, o estudo foi traduzido e organizado de modo a estabelecer os procedimentos necessários para a obtenção dos dados e posteriores análises. Estabeleceu-se, desta forma, um roteiro de experimentação.

Como alguns aspectos dos experimentos estão abordados superficialmente no estudo base, inferências foram necessárias na descrição dos procedimentos utilizados. O experimento nesta pesquisa delineia-se sob o desenho fatorial within subjects, em que os participantes da pesquisa mantiveram seu papel (gestor ou assistente) e desempenhavam seguidas etapas do experimento (Smith, 2011). O desenho do experimento é apresentado na Tabela 1.

Tabela 1
Desenho do experimento

As condições de realização do experimento e as características da amostra implicaram em adequações para a sua aplicação na cooperativa. Dentre estas adequações, destaca-se a não utilização de uma sistemática de remuneração simbólica dos participantes, já que a amostra selecionada é composta por gerentes e lideranças que têm, na organização, um plano de incentivos pelo cumprimento de metas orçamentárias. Desta forma, optou-se, no desenho do experimento, considerar uma situação real de incentivos econômicos aos participantes, em detrimento do uso de incentivos econômicos simbólicos.

Ressalta-se que a literatura sobre folga orçamentária prevê que a criação de folga pode estar associada ao uso do orçamento como base para a avaliação de desempenho e a remuneração. Portanto, a decisão de incluir uma remuneração para os participantes no desenho experimental não é apenas uma forma de tornar o experimento mais apelativo para alunos de graduação, mas sim para testar as predições elaboradas pela literatura sobre o tema. Ao se retirar essa variável do experimento, potenciais efeitos podem ocorrer nos resultados e qualquer comparação com os resultados do estudo base precisam considerar esse aspecto.

Outro ajuste foi a consolidação dos dois experimentos de Church et al. (2012) em um único desenho experimental, dada a acessibilidade aos participantes. Reconhece-se ainda que a aplicação do experimento em uma situação hipotética dentro de uma organização pode trazer interferências nas decisões dos participantes, em vista da acumulação de conhecimentos com experiências vividas na organização. Admite-se, assim, uma possível interferência em suas ações e nos resultados da pesquisa, mas essa é uma limitação típica de experimentos (Smith, 2011).

Destaca-se ainda que, em consonância ao previsto na literatura sobre a aplicação deste método de pesquisa (Gall, Gall, & Borg, 2007; Smith, 2011), é importante atentar para possíveis problemas que o desenho do experimento pode trazer, por exemplo, mudanças no comportamento dos participantes em função do que acham que deles é esperado. Ou, ainda, a gradual aprendizagem do desenho experimental, levando-os a presumir o comportamento que deles é esperado, além do reflexo da fadiga e do cansaço no comportamento dos participantes.

Diante destas limitações, procurou-se mitigar seus efeitos por meio do incremento das variáveis dependentes analisadas (compartilhamento ou não /conhecimento ou não da folga) a cada etapa do experimento. Desse modo, cada relatório orçamentário preparado pelos gestores e revisado ou não pelos assistentes continha um elemento novo, diferente da situação anterior, na tentativa de se obter o comportamento dos participantes em relação à criação da folga orçamentária sob essas configurações, bem como evitar possíveis induções que o desenho do experimento poderia exercer sobre os participantes.

O tempo de execução do experimento na organização foi de aproximadamente uma hora. Buscou-se realizá-lo em um tempo considerado suficiente para a coleta dos dados, sem prejuízo à qualidade dos dados, o que necessariamente implicou não causar fadiga nos participantes. Para isso, além da participação ativa dos pesquisadores, utilizou-se a estratégia de equipe de apoio, em que duas pessoas ficaram encarregadas pela distribuição, recolhimento e organização das laudas (folhas de orçamentos) durante a condução do experimento.

Em função da natureza das ações desenvolvidas no experimento, acredita-se que as características das informações finais foram observadas, de modo a alcançar o objetivo do estudo e obter a validade interna do experimento. Todavia, a comparação dos resultados de ambos os estudos exige parcimônia, em função dessas adequações.

4.3 Roteiro de Experimentação Baseado em Church, Hannan e Kuang (2012)

O experimento foi realizado nas instalações da cooperativa, que viabilizou a participação de seus gerentes e lideranças, respeitando a vontade de participação de cada indivíduo. Entre os presentes na ocasião, três decidiram não participar. Além disso, havia a possibilidade de o participante se retirar a qualquer momento do experimento, conforme protocolo ético da pesquisa, mas todos os 90 participantes finalizaram o experimento.

Para a realização do experimento contou-se com o apoio de uma equipe de suporte, conhecedora de todo o desenho experimental, no intuito de viabilizar e auxiliar o desenvolvimento do experimento. Na apresentação da pesquisa aos participantes, foi explicitado que: i) o objetivo do experimento consistia em verificar como os interesses compartilhados na folga orçamentária afetam a veracidade dos relatórios orçamentários; ii) a folga orçamentária referia-se à diferença entre o custo real e o custo orçado, e essa diferença de valor era considerada como benefício aos envolvidos; iii) neste experimento se considerava que o gerente é quem elabora o orçamento, e este sempre saberia ao certo o custo real dos produtos; iv) a sede (matriz) não verificava se o valor orçado é igual ao real e liberaria o recurso de acordo com o valor orçado pelo gerente, desde que estivesse dentro de um limite de valor, considerando o valor do produto hipotético na faixa de R$ 4.000,00 a R$ 6.000,00; e v) o compartilhamento do benefício da folga compreenderia a divisão do valor da folga com a destinação de 50% para o gestor e 50% para o assistente.

Na sequência, separou-se o grande grupo aleatoriamente em dois grupos. Instruiu-se os participantes que: um grupo faria o papel de gerente (responsável pela elaboração do orçamento) e o outro de assistente (não responsável pela elaboração do orçamento). Cada participante recebeu aleatoriamente um número de identificação, que deveria ser destacado sempre que lhes fosse solicitado, sendo este número utilizado para todos os períodos do experimento. Salientou-se que o número de identificação seria utilizado única e exclusivamente para a finalidade do experimento, sem guardar nenhuma forma de vínculo com o participante, esse cruzamento não ocorreu e nem mesmo seria possível fazê-lo em momento algum do experimento e da análise dos dados.

Direcionou-se cada grupo para um lado da sala, de tal forma que não estabelecessem contato visual e auditivo, mas de modo a permitir a visualização com os experimentadores. Assim, o experimento foi iniciado.

4.3.1 Primeira parte do experimento

1ª etapa: Gerente não compartilha a folga e assistente não é conhecedor das informações

Foi entregue ao gerente uma folha de custo (com o custo real já determinado) e solicitado a ele que preenchesse o valor orçado e o seu número de identificação. Nesta etapa, foi solicitado que o gerente considerasse que somente ele se beneficiava da folga e o assistente não era conhecedor nem do custo real, nem do custo orçado.

Depois de preenchida a informação por todos, em um curto período de tempo e de modo individual, sem comunicação entre os gerentes, a equipe de experimentação recolheu as folhas de custos e passou para a segunda etapa.

2ª etapa: Gerente não compartilha a folga e assistente é conhecedor das informações

Novamente o gerente recebeu uma folha de custo (com o custo real já determinado) e foi orientado a preencher o valor orçado e o seu número de identificação. Nesta etapa, foi solicitado ao gerente que considerasse que somente ele se beneficiava da folga e o assistente era conhecedor tanto do custo real, quanto do custo orçado. Depois de preenchida a informação, a equipe de experimentação recolheu as folhas de custos e passou para a terceira etapa.

3ª etapa: Revisão pelo assistente do orçamento proposto pelo gerente na 2ª etapa

O assistente recebeu aleatoriamente as folhas coletadas na segunda etapa, preenchidas pelos gerentes. Em seguida, foi solicitado ao assistente que somente verificasse as informações prestadas e destacasse o seu número de identificação no local indicado. Após, as folhas foram recolhidas e iniciou-se a quarta etapa.

4ª etapa: Gerente compartilha a folga e assistente não é conhecedor das informações

Nesta etapa, foi solicitado ao gerente que considerasse que o benefício da folga era compartilhado, sendo que o assistente não era conhecedor, nem do custo real, nem do custo orçado. Na nova folha de custo (com o custo real já determinado) foi solicitado ao gerente que preenchesse o valor orçado e o seu número de identificação. Depois de preenchidas, as folhas de custos foram recolhidas e passou-se para a quinta etapa.

5ª etapa: Gerente compartilha a folga e assistente é conhecedor das informações

O gerente recebeu uma nova folha de custo (com o custo real já determinado) e foi solicitado a ele que preenchesse o valor orçado e o seu número de identificação. Antes disso, foi informado que, nesta etapa, o gerente deveria considerar que o benefício da folga era compartilhado, sendo que o assistente era conhecedor tanto do custo real, quanto do custo orçado. Depois de preenchidas, as folhas foram recolhidas e iniciou-se a sexta etapa.

6ª etapa: Revisão pelo assistente do orçamento proposto pelo gerente na 5ª etapa

Foram entregues aos assistentes, aleatoriamente, as folhas coletadas na quinta etapa, preenchidas pelos gerentes. Solicitou-se que verificassem as informações prestadas e registrassem o seu número de identificação no local indicado. Depois de coletadas as folhas preenchidas pelos assistentes, aplicou-se aos gerentes um questionário pós-experimento.

No questionário pós-experimento duas perguntas foram formuladas. Na primeira, questionou-se a percepção dos gestores quanto à preferência dos assistentes sobre o valor do orçamento: i) que o valor do orçamento deve ser superior ao valor do custo real; ii) que o valor do orçamento deve ser igual ao valor do custo real; ou iii) que o assistente é indiferente se o valor do orçamento é superior ou igual ao custo real. Na segunda pergunta, foi solicitado que os gestores indicassem o seu grau de preocupação com a impressão dos assistentes quanto à forma de elaboração do orçamento, considerando uma escala de 11 pontos, em que 1 a 4=Pouco, 5 a 7=Indiferente e 8 a 11=Muito.

Nesta primeira etapa do experimento, para melhor comparabilidade, os custos reais foram determinados aleatoriamente, sendo que todos os gerentes receberam o mesmo custo real a cada período. Duas medidas (folga orçamentária e honestidade dos relatórios orçamentários) foram calculadas, replicando as fórmulas utilizadas no estudo de Church et al. (2012), conforme descrito na seção 3.1 do presente estudo, para avaliar a veracidade dos relatórios orçamentários dos gestores.

4.3.2 Segunda parte do experimento

A segunda parte do experimento iniciou-se com a aplicação de um questionário aos assistentes, em que foi solicitado que indicassem em que medida concordavam que o orçamento deveria ser inflado em relação ao custo real. Para indicar o nível de concordância apresentou-se uma escala de 11 pontos, sendo de 1 a 4=Não deve ser inflado, de 5 a 7=Indiferente e de 8 a 11=Deve ser inflado ao máximo. Depois de preenchidos, os questionários foram tabulados e classificados em uma das três categorias: Honesto (Escala 1 a 4), Indiferente (Escala 5 a 7) e Folga (Escala 8 a 11).

Nova rodada do experimento relativo à elaboração do orçamento foi realizada com os gestores, a partir das preferências indicadas pelos assistentes, conforme as respostas ao questionário, registradas nas folhas de custos. Essas folhas foram distribuídas aleatoriamente aos gerentes, para que, a partir dos custos, elaborassem o orçamento. Nesta etapa, o gerente deveria elaborar o orçamento ciente da preferência de seu assistente.

Após o gerente elaborar o orçamento e destacar seu número de identificação, o experimentador recolheu as folhas. Em seguida, foi aplicado aos gerentes o questionário pós-experimento. Nesse, solicitou-se que os gestores indicassem em que medida considerariam a preferência de seus assistentes quanto à criação ou não da folga para decidir o seu orçamento, em uma escala de 11 pontos, sendo 1 a 4=Pouco, 5 a 7=Indiferente e 8 a 11=Muito. Recolhidos os questionários pós-experimento, agradeceu-se a participação de todos os envolvidos e o experimento foi dado por encerrado.

Os dados das duas partes do experimento, coletados no mês de maio de 2012, separados de acordo com as variáveis e situações analisadas, foram organizados e tabulados conforme as etapas realizadas. Utilizou-se a estatística descritiva para a média da folga e para o grau de veracidade verificado nos experimentos. Por sua vez, o teste paramétrico ANOVA e o teste não paramétrico Kruskal-Wallis foram aplicados para testar as hipóteses formuladas no estudo de Church et al. (2012), replicadas no presente estudo, com algumas adaptações na redação das hipóteses H3 e H4, conforme exposto no desenho do experimento.

5 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

5.1 Resultados da Primeira Parte do Experimento

A primeira parte do experimento buscou investigar como os interesses compartilhados afetam a veracidade dos relatórios orçamentários, em consonância com as hipóteses delineadas para esse contexto. A veracidade foi medida nas seis etapas da primeira parte do experimento, resultando na média e desvio padrão demonstrados na Tabela 2.

Tabela 2
Análise descritiva da veracidade dos relatórios orçamentários - primeira parte do experimento

Observa-se, na Tabela 2, elevada variação nas médias em cada condição do experimento. Na condição de não compartilhamento, os gerentes tendem a criar maior folga orçamentária quando seu assistente desconhece a situação (770,56), refletindo-se em um índice de honestidade inferior (0,56), se comparado com a situação em que o assistente é conhecedor dos valores do relatório orçamentário, com folga média de 370,22 e honestidade de 0,59.

Apesar dos índices de honestidade, nesta condição do experimento, terem apresentado médias próximas (0,56 e 0,59), o desvio padrão revela que, na condição em que o assistente está ciente do relatório apresentado pelo gestor, o índice de honestidade se distancia do índice médio em até 0,42, o que indica alta variabilidade entre os valores orçados, ou seja, enquanto 18 gestores apresentaram seus relatórios sem folga, 9 apresentaram com o máximo de folga permitido. Já na situação em que o assistente desconhece o comportamento adotado pelo gerente, observa-se um desvio padrão de 0,35, sendo que apenas 6 gestores optaram por um orçamento sem folga, os demais criaram folga em seus relatórios nos mais diversos níveis entre os valores permitidos.

Na condição em que o gerente compartilha a folga orçamentária, os resultados apontaram uma média superior de folga quando o seu assistente é conhecedor (430,89), sendo que 23 gestores apresentaram um índice de honestidade superior ao índice médio (0,61) e os outros 22, índices inferiores, com um desvio padrão de 0,35 em relação ao índice médio de honestidade. Nessa condição do experimento, os gerentes apresentaram maior veracidade quando o assistente não conhece a situação, com um índice de 0,64. Apesar da variabilidade dos índices observada no desvio padrão de 0,36, destaca-se que 29 gestores optaram por realizar seus orçamentos sem folga nesta situação, e apenas 6 criaram folga até o limite permitido.

A análise geral das situações do experimento aponta que, na amostra pesquisada, prevalece o interesse pessoal do gerente e a preocupação com sua imagem perante os assistentes, em função das maiores médias observadas na condição de não compartilhamento da folga e quando o assistente desconhece o comportamento do gerente quanto às informações prestadas. Estes resultados não coadunam com os fundamentos da Teoria do Desengajamento Moral (Bandura, 1990, 1999, 2002), que aponta a justificativa do interesse comum para a prática do aumento dos valores da folga orçamentária. Isto implica uma análise mais acurada para inferir sobre a rejeição ou não das hipóteses, e a discussão mais aprofundada dos resultados.

Para testar a hipótese H1 realizou-se inicialmente o Teste-t, em que se verificou a homoscedasticidade dos dados, que apresentou significância ao nível de 5% para a variável folga. Para a variável honestidade, o teste revelou alta variabilidade das variâncias entre os grupos, não configurando significância. Após, realizou-se o teste ANOVA, considerando folga e honestidade na condição de compartilhamento e não compartilhamento como variáveis independentes, em consonância com o estudo de Church et al. (2012).

Os resultados estatísticos estão descritos na Tabela 3, que traz também o teste de Kruskal-Wallis, técnica não paramétrica utilizada no intuito de corroborar na aceitação ou não das hipóteses, já que alguns dados para esta situação não apresentaram distribuição normal para as duas variáveis independentes analisadas. Este procedimento também foi aplicado para testar as demais hipóteses.

Tabela 3
Veracidade no compartilhamento da folga orçamentária

Verifica-se, na Tabela 3, significância ao nível de 5% na condição de folga orçamentária compartilhada com o assistente, com F-Statistic de 11,331 e Sig de 0,001. Já os resultados obtidos para veracidade, F 0,745 e Sig 0,389, não alcançaram significância ao nível de 5%, o que indica alta variância dos índices entre as situações analisadas. Estes resultados foram confirmados na aplicação do teste não paramétrico, o que sugere uma tendência dos dados.

Apesar da pequena variação entre os índices médios em veracidade (0,654 e 0,696) em comparação com os valores médios da folga (684,34 e 413,93), os resultados sugerem que os gerentes relatam com menor veracidade quando o benefício da folga não é compartilhado com os assistentes. Assim, rejeita-se a hipótese H1, que assume que os gerentes relatam com menor veracidade quando o benefício da folga é compartilhado com os assistentes do que quando o benefício da folga não é compartilhado.

Esses resultados divergem dos argumentos de Bandura (1990, 1999, 2002), de que o interesse compartilhado da folga traz aos gestores uma justificação para a realização de valores maiores de folga orçamentária, ou seja, menor veracidade nos relatórios orçamentários. Na amostra pesquisada, portanto, observa-se que o comportamento dos gestores para a criação de níveis maiores de folga orçamentária está alinhado com o interesse particular, não voltado à autojustificação em função do bem coletivo conforme preconizado na Teoria do Desengajamento Moral (Bandura, 1990, 1999, 2002).

O segundo conjunto de hipóteses busca verificar se os gerentes informam com maior veracidade quando seus assistentes estão cientes do comportamento do gerente quanto às informações prestadas, quando o benefício da folga não é compartilhado (H2a). E se a veracidade dos relatórios orçamentários fornecidos pelos gerentes não é afetada quando os assistentes estão cientes do comportamento do gerente quanto às informações prestadas, quando o benefício da folga é compartilhado (H2b). O Teste-t realizado indicou homoscedasticidade dos dados, tanto para a variável folga como para honestidade.

Na Tabela 4, apresentam-se os resultados dos testes estatísticos, relativos à verificação da veracidade dos relatórios orçamentários na condição de não compartilhamento e desconhecimento/conhecimento da folga orçamentária, a fim de testar a hipótese H2a.

Tabela 4
Veracidade no não compartilhamento e desconhecimento/conhecimento da folga orçamentária

Verifica-se, na Tabela 4, que o teste ANOVA apresenta explicação estatística para a variação entre as situações analisadas (desconhece e conhece), com um F-Statistic de 13,957 e Sig de 0,000 para a variável folga. Portanto, se o benefício da folga não é compartilhado com os assistentes e eles não conhecem a situação, os gerentes tendem a apresentar índices menores de honestidade (0,665), do que quando os assistentes são conhecedores da prática da folga orçamentária (0,713). Esses resultados não permitem a rejeição da hipótese H2a e estão alinhados com os estudos de Abul-Ezz e Dickhaut (1993), que apontam influência das normas sociais no comportamento do indivíduo, e de Church et al. (2012), que destaca a preocupação dos gestores em passar uma imagem oportunista e egoísta aos seus assistentes.

Ao analisar se a veracidade dos relatos dos gerentes não é afetada pelo fato de os assistentes estarem cientes do comportamento do gerente quanto às informações prestadas, quando o benefício da folga é compartilhado (H2b), para esta situação do experimento, o conjunto de dados apresentou uma distribuição homogênea para a variável folga. No entanto, o mesmo não ocorreu para a variável honestidade, em função da variabilidade das variâncias. Neste sentido, apresentam-se, na Tabela 5, também os resultados obtidos pelo teste não paramétrico realizado.

Tabela 5
Veracidade no compartilhamento e desconhecimento/conhecimento da folga orçamentária

Os resultados descritivos e o teste ANOVA, apresentados na Tabela 5, levam a rejeitar-se a hipótese H2b, pois os valores de F-Statistic de 6,437 e Sig de 0,013 evidenciam coeficientes significativos para a folga, mas não apresentam significância para a honestidade, dada a variabilidade da escala da variável. A diferença entre os valores de folga orçados nas situações de desconhecimento do relatório (255,33) e de conhecimento do relatório (430,88) por parte do assistente indica que, se o benefício da folga é compartilhado com os assistentes, a veracidade dos relatórios orçamentários dos gerentes é afetada.

Os resultados obtidos para o segundo conjunto de hipóteses (H2a e H2b) estão em consonância com a Teoria da Elasticidade de Hsee (1995, 1996), a qual preconiza que o comportamento do gestor no relatório orçamentário é influenciado pelo desconhecimento ou conhecimento de seus funcionários da prática de folga, limitando a elasticidade das ações.

Chama atenção a rejeição da hipótese H2b, isto é, o fato de o compartilhamento da folga neste grupo de participantes não se ter revelado uma preocupação, pois, segundo Bandura (1990, 1999, 2002), o compartilhamento assume a forma de autojustificação para a apresentação de relatórios orçamentários com menor veracidade. Conforme as evidências, os gestores mostram-se mais preocupados com as questões de regulação do grupo (Abul-Ezz & Dickhaut, 1993; Ranking et al., 2005; Church et al., 2012), do que com a autorregulação especificamente (Bandura, 1999, 2002).

5.2 Resultados da Segunda Parte do Experimento

No intuito de acurar essas evidências, sob o olhar específico da Teoria da Elasticidade, na segunda parte do experimento investiga-se se as preferências dos assistentes sobre como o orçamento deve ser feito influenciam o comportamento dos gerentes para a criação de folga (Hsee, 1995, 1996). Para tal, iniciou-se questionando aos assistentes, participantes do experimento, quanto a sua preferência de orçamento, instigando-os a responder em que medida eles concordavam que o orçamento deveria ser inflado.

Dos 45 assistentes participantes do experimento, a maioria indicou preferir que o orçamento não contivesse folga, ou seja, 21 respondentes optaram pela veracidade dos relatórios. Para 14 assistentes, o orçamento deve conter folga, concordando que o gerente deve orçar um valor maior do que o custo real. E 10 respondentes mostraram-se indiferentes à prática da folga orçamentária.

A partir das informações sobre a preferência dos assistentes, os gerentes as analisaram e prepararam os seus respectivos relatórios orçamentários, considerando cada qual a opinião do assistente, atribuída ao gerente aleatoriamente. Realizou-se o teste de médias para apurar a normalidade das variáveis e orientar a utilização da técnica estatística que melhor se aplica aos dados da pesquisa. Na Tabela 6, apresentam-se os resultados dos testes, que contribuem para analisar as hipóteses H3 e H4 da pesquisa.

Tabela 6
Veracidade dos relatórios orçamentários em relação à preferência dos assistentes

Verifica-se, na Tabela 6, que os gerentes que apresentaram relatórios com menor veracidade (média 628,09 e desvio padrão 744,16) são os que sabem que seus assistentes preferem orçamentos honestos, sem folga (média 0,64 e desvio padrão 0,42). Esta constatação contradiz a relação esperada, preconizada pela H3 do estudo, de que os gerentes, quando conhecem a preferência de seus assistentes por orçamentos mais honestos, apresentam maior veracidade nos relatórios orçamentários, se comparados aos gerentes que sabem que seus assistentes têm preferência pela prática da folga ou são indiferentes a ela. No entanto, conforme o teste Kruskal-Wallis (teste não paramétrico, dada a não normalidade dos dados), não há diferença estatística com significância entre as situações observadas, o que não permite a rejeição da hipótese H3.

Portanto, estes resultados fornecem evidências de que os gerentes participantes da pesquisa, diferentemente do preconizado pela Teoria da Elasticidade (Hsee, 1995), não vinculam seu comportamento relativo à criação da folga nos relatórios orçamentários com uma justificativa pautada na preferência de seus assistentes. O resultado diverge do esperado, de que a folga se apresentaria menor quando o gerente fosse conhecedor da preferência de seu assistente por orçamentos honestos (CPA-H), em comparação a quando fosse conhecedor da preferência de seu assistente por orçamentos com folga (CPA-F) ou quando este se mostra indiferente à prática da folga orçamentária (CPA-I).

Em relação à hipótese H4, de que o nível de veracidade dos relatórios orçamentários não é diferente entre os gerentes conhecedores da preferência de seus assistentes pela prática da folga nos orçamentos e de gerentes com assistentes indiferentes à prática da folga, a aplicação do teste estatístico ANOVA (teste paramétrico, dada a normalidade dos dados) evidencia valores médios de folga superiores (média 930,00 e desvio padrão 766,73) e índice de honestidade inferior (média 0,47 e desvio padrão 0,43) na situação em que o assistente é indiferente à prática da folga por parte do gerente. Observa-se ainda que a diferença entre as situações observadas mostra-se significante ao nível de 5%, o que leva à rejeição da H4.

Uma reflexão sobre estes resultados sugere que, assim como na situação anterior, o comportamento dos participantes do experimento, na condição de gerentes, diferentemente do preconizado pela Teoria da Elasticidade (Hsee, 1995), não está alinhado com a preferência de seus assistentes na decisão de criação da folga nos relatórios orçamentários. Desse modo, o resultado diverge do esperado, de que a folga não seria diferente quando o gerente fosse conhecedor da preferência de seu assistente por orçamentos com folga (CPA-F) e de quando seu assistente se mostrasse indiferente à prática da folga orçamentária (CPA-I).

Os resultados obtidos nas hipóteses testadas na segunda etapa do experimento não se mostram em consonância ao que preconiza a Teoria do Desengajamento Moral (Bandura, 1990, 1999, 2002) e a Teoria da Elasticidade (Hsee, 1995, 1996). Isto sugere que o processo orçamentário pode ter sido influenciado por outras variáveis, particularmente pelas limitações apontadas no desenho do experimento ou, ainda, características específicas dos participantes da pesquisa, dada a cultura organizacional da qual fazem parte, o que proporciona um campo interessante para o desenvolvimento de novas pesquisas.

Finalizando o experimento, aplicou-se um questionário pós-experimento aos gerentes, a fim de verificar o quanto eles consideram a opinião do assistente para elaborar o orçamento. Dos 45 respondentes, a maioria expressiva (38 gerentes) respondeu que considera muito importante a opinião do assistente ao elaborar o relatório orçamentário.

No entanto, ao comparar estes resultados com as estatísticas apresentadas na Tabela 6, verifica-se que as maiores médias de folga constam na situação em que o gestor sabe que seu assistente tem preferência por orçamentos honestos, ou seja, sem folga, o que traz indícios de que o comportamento do gerente na criação da folga guarda relação com intenções próprias, e que a opinião dos assistentes, nesse processo, não é necessariamente considerada como um fator de justificação para a sua prática (Hsee, 1995). Estes resultados podem refletir uma característica própria da amostra, o que indica a necessidade de realização de novos estudos.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo investigou como os interesses compartilhados na folga orçamentária afetam a veracidade dos relatórios orçamentários. Pesquisa experimental foi realizada em uma amostra de 90 empregados com funções de gerência e liderança em uma cooperativa de produção do Sul do Brasil. Na coleta dos dados adotaram-se os procedimentos do estudo de Church et al. (2012), com algumas adaptações. No tratamento estatístico dos dados, o cálculo da média e desvio padrão foi efetuado para determinar a folga e o nível de veracidade dos orçamentos, e os testes ANOVA e Kruskal-Wallis para testar as hipóteses das duas etapas do experimento.

Constatou-se, na primeira parte do experimento, que houve grande variação nas médias em cada condição do experimento. Na condição de não compartilhamento da folga, verificou-se que os gerentes tendem a criar maior folga orçamentária quando o seu assistente não é conhecedor da situação, refletindo-se em um índice de veracidade inferior dos orçamentos, quando comparado com a situação em que o assistente é conhecedor da folga no orçamento. Na condição em que o gerente compartilha a folga orçamentária, os resultados apontaram uma média superior de folga quando o seu assistente é conhecedor da situação.

No teste das hipóteses, os resultados indicaram que os gerentes relatam com menor veracidade quando o benefício da folga não é compartilhado com seus assistentes. Assim, rejeita-se a hipótese H1, de que os gerentes apresentam relatórios orçamentários com menor veracidade quando o benefício da folga é compartilhado com seus assistentes do que quando o benefício não é compartilhado. Esses resultados divergem dos argumentos de Bandura (1990, 1999, 2002), de que o interesse compartilhado da folga é uma justificativa para o gestor apresentar menor veracidade nos relatórios orçamentários.

No segundo conjunto de hipóteses, constatou-se que, se o benefício da folga não é compartilhado com os assistentes e estes não são conhecedores da prática da folga orçamentária, os gerentes tendem a informar com maior veracidade do que quando os assistentes são conhecedores da situação, desse modo não se rejeita a hipótese H2a. Este resultado coaduna com os estudos de Abul-Ezz e Dickhaut (1993) e Church et al. (2012), da preocupação dos gestores de não passar aos seus assistentes uma imagem de que é oportunista e egoísta. Por outro lado, se o benefício da folga é compartilhado com os assistentes, a veracidade dos relatórios orçamentários dos gerentes é afetada quando os assistentes estão cientes do seu comportamento quanto às informações prestadas, portanto, rejeita-se a hipótese H2b. Esse resultado não coaduna com o proposto por Bandura (1990, 1999, 2002), de que o compartilhamento assume a forma de autojustificação para a apresentação de relatórios orçamentários com menor veracidade.

A segunda parte do experimento, voltada a investigar se as preferências dos assistentes sobre a forma como o orçamento deve ser feito influenciam o comportamento dos gerentes, os resultados mostraram que os gerentes apontaram maior índice de veracidade na situação em que o gerente faz seu orçamento sabendo que seu assistente tem preferência pela apresentação de um orçamento com folga, logo, rejeita-se a hipótese H3. O nível de veracidade mostrou-se diferente entre os gerentes que sabem que o assistente prefere a prática de orçamentos com folga e os gerentes com assistentes indiferentes à prática da folga, o que implica na rejeição da hipótese H4. Portanto, diferente do que prevê a Teoria da Elasticidade (Hsee, 1995), as evidências são de que o comportamento dos gerentes quanto à criação da folga orçamentária não se dá em função do desconhecimento/conhecimento das preferências de seus assistentes sobre um orçamento honesto/folga/indiferente, mas pela preferência do próprio do gestor.

A análise comparativa das médias deste estudo com as da pesquisa de Church et al. (2012) revela uma maior variação neste estudo entre as médias de valores de folga nas situações analisadas, que reflete o índice de veracidade dos relatórios orçamentários. Na amostra investigada, estes resultados indicaram maior preocupação dos gerentes com a impressão dos assistentes sobre a prática de criação de folga orçamentária, assim como revelaram um comportamento voltado ao interesse próprio dos gerentes na criação de folga. Quanto às hipóteses testadas, somente a hipótese H2a mostrou-se alinhada nos dois estudos, sendo que o teste das demais hipóteses (H1, H2b, H3, H4) nesta pesquisa apresentou resultado divergente em relação ao estudo de base.

Conclui-se, assim, que os resultados deste estudo divergem em vários aspectos dos resultados da pesquisa de Church et al. (2012). Um possível fator explicativo para as diferenças constatadas pode ser a percepção da amostra investigada, que lida com este fenômeno na prática do seu cotidiano. Apesar da parcimônia nas análises, possivelmente os resultados também foram afetados pela necessidade de interpretações e inferências para a reaplicação do experimento, bem como alterações promovidas no desenho do experimento. Além disso, de adequações relacionadas à amostra (seleção aleatória entre gestores e lideranças para os papéis de gerentes e assistentes) e condições de experimentação (uma cooperativa que utiliza o orçamento como instrumento de gestão e base para a remuneração variável dos funcionários, dado o alcance das metas orçamentárias).

Desse modo, o presente estudo auxilia para ampliar a discussão de Church et al. (2012) sobre a influência dos interesses compartilhados na veracidade dos orçamentos, especialmente ao refletir resultados diferentes dos obtidos pelos autores do estudo de base, quando da aplicação dos experimentos com o desenho de uma situação hipotética de simplificação do processo orçamentário sob determinadas condições moderadoras, em uma amostra de profissionais que têm, no cotidiano da organização, essa prática. Assim, recomenda-se a realização de pesquisas empíricas em organizações que utilizam o orçamento na gestão, a fim de verificar se as diferenças constatadas neste estudo são ou não mantidas e possíveis explicações para eventuais diferenças.

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    Artigo apresentado no VII Congresso ANPCONT, Fortaleza, Brasil, 2013

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2015

Histórico

  • Recebido
    10 Nov 2013
  • Revisado
    22 Nov 2013
  • Aceito
    12 Dez 2014
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