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Basileia III: Impacto para os Bancos no Brasil* *Artigo apresentado no XXXVIII Encontro da ANPAD (EnANPAD), Rio de Janeiro, RJ, 17 de setembro de 2014.

RESUMO

Este artigo avalia os possíveis impactos decorrentes da mudança do capital requerido dos bancos no Brasil, com a implantação do Acordo de Basileia III. Para tanto, foi utilizada uma amostra de 58 bancos, que compreende 80% dos ativos do Sistema Financeiro Nacional, segundo os balanços de dezembro de 2012. A metodologia adotada simulou a necessidade de capital regulatório que será exigida ao final do período de transição, em 2019, considerando a continuidade dos ativos ponderados pelo risco (APR) contido nesses balanços. Assumindo que alguns bancos irão recorrer ao mercado de capitais para elevar sua capitalização, foram analisados os retornos sobre o patrimônio (return on equity - ROE) nos últimos três anos, comparados ao custo de capital próprio, estimado pelo modelo internacional de precificação de ativos de capital (international capital asset pricing model - ICAPM). Constatou-se que 23 instituições apresentaram algum tipo de desenquadramento ao novo capital regulatório, dentre as quais os 3 maiores bancos públicos federais. Verificou-se, também, que 39 bancos apresentam ROE insuficiente para atrair novos investidores. A análise conjunta da adequação da estrutura de capital e do nível de retorno pode identificar eventuais vulnerabilidades. Conclui-se que a implantação do Acordo de Basileia III no Brasil pode intensificar a busca por maior eficiência e lucratividade. Em um futuro cenário, o sistema bancário brasileiro pode observar uma onda de fusões e aquisições e o crescimento do número de ofertas públicas iniciais (initial public offerings - IPOs).

capital regulatório; Basileia III; bancos; ativos ponderados pelo risco; regulação bancária

ABSTRACT

This article evaluates the potential impacts deriving from the change in required capital of banks in Brazil, with the implementation of Basel III. To do this, a sample of 58 banks was used, which accounts for 80% of the assets in the Brazilian National Financial System, according to the balance sheets of December 2012. The methodology adopted has simulated the need for regulatory capital that will be mandatory in the end of the transition period, in 2019, considering the continuity of risk-weighted assets (RWAs) contained in these balance sheets. Assuming that some banks will resort to the capital market to raise their capitalization level, the return on equity (ROE) for the previous three years was analyzed, compared to the cost of equity, estimated by the International Capital Asset Pricing Model (ICAPM). It was found that 23 institutions had some kind of noncompliance with the new regulatory capital, among them the 3 largest federal public banks. It was also observed that 39 banks have a ROE insufficient to attract new investors. The joint analysis of the adequacy of capital structure and the return level may identify occasional vulnerabilities. It is concluded that implementing Basel III in Brazil may increase the search for greater efficiency and profitability. In a future scenario, the Brazilian banking system may observe a wave of mergers and acquisitions and an increased number of initial public offerings (IPOs).

regulatory capital; Basel III; banks; risk-weighted assets; bank regulation

1 Introdução

Ao longo das últimas duas décadas, o setor bancário brasileiro passou por uma consolidação importante, que aumentou sua concentração, ampliou a presença dos grandes bancos de varejo e, nos últimos cinco anos, amplificou a participação dos bancos públicos federais.

A crise financeira internacional de 2008 pouco afetou a capacidade desse sistema. Os bancos brasileiros, em sua grande maioria, estavam adequados ao seu capital regulatório e mantinham exposições a riscos dentro de parâmetros aceitáveis, corroborando as visões de que o capital regulatório (Laeven & Levine, 2009Laeven, L., & Levine, R. (2009). Bank governance, regulation and risk taking. Journal of Financial Economics, 93(2), 259-275.) e a supervisão dos reguladores (Buch & DeLong, 2008Buch, C. M., & DeLong, G. (2008). Do weak supervisory systems encourage bank risk-taking? Journal of Financial Stability, 4(1),23-39.) estão intrinsicamente relacionados à estabilidade do setor bancário. Contudo, a economia mundial foi afetada pela crise e medidas se faziam necessárias.

O Comitê de Supervisão Bancária de Basileia (Basel Committee on Banking Supervision - BCBS) publicou uma revisão do Acordo de Capital intitulada A global regulatory framework for more resilient banks and banking systems, que veio a se tornar conhecida como Basileia III (Basel Committee on Banking Supervision, 2011 Basel Committee on Banking Supervision. (2011). A global regulatory framework for more resilient banks and banking systems. Basel:BCBS. ). O novo Acordo de Capital irá requerer mais capital e de melhor qualidade. Além disso, as novas regras introduziram o conceito de capital contracíclico, o que, na prática, irá reduzir a possibilidade de alavancagem dos bancos. Ao atuar de forma ampla na regulação do capital e nos padrões de liquidez, o novo acordo deixa aos reguladores locais as decisões quanto à forma de implantação e adequação do modelo às suas especificidades.

Essas medidas farão com que as instituições financeiras tenham de planejar melhor suas ações de investimento e de concessão de crédito, priorizando a contratação de ativos que proporcionem uma melhor relação entre retorno e risco. Entretanto, as ações não estão limitadas à revisão da política de investimento e crédito. Os bancos também podem se ajustar às novas regras emitindo ações, vendendo parte de sua carteira de ativos ou, ainda, praticando uma política de dividendos menos agressiva, com maior retenção de lucros. Dessa forma, o aumento do capital regulatório requerido pelo BCBS irá implicar aportes de recursos pelos acionistas, que precisam ser remunerados ao custo do capital próprio (KE). Logo, o nível de retorno proporcionado pelo banco deve satisfazer à condição de ser igual ou superior ao KE.

Este artigo analisa os efeitos dessa medida para o setor bancário brasileiro, por meio de duas abordagens. A primeira trata de uma simulação da suficiência do capital regulatório dos bancos para que eles mantenham suas estratégias e operações, considerando os portfólios existentes em dezembro de 2012, e dentro das regras introduzidas pelo Acordo de Basileia III. A segunda abordagem diz respeito à capacidade dos bancos de atrair capitais visando a se enquadrar ao Acordo de Basileia III e, por essa razão, devem proporcionar aos investidores retornos compatíveis. A análise conjunta da suficiência do capital regulatório e da capacidade de atrair novos capitais irá indicar as estratégias que cada banco deverá perseguir.

