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Determinantes de Qualidade da Auditoria Independente em Bancos

Resumos

Embora desde DeAngelo (1981)DeAngelo, L. E. (1981). Auditor size and audit quality. Journal of Accounting and Economics, 3 (1), 183-199. a qualidade da auditoria seja um tema com muito espaço na literatura contábil internacional, há poucas evidências sobre a qualidade da auditoria no mercado financeiro. No Brasil, apenas nos anos 2000 começaram a surgir estudos a respeito da qualidade de auditoria, mas sem foco específico em bancos. O presente estudo teve por propósito identificar os fatores determinantes da qualidade dos trabalhos dos auditores nas instituições bancárias brasileiras. Utilizando como proxy de qualidade de auditoria a prática de gerenciamento de resultados, mais especificamente os accruals discricionários relacionados ao processo de constituição da Provisão para Créditos de Liquidação Duvidosa (PCLD), foram realizados testes tendo por base as informações trimestrais de 2001 a 2012 dos bancos comerciais e múltiplos e caixas econômicas. Os testes empíricos revelaram que a qualidade dos trabalhos de auditoria tem relação: negativa com o nível de importância do cliente para o auditor; negativa com os trabalhos a partir do sexto ano de contrato; positiva com a instituição do Comitê de Auditoria por parte dos bancos; positiva com o julgamento de processos administrativos sancionadores contra os auditores independentes; positiva com o nível de rigor do ambiente regulatório. Das hipóteses testadas, três não foram confirmadas empiricamente. A primeira previa uma associação entre a qualidade das auditorias e o grau de especialização do auditor na indústria bancária; a segunda, que a qualidade das auditorias teria relação negativa com o grau de concentração da atividade de auditoria no âmbito do Sistema Financeiro Nacional (SFN); e a terceira, que a qualidade das auditorias seria de menor qualidade quando a relação auditor-cliente fosse de curto prazo. Os resultados da pesquisa contribuem para o debate sobre o papel dos auditores para a transparência e a solidez do sistema financeiro, inclusive como ação complementar ou auxiliar de supervisão.

Auditoria; Qualidade; Manipulação; Discricionariedade; Bancos


Since DeAngelo's study (1981) on audit quality, the latter has been a topic well discussed in the international accounting literature; however, there is little evidence about audit quality in the financial market. In Brazil, studies on audit quality began only in the 2000s, although without a specific focus on banks. The purpose of this study was to identify the quality determinants of audit work in Brazilian banking institutions. Using the practice of earnings management as a proxy for audit quality - more specifically, the discretionary accruals related to the process of the constitution of the Loan Loss Provision (LLP) - tests were performed based on the quarterly information of commercial and multipleservice banks and savings banks from 2001 to 2012. Empirical tests have shown that the quality of audit work has several types of relationships as follows: negative with the client importance level for the auditor; negative with the works after the sixth year of the contract; positive with the establishment of the Audit Committee by the banks; positive with the judgment of punitive administrative proceedings against independent auditors; and positive with the level of rigor of the regulatory environment. Of the tested hypotheses, three were not confirmed empirically. The first hypothesis predicted an association between audit quality and the auditor degree of specialization in the banking industry. The second hypothesis predicted that audit quality would be negatively correlated with the degree of concentration of audit activity within the National Financial System (Sistema Financeiro Nacional - SFN). The third hypothesis predicted that audit quality would be lower when the auditorclient relationship is of a short term. The results of the study contribute to the debate concerning the role of auditors in the transparency and solidity of the financial system, including their role as a complementary or auxiliary supervisor.

Audit; Quality; Manipulation; Discretion; Banks


1 INTRODUÇÃO

A atuação dos auditores independentes é entendida como fundamental para o funcionamento dos mercados financeiro e de capitais, considerando a premissa de que, ao emitir opinião sobre a fidedignidade das informações contábeis, contribui para um ambiente de negócios caracterizado pela confiabilidade e credibilidade (Newman, Patterson, & Smith, 2005Newman, D. P., Patterson, E. R., & Smith, J. R. (2005). The role of auditing in investor protection. The Accounting Review, 80 (1), 289-313.; Ojo, 2008Ojo, M. (2008). The role of the external auditor in the regulation and supervision of the UK banking system. Journal of Corporate Ownership and Control, 5 (4), 1-21. ; Basel Committee on Banking Supervision [BCBS], 2008Basel Committee on Banking Supervision. BCBS. (2008). External audit quality and banking supervision. BIS. Recuperado em 13 novembro, 2013, de http://www.bis.org.
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; Zagonov, 2011Zagonov, M. (2011 April). Audit quality and bank risk under heterogeneous regulations. Proceedings of the European Accounting Association, Annual Meeting, Rome, Italy, 34.). Porém, com os escândalos corporativos do início do século, caracterizados por fraudes e manipulações contábeis, muito se tem discutido sobre o alcance das responsabilidades dos auditores, tendo em vista que as demonstrações financeiras não receberam opinião modificada.

A reação mais relevante a esses escândalos foi a promulgação, nos Estados Unidos da América (EUA), da Lei Sarbanes-Oxley, que reduziu o poder de autorregulação dos auditores, criando o Public Company Accounting Oversight Board (PCAOB) com a competência de regular a profissão, estabelecer normas e impor disciplina profissional (Coffee, 2004Coffee,J. C., Jr. (2004). What caused Enron? A capsule social and economic history of the 1990's. Cornell Law Review, 89 (2), 269-309.).

O primeiro grande teste desse arcabouço regulatório foi a crise financeira global de 2008, em que os auditores foram questionados por não anteciparem os problemas bancários. Nas apurações das causas determinantes da crise, as autoridades fiscalizadoras questionaram fortemente a atuação dos auditores, chegando a citar uma "preocupante falta de ceticismo" da profissão (Sanderson, 2010Sanderson, R. (2010). Domínio das quatro grandes volta à pauta. Publicado originalmente no Financial Times, Londres. Jornal Valor Econômico. Recuperado de http://www.valor.com.br/arquivo/839539/ dominio-das-quatro-grandes-volta-pauta.
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). No caso da quebra do Lehman Brothers, por exemplo, relatórios de investigação apontam que a instituição manipulava os relatórios financeiros, usando artifícios contábeis para esconder as dívidas, razão pela qual a Ernst & Young (E&Y) foi acusada de graves erros que contribuíram para o ocorrido (BBC Brasil, 2010BBC Brasil. (2010). Relatório: Lehman Brothers escondeu dívidas antes de quebrar. Recuperado em 30 junho, 2013, de http://www.bbc.co.uk/ portuguese/.
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).

Preocupações quanto à ocorrência de falhas de auditoria nos sistemas bancários são destacadas pelo Basel Committee on Banking Supervision (BCBS, 2008Basel Committee on Banking Supervision. BCBS. (2008). External audit quality and banking supervision. BIS. Recuperado em 13 novembro, 2013, de http://www.bis.org.
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), ao ressaltar a necessidade de uma maior confiança dos supervisores bancários nas informações auditadas e no caráter das grandes firmas de auditoria, em decorrência de questões como a complexidade crescente das normas contábeis e dos instrumentos financeiros, bem como as mudanças associadas à estimação do fair value.

Essa preocupação dos supervisores bancários justifica-se especialmente pelo fato de a atuação dos auditores independentes ter uma relação direta com o propósito de assegurar a credibilidade do processo de divulgação financeira e de a confiabilidade das informações financeiras ser uma das condições essenciais para o funcionamento do sistema bancário - isso porque as instituições financeiras estão expostas ao risco de "corrida bancária", em caso de desconfiança por parte dos depositantes. Em resumo, há uma relação objetiva entre a missão dos auditores de assegurar a confiabilidade das informações e a estabilidade do sistema bancário, dadas as suas importantes repercussões na economia nacional.

A importância de estudos sobre a qualidade de auditoria no sistema financeiro, no Brasil em especial, pode ser exemplificada pelo fato de que, entre os casos mais emblemáticos de falhas de auditoria discutidas na mídia nacional, destacam-se os das fraudes praticadas por bancos, como os casos do Nacional, do Noroeste e do Panamericano, que resultaram em questionamentos em relação aos seus auditores - KPMG, PWC e Deloitte, respectivamente.

Não obstante essa situação e o amplo espaço na literatura contábil internacional que o tema da qualidade da auditoria tem granjeado desde DeAngelo (1981)DeAngelo, L. E. (1981). Auditor size and audit quality. Journal of Accounting and Economics, 3 (1), 183-199., há poucas evidências de estudos que tratem especificamente da qualidade da auditoria no mercado financeiro, conforme ressaltam Kanagaretnam, Lim, e Lobo (2010)Kanagaretnam, K., Krishnan, G., & Lobo, G.J. (2009). Is the market valuation of banks' loan loss provision conditional on auditor reputation? Journal of Banking and Finance, 33 (6), 1039-1047. e Zagonov (2011)Zagonov, M. (2011 April). Audit quality and bank risk under heterogeneous regulations. Proceedings of the European Accounting Association, Annual Meeting, Rome, Italy, 34.. No Brasil, apenas a partir da segunda metade da primeira década dos anos 2000 começaram a surgir estudos a respeito da qualidade de auditoria1, mas, com foco específico nas instituições bancárias, Santos (2008) Santos, F. P. (2008). A relação entre o parecer de auditoria e a troca de auditores: uma investigação nas instituições financeiras. Dissertação de mestrado, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. parece ser uma exceção.

Tendo em vista esse contexto, o presente estudo tem por objetivo identificar os fatores determinantes da qualidade2 dos trabalhos desenvolvidos pelos auditores independentes nas instituições bancárias integrantes do Sistema Financeiro Nacional (SFN). Ao contribuir para o melhor conhecimento sobre a realização dos trabalhos de auditoria no ambiente bancário, suprindo uma lacuna da literatura a respeito, o estudo se sustenta nos preceitos do Comitê de Basileia (BCBS, 2008) de que a complexidade do mercado financeiro e a demanda pelo aumento da transparência sugerem que a informação contábil clara e confiável, suportada por auditorias de qualidade, é essencial para o aumento da confiança do mercado.

Para a realização dos testes empíricos, a pesquisa utiliza como base principal os dados das Informações Financeiras Trimestrais dos bancos comerciais, bancos múltiplos e caixas econômicas, disponíveis no sítio do Banco Central do Brasil (BCB) na internet, considerando o período de 2001 a 2012.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Qualidade da Auditoria - Mensuração.

Como destacado, uma auditoria de qualidade é um instrumento essencial para o funcionamento dos mercados financeiro e de capitais, contribuindo para um ambiente de confiança e credibilidade. Mas o que é uma auditoria de qualidade e como mensurá-la? Segundo Manita (2009)Manita, R. (2009 junho). The quality of audit process: proposal of scaling measure. Anais do Congresso IAAER-ANPCONT, São Paulo, SP, Brasil, 3., o fato de o processo de auditoria ser complexo (não uniforme) e não observável por terceiros e de o relatório (opinião) ser padronizado, com poucas possibilidades de diferenciação, dificultam a identificação do que seria uma auditoria de qualidade.

Conforme Dye (1993)Dye, R. A. (1993). Auditing standards, legal liability, and auditor wealth. The Journal of Political Economy, 101 (5), 887-914., a qualidade da auditoria não é uma informação divulgada no momento em que ela é realizada e, mesmo a posteriori, não é tornada pública para os casos de clientes que não enfrentem dificuldades financeiras - tendo em vista que não haverá motivos nem evidências para questionamentos do trabalho dos auditores. Reforçando esse entendimento, Pae e Yoo (2001)Pae, S., & Yoo, S. (2001). Strategic interaction in auditing: an analysis of auditors' legal liability, internal control system quality, and audit effort. The Accounting Review, 76 (3), 333-356. destacam que o auditor só é questionado quando: (i) a demonstração preparada pela administração é distorcida; (ii) o auditor oferece uma opinião favorável a essas informações distorcidas; (iii) o investidor, confiando nessa informação, toma a decisão de investir na empresa; e (iv) o retorno esperado não é confirmado. Apenas quando essas quatro condições são observadas é que o auditor é questionado.

Essa dificuldade de mensuração é reforçada pela afirmação do BCBS (2008) de que não há ferramentas para medir qualidade de auditoria objetivamente, não obstante os contínuos esforços desenvolvidos nesse sentido. A preocupação em relação a parâmetros para avaliação da qualidade da auditoria também pode ser extraída das conclusões do U.S. Department of the Treasury's Advisory Committee on the Auditing Profession (ACAP), instituído com o objetivo de formular sugestões para o fortalecimento da auditoria. Uma das recomendações é que o PCAOB desenvolva e monitore indicadores-chave de qualidade de auditoria (Carcello, Bedard, & Hermanson, 2009Carcello, J. V., Bedard, J. C., & Hermanson, D. R. (2009). Responses of the American Accounting Association's Tracking Team to the recommendations of the Advisory Committee on the Auditing Profession. Accounting Horizons, 23 (1), 69-84. ).

Com essa dificuldade (ou até impossibilidade) objetiva de se mensurar e verificar a qualidade da auditoria contemporaneamente, os estudos que avaliam essa questão têm a necessidade de utilizar proxies, baseadas em algumas informações do processo de auditoria (as poucas disponíveis), em variáveis de mercado e em informações contábeis.

2.2 Qualidade "Real" versus Qualidade "Percebida".

Dang (2004)Dang, L. (2004). Assessing actual audit quality. Thesis Ph.D, Drexel University, Philadelphia, Pennsylvania, USA. classifica as proxies para qualidade de auditoria em dois grupos de métricas: as que procuram refletir a qualidade "real" da auditoria; e as que sintetizam a qualidade da auditoria "percebida" pelos agentes de mercado.

É preciso ressaltar que "qualidade real" não pode ser entendida de forma absoluta. O termo é utilizado pelo fato de ser mensurada a partir de informações ex post, indicativas de problemas em relação às demonstrações, tais como: determinações de refazimento pelo regulador, como em Dang (2004)Dang, L. (2004). Assessing actual audit quality. Thesis Ph.D, Drexel University, Philadelphia, Pennsylvania, USA. e Braunbeck (2010) Braunbeck, G. O. (2010). Determinantes da qualidade das auditorias independentes no Brasil. Tese de doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.; republicações voluntárias, como em Dang (2004)Dang, L. (2004). Assessing actual audit quality. Thesis Ph.D, Drexel University, Philadelphia, Pennsylvania, USA.; litígios contra o auditor, decorrentes de ações judiciais ou penalidades administrativas, como em Palmrose (1988)Palmrose, Z. V. (1988). An analysis of auditor litigation and audit service quality. The Accounting Review, 64 (1), 55-73. e Braunbeck (2010) Braunbeck, G. O. (2010). Determinantes da qualidade das auditorias independentes no Brasil. Tese de doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.; constatação de demonstrações materialmente distorcidas sem opinião modificada no relatório do auditor, como em Geiger e Raghunandan (2002)Geiger, M. A., & Raghunandan, K. (2002). Auditor tenure and audit reporting failures. Auditing: A Journal of Practice and Theory, 21 (1), 67-78..

O pressuposto para o uso dessas variáveis na estimação da qualidade da auditoria é que a própria ocorrência desses fatores seria indício de que o auditor não cumpriu o seu papel apropriadamente. Embora essas medidas ex post representem mais objetivamente os problemas de auditoria, também apresentam limitações. A primeira é que não conseguem capturar evidências que sirvam para se estimar a qualidade da auditoria contemporaneamente. A segunda é que, mesmo a posteriori, não conseguem capturar todos os eventuais problemas de auditoria de baixa qualidade - demonstrações materialmente distorcidas, se não descobertas pelos órgãos reguladores, são tratadas como evidências de auditoria de alta qualidade. A terceira é que uma mesma auditoria pode ser tratada como de alta ou de baixa qualidade, dependendo do momento em que o estudo é realizado - se antes ou após uma republicação ou litígio. A quarta é que nem sempre é possível identificar a relação de causa e efeito nessas medidas - uma determinação de republicação, por exemplo, pode ser decorrente de uma ressalva do auditor, ou seja, a atuação desse é que pode ter induzido a ação do regulador.

Embora vários trabalhos procurem mensurar a qualidade "real" da auditoria, o que tem prevalecido na literatura, desde DeAngelo (1981)DeAngelo, L. E. (1981). Auditor size and audit quality. Journal of Accounting and Economics, 3 (1), 183-199., são as métricas que procuram captar a qualidade "percebida" da auditoria, como: (i) tamanho do auditor, em particular big-N, como em DeAngelo (1981)DeAngelo, L. E. (1981). Auditor size and audit quality. Journal of Accounting and Economics, 3 (1), 183-199., Teoh e Wong (1993)Teoh, S. H., & Wong, T. J. (1993). Perceived auditor quality and the earnings response coefficient. The Accounting Review, 68 (2), 346-366., Dang (2004)Dang, L. (2004). Assessing actual audit quality. Thesis Ph.D, Drexel University, Philadelphia, Pennsylvania, USA., Gu, Lee, e Rosett (2005)Gu, Z., Lee, C. W. J., & Rosett, J. G. (2005). What determines the variability of accounting accruals? Review of Quantitative Finance and Accounting, 24 (3), 313-334. , Behn, Choi, e Kang (2008)Behn, B. K., Choi, J., & Kang, T. (2008). Audit quality and properties of analyst earnings forecasts. The Accounting Review, 83 (2), 327-349., Kanagaretnam, Krishnan, e Lobo (2009, 2010)Kanagaretnam, K., Krishnan, G., & Lobo, G.J. (2009). Is the market valuation of banks' loan loss provision conditional on auditor reputation? Journal of Banking and Finance, 33 (6), 1039-1047., e Zagonov (2011)Zagonov, M. (2011 April). Audit quality and bank risk under heterogeneous regulations. Proceedings of the European Accounting Association, Annual Meeting, Rome, Italy, 34.; (ii) especialização do auditor, como em Behn et al. (2008)Behn, B. K., Choi, J., & Kang, T. (2008). Audit quality and properties of analyst earnings forecasts. The Accounting Review, 83 (2), 327-349., Chambers e Payne (2008)Chambers, D., & Payne, J. (2008). Audit quality and the accrual anomaly. SSRN Working Papers. Recuperado em 20 dezembro, 2013, de http:// papers.ssrn.com.
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, Romanus, Maher, e Fleming (2008)Romanus, R. N., Maher, J. J., & Fleming, D. M. (2008). Auditor industry specialization, auditor changes, and accounting restatements. Accounting Horizons, 22 (4), 389-413. e Kanagaretnam, Krishnan et al. (2009, 2010)Kanagaretnam, K., Krishnan, G., & Lobo, G.J. (2009). Is the market valuation of banks' loan loss provision conditional on auditor reputation? Journal of Banking and Finance, 33 (6), 1039-1047.; (iii) coeficiente de resposta do preço das ações aos resultados contábeis - como em Teoh e Wong (1993)Teoh, S. H., & Wong, T. J. (1993). Perceived auditor quality and the earnings response coefficient. The Accounting Review, 68 (2), 346-366. e Ghosh e Moon (2005)Ghosh, A., & Moon, D. (2005). Auditor tenure and perceptions of audit quality. The Accounting Review, 80 (2), 585-612.; e (iv) erros nas projeções dos gestores ou dos analistas - como em Dang (2004)Dang, L. (2004). Assessing actual audit quality. Thesis Ph.D, Drexel University, Philadelphia, Pennsylvania, USA. e Behn et al. (2008)Behn, B. K., Choi, J., & Kang, T. (2008). Audit quality and properties of analyst earnings forecasts. The Accounting Review, 83 (2), 327-349..

Não obstante o grande número de estudos com essas pro xies, em particular os que usam a variável dicotômica big-N, permanecem discussões sobre a capacidade delas capturarem a efetiva qualidade da auditoria. Dang (2004)Dang, L. (2004). Assessing actual audit quality. Thesis Ph.D, Drexel University, Philadelphia, Pennsylvania, USA. argumenta que falhas de auditoria reveladas em casos como os da Enron, Waste Management e WorldCom lançam dúvidas quanto à relação positiva entre tamanho e qualidade da auditoria. Outro problema é que, ao utilizar variáveis dicotômicas como proxy para qualidade de auditoria, segundo Dang (2004)Dang, L. (2004). Assessing actual audit quality. Thesis Ph.D, Drexel University, Philadelphia, Pennsylvania, USA., admitem-se dois pressupostos problemáticos de serem assumidos deterministicamente: o primeiro é que a firma realizaria os seus trabalhos, para diferentes clientes e em diferentes períodos de tempo, com o mesmo nível de qualidade; e o segundo é que a qualidade entre um grupo de auditores - big-N ou não big-N, por exemplo - seria homogênea.

2.3 Qualidade do Auditor versus Qualidade da Auditoria.

A questão sobre como tratar as proxies de qualidade conduz a outra discussão presente na literatura sobre o tema: qualidade das firmas de auditoria versus qualidade dos serviços de auditoria. Quando DeAngelo (1981)DeAngelo, L. E. (1981). Auditor size and audit quality. Journal of Accounting and Economics, 3 (1), 183-199. define qualidade de auditoria como a probabilidade percebida pelo mercado de que determinado auditor detectará as distorções materiais (competência técnica) nas demonstrações do cliente e que reportará tais problemas (tem independência para se posicionar), o foco está, obviamente, na figura do auditor.

O problema é que essa premissa desconsidera o fato de que cada trabalho de auditoria tem sua realidade própria, sendo influenciado pelas características do negócio, pelo perfil da administração, pela estrutura de governança, pelas condições econômicas, pela relação auditor-cliente, entre outros fatores. Lam e Chang (1994)Lam, S., & Chang, S. (1994). Auditor service quality and auditor size: evidence from initial public offerings in Singapore. Journal of International Accounting Auditing and Taxation, 3 (1), 103-114., por exemplo, defendem que a qualidade da auditoria deve ser definida serviço por serviço, tendo em vista que uma firma não pode realizar todas as suas auditorias com o mesmo nível de qualidade. Por esse entendimento, distingue-se qualidade do auditor e qualidade dos serviços de auditoria, sendo que, neste estudo, se adotará esse segundo critério.

2.4 Qualidade da Informação - Qualidade da Auditoria.

Se não há consenso na literatura quanto à medida utilizada como proxy de qualidade de auditoria, é razoável se afirmar que essa deve ser associada à qualidade das demonstrações. Isso porque as eventuais distorções materiais presentes nas informações produzidas pela administração seriam previamente corrigidas pela ação dos auditores. Sendo assim, é de se supor que uma medida que mensure a qualidade da informação contábil também reflita a qualidade da auditoria.

Nesse particular, uma medida amplamente utilizada como referência de qualidade de auditoria é a identificação da prática de gerenciamento de resultados, mais especificamente através dos accruals discricionários. Ela integra o conjunto de medidas mais referenciadas na literatura sobre qualidade de auditoria, juntamente com o tamanho e a especialização do auditor (Gul, Fung, & Bikki, 2009Gul, F. A., Fung, S. Y., & Bikki, J. (2009). Earnings quality: some evidence on the role of auditor tenure and auditors' industry expertise. Journal of Accounting and Economics, 47 (3), 265-287. ). Segundo Braunbeck (2010) Braunbeck, G. O. (2010). Determinantes da qualidade das auditorias independentes no Brasil. Tese de doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil., estudos que analisam a qualidade das auditorias a partir da qualidade da informação contábil consideram um raciocínio intuitivo: quanto melhor a qualidade da auditoria, maior a qualidade da informação divulgada.

A utilização dessa proxy de qualidade de auditoria sustenta-se na premissa de que o auditor é responsável por assegurar a divulgação financeira plena, justa e neutra, evitando a manipulação oportunista por parte da administração. Entre os estudos que utilizaram, de alguma maneira, essa variável na análise da qualidade de auditoria podem ser citados: Heninger (2001)Heninger, W. G. (2001). The association between auditor litigation and abnormal accruals. The Accounting Review, 76 (1), 111-126., Government Accountability Office - GAO (2003, 2008)Government Accountability Office. GAO. (2003). Public accounting firms: mandated study on consolidation and competition. Recuperado em 27 dezembro, 2013, de http://www.gao.gov.
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, Dang (2004)Dang, L. (2004). Assessing actual audit quality. Thesis Ph.D, Drexel University, Philadelphia, Pennsylvania, USA., Venkataraman, Weber, e Willemborg (2008)Venkataraman, R., Weber, J. P., & Willenborg, M. (2008). Litigation risk, audit quality, and audit fees: evidence from initial public offerings. The Accounting Review, 83 (5), 1315-1345., Chambers e Payne (2008)Chambers, D., & Payne, J. (2008). Audit quality and the accrual anomaly. SSRN Working Papers. Recuperado em 20 dezembro, 2013, de http:// papers.ssrn.com.
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, Kanagaretnam, Krishnan et al. (2009, 2010)Kanagaretnam, K., Krishnan, G., & Lobo, G.J. (2009). Is the market valuation of banks' loan loss provision conditional on auditor reputation? Journal of Banking and Finance, 33 (6), 1039-1047., Silva e Bezerra (2010)Silva, A. G., & Robles Júnior, A. (2008). Os impactos na atividade de auditoria independente com a introdução da lei Sarbanes-Oxley. Revista Contabilidade e Finanças, 19 (48), 112-127. , Kanagaretnam, Lim et al. (2010)Kanagaretnam, K., Krishnan, G., & Lobo, G.J. (2009). Is the market valuation of banks' loan loss provision conditional on auditor reputation? Journal of Banking and Finance, 33 (6), 1039-1047.; Siregar, Amarullah, Wibowo, e Anggraita (2012)Siregar, S. V., Amarullah, F., Wibowo, A., & Anggraita, V. (2012). Audit tenure, auditor rotation, and audit quality: the case of Indonesia. Asian Journal of Business and Accounting, 5 (1), 55-74..

Heninger (2001)Heninger, W. G. (2001). The association between auditor litigation and abnormal accruals. The Accounting Review, 76 (1), 111-126. defende a utilização do gerenciamento de resultados como proxy para a qualidade da auditoria, por essa prática comprometer a qualidade da divulgação financeira, o que tem preocupado os reguladores. Kallapur, Sankaraguruswamy, e Zang (2010)Kallapur, S., Sankaraguruswamy, S., & Zang, Y. (2010). Audit market concentration and audit quality. SSRN Working Papers. Recuperado em 5 dezembro, 2012, de http://papers.ssrn.com.
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reforçam esse entendimento, argumentando que permite uma análise mais abrangente do problema, não se restringindo a situações excepcionais, como os casos de republicações ou de problemas de continuidade da entidade. Dang (2004)Dang, L. (2004). Assessing actual audit quality. Thesis Ph.D, Drexel University, Philadelphia, Pennsylvania, USA. associa as duas medidas, afirmando que auditorias de alta qualidade aumentam a possibilidade de se detectar e prevenir a prática do earnings management. Por essa lógica, se os lucros contábeis decorrentes de gerenciamento de resultados são vistos como de menor qualidade, então os auditores que não detectam e não atuam no sentido de mitigar essa prática devem ser vistos como de pior qualidade. Evidência da associação entre esses fenômenos pode se depreender da constatação de que os auditores intensificam os esforços e aumentam o preço cobrado pelos seus serviços quando identificam evidências de risco de manipulação contábil (Bedard & Johnstone, 2004Bedard, J. C., & Johnstone, K. M. (2004). Earnings manipulation risk, corporate governance risk, and auditors' planning and pricing decisions. The Accounting Review, 79 (2), 277-304.).

Embora sem classificar o gerenciamento de resultados como fraude, Heninger (2001)Heninger, W. G. (2001). The association between auditor litigation and abnormal accruals. The Accounting Review, 76 (1), 111-126. destaca que essa prática é uma intervenção direta na divulgação financeira, com a intenção de obter vantagens para agentes específicos, em detrimento de um mecanismo de divulgação neutro. Nesse sentido, os agentes interessados na informação contábil esperam que os auditores limitem essa prática e reforcem a divulgação financeira justa e plena. Se o gestor infla os resultados para esconder uma informação desfavorável e o auditor não atenua essa manipulação, então os relatórios financeiros não fornecem aviso sobre eventuais problemas.

Por fim, outro aspecto a se ressaltar para demonstrar a relevância de medidas de qualidade das informações financeiras para se estimar a qualidade da auditoria é o fato de que mesmo os estudos que utilizam medidas como o tamanho da firma de auditoria (big-N) ou a especialização do auditor como proxies de qualidade, quando precisam confirmar a validade dessas métricas, adotam como procedimento padrão testar a relação entre essas medidas e o nível dos accruals discricionários. É o caso, por exemplo, de Kanagaretnam, Krishnan et al. (2009, 2010)Kanagaretnam, K., Krishnan, G., & Lobo, G.J. (2009). Is the market valuation of banks' loan loss provision conditional on auditor reputation? Journal of Banking and Finance, 33 (6), 1039-1047., Martinez e Reis (2010) Martinez, A. L., & Reis, G. M. R. (2010 julho). Rodízio de auditores e o gerenciamento de resultados. Anais do Congresso USP de Controladoria e Contabilidade, São Paulo, SP, Brasil, 10., entre outros.

2.5 Respostas dos Auditores ao Gerenciamento de Resultados.

Considerando o gerenciamento de resultados como uma divulgação financeira não-neutra, fruto de uma intervenção intencional dos gestores para produzir algum ganho privado (Schipper, 1989Schipper, K. (1989). Commentary on earnings management. Accounting Horizons, 3 (1), 91-102.), associado ao preceito de que cabe ao auditor atuar no pressuposto de garantir o disclosure não enganoso, fica evidenciado que compete a esse profissional atuar no sentido de restringir/limitar as ações que possam ser caracterizadas como manipuladoras da efetiva situação econômico-financeira da empresa.

Esse entendimento sobre o papel dos auditores como agentes mitigadores da ação discricionária da administração na divulgação financeira é reforçada, entre outros, por Vincent et al. (2003)Vincent, L. et al. (2003). Evaluating concepts -based vs. rules-based approaches to standard setting. Accounting Horizons, 17 (1), 73-89. e Kanagaretnam, Lim et al. (2010)Kanagaretnam, K., Krishnan, G., & Lobo, G.J. (2009). Is the market valuation of banks' loan loss provision conditional on auditor reputation? Journal of Banking and Finance, 33 (6), 1039-1047..

Dang (2004)Dang, L. (2004). Assessing actual audit quality. Thesis Ph.D, Drexel University, Philadelphia, Pennsylvania, USA. sintetiza a relação entre auditoria e gerenciamento de resultados, ao afirmar que a função do auditor é mitigar a assimetria de informações entre as partes, razão pela qual a qualidade da auditoria deve ser relacionada com menores níveis de assimetria e de incerteza em relação ao desempenho da entidade. Assim, conclui o autor, a qualidade da auditoria deve ser negativamente relacionada com o gerenciamento de resultados.

3 DESENVOLVIMENTO DAS HIPÓTESES DE PESQUISA

3.1 Especialização do Auditor.

Utilizando o pressuposto de que o conhecimento sobre o cliente e seu negócio aumenta a capacidade do auditor em identificar eventuais distorções materiais, autores como Behn et al. (2008)Behn, B. K., Choi, J., & Kang, T. (2008). Audit quality and properties of analyst earnings forecasts. The Accounting Review, 83 (2), 327-349. e Romanus et al. (2008)Romanus, R. N., Maher, J. J., & Fleming, D. M. (2008). Auditor industry specialization, auditor changes, and accounting restatements. Accounting Horizons, 22 (4), 389-413. utilizam o nível de especialização na indústria como proxy para a qualidade de auditoria. É esperado que, quanto maior a relevância do segmento econômico para o auditor, maior a sua capacidade de prestar serviços de qualidade, tendo em vista a sua maior especialização naquele tipo de negócio.

Esse entendimento é reforçado por Gul, Fung, e Bikki (2009) e por Chambers e Payne (2008)Chambers, D., & Payne, J. (2008). Audit quality and the accrual anomaly. SSRN Working Papers. Recuperado em 20 dezembro, 2013, de http:// papers.ssrn.com.
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, ao afirmarem que a especialização do auditor em determinada indústria faz com que ele tenha uma compreensão mais ampla das práticas contábeis e tendências do segmento, aumentando a sua habilidade para avaliar evidências e identificar problemas nas demonstrações. Os resultados encontrados por Carcello e Nagy (2004)Carcello, J. V., & Nagy, A. (2004). Client size, auditor specialization and fraudulent financial reporting. Managerial Auditing Journal, 19 (5), 651-668. e Krishnan (2005) também indicam que a especialização do auditor é um elemento que aumenta a qualidade da divulgação financeira e mitiga a probabilidade de demonstrações fraudulentas.

Particularmente em relação à indústria bancária, Kanagaretnam, Lim et al. (2010)Kanagaretnam, K., Krishnan, G., & Lobo, G.J. (2009). Is the market valuation of banks' loan loss provision conditional on auditor reputation? Journal of Banking and Finance, 33 (6), 1039-1047. destacam que os auditores que são especialistas na indústria bancária podem avaliar mais apropriadamente a adequação das informações produzidas pela administração. Exemplo dessa relação é destacada por Kanagaretnam, Krishnan et al. (2009)Kanagaretnam, K., Krishnan, G., & Lobo, G.J. (2009). Is the market valuation of banks' loan loss provision conditional on auditor reputation? Journal of Banking and Finance, 33 (6), 1039-1047. que, ao examinarem o papel da reputação do auditor na percepção de qualidade pelo mercado, constataram uma associação positiva entre a discricionariedade da PCLD com o retorno das ações dos bancos auditados por firmas com maior expertise na indústria bancária.

Dado o exposto, é formulada a seguinte hipótese de pesquisa:

H1: A qualidade das auditorias desenvolvidas nos bancos brasileiros é positivamente relacionada com o grau de especialização do auditor na indústria.

3.2 Importância do Cliente para a Carteira do Auditor.

Outro aspecto que pode influenciar na qualidade da auditoria deriva da afirmação de Múrcia e Borba (2007)Múrcia, F. D., & Borba, J. A. (2007). Estrutura para detecção do risco de fraude nas demonstrações contábeis: mapeando o ambiente fraudulento. Brazilian Business Review, 4 (3), 171-190. de que o conflito de interesse existente no relacionamento entre o auditor e a empresa auditada - quem o contrata e o remunera - pode influenciar, em alguns casos, o conteúdo do relatório (opinião). Nelson, Elliot, e Tarpley (2002)Nelson, M. W., Elliott, J., & Tarpley, R. L. (2002). Evidence from auditors about manager's and auditor's earnings management decisions. The Accounting Review, 77 (Sup.), 175-202. tratam essa questão destacando que a exigência para manter e ampliar os negócios e o relacionamento com os clientes pode comprometer a objetividade e a independência profissional. A questão mercadológica também é destacada por Coffee (2004)Coffee,J. C., Jr. (2004). What caused Enron? A capsule social and economic history of the 1990's. Cornell Law Review, 89 (2), 269-309. como razão para os auditores, em determinadas situações e sob certas condições, concordarem com o cliente, assumindo o custo de eventual perda judicial e o risco de alguma humilhação pública.

Um aspecto que pode explicar esse comportamento, embora não o justificar, é o grau de importância do cliente para a firma, tornando-a mais transigente com demandas do cliente. Essa é a percepção destacada por DeAngelo (1981)DeAngelo, L. E. (1981). Auditor size and audit quality. Journal of Accounting and Economics, 3 (1), 183-199., Chambers e Payne (2008)Chambers, D., & Payne, J. (2008). Audit quality and the accrual anomaly. SSRN Working Papers. Recuperado em 20 dezembro, 2013, de http:// papers.ssrn.com.
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e Amir, Guan, e Livne (2010)Amir, E., Guan, Y., & Livine, G. (2010). Auditor independence and the cost of capital before and after Sarbanes-Oxley: the case of newly issued public debt. European Accounting Review, 19(4), 633-663. , ao afirmarem que a dependência econômica entre os auditores e seus clientes pode aumentar quando um desses clientes responde por uma parcela relevante da renda do auditor, podendo influir na independência e no ceticismo profissional desse último.

Essa preocupação é coerente com as evidências obtidas por Nelson et al. (2002)Nelson, M. W., Elliott, J., & Tarpley, R. L. (2002). Evidence from auditors about manager's and auditor's earnings management decisions. The Accounting Review, 77 (Sup.), 175-202., a partir de relatos de tentativas de gerenciamento de resultados, vivenciadas por 253 auditores das big five. Entre as conclusões, foi constatado que os auditores são mais propensos a requerer ajustes dessas tentativas quando são tentadas por clientes menores, evidenciando, portanto, que a importância do cliente interfere no posicionamento do auditor.

Tratando especificamente de auditorias em bancos, Ojo (2006)Ojo, M. (2006). Auditor independence - its importance to the external auditor's role in banking regulation and supervision. SSRN WorkingPapers. Recuperado em 2 abril, 2013, de http://papers.ssrn.com.
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reforça esse entendimento ao ressaltar que a possibilidade de comprometimento de contratos lucrativos pode fazer com que o auditor pense duas vezes antes de emitir uma opinião adversa aos interesses da instituição.

Considerando esse contexto, é formulada a seguinte hipótese de pesquisa:

H2: A qualidade das auditorias desenvolvidas nos bancos brasileiros é negativamente relacionada com o nível de importância do cliente para a firma de auditoria.

3.3 Tempo de Contrato entre o Auditor e a Instituição Financeira.

Relacionando a questão do ceticismo profissional à qualidade da auditoria, Lys e Watts (1994)Lys, T., & Watts, R. L. (1994). Lawsuits against auditors. Journal of Accounting Research, 32 (Supplement), 65-93. argumentam que o relacionamento auditor-cliente de longo prazo tende a reduzir a independência profissional, o que deve se refletir na qualidade dos trabalhos. A interação entre auditor e cliente também é ressaltada por Demski (2004)Demski, J. S. (2004). Endogenous expectations. The Accounting Review, 79 (2), 519-539. como um dos elementos que pode ser relevante no desempenho dos trabalhos de auditoria. Como forma de prevenir situações desse tipo, a ideia de uma rotação obrigatória de auditores tem sido discutida, cujo intuito, segundo Nagy (2005)Nagy, A. L. (2005). Mandatory audit firm turnover, financial reporting quality, and client bargaining power: the case of Arthur Andersen. Accounting Horizons, 19 (2), 51-69., seria limitar o relacionamento entre auditores e clientes, partindo do pressuposto de que, quando essa relação perdura por muito tempo, a independência profissional pode ser comprometida.

Siregar et al. (2012)Siregar, S. V., Amarullah, F., Wibowo, A., & Anggraita, V. (2012). Audit tenure, auditor rotation, and audit quality: the case of Indonesia. Asian Journal of Business and Accounting, 5 (1), 55-74. ressaltam, porém, nuances distintas em relação ao audit tenure. Para eles, os primeiros anos de contratos podem ser percebidos como menos efetivos, tendo em vista ser necessário tempo para a avaliação dos riscos de auditoria, enquanto a manutenção do contrato por um longo tempo pode comprometer o ceticismo profissional. Por conta dessa dualidade, vários estudos avaliam a relação entre o audit tenure e a qualidade da auditoria, não apresentando resultados homogêneos entre eles. Como exemplo, Ghosh e Moon (2005)Ghosh, A., & Moon, D. (2005). Auditor tenure and perceptions of audit quality. The Accounting Review, 80 (2), 585-612. constataram relação positiva entre o tempo de contrato auditor-cliente e a qualidade da auditoria, definida pelo coeficiente de resposta de regressões lucro-retorno, enquanto Dao, Mishra, e Raghunandan (2008)Dao, M., Mishra, S., & Raghunandan, K. (2008). Auditor tenure and shareholder ratification of the auditor. Accounting Horizons, 22 (3), 297-314. constataram relação inversa entre o audit tenure e a ratificação dos auditores pelos acionistas, indicando que esses veem o longo tempo de relação como elemento que afeta negativamente a qualidade da auditoria.

No mercado brasileiro, algumas pesquisas testaram o impacto provocado na qualidade da informação contábil pelo tempo de relação auditor-cliente, com enfoque especial no rodízio de auditores - como Oliveira e Santos (2007)Oliveira, A. Q., & Santos, N. M. B. F. (2007). Rodízio de firmas de auditoria: a experiência brasileira e as conclusões do mercado. Revista Contabilidade & Finanças, 18 (45), 91-100., Santos (2008) Santos, F. P. (2008). A relação entre o parecer de auditoria e a troca de auditores: uma investigação nas instituições financeiras. Dissertação de mestrado, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, RJ, Brasil., Silva e Bezerra (2010)Silva, A. G., & Robles Júnior, A. (2008). Os impactos na atividade de auditoria independente com a introdução da lei Sarbanes-Oxley. Revista Contabilidade e Finanças, 19 (48), 112-127. e Martinez e Reis (2010) Martinez, A. L., & Reis, G. M. R. (2010 julho). Rodízio de auditores e o gerenciamento de resultados. Anais do Congresso USP de Controladoria e Contabilidade, São Paulo, SP, Brasil, 10., por exemplo - não se constatando resultados uniformes em relação ao comportamento esperado que possam ser representativos de opinião conclusiva sobre o tema.

Considerando essa dualidade, são formuladas duas hipóteses de pesquisa:

H3A: A qualidade das auditorias desenvolvidas nos bancos brasileiros é negativamente associada com a relação de curto prazo auditor-cliente.

H3B: A qualidade das auditorias desenvolvidas nos bancos brasileiros é negativamente associada com a relação de longo prazo auditor-cliente.

3.4 Presença de Comitê de Auditoria.

Dada a condição essencial da independência para a qualidade dos trabalhos dos auditores, um instrumento que vem sendo cada vez mais utilizado, principalmente a partir da Lei Sarbanes-Oxley (SOX), no sentido de contribuir para que essa independência seja efetiva, é a instituição dos chamados comitês de auditoria. De acordo com Borgeth (2007)Borgeth, V. M. C. (2007). SOX: Entendendo a Lei Sarbanes-Oxley. São Paulo: Thomson Learning., o grande propósito da criação do comitê é mitigar o risco de conivência entre a administração e a auditoria independente.

Nesse contexto, não obstante preocupações quanto à efetividade e à objetividade do Comitê de Auditoria (Smith, 2006Smith, L. M. (2006). Audit committee effectiveness: did the blue ribbon committee recommendations make a difference? Int. J. Accounting, Auditing and Performance Evaluation, 3 (2), 240-251.), incluindo a forma de remuneração de seus membros, que pode criar incentivos para atuar no sentido de valorização das ações da companhia ou da majoração do lucro (Magilke, Mayhew, & Pike, 2009Magilke, M. J., Mayhew, B. W., & Pike, J. E. (2009). Are independent audit committee members objective? Experimental evidence. The Accounting Review, 84 (6), 1959-1981.), é esperado que sua atuação contribua para a qualidade das auditorias, fortalecendo a capacidade de aplicação do ceticismo profissional do auditor independente. Isso dá sustentação à seguinte hipótese de pesquisa:

H4: A qualidade das auditorias desenvolvidas nos bancos brasileiros é positivamente relacionada com a existência de Comitê de Auditoria na instituição.

3.5 Concentração do Mercado de Auditorias.

Embora seja uma característica histórica do mercado de auditoria, a concentração tem merecido atenção de autoridades. Na SOX, por exemplo, foi determinado que o Gover nment Accountability Office (GAO) estudasse as implicações da consolidação desse mercado na competição, no processo de escolha dos clientes, na remuneração cobrada pelos auditores e na qualidade da auditoria. O GAO (2003) concluiu que, embora não tenha encontrado evidências de restrições à competição, as mudanças relevantes ocorridas na profissão podem ter implicações para a competição e as possibilidades de escolha das companhias no futuro. Em relação à qualidade dos trabalhos desenvolvidos, não foi constatada relação estatisticamente relevante com o grau de concentração. Cinco anos depois, o GAO (2008) realizou novo estudo, no qual as conclusões do primeiro foram reiteradas.

Sobre o impacto dessa concentração na qualidade dos trabalhos, Ojo (2008)Ojo, M. (2008). The role of the external auditor in the regulation and supervision of the UK banking system. Journal of Corporate Ownership and Control, 5 (4), 1-21. destaca que, embora algumas evidências suportem o fato de que a concentração encoraja a especialização, reduzindo o risco de demonstrações distorcidas, outros achados mostram que ter um maior número de firmas de auditoria reduz o risco de uma firma dominante estabelecer práticas que podem encorajar demonstrações financeiras de pouca qualidade. Kallapur et al. (2010)Kallapur, S., Sankaraguruswamy, S., & Zang, Y. (2010). Audit market concentration and audit quality. SSRN Working Papers. Recuperado em 5 dezembro, 2012, de http://papers.ssrn.com.
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, por outro lado, examinaram se a concentração do mercado comprometeria a qualidade da auditoria, constatando uma associação positiva entre o aumento da concentração e a qualidade da informação contábil, proxy de qualidade da auditoria.

Neste estudo é considerada a premissa de que a concentração do mercado compromete o grau de ceticismo do auditor, tendo em vista a potencial "acomodação" gerada pela falta de concorrência, sendo formulada a seguinte hipótese de pesquisa, a ser testada empiricamente:

H5: A qualidade das auditorias desenvolvidas nos bancos brasileiros é negativamente relacionada com o grau de concentração do mercado de auditorias no setor.

3.6 Risco de Litigância.

Ainda no início da década de 1990, Dye (1993)Dye, R. A. (1993). Auditing standards, legal liability, and auditor wealth. The Journal of Political Economy, 101 (5), 887-914. destacava que o mercado de auditoria nos EUA vinha passando por fortes transformações, sendo uma das principais o aumento das ações judiciais contra os auditores. A respeito desse risco de litigância, Ojo (2008)Ojo, M. (2008). The role of the external auditor in the regulation and supervision of the UK banking system. Journal of Corporate Ownership and Control, 5 (4), 1-21. destaca que os seus efeitos podem ser de duas formas. De um lado, pode criar incentivos econômicos para que os auditores reflitam sobre as consequências de suas ações, reduzindo a possibilidade de serem indulgentes em atos com consequências negativas. Por outro lado, pode aumentar a tendência de adoção de auditoria defensiva - em que se interpretam regras prescritas, prioritariamente ao exercício do julgamento subjetivo.

O fato é que o impacto do risco de litigância nos serviços prestados pelas empresas de auditoria tem sido avaliado ao longo do tempo, conforme exemplificado nos estudos de Dye (1993)Dye, R. A. (1993). Auditing standards, legal liability, and auditor wealth. The Journal of Political Economy, 101 (5), 887-914., Heninger (2001)Heninger, W. G. (2001). The association between auditor litigation and abnormal accruals. The Accounting Review, 76 (1), 111-126. e Talley (2006)Talley, E. L. (2006). Sarbanes-Oxley accounting issues: cataclysmic liability risk among big four auditors. Columbia Law Review, 106 (1), 1641-1697., adquirindo mais relevância com o problema dos escândalos corporativos. Essa questão é particularmente relevante, tendo em vista que, para o auditor, o risco de litigância não é apenas uma questão financeira, mas também reputacional, afetando sua credibilidade.

Assim, é formulada a seguinte hipótese de pesquisa, a ser testada empiricamente:

H6: A qualidade das auditorias desenvolvidas nos bancos brasileiros é positivamente relacionada com o aumento dos riscos de litigância contra os auditores.

3.7 Rigor do Ambiente Regulatório.

De acordo com DeFond, Wong, e Li (1999)DeFond, M. L., Wong, T. J., & Li, S. (1999). The impact of improved auditor independence on audit market concentration in China. Journal of Accounting and Economics, 28 (3), 269-305., embora não suficiente por si só, é esperado que normas mais rigorosas, com procedimentos mais detalhados e previsões de responsabilidade, afetem o comportamento dos auditores, tornando-os menos resilientes às pressões dos clientes para divulgações agressivas.

Para Besacier, Hottegindre, e Fine-Falcy (2011)Besacier, N. G., Hottegindre, G., & Fine-Falcy, S. (2011 April). The impact of recent regulatory changes on perceived audit quality as viewed by French auditors. Proceedings of the European Accounting Association, Annual Meeting, Rome, Italy, 34., a qualidade da auditoria é o cerne dos movimentos regulatórios mais recentes. Para eles, do ponto de vista prático, os escândalos financeiros do início do século, em particular envolvendo a Arthur Andersen, demonstraram a insuficiência dos parâmetros conceituais que sustentam a qualidade da auditoria a partir dos preceitos da independência e da competência. Por essa razão, segundo os autores, os regulamentos ampliaram a percepção de qualidade de auditoria - contemplando questões como nível de responsabilidade do auditor, restrições a serviços de consultoria, características e concentração do mercado de auditoria.

A maioria dos estudos que avaliaram a relação entre o ambiente regulatório e a qualidade da auditoria concluiu pela preponderância dos efeitos positivos da regulação, como Cohen, Dey, e Lys (2008)Cohen, D. A., Dey, A., & Lys, T. Z. (2008). Real and accrual-based earnings management in the pre- and post-Sarbanes-Oxley periods. The Accounting Review, 83 (3), 757-787., Silva e Robles Júnior (2008)Silva, A. G., & Robles Júnior, A. (2008). Os impactos na atividade de auditoria independente com a introdução da lei Sarbanes-Oxley. Revista Contabilidade e Finanças, 19 (48), 112-127., Amir, Guan, e Livne (2010)Amir, E., Guan, Y., & Livine, G. (2010). Auditor independence and the cost of capital before and after Sarbanes-Oxley: the case of newly issued public debt. European Accounting Review, 19(4), 633-663. , Feldmann e Read (2010)Feldman, D. A., & Read, W. J. (2010). Auditor conservatism after Enron. Auditing: A Journal of Practice & Theory, 29 (1), 267-279., o que dá sustentação à seguinte hipótese de pesquisa:

H7: A qualidade das auditorias desenvolvidas nos bancos brasileiros é positivamente relacionada com o nível de rigor do ambiente regulatório.

4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

4.1 Modelo para Apuração da Proxy de Qualidade de Auditoria.

Pelas razões expostas na Seção 2, a proxy de qualidade de auditoria utilizada no presente estudo se baseará na identificação da prática do gerenciamento de resultados, mais especificamente os accruals discricionários. O pressuposto é que a manipulação oportunista compromete a qualidade da informação e que a constatação dessa prática sinaliza que o auditor não cumpriu com sua missão de preservar a neutralidade das demonstrações.

Não obstante a pertinência da lógica implícita nesse raciocínio, algumas limitações metodológicas são importantes de se ressaltar: (i) fatores não discricionários não usuais também podem influenciar os accruals anormais (Bernard & Skinner, 1996Bernard, V. L., & Skinner, D. J. (1996). What motivates managers' choice of discretionary accruals? Journal of Accounting and Economics, 22 (1-3), 313-325.); (ii) a discricionariedade da administração na produção da informação não é necessariamente negativa, contemplando um componente informacional, que é a comunicação da informação privada da entidade (Kanagaretnam, Krishnan, & Lobo, 2009Kanagaretnam, K., Krishnan, G., & Lobo, G.J. (2009). Is the market valuation of banks' loan loss provision conditional on auditor reputation? Journal of Banking and Finance, 33 (6), 1039-1047.; Kallapur, Sankaraguruswamy, & Zang, 2010Kallapur, S., Sankaraguruswamy, S., & Zang, Y. (2010). Audit market concentration and audit quality. SSRN Working Papers. Recuperado em 5 dezembro, 2012, de http://papers.ssrn.com.
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); e (iii) a natureza de reversão dos accruals torna insustentável o pressuposto de uma relação contínua, direta ou inversa, dos accruals com outra variável (Gu, Lee, & Rosett, 2005Gu, Z., Lee, C. W. J., & Rosett, J. G. (2005). What determines the variability of accounting accruals? Review of Quantitative Finance and Accounting, 24 (3), 313-334.).

Para lidar com essas limitações, a apuração da proxy considerará não as acumulações discricionárias, mas a sua diferença entre dois períodos seguidos - a primeira diferença, em módulo, conforme equação (4.1). Com isso, ao invés de procurar identificar o patamar dos accruals discricionários permitido pelos auditores, avalia-se se a prática de reconhecimento de accruals é alterada de um período para o outro. Esse procedimento é compatível com os estudos que defendem a persistência das acumulações contábeis como parâmetro mais apropriado de avaliação de sua confiabilidade, como Chambers e Payne (2008)Chambers, D., & Payne, J. (2008). Audit quality and the accrual anomaly. SSRN Working Papers. Recuperado em 20 dezembro, 2013, de http:// papers.ssrn.com.
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. Por fim, essa diferença é multiplicada por (-1), para ajustar a métrica ao preceito de que, quanto maior o viés, pior a qualidade da auditoria. O uso do módulo e da multiplicação por (-1) para se apurar a proxy de qualidade de auditoria é inspirado em Kallapur et al. (2010)Kallapur, S., Sankaraguruswamy, S., & Zang, Y. (2010). Audit market concentration and audit quality. SSRN Working Papers. Recuperado em 5 dezembro, 2012, de http://papers.ssrn.com.
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, com a diferença de que esses autores não trabalharam com o conceito da primeira diferença.

onde: QAi,t é qualidade do trabalho de auditoria realizado no banco i no período t; e ACCdi,t, os accruals discricionários, que correspondem ao termo de erro do modelo (4.2), correspondente ao banco i e período t.

A apuração da variável ACCd, por sua vez, tem por referência a identificação da discricionariedade praticada em relação à provisão para créditos de liquidação duvidosa (PCLD), que é a área que tem registrado o maior número de estudos sobre a prática de gerenciamento de resultados em bancos. Essa concentração é justificada por Kanagaretnam, Lobo, e Mathieu (2003)Kanagaretnam, K., Krishnan, G., & Lobo, G.J. (2009). Is the market valuation of banks' loan loss provision conditional on auditor reputation? Journal of Banking and Finance, 33 (6), 1039-1047. pelo fato de essas provisões representarem os maiores accruals dos bancos, desempenhando papel fundamental nas decisões dos gestores sobre eventuais manipulações contábeis. Segundo Alali e Jaggi (2010)Alali, F., & Jaggi, B. (2010). Earnings versus capital ratios management: role of bank types and SFAS 114. Review of Quantitative Finance and Accounting, 36 (1), 105-132., há uma crença generalizada no mercado de que os administradores dos bancos usam extensivamente a PCLD para manipular os resultados divulgados, o que tem sido foco de preocupação dos reguladores.

Para a identificação dessa discricionariedade é utilizado o modelo (4.2), desenvolvido por Dantas, Medeiros, e Lustosa (2013)Dantas, J. A., Medeiros, O. R., & Lustosa, P. R. B. (2013). The role of economic variables and credit portfolio attributes for estimating discretionary loan loss provisions in Brazilian banks. Brazilian Business Review, 10 (4), 65-90.3:

onde:

DPCLDi,t são as despesas com provisão para créditos de liquidação duvidosa do banco i, no período t;

ΔOCi,t a variação no saldo da carteira de crédito do período t-1 para t, do banco i;

OCVi,t-1 o saldo das operações de crédito vencidas no período t-1, do banco i;

ΔOCVi,t a variação no saldo das operações de crédito vencidas do período t-1 para t, do banco i;

OCBi,t o valor das operações de crédito baixadas como prejuízo, do banco i, no período t;

PCLDi,t o saldo acumulado da provisão para créditos de liquidação duvidosa, do banco i, no período t-1;

JURi,t a taxa de juros implícita da carteira de crédito do banco i, no período t, apurada pela relação entre as receitas com operações de crédito e o saldo médio da carteira;

PIBt a variação percentual do Produto Interno Bruto a valores básicos, no período t;

<TIPi,t> é o vetor de variáveis de controle que representam as proporções dos créditos do banco i, no período t, distribuídas entre o setor público (PUB), o setor privado (PRV) e não residentes (NRES);

<GEOi,t> é o vetor de variáveis de controle representando as proporções dos créditos do banco i, no período t, localizadas nas seguintes regiões geográficas: Sudeste (SE), outras regiões do Brasil (ORB) e no exterior (EXT);

<PRZi,t> é o vetor de variáveis de controle representando as proporções dos créditos do banco i, no período t, distribuídas de acordo com o vencimento das operações: até 5 anos (AT5A) e superior a 5 anos (S5A);

<CNCi,t> é o vetor de variáveis de controle representando as proporções dos créditos do banco i, no período t, distribuídas entre os cem maiores clientes (AT100C) e aos demais clientes (OutC); e

é o termo de perturbação ou erro, representando a parcela discricionária da DPCLD, para o banco i, no período t.

Adotando um procedimento comum em estudos contábeis quantitativos, como o de Kanagaretnam, Lim, et al. (2010)Kanagaretnam, K., Krishnan, G., & Lobo, G.J. (2009). Is the market valuation of banks' loan loss provision conditional on auditor reputation? Journal of Banking and Finance, 33 (6), 1039-1047., as variáveis DPCLD, ΔOC, OCV, ΔOCV, OCB e PCLD são normalizadas pelo total de ativos no começo do período.

Cabe ressaltar que, embora os testes tenham por base informações financeiras produzidas pelas instituições bancárias brasileiras, elaboradas de acordo com os padrões determinados pelo BCB, que podem ser definidos como sendo baseados em regras, há espaço para a discricionariedade da administração. A Resolução 2.682 do Conselho Monetário Nacional (CMN), de 21 de dezembro de 1999, determina que as operações de crédito devem ser classificadas dentro de uma ordem crescente de risco, com uma proporção de provisão para perdas para cada nível de risco, de acordo com uma escala que varia de 0% para nível de risco AA até 100% para nível de risco H. Conforme destacam Dantas et al. (2013)Dantas, J. A., Medeiros, O. R., & Lustosa, P. R. B. (2013). The role of economic variables and credit portfolio attributes for estimating discretionary loan loss provisions in Brazilian banks. Brazilian Business Review, 10 (4), 65-90., a subjetividade advém dos critérios adotados pela administração para definir essa classificação. Há a orientação, por exemplo, para que os bancos considerem, entre outros fatores, o setor econômico ao qual os devedores corporativos pertencem, bem como aspectos relativos às operações de crédito, como a natureza e a finalidade do empréstimo, o montante e as características da garantia. Também há de se destacar que as instituições podem constituir provisões em patamar superior ao mínimo requerido pelo rating das operações, o que caracteriza uma oportunidade adicional de discricionariedade da administração na constituição da PCLD.

4.2 Modelo para Identificação dos Determinantes da Qualidade de Auditoria.

Identificada a proxy da qualidade de auditoria, o passo seguinte para testar os seus determinantes, tendo por base as hipóteses de pesquisa formuladas na Seção 3, fundamenta-se na estimação do modelo (4.3):

onde:

QAi,t é a qualidade do trabalho de auditoria realizado no banco i, no período t, mensurada de acordo com o modelo (4.1);

EAi,t é o grau de especialização do auditor das demonstrações do banco i, no período t, na indústria bancária brasileira, apurado em função dos ativos totais dos bancos auditados;

ICi,t indica a importância relativa do banco i para a carteira de clientes do auditor, no período t, apurado em função dos ativos totais dos bancos (na impossibilidade de acesso à remuneração cobrada dos clientes);

CPi,t indica que, no momento t em que foi realizada a auditoria no banco i, a relação auditor-cliente era de curto prazo - assume 1 para os trabalhos realizados no primeiro ano de contrato e 0 para os demais;

LPi,t indica que, no momento t em que foi realizada a auditoria no banco i, a relação auditor-cliente era de longo prazo - assume 1 para os trabalhos realizados a partir do sexto ano de contrato e 0 para os demais4;

CAi,t indica se o banco i, no período t tem Comitê de Auditoria instituído - assume 1 para as entidades que possuem o Comitê e 0 para os demais;

HHt reflete o grau de concentração dos serviços de auditoria na indústria bancária brasileira, no período t, apurado por meio do Índice Herfindahl-Hirschman5 - tendo por referência o volume de ativos totais dos bancos;

RLt traduz o risco de litigância contra os auditores, no período t - apurado pelo número de processos administrativos sancionadores contra a firma de auditoria julgados pelo BCB e pela CVM dividido pelo número de firmas que auditaram bancos no mesmo período;

<ARt> vetor de variáveis que medem o nível de rigor do ambiente regulatório do mercado de auditoria no período t. São consideradas três variáveis que assumem valores dicotômicos (dummies): AR0102 para as auditorias realizadas entre 2001 e 2002; AR0309 para as auditorias realizadas entre 2003 e 2009, quando entraram em vigência os termos da Instrução CVM n. 381/2003 e da Resolução CMN n. 3.081/2003, instituindo uma série de requerimentos para assegurar a independência e a objetividade dos auditores; e AR1012 para as auditorias realizadas entre 2010 e 2012, quando entrou em vigor a Resolução do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) n. 1.203/2009, instituindo no Brasil as normas internacionais de auditoria;

<CONTi,t> vetor de variáveis de controle para o banco i, no período t, utilizadas para a otimização das evidências empíricas dos testes, representando: o nível de rentabilidade - retorno sobre os ativos (RSA); o grau de capitalização - relação entre o patrimônio líquido e os ativos totais (CAP); a nacionalidade (NAC) - assume 1 para os bancos nacionais e 0 para os demais; a origem do capital de controle (PUB) - assume 1 para os bancos sob controle estatal e 0 para os demais; a abertura do capital em bolsa (BOV) - assume 1 para os bancos listados na BM&FBovespa e zero para os demais.

5 APURAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

A realização dos testes empíricos tem por referência principal as Informações Financeiras Trimestrais dos bancos comerciais, múltiplos e caixas econômicas, no período de 2001 a 2012, disponíveis no sítio do BCB. Para assegurar a robustez dos resultados, os modelos de dados em painel foram estimados por efeitos fixos SUR seccionais, o que oferece coeficientes e erros padrão robustos, mesmo na presença de heteroscedasticidade e de correlação contemporâneas nos erros das equações.

5.1 Apuração da Proxy de Qualidade de Auditoria.

A primeira etapa dos testes consiste na apuração da proxy de qualidade de auditoria, a partir da aplicação da equação (4.1), que depende da identificação da discricionariedade no processo de constituição da PCLD por parte dos bancos, tendo por base o modelo (4.2).

Os resultados demonstrados na Tabela 1 são coerentes com os apurados por Dantas et al. (2013)Dantas, J. A., Medeiros, O. R., & Lustosa, P. R. B. (2013). The role of economic variables and credit portfolio attributes for estimating discretionary loan loss provisions in Brazilian banks. Brazilian Business Review, 10 (4), 65-90., onde podem ser encontradas as análises detalhadas sobre o comportamento das variáveis. No presente estudo, a estimação do modelo (4.2) tem por propósito apurar a variável representativa dos accruals discricionários (o termo de erro), que será a base para a apuração da proxy de qualidade da auditoria, por meio da equação (4.1).

Tabela 1
Estimação da discricionariedade das despesas com PCLD - modelo (4.2)

5.2 Testes dos Determinantes da Qualidade de Auditoria.

Estimada a proxy de qualidade de auditoria, o passo seguinte consiste na realização de testes de associação dessa medida com variáveis representativas de incentivos dos auditores, com base no modelo (4.3), de forma a concluir sobre as hipóteses de pesquisa.

A compatibilização dos resultados evidenciados na Tabela 2 com as previsões das hipóteses de pesquisa revela, inicialmente, que não foi encontrada relação estatisticamente significante entre a qualidade das auditorias e o grau de especialização do auditor (EA) na indústria bancária. Assim, a hipótese H 1, que previa uma relação positiva entre tais variáveis, considerando que a especialização representaria uma compreensão mais ampla das práticas contábeis e tendências do segmento, aumentando a sua habilidade para avaliar evidências e identificar problemas nas demonstrações, não é confirmada empiricamente. Uma justificativa potencial para esse resultado pode ser o fato de a expressiva maioria dos bancos (92% em 2012) ser auditado por uma das big four, o que talvez impossibilite a identificação de uma diferença estatisticamente significante em relação aos trabalhos realizados por firmas com menor participação no mercado bancário.

Tabela 2
Estimação dos determinantes da qualidade da auditoria - modelo (4.3)

Quanto à importância do cliente (IC) para a carteira da firma, foi confirmada a previsão de uma relação negativa com a qualidade da auditoria, corroborando a premissa expressa na hipótese H 2 de que a maior dependência econômica do auditor em relação a um cliente torna-o mais exposto às demandas oportunistas da administração. Ou seja, o auditor tende a transigir mais com as demandas de seus clientes mais relevantes.

Em relação ao tempo de contrato entre o auditor e a instituição financeira (audit tenure), as hipóteses de pesquisa preveem que a qualidade da auditoria é comprometida: nas relações de curto prazo, considerando que o auditor ainda não conhece em profundidade os riscos do negócio, além de estar mais sujeito aos argumentos oportunistas da administração, para cativar o novo cliente; e nas relações de longo prazo, considerando que a autoconfiança do auditor pode reduzir o seu ceticismo ou aumentar os vínculos com o cliente. Os testes empíricos realizados em relação à variável CP, que indica os trabalhos realizados durante o primeiro ano de contrato, revelam que não são estatisticamente diferentes dos promovidos nos demais períodos, rejeitando-se a hipótese H 3A. No caso da variável LP, que indica os trabalhos promovidos a partir do sexto ano de contrato, foi encontrada relação negativa e significativa com a proxy de qualidade de auditoria, confirmando-se as previsões da hipótese H 3B.

A combinação desses resultados - não comprometimento da qualidade da auditoria quando a relação auditor/cliente é de curto prazo e piora da qualidade quando o trabalho é realizado após o sexto ano de contrato entre o auditor e o banco cliente - oferece evidências que reforçam os argumentos dos que defendem a instituição do "rodízio de auditores".

No que se refere à variável CA, representativa da presença de Comitê de Auditoria instituído, os testes empíricos confirmaram a sua relação positiva e estatisticamente relevante com a qualidade da auditoria, corroborando as expectativas da hipótese H 4. Esse resultado é coerente com o papel do Comitê de Auditoria como instrumento de governança, em particular no que se refere à sua relação com o trabalho dos auditores independentes - é esperado que a instituição do Comitê crie condições para a aplicação mais abrangente do ceticismo profissional do auditor, aumentando a qualidade dos trabalhos desenvolvidos.

Quanto ao impacto da concentração do mercado de auditoria na qualidade dos serviços prestados, os testes empíricos revelaram não haver relação estatisticamente relevante entre as variáveis HH e QA, não se confirmando as previsões de H 5. Esse resultado retrata, de certa forma, a dualidade destacada por Ojo (2008)Ojo, M. (2008). The role of the external auditor in the regulation and supervision of the UK banking system. Journal of Corporate Ownership and Control, 5 (4), 1-21., para quem a concentração pode ter dois efeitos potenciais distintos: o primeiro prevê que a concentração encoraja a especialização, reduzindo o risco de demonstrações distorcidas; e, o segundo, que a maior competição (menor concentração) diminui o risco de uma firma dominante estabelecer práticas que possam encorajar demonstrações de pouca qualidade. A ausência de significância estatística nos testes também não permite concluir pela corroboração de sua versão alternativa, que dependeria de uma relação positiva significante entre as variáveis em discussão.

Pelos resultados encontrados, é possível inferir que esses dois efeitos potenciais podem atuar contemporaneamente, anulando os efeitos estatísticos relevantes. Ou seja, não há evidências objetivas de efeitos positivos ou negativos da concentração da atividade de auditoria na qualidade dos trabalhos desenvolvidos no âmbito do SFN. Isso não elimina, contudo, outros riscos potenciais de uma concentração acentuada, como o impacto na competição do setor, no processo de escolha dos clientes e na remuneração dos auditores.

O impacto do risco de litigância na qualidade dos serviços dos auditores é examinado a partir da hipótese de que a expectativa de uma ação punitiva cria incentivos econômicos e reputacionais para que atuem de forma mais restritiva em relação à ação oportunista da administração. Os testes empíricos revelaram uma associação positiva e estatisticamente relevante entre as variáveis QA e RL, corroborando a hipótese H 6, ou seja, nos momentos em que são julgados mais processos administrativos sancionadores por parte do BCB e da CVM contra os auditores, os trabalhos de auditoria são de melhor qualidade. Esses resultados sugerem, portanto, que os auditores reagem a um ambiente com maior risco de punição com um maior cuidado profissional na realização dos trabalhos, cabendo ressaltar que, entre as hipóteses de pesquisa confirmadas, essa foi a que apresentou menor relevância estatística.

A última hipótese de pesquisa avalia o impacto de um ambiente regulatório mais rigoroso na qualidade dos trabalhos de auditoria. Para esse fim, o período considerado no estudo é dividido em três subperíodos, conforme o nível de rigor das normas profissionais vigentes - de 2001 a 2002 (AR 0102), de 2003 a 2009 (AR 0309) e 2010 a 2012 (AR 1012). Como é julgado que esses subperíodos apresentam níveis crescentes de rigor e as variáveis são do tipo dummy, nos testes de associação com as proxies de qualidade de auditoria são avaliadas a AR 0102 e a AR 1012, para as quais são esperados sinais negativo e positivo, respectivamente, como condição para a confirmação da hipótese.

Os testes empíricos em relação à variável dependente evidenciaram: (i) ausência de relevância estatística na associação com a variável AR 0102, não sendo possível afirmar que as auditorias realizadas entre 2001 e 2002 - período definido como de menor rigor do ambiente regulatório - são de melhor ou de pior qualidade que as realizadas nos demais períodos; e (ii) associação positiva e estatisticamente relevante com a variável AR 1012, demonstrando que as auditorias realizadas entre 2010 e 2012 - período definidor como de maior rigor do ambiente regulatório - são de melhor qualidade que as demais. A combinação desses resultados, embora não totalmente consistentes com a hipótese H 7, em função da ausência de relevância estatística para a variável AR 0102, oferece evidências de que o maior rigor regulatório pode ser associado à realização de auditorias de melhor qualidade.

No que se refere às variáveis de controle, não associadas objetivamente a incentivos para a atuação dos auditores, incorporadas com o propósito de aprimorar as evidências empíricas obtidas nos testes em relação às variáveis de interesse, foi constatado que: (i) as instituições com maior nível de rentabilidade apresentam menos evidências de manipulação das informações financeiras; (ii) o nível de capitalização das entidades não interfere no grau de discricionariedade dos accruals em relação à constituição da PCLD; (iii) os bancos cujo capital de controle é de origem nacional apresentam maiores variações nos componentes discricionários das despesas com provisão para créditos de liquidação duvidosa, o que sugere maior possibilidade de manipulação; (iv) não há diferenças significativas quanto ao nível de discricionariedade na constituição da PCLD entre bancos estatais e privados e entre as instituições de capital listado em bolsa ou não.

5.3 Testes Adicionais em Relação ao Tempo de Contrato Auditor-Cliente.

Para testar o efeito do tempo de contrato entre o auditor e a instituição financeira nos trabalhos de auditoria optou-se por considerar que as premissas discutidas na literatura de qualidade das auditorias ficam comprometidas nos relacionamentos de curto prazo e de longo prazo - hipóteses H 3A e H 3B, respectivamente - caracterizando uma relação não linear entre as variáveis. Tendo em vista a subjetividade implícita na definição do que seriam relacionamentos de curto e de longo prazo, bem como o fato de que, no período considerado no presente estudo, ocorreram três regimes de incentivos para as questões relacionadas à extensão do relacionamento entre os auditores e as instituições financeiras - rodízio obrigatório, suspensão do rodízio e extinção do rodízio - foi realizado um teste adicional, modificando a forma de mensuração da variável audit tenure.

Para esse fim, foi replicada a estimação do modelo (4.3), substituindo as variáveis CP e LP pela variável tempo de contrato (TC), representada pelo número de anos consecutivos de relacionamento entre a firma de auditoria e a instituição financeira. Os resultados estão evidenciados na Tabela 3.

Tabela 3
Reestimação do modelo (4.3), com a substituição da variável representativa do audit tenure

Os resultados demonstram, inicialmente, compatibilidade com aqueles evidenciados na Tabela 2. De forma geral, todas as variáveis apresentaram os mesmos sinais e grau de relevância, não obstante as óbvias alterações residuais nos coeficientes. A diferença se restringiu à variável risco de litigância, RL, que no teste anterior era significativa a 10% e agora apresenta um p-valor de 0,120.

No que se refere especificamente à variável audit tenure, os resultados demonstraram haver uma relação inversa estatisticamente relevante entre a qualidade da auditoria e o tempo de relacionamento auditor-cliente. Esses resultados são coerentes com as evidências empíricas dos testes originais que indicaram a relação negativa entre a qualidade dos trabalhos de auditoria e os relacionamentos de longo prazo da firma de auditoria com as instituições financeiras. Reforçam, portanto, as evidências dos testes destacados na Seção 5.2.

5.4 Análise de Sensibilidade.

Como forma de validar os testes destacados na Tabela 2, foram realizados dois testes adicionais. No primeiro, o modelo (4.3) foi estimado com efeitos fixos seccionais, mas sem a utilização de variáveis de controle. No segundo, o modelo é estimado com o método de duplos efeitos fixos - seccionais e temporais - o que impõe a limitação de não se considerar as variáveis de natureza temporal (HH, RL, AR 0102 e AR 1012).

Com pequenas variações nos coeficientes e nos p-valores, esses testes adicionais confirmaram os resultados encontrados em relação aos sinais e à relevância estatística das variáveis de interesse, com apenas uma exceção: a variável RL não se revela estatisticamente significante no modelo estimado com efeitos fixos seccionais e sem as variáveis de controle. Esses testes adicionais reforçam a confiabilidade dos resultados apresentados na Tabela 2.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A confiabilidade das informações financeiras é uma das condições essenciais para o adequado funcionamento dos mercados, em particular o bancário, tendo em vista o fato de suas instituições estarem sujeitas ao risco sistêmico conhecido como "corrida bancária", em caso de desconfiança dos depositantes. Entre os aspectos que podem contribuir para um ambiente de confiança se insere o trabalho dos auditores independentes, historicamente associados ao propósito de assegurar a credibilidade do processo de divulgação financeira. A revisão exercida pelos auditores assume ainda maior relevância se considerado o fato de que a elaboração das informações contábeis incorpora, cada vez mais, aspectos subjetivos de julgamento profissional, que podem facilitar uma eventual ação oportunista da administração no sentido de encobrir uma situação financeira ocasionalmente insatisfatória.

Considerando esse contexto, somado à deficiência de evidências empíricas sobre as auditorias realizadas nos mercados bancários, em especial no mercado brasileiro, o presente estudo teve por objetivo identificar os fatores determinantes da qualidade dos trabalhos desenvolvidos pelos auditores independentes nas instituições bancárias brasileiras.

Os testes empíricos de associação da proxy de qualidade da auditoria com as variáveis representativas de incentivos à atuação dos auditores confirmaram cinco das sete hipóteses de pesquisa, revelando que a qualidade dos trabalhos tem relação: negativa com o nível de importância do cliente para o auditor; negativa com os trabalhos a partir do sexto ano de contrato; positiva com a instituição do Comitê de Auditoria por parte dos bancos; positiva com o julgamento de processos administradores sancionadores contra os auditores independentes; positiva com o nível de rigor do ambiente regulatório. Das hipóteses testadas, duas não foram confirmadas empiricamente. A primeira previa uma associação entre a qualidade das auditorias e o grau de especialização do auditor na indústria bancária e a segunda que a qualidade das auditorias teria relação negativa com o grau de concentração da atividade de auditoria no âmbito do SFN.

Espera-se que a identificação dos fatores determinantes da qualidade dos trabalhos de auditoria nas instituições bancárias brasileiras contribua para se aprofundar a discussão sobre o papel que os auditores independentes podem desempenhar para um ambiente de transparência e de solidez do sistema financeiro, inclusive como ação complementar ou auxiliar de supervisão. Esse papel tende a assumir ainda maior relevância se considerado o fato de que a elaboração das informações contábeis incorpora, cada vez mais, aspectos subjetivos de julgamento profissional, que podem facilitar uma eventual ação oportunista da administração no sentido de encobrir uma situação financeira ocasionalmente insatisfatória.

Naturalmente, o estudo está sujeito a limitações. A principal delas é o fato de que o fenômeno objeto da pesquisa, a qualidade das auditorias, não é um aspecto verificável externamente, ao menos contemporaneamente à sua realização, o que impõe a necessidade de utilização de proxies. Também convém ressaltar que os modelos aqui desenvolvidos e a concomitante construção das variáveis consideraram as especificidades do mercado bancário brasileiro, não sendo aplicáveis em outro contexto sem as devidas adaptações.

Nesse sentido, sugerem-se novas pesquisas que testem a validade dos modelos e das hipóteses de pesquisa em outros ambientes, além de realizar testes com outras proxies de qualidade de auditoria para o cotejamento das evidências aqui obtidas e identificar outras variáveis explicativas para o comportamento da qualidade das auditorias.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jan 2015
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2015

Histórico

  • Recebido
    14 Mar 2014
  • Aceito
    23 Jul 2014
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