Os resultados obtidos indicam que, dos 58 bancos analisados, 23 não estão enquadrados nas regras de Basileia III, devido a algum dos critérios discutidos no item 2.2. De forma geral, o sistema bancário necessitará aumentar o capital regulatório em cerca de R$ 85 bilhões, em valores de 2012. A dificuldade de enquadramento será acentuada, pois 39 bancos apresentam retorno inferior ao custo de capital próprio.

A principal contribuição deste estudo consiste na discussão dos possíveis efeitos do novo Acordo de Capital sobre o mercado financeiro, uma vez que a redução da capacidade dos bancos de alavancar-se poderá precipitar o aumento dos spreads. Adicionalmente, o novo acordo poderá produzir o aumento na concentração do sistema, como tem sido a tônica das últimas duas décadas. Finalmente, também se espera suscitar o debate sobre questões de política econômica e regulação bancária, haja vista a interconexão entre os assuntos.

O artigo está dividido em sete seções, incluindo esta introdução. A segunda seção apresenta uma revisão da literatura. A terceira seção apresenta a metodologia utilizada. A quarta seção constitui uma análise da necessidade de ajuste do capital regulatório. A quinta seção é destinada à estimativa do custo de capital dos bancos e discute sua capacidade de atrair novos investidores. A sexta seção constitui uma análise conjunta do capital regulatório e do retorno dos bancos. Por fim, na sétima seção são apresentadas nossas conclusões.

2 REVISÃO DA LITERATURA

Os bancos são depositários da poupança das famílias, das empresas e dos investidores institucionais. Eles exercem a função de vasos comunicantes entre todos os investidores e os tomadores de recursos; portanto, a falência de um banco constitui um problema sistêmico (Stiglitz & Weiss, 1981Stiglitz, J. E., & Weiss, A. (1981). Credit rationing in markets with imperfect information. The American Economic Review, 71(3), 393-410.).

Bancos podem inadimplir quando o volume de seus contratos é de tal magnitude que os efeitos propagados por uma crise, ao incidir sobre eles, resultam em prejuízos não suportados pelo capital próprio da instituição. Quando os problemas transcendem as fronteiras, a ação dos bancos centrais precisa ser coordenada por uma instituição multilateral, que possa ter isenção e representatividade para operar nesse ambiente.

O BCBS é o organismo financeiro internacional responsável por recomendar aos bancos centrais medidas de cunho prudencial, visando a garantir a estabilidade financeira internacional. Com esse objetivo, o BCBS editou, em 1988, seu primeiro Acordo de Capital, que limitou a alavancagem bancária a um nível que trouxesse solidez às economias (Basel Committee on Banking Supervision, 1988 Basel Committee on Banking Supervision. (2005). International convergence of capital measurement and capital standards: a revised framework.Basel: BCBS. ).

2.1 Antecedentes de Basileia III

O princípio básico do Acordo de Basileia consiste na compatibilização do capital da instituição com os riscos incorridos. No Acordo de Capital de 1988, denominado International convergence of capital measurement and capital standards, introduziu-se, entre outros, o conceito de ativos ponderados pelo risco (APR) que, multiplicado por um fator de risco de 8%, definia o capital regulatório da instituição, além dos conceitos de Tier 1 e Tier 2, ou Capital Nível 1 e Capital Nível 2. A relação entre Capital Total e APR denomina-se Índice de Basileia.

O conceito de APR consiste na soma ponderada dos ativos das instituições, de acordo com seu nível de risco. De forma geral, foram estabelecidos quatro fatores de ponderação: 0% para títulos públicos emitidos pelos governos centrais ou haveres dos bancos junto aos governos; 20% para valores em compensação; 50% para ativos interbancários e créditos garantidos por hipotecas; e 100% para os demais créditos.

O Tier 1 representa o capital disponível para absorver as perdas em uma base "de continuidade", que pode ser esgotado sem colocar o banco em insolvência, administração especial ou liquidação. O Tier 1 é constituído por ações ordinárias, por reservas divulgadas, e por ações preferenciais, desde que estas últimas não sejam resgatáveis e não haja a cumulatividade de dividendos. Pelo menos 50% do Tier 1 deve ser constituído por ações.

O Tier 2 constitui o capital que pode absorver as perdas antes que os depositantes percam todo o dinheiro e está limitado a 100% de Tier 1. É constituído por reservas de reavaliação, por reservas não divulgadas, provisões para perdas futuras não identificadas e por instrumentos que, devido às suas características, classificam-se como um "quase capital". São eles os instrumentos híbridos de capital e dívida, como ações preferenciais e bonds perpétuos, além dos instrumentos de dívida subordinada, limitados a 50% do Tier 2, com prazo mínimo de 5 anos, e prevendo a redução de sua efetividade como instrumento de capital à razão de 20% ao ano (a.a.) nos 5 anos que antecedem seu vencimento.

As deduções sobre o capital regulatório introduzidas pelo Acordo de 1988 dizem respeito ao Goodwill (dedução de Tier 1) e o investimento em subsidiárias financeiras não consolidadas no balanço da instituição (dedução do total do capital regulatório).

Em 2005, o BCBS publicou o International convergence of capital measurement and capital standards: a revised framework, conhecido como Basileia II (Basel Committee on Banking Supervision, 2005Basel Committee on Banking Supervision. (1988). International convergence of capital measurement and capital standards. Basel:BCBS.). Entre outras medidas, o Acordo de Basileia II promoveu mudanças qualitativas no tocante ao conceito de APR, vinculando o rating ao fator de ponderação e facultando às instituições o desenvolvimento de modelos internos, ou Internal Rating-Based Approach (IRB).

Adicionalmente, introduziram-se outras mudanças na composição do capital regulatório: do Tier 1, passou-se a deduzir os ativos intangíveis e o aumento de capital decorrente de exposições em operações de securitização e, simultaneamente, do Tier 1 e Tier 2, passaram a ser deduzidas partes iguais do investimento em subsidiárias financeiras ou bancárias não consolidadas e o investimento em outras instituições financeiras.

2.2 As Mudanças Introduzidas por Basileia III

Basileia III introduziu importantes modificações, particularmente no tocante às definições de capital. Entre as mudanças, destacam-se uma nova estrutura de capital, priorizando o capital de melhor qualidade e estabelecendo restrições aos instrumentos de capital de menor qualidade; ajustes prudenciais ao capital da instituição; o conceito de capital conservation buffer, que é o capital adicional para fazer frente a possíveis perdas; e o conceito de countercyclical buffer, ou capital contracíclico.

Diferente dos acordos anteriores, que resumiam a estrutura de capital da instituição a Tier 1 e Tier 2, o novo Acordo de Capital é consideravelmente mais rigoroso e passa a consistir na soma dos seguintes elementos:

a) Tier 1, ou Capital Nível 1, cujo requerimento é de 6% de APR, composto por:

i. Common Equity, ou Capital Principal, na denominação da Resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) n. 4.192/2013, que deverá ser maior ou igual a 4,5% de APR; e

ii. Additional Tier 1, ou Capital Complementar, segundo a mesma resolução.

b) Tier 2, ou Capital Nível 2. A soma de Tier 2 e Tier 1 deve ser, no mínimo, 8% de APR.

Além de Tier 1 e Tier 2, o Acordo de Basileia III prevê que o capital regulatório da instituição deve incluir:

c) Capital conservation buffer, ou capital de conservação, consiste em um "colchão" extra de capital para possíveis perdas, proporcionando à instituição que "adentrar" esse limite a continuidade de suas operações. Nessas condições, a instituição é obrigada a interromper o pagamento de dividendos, até a recomposição do capital. O capital de conservação requer 2,5% de APR adicionais de Capital Principal.

d) Countercyclical buffer, ou capital contracíclico. Visa a garantir a estabilidade financeira da economia e seu uso confere graus de liberdade aos bancos centrais: fora dos tempos de crise, cria-se um colchão de capital para fazer frente às perdas em possíveis crises; e nos tempos de crise, a autoridade monetária pode aboli-lo para evitar uma recessão. O capital contracíclico requer 2,5% de APR adicionais de Capital Principal.

O Capital Principal é composto por ações ordinárias, reservas de lucro e outras reservas. Já o Capital Complementar é composto por instrumentos com características de perpetuidade, subordinados a todos os demais instrumentos, à exceção das ações ordinárias, resgatáveis apenas por iniciativa do credor e com autorização dos bancos centrais.

O Capital Nível 2 é composto por instrumentos de dívida com prazo mínimo de 5 anos, subordinados a todos os passivos da instituição, exceto aos do Tier 1; não poderão ter gatilhos de liquidação antecipada, exceto no caso de falência da instituição; e poderão ser resgatados por iniciativa do emissor, respeitado o prazo mínimo de 5 anos, e desde que sejam substituídos por instrumentos de melhor qualidade, sob o ponto de vista de capital regulatório.

Do exposto, o capital requerido, em forma de ações ordinárias, corresponde ao somatório do Capital Principal, do capital de conservação e do capital contracíclico, totalizando 9,5% de APR; acrescentando o Capital Complementar, deve-se atingir 11%; e adicionando, ainda, os instrumentos que perfazem o Capital Nível 2, chega-se a um requerimento de 13%.

Os ajustes prudenciais constituem-se em deduções sobre o valor do Capital Principal. São eles o Goodwill e outros ativos intangíveis; os créditos tributários decorrentes de prejuízos fiscais e que dependem de resultados futuros para serem realizados; ações de própria emissão em tesouraria; benefícios definidos de fundos de pensão; participações cruzadas no capital de bancos, financeiras e seguradoras; investimento direto ou indireto no capital de entidades bancárias, financeiras, seguradoras e assemelhadas, que estejam fora do consolidado regulatório; ganho na venda de ativos nas operações de securitização; insuficiência de provisões para perdas esperadas; reservas para a cobertura de hedges etc.

A Tabela 1 apresenta o período de ajuste às novas regras do BCBS.

Tabela 1
Requerimentos mínimos de capital estabelecidos no Acordo de Basileia III

A insuficiência de capital para atender o capital de conservação e o capital contracíclico pode interromper, total ou parcialmente, o pagamento de dividendos.

Fica evidente que, com o novo acordo, será exigido dos bancos mais capital e de melhor qualidade. Se antes o capital regulatório era atendido pelo somatório de Tier 1 e Tier 2, o novo acordo estabelece requerimentos para o Capital Principal, para o Capital Nível 1 e para o somatório de Tier 1 e Tier 2. Além disso, o capital de conservação e o capital contracíclico representam um ônus adicional para os bancos.

2.3 A Implantação de Basileia III no Brasil

O Banco Central do Brasil (BACEN) publicou, em 1º de março de 2013, as Resoluções CMN n. 4.192 e 4.193 (Banco Central do Brasil, 2013aBanco Central do Brasil. (2008). Resolução CMN n. 3.533. Brasília, DF: BACEN., 2013b Banco Central do Brasil.(2013a). Resolução CMN n. 4.192. Brasília, DF:BACEN.), que dispõem, respectivamente, sobre o patrimônio de referência e sobre a apuração dos requerimentos mínimos de capital. Em relação ao Acordo de Basileia III, as normas apresentam diferenças no tocante às regras de transição, pois o BACEN já adotava um fator de risco de 11% que, em 2019, se ajustará aos parâmetros do BCBS. No que tange aos instrumentos que compõem o capital, o BACEN estabeleceu regras semelhantes às do BCBS.

Sobre os ajustes prudenciais, é importante mencionar que a maior parte dos créditos tributários gerados pelos bancos brasileiros decorre das provisões para créditos de liquidação duvidosa, gerados quando se procede ao lançamento a prejuízo da operação de crédito. Dos R$ 110 bilhões de créditos tributários do Sistema Financeiro, R$ 60 bilhões têm origem em operações de crédito (Reuters Brasil, 2013Reuters Brasil. (2013). BC estreia Basileia 3 e permite uso de crédito tributário. Retrieved fromhttp://br.reuters.com/article/domesticNews/idBRSPE92006X20130301
http://br.reuters.com/article/domesticNe...
). Se esses créditos tributários fossem deduzidos do capital regulatório, os bancos brasileiros teriam uma desvantagem em relação aos bancos situados em outros países. A Medida Provisória n. 608/2013, já aprovada no plenário do Senado Federal, os excluiu daqueles que devem ser deduzidos do capital regulatório (Brasil, 2013).

2.4 Estudos Empíricos sobre os Possíveis Efeitos Advindos da Implantação de Basileia III

Diversos trabalhos têm sido realizados visando a antecipar os efeitos do novo Acordo de Capital. Herrala (2014)Herrala, R. (2014). Forward-looking reaction to bank regulation (Working Paper Series n. 1645) . Frankfurt:European Central Bank. estudou como os bancos na zona do Euro se antecipam à regulação bancária. Segundo o autor, nos sete anos anteriores à implantação de Basileia II, a política de crédito imobiliário dos bancos fora relaxada. Os efeitos de Basileia III também já se fazem sentir na zona do Euro, onde bancos recrudesceram sua política de crédito.

Cohen (2013)Cohen, B. H. (2013, setembro). How have banks adjusted to higher capital requirements? BIS Quarterly Review, 25-41. identificou entre bancos europeus o aumento da retenção de lucros, como forma de elevação da capitalização, e a redução das carteiras de ativos para comercialização. No entanto, de modo agregado, não têm ocorrido cortes expressivos nas carteiras de ativos. O autor cita que os bancos com elevada capitalização e rentabilidade no pós-crise têm crescido mais que os demais, o que enfatiza a importância de balanços sólidos.

O aperto da política de crédito dos bancos, a elevação do spread bancário e a retração econômica são conclusões de alguns estudiosos. Slovik e Cournède (2011)Slovik, P., & Cournède, B. (2011). Macroeconomic impact of Basel III (Working Papers Series n. 844). Paris: OECD. estudaram o efeito de Basileia III sobre os Estados Unidos, a União Europeia e o Japão e concluíram que as medidas irão gerar um efeito contracionista entre 0,05% e 0,15% anuais no produto interno bruto (PIB) dessas economias. Eles estimam que o spread deva se elevar em 50 pontos bases em 2019, quando o período de transição ao novo Acordo de Capital estiver concluído, e sugerem a redução das taxas básicas de juros para reduzir esse efeito contracionista. Analogamente, para Elliott, Salloy e Santos (2012)Elliott, D., Salloy, S., & Santos,A. (2012). Assessing the cost of financial regulation. Washington, DC: International Monetary Fund. as taxas de empréstimos nos Estados Unidos, na União Europeia e no Japão poderão subir 28, 18 e 8 pontos bases, respectivamente.

Miles, Yang e Marcheggiano (2013)Miles, D., Yang, J., & Marcheggiano, G. (2013). Optimal bank capital. The Economic Journal, 123(567), 1-37. estudaram qual seria o capital regulatório ótimo para os bancos e ponderaram que o custo de uma crise financeira e o montante de recursos públicos para fazer frente a ela foi expressivo; portanto, o nível ótimo de capital decorre do trade off entre a redução do crescimento do PIB decorrente de uma crise, com dada probabilidade, versus o custo para o crescimento do PIB intrínseco ao capital regulatório. Os autores sugerem que o nível ideal de capital se situa em torno dos 20% de APR, valor este consideravelmente superior ao do capital regulatório estabelecido em Basileia III. Diferentemente dos demais estudiosos, esses autores não compartilham da ideia de que haverá redução dos ativos do setor bancário, pois a elevação do capital regulatório significa tão somente que uma maior parcela dos ativos será financiada pelo capital próprio, isto é, eles veem o capital sob a ótica de funding dos bancos.

Yan, Hall e Turner (2012)Yan, M., Hall, M. J. B., & Turner, P. (2012). A cost-benefit analysis of Basel III: some evidence from the UK. International Review of Financial Analysis, 25(6), 73-82. estudaram os custos e benefícios de Basileia III no Reino Unido, com o mesmo objetivo, determinar o nível ótimo de capital. O princípio também é que os eventuais efeitos contracionistas do novo capital regulatório seriam compensados por um benefício, definido como a redução do crescimento econômico, caso houvesse uma crise. Os autores concluíram que o nível ótimo de capital, definido como a soma de Capital Principal mais o capital de conservação, é de 10%, superior, portanto, aos 7% de Basileia III.

Klomp e Haan (2012)Klomp, J., & Haan, J. (2012). Banking risk and regulation: does one size fit all? Journal of Banking & Finance, 36(12), 3197-3212. investigaram o efeito da regulação e da supervisão bancária sobre mais de 200 bancos em 21 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) entre 2002 e 2008 e concluíram que a regulação e a supervisão bancária são efetivas sobre bancos que incorrem em maior risco, mas não sobre aqueles mais conservadores nesse quesito. Com base nisso, os autores discutem se regulação e supervisão não deveriam levar em consideração as diferenças entre as instituições.

Finalmente, existe a questão dos ganhos de eficiência. O Basel Committee on Banking Supervision (2012) associa os ganhos de gestão com a estabilidade dos retornos sobre o capital próprio. Tabak, Fazio e Cajueiro (2011)Tabak, B. M., Fazio, D. M., & Cajueiro, D. O. (2011).Profit, cost and scale efficiency for Latin American banks: concentration-performance relationship (Working Paper Series n. 244) . Brasília, DF: Banco Central do Brasil., ao estudar os bancos na América Latina, concluíram que eles trabalham em níveis mais elevados de eficiência em custos do que eficiência em lucro. Melhor gestão dos custos não significa necessariamente que eles estão obtendo o retorno adequado. Segundo os autores, há indícios de que bancos privados e bancos estrangeiros são mais eficientes em lucro e custos do que os bancos públicos. No entanto, a discussão sobre quais bancos são mais eficientes, se os privados ou os públicos, os nacionais ou os estrangeiros, é um assunto controverso e está longe de se esgotar. Ruiz Tabak e Cajueiro (2008)Ruiz, C., Tabak, B. M., & Cajueiro, D. O. (2008).Mensuração da eficiência bancária no Brasil: a inclusão de indicadores macroprudenciais. Revista Brasileira de Finanças, 6(3), 411-436. enumeraram diversos trabalhos com conclusões similares às de Tabak et al. (2011), mas também outros com conclusões opostas. A título de exemplo, os estudos de Silva e Jorge Neto (2002)Silva, T. L., & Jorge Neto, P. M. (2002). Economia de escala e eficiência nos bancos brasileiros após o Plano Real. Estudos Econômicos,32(4), 577-619. e Nakane e Weintraub (2005)Nakane, M. I., & Weintraub, D. B. (2005). Bank privatization and productivity: evidence for Brazil. Journal of Banking & Finance, 29(8), 2259-2289. apontam a maior eficiência dos bancos privados; já para Sensarma (2006)Sensarma, R. (2006). Are foreign banks always the best? Comparison of state-owned, private and foreign banks in India. Economic Modelling, 23(4), 717-735. e Altunbas, Liub, Molyneuxc e Seth (2000)Altunbas, Y., Liub, M.-H., Molyneuxc, P., & Seth, R. (2000). Efficiency and risk in Japanese banking. Journal of Banking & Finance,24(10), 1605-1628., os bancos públicos são os mais eficientes. A questão de eficiência encontra discrepâncias não somente no que tange às conclusões, mas também no tocante aos métodos utilizados para mensuração da eficiência e ao fato de que esta pode variar ao longo do tempo em função de atitudes governamentais, aumento da competitividade e mudanças das administrações (Ruiz et al., 2008).

Arantes e Rocha (2012)Arantes, T. M., & Rocha, B. P. (2012). Eficiência dos bancos brasileiros e os impactos da crise financeira global de 2008. In 40° Encontro Nacional de Economia. Porto de Galinhas, PE. Recuperado dehttp://www.anpec.org.br/encontro/2012/inscricao/files_I/i7-86ea8cbb7078fccc8ed41b25bdde1887.pdf
http://www.anpec.org.br/encontro/2012/in...
, ao estudar os efeitos da crise financeira global de 2008, concluíram que, em momentos de crise, os bancos procuram alcançar maior racionalização dos custos, por possuir controle sobre essas variáveis; por outro lado, as receitas são as mais afetadas, por depender de fatores exógenos à instituição.

3 METODOLOGIA

Este estudo constitui uma pesquisa exploratória, analítica e quantitativa que busca, por meio de uma técnica de simulação, verificar os possíveis efeitos do aumento da necessidade de capital próprio de um conjunto representativo das instituições financeiras brasileiras.

A primeira análise diz respeito à suficiência patrimonial dos bancos. Para tanto, as seguintes premissas foram consideradas:

i. Que os bancos irão manter suas exposições para os anos subsequentes, dentro do calendário de enquadramento da nova regra. Isso significa admitir que os bancos irão manter a atual dimensão de suas carteiras de operações de crédito e as atuais exposições a risco de mercado e a riscos operacionais, entre outros.

ii. Que os bancos irão manter sua estrutura de capital, inclusive com a preservação das características dos instrumentos híbridos de capital e dívida hoje existentes. Em outras palavras, irão conservar os mesmos tipos de instrumentos, com as mesmas características, como o prazo de vencimento, e a mesma proporção entre esses instrumentos e o capital integralizado pelos investidores.

Não foi considerada a tendência de crescimento das carteiras de crédito verificada no país ao longo dos últimos anos, fruto da política do Governo Federal de estimular o consumo via crédito. Da mesma forma, não foi considerado que os bancos têm por hábito reinvestir parte de seus lucros, por se entender que cada instituição deverá rever sua política de dividendos para se ajustar ao capital requerido por Basileia III.

Respeitadas essas premissas, o capital regulatório será calculado com base nos parâmetros exigidos pelo BCBS em 2019, expostos no item 2.2, e pode-se concluir acerca de sua suficiência.

Foi utilizada uma amostra intencional de 58 bancos brasileiros, cujos dados foram obtidos junto ao sistema de informações Bankscope. As instituições foram selecionadas com base nos seguintes critérios: bancos ativos, situados no Brasil, classificados como bancos comerciais ou como instituições governamentais de crédito e com balanço disponível em 2012. Essa seleção proporcionou 78 bancos, dos quais 58 dispunham de informações suficientes para a realização da análise. Essa amostra intencional é representativa, pois as instituições presentes correspondem a cerca de 80% dos ativos totais do Sistema Financeiro Nacional. Os dados obtidos nesse sistema referem-se ao somatório de APR, ao Capital Nível 1, ao Capital Regulatório Total, aos instrumentos híbridos de capital e dívida, e à dívida subordinada. Com base nos critérios da nova regra será calculado o Capital Principal, o Capital Complementar e o Capital Nível 2.

Uma vez que o sistema Bankscope não indica os valores da dívida subordinada e dos instrumentos híbridos que possuem característica de perpetuidade, esses dados foram pesquisados nos Informativos Financeiros Trimestrais do BACEN, Relatório 7027, no site desse órgão. A parcela desses instrumentos que não tem data de vencimento foi considerada Capital Complementar; o restante, com vencimento definido, foi considerado Capital Nível 2.

Foram conciliados os números do Bankscope e do BACEN, relativos à dívida subordinada e aos instrumentos híbridos. Quando houve diferença, caso do Banco do Brasil, prevaleceu o total apontado pelo Bankscope, mas com rateio entre Capital Complementar e Capital Nível 2, de acordo com a proporção de instrumentos perpétuos apontados pelo BACEN.

Na impossibilidade de destacar o Capital Complementar, caso do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), todo capital classificado como Tier 1 foi considerado Capital Principal.

Uma vez que o cálculo do capital regulatório exigiria o acesso a informações não disponíveis nos balanços publicados, o procedimento adotado leva a um indicativo mais otimista que o valor real. Dessa forma, é uma limitação desta análise a impossibilidade de apurar os ajustes prudenciais ao capital regulatório, pois seria necessário conhecer a natureza dos créditos tributários de cada banco e analisar suas estruturas societárias para identificar participações não consolidadas, participações minoritárias, participações cruzadas e outras.

A segunda análise diz respeito ao comparativo entre o custo de capital próprio e o retorno sobre o patrimônio (return on equity - ROE) das instituições. Considerou-se a média do ROE verificado em 2010, 2011 e 2012.

O valor de KE foi obtido por uma variante do modelo de precificação de ativos de capital (capital asset pricing model - CAPM), denominada modelo internacional de precificação de ativos de capital (international capital asset pricing model - ICAPM), de Adler e Solnik (1974)Adler, M., & Solnik, B. H. (1974). The international pricing of risk: an empirical investigation of the world capital market structure. The Journal of Finance, 29(2), 365-378.. A razão de ter-se preterido o CAPM decorre do insipiente prêmio de risco calculado para o mercado brasileiro, como resultado do fraco desempenho da Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros de São Paulo (BM&BOVESPA) nestes últimos anos, o que iria subavaliar o KE do setor.

A esperança de retorno do ativo, pelo ICAPM, é dado pela Equação 1:

Onde:

é o retorno do ativo "i" negociado na bolsa "k"; nesse caso, a BM&BOVESPA.

é retorno do mercado global, considerado o Standard & Poor's 500 (S&P 500).

U.S.Treasuries de 10 anos. é o retorno do ativo livre de risco global, considerados os

é o beta do ativo "i" em relação ao índice "k"; nesse caso, o Índice BOVESPA (IBOVESPA).

é o beta do índice "k" com relação ao mercado global.

é o prêmio de risco soberano, medido pelo EMBI+ Brasil.

O yield to maturity dos U.S.Treasury Bonds de 10 anos colocados entre 2003 e 2012; o grau de investimento. foi obtido a partir da média do baseou-se nos retornos diários da carteira teórica de ações de bancos brasileiros de 2008 a 2012, tendo o IBOVESPA como regressor e os retornos dos bancos, como variável dependente; o baseou-se na média dos retornos anuais do índice S&P 500 dos últimos 10 anos (2003 a 2012); e como adotou-se a média do EMBI+ Brasil. Preferiu-se limitar a 5 anos a série utilizada do EMBI+ Brasil, para evitar o período anterior à revisão do risco país para é o beta do IBOVESPA regredido pelo S&P 500 e calculado com base nos retornos mensais de 1990 até 2012; o

Para definir a carteira teórica de bancos foi consultada a base de dados da Economática. À exceção das ações do Itaú Unibanco, Bradesco e Banco do Brasil, as séries de preço dos demais bancos apresentam falhas, possivelmente pela menor liquidez dessas ações. Essas séries fornecem betas muito díspares, entre 0 e 3,5, o que poderia distorcer o valor do beta setorial. Dessa forma, com o intuito de utilizar o beta mais fidedigno, definiu-se uma carteira teórica composta por partes iguais de ações do ITAÚ UBB ON, BRADESCO ON e BANCO DO BRASIL ON, ajustada diariamente.

O KE resultante, expresso em dólares nominais, foi ajustado à inflação brasileira; para tanto, ele foi deflacionado pela média geométrica do índice de preços no consumidor (consumer price index - CPI), dos Estados Unidos, de 2010, 2011 e 2012. A seguir, foi adicionada a média geométrica do índice nacional de preços ao consumidor amplo (IPCA), do mesmo período, produzindo um KE nominal em reais, o que possibilitará a comparação direta com o retorno médio dos bancos.

Como limitações desta análise, considerou-se que o custo de capital é o mesmo para todas as instituições, ou seja, desprezou-se o efeito tamanho (size effect), estudado por Banz (1981)Banz, R. W. (1981). The relationship between return and market value of common stocks. Journal of Financial Economics, 9(1), 3-18., e, posteriormente, por Fama e French (1992)Fama, E. F., & French, K. R. (1992). The cross‐section of expected stock returns. The Journal of Finance, 47(2), 427-465.. Também não se considerou o risco não diversificável de cada instituição, advindo de suas particularidades.

Deve-se notar, ainda, que a adoção de diferentes periodicidades no cálculo dos parâmetros utilizados constitui outra limitação desta análise. Esse fato foi motivado pelo efeito dos ciclos econômicos no Brasil e nos Estados Unidos sobre o valor dos betas, dos prêmios de mercado, da taxa livre de risco e do risco país. Essas periodicidades também diferem do período de apuração do ROE médio, que considerou três anos para refletir o histórico recente.

4 ANÁLISE DA NECESSIDADE DE AJUSTE DO CAPITAL REGULATÓRIO

A Tabela 2 representa uma primeira análise, com a estatística descritiva do capital regulatório consolidado dos bancos analisados em 2012.

Tabela 2
Estatística descritiva - capital regulatório em 2012 (%)

A Tabela 3 apresenta os dados sobre o capital regulatório dos bancos analisados, com base nos demonstrativos financeiros de 2012, dentro das regras vigentes até então. Todos os bancos estavam enquadrados, pois apresentavam Índice de Basileia superior a 11%.

Tabela 3
Capital regulatório dos bancos analisados - base: dezembro de 2012 (em R$ milhões)

As Tabelas 4 e 5 apresentam o cronograma de vencimentos da dívida subordinada e dos instrumentos híbridos dos bancos estudados. O BNDES não foi incluído, em virtude de indisponibilidade de suas Informações Financeiras Trimestrais no site do BACEN.

Tabela 4
Dívida subordinada dos bancos analisados - base: dezembro de 2012 (em R$ mil)
Tabela 5
Instrumentos híbridos de capital e dívida - base: dezembro de 2012 (em R$ mil)

Foram consultadas as notas explicativas dos demonstrativos financeiros de dezembro de 2012 do BNDES, onde foram classificados como instrumentos híbridos os aportes da Secretaria do Tesouro Nacional e como dívida subordinada sem data de vencimento os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

À exceção do Banco do Brasil e do BNDES, que possuem instrumentos híbridos e dívida subordinada passíveis de classificação como Capital Complementar, nos demais bancos esses passivos são elegíveis apenas a Capital Nível 2, por possuir data de vencimento definida.

A Tabela 6 apresenta a situação do capital regulatório dos bancos, admitindo-se por hipótese que o requerimento ao final do período de transição (2019) deveria ser cumprido já em 2013.

Tabela 6
Ajustes à base de capital dos bancos analisados (em R$ milhões)

O novo capital regulatório faria com que 23 bancos dos 58 analisados passassem a estar desenquadrados de alguma forma. Em 12 situações se verifica a existência de deficiência no Capital Principal; em 17 situações o Capital Nível 1 não era suficiente; e em 8 vezes, o Capital Total (Nível 1 + Nível 2) não atendia às normas.

A Tabela 7 apresenta a deficiência de capital das instituições. A somatória da deficiência de Capital Principal corresponde a R$ 39 bilhões; de Capital Nível 1 totaliza R$ 84 bilhões; e de Capital Total, R$ 85 bilhões. Essas deficiências são cumulativas. Nota-se que a maior parte desse valor decorre dos bancos públicos.

Tabela 7
Deficiência de capital dos bancos (em R$ milhões)

Do exposto, vê-se que a estratégia adotada por vários bancos, de cumprimento do capital regulatório por meio de dívida subordinada não perpétua, perdeu muito de sua efetividade com o novo Acordo de Capital, devido à melhor qualidade do capital requerido.

É importante salientar que o cenário apresentado considerou que o capital requerido em 2019 fosse exigido de imediato. O tempo de transição para as novas regras fará com que os bancos consigam planejar melhor suas ações de capitalização.

Também se deve mencionar que as conclusões deste estudo diferem daquelas contidas no Relatório de estabilidade financeira (Banco Central do Brasil, 2013c Banco Central do Brasil.(2013b). Resolução CMN n. 4.193. Brasília, DF:BACEN., p. 32), mencionando que "não haveria necessidade extra de Capital Principal para o sistema bancário como um todo até 2019, além daqueles valores resultantes das práticas correntes de retenção de resultados". Essa premissa não foi considerada neste artigo. Além disso, os cálculos do BACEN consideraram o "Capital Principal mais parcela fixa do Adicional de Capital Principal" (Banco Central do Brasil, 2013c, p. 32), sem aparentemente considerar o capital contracíclico, o que também difere deste estudo.

5 CUSTO DE CAPITAL E Capacidade dos bancos de atrair novos investidores

A deficiência de capital de 23 bancos suscita, portanto, o questionamento: eles são capazes de atrair novos capitais? A segunda análise, assim, diz respeito ao comparativo entre o custo de capital e o retorno dos bancos em estudo.

Um banco cujo retorno é inferior ao custo de capital próprio do setor tem baixa capacidade de atrair novos investimentos e isso representará uma vulnerabilidade, caso esse banco tenha insuficiência de capital regulatório.

Inicialmente, obteve-se o custo de capital próprio. Os betas calculados para as ações do Itaú Unibanco, Bradesco e Banco do Brasil foram de 0,7242, 0,8528 e 1,0293, respectivamente, resultando em um beta para a carteira igual a 0,8687. O KE resultante foi de 15,56% a.a. Seu cálculo é apresentado na Tabela 8.

Tabela 8
Cálculo do KE

De posse de KE é possível compará-lo com o ROE médio dos bancos analisados (Tabela 9).

Tabela 9
Retorno sobre o patrimônio dos bancos analisados

Dos 58 bancos analisados, 39 apresentaram ROE médio inferior ao custo de capital próprio.

6 ANÁLISE CONJUNTA DOS RESULTADOS

A análise da estrutura do mercado a partir das variáveis escolhidas - suficiência de capital regulatório e retorno ao acionista - possibilita identificar quatro cenários possíveis, tal como ilustrado na Figura 1.

Figura 1
Síntese da estrutura do mercado

De fato, ao identificar nos quadrantes a posição relativa do banco, é possível argumentar acerca de seus prováveis cursos de ação, antecipando medidas ou estratégias, de modo a mantê-la no Quadrante I, ou reposicioná-la nele ao longo do tempo.

A Figura 2 resume a situação dos bancos no tocante ao enquadramento de Capital Principal e à sua capacidade de atrair capitais. Foram traçadas duas linhas pontilhadas: uma horizontal, representando o custo de capital próprio de 15,56% a.a.; e outra vertical, indicando o Capital Principal exigido de 9,5%, que definem os quadrantes da Figura 1.

Figura 2
Requerimento de Capital Principal versus ROE

Bancos situados no Quadrante I têm capital regulatório suficiente para fazer frente às novas regras e têm apresentado retorno adequado aos seus acionistas, estando, portanto, em situação confortável. Encontram-se nessa situação: Bradesco, Itaú Unibanco, Itaú BBA, BTG Pactual, Citibank e Safra, entre outros, e em uma situação limítrofe, no que tange ao retorno, o HSBC.

Bancos situados no Quadrante II têm capital suficiente para atender ao novo Acordo de Capital; no entanto, essas instituições têm apresentado retorno sobre o patrimônio inferior ao custo de capital próprio. Entre eles estão o Santander, o Sofisa, o Indusval; dois bancos públicos, o BRDE e o Banco da Amazônia; e alguns bancos estrangeiros, como o JP Morgan, o Société Générale e o Deutsche Bank. Essas instituições devem empreender ajustes, não em sua estrutura de capital, mas na eficiência de suas operações. Cabe a cada instituição uma reflexão sobre as causas da baixa lucratividade.

Bancos situados no Quadrante IV deverão proceder a ajustes em sua estrutura de capital, visando a se adequar às novas regras. Essas instituições têm apresentado retornos superiores ao seu custo de capital próprio, o que lhes confere credibilidade para ir ao mercado de capitais e atrair investimentos. Os três maiores bancos públicos federais (Banco do Brasil, BNDES e Caixa Econômica Federal) encontram-se nesse quadrante e não deverão ter problemas para elevar seu capital. No entanto, algumas instituições, como o Bonsucesso e o Mercantil do Brasil, encontram-se em posição limítrofe entre os quadrantes III e IV e poderão ter alguma dificuldade para atrair o investidor.

Bancos situados no Quadrante III estão em situação mais vulnerável, pois necessitam aumentar seu capital regulatório, mas não têm como atrair o investidor, porque seus retornos são inferiores ao custo de capital próprio. Essas instituições devem empreender ações imediatas, como elevar a retenção de lucros e rever processos operacionais e de negócios, visando a elevar sua lucratividade e oferecer-se, no futuro, como alternativas de investimento. O período de transição para a nova regra proporciona algum fôlego, embora limitado, para que esses ajustes sejam adotados; do contrário, só restará a alterativa de redução dos ativos. Situam-se nesse quadrante os bancos Panamericano, Fibra e Votorantim.

A Figura 3 é similar à Figura 2, mas mostra o enquadramento ao Capital Nível 1. Nessa análise, o capital regulatório é de 11% de APR. As constatações das figuras são semelhantes. Pode-se notar que algumas instituições migram do Quadrante I para o Quadrante IV, como o banco Safra. Outras, como o Bradesco e o Itaú Unibanco, passam a se situar em posição limítrofe entre esses quadrantes. De modo geral, todas as instituições veem aumentar sua deficiência de capital regulatório.

Figura 3
Requerimento de Capital Nível 1 x ROE

Sobre os bancos públicos, é importante observar que, com base nos números da Tabela 3, o Banco do Brasil mantinha uma relação entre Capital Nível 1 e Capital Total de aproximadamente 71%, contra 51% da Caixa Econômica Federal e 54% do BNDES. Além disso, quase 50% da captação do Banco do Brasil em instrumentos híbridos e dívida subordinada não têm vencimento, tornando-os elegíveis ao Capital Complementar. Isso faz com que o Banco do Brasil fique em uma posição mais confortável do que Caixa Econômica Federal e BNDES no tocante ao Capital Nível 1. Os três bancos situam-se no Quadrante III.

Cumpre notar a atuação dos bancos públicos no exercício de políticas contracíclicas, proporcionando crédito em momentos de retração econômica (De Paula, Oreiro, & Basílio, 2014De Paula, L. F., Oreiro, J. L., & Basílio, F. A. C. (2014). Estrutura do setor bancário e o ciclo recente de expansão do crédito: o papel dos bancos públicos federais. Nova Economia, 23(3), 473-520.). É de esperar que essa atuação seja prejudicada até que esses bancos consigam se adequar às regras da Basileia III.

Se os instrumentos de capital e dívida passíveis de enquadramento como Capital Complementar não tiverem liquidez no mercado, restará às instituições cumprir todo o requerimento de Capital Nível 1 com a emissão de ações ordinárias. Essa é uma consideração muito factível, pois não são transacionados no mercado local títulos com característica de perpetuidade, além das ações. A Figura 3 partiu desse pressuposto, ao admitir que as instituições devam emitir ações para atender a todo o requerimento de Capital Nível 1.

Na Figura 4, é apresentado o enquadramento do Capital Total. A informação do ROE, nesse caso, perde a relevância, pois parte de uma eventual deficiência nesse quesito poderá ser suprida com instrumentos híbridos e dívida subordinada, com retorno diferente daquele do capital próprio. Pode-se notar que o número de instituições enquadradas é muito maior (quadrantes I e II), inclusive os grandes bancos públicos. Essa situação aparentemente confortável decorre dos estoques de dívida subordinada no balanço dos bancos.

Figura 4
Requerimento de Capital Total x ROE

7 CONCLUSÕES

O novo Acordo de Basileia introduziu modificações importantes no que tange à qualidade do capital dos bancos, além do capital de conservação e do capital contracíclico, inclusive proporcionando instrumentos flexíveis aos bancos centrais para reduzir o capital requerido nos momentos de retração econômica. O novo acordo irá representar um desafio para diversos bancos brasileiros, que deverão se capitalizar para atender às novas normas. Entre eles encontram-se os maiores bancos públicos.

O modelo de simulação adotado partiu da premissa de que as exposições de risco venham a se manter constantes ao longo do tempo. No entanto, não se pode desprezar o fato de que o endividamento do setor privado tem crescido ao longo dos anos, como resultado da política adotada pelo Governo Federal de estímulo ao consumo via crédito. Dessa forma, haveria uma pressão para que as instituições financeiras elevassem ainda mais seu capital regulatório. Essa consideração abre a oportunidade para futuros estudos, que poderão contribuir para a conciliação da política de estímulo ao consumo com as normas de adequação de capital.

Em contrapartida, os bancos têm como hábito não distribuir a totalidade de seu resultado aos acionistas. A incorporação de uma parcela dos lucros ao patrimônio irá fazer com que alguns bancos consigam se adequar sem que medidas mais drásticas sejam tomadas. Esse aspecto poderá suscitar futuros estudos sobre os efeitos da política de distribuição de dividendos sobre a adequação de capital dos bancos.

Feitas essas considerações, várias são as ações possíveis. A primeira delas consiste na elevação do capital por meio da emissão de novas ações; essa medida, contudo, pode esbarrar na incapacidade da instituição para gerar taxas de retorno atrativas. Daí se conclui que, paralelamente à ação de capitalização, alguns bancos deverão buscar maior rentabilidade em suas operações. Essas ações compreendem, pelo lado da receita, a contratação de ativos que apresentem uma relação retorno versus capital econômico mais favorável e o direcionamento do foco para segmentos de mercado nos quais a instituição tenha melhores condições de competitividade. Pelo lado das despesas, deverão buscar maior eficiência em suas operações.

O novo Acordo de Capital poderá desencadear um novo ciclo de aquisições de bancos menores pelos grandes bancos, cuja capacidade de capitalização é significativamente maior que a das instituições de pequeno e médio porte. A fusão entre instituições de menor porte poderá não ser a solução, pois duas instituições desenquadradas dificilmente irão resultar em uma enquadrada. No entanto, uma fusão pode proporcionar economia de escala e produzir retornos que viabilizem a emissão de novas ações.

Uma solução adotada pelas instituições menores em momentos de restrição à liquidez tem sido a securitização. No entanto, deve-se considerar que o BACEN possui regras que reduzem a efetividade dessa solução, principalmente quando não ocorre uma transferência significativa de riscos. Esse assunto é tratado na Resolução CMN n. 3.533 (Banco Central do Brasil, 2008 Banco Central do Brasil. (2013c). Relatório de estabilidade financeira. Brasília, DF: BACEN.). Logo, a securitização poderá ser uma solução de alcance limitado. Outra sugestão para futuros estudos reside no desenvolvimento de modelos que equacionem o problema de transferência parcial de riscos na securitização, visando a sugerir aprimoramentos dessa norma.

Bancos de pequeno e médio porte também poderão buscar novas formas de operação. Assim, é de esperar que os bancos menores busquem desenvolver relacionamentos com o objetivo de sindicalizar seus créditos; outros poderão firmar acordos operacionais com grandes bancos, onde se dediquem a originar operações junto a seus canais de venda utilizando os padrões de crédito dos bancos parceiros, com o objetivo de repassar-lhes esses ativos. Dessa forma, o banco menor adquire características de um prestador de serviços do banco maior.

No que diz respeito aos efeitos macroeconômicos, alguns autores consideram que o novo Acordo de Capital irá ocasionar a redução das carteiras de crédito, o aumento das taxas de empréstimo e a redução da taxa de crescimento econômico. Outros autores minimizam esse efeito. Nesse sentido, será fundamental que o BACEN esteja atento para proceder às devidas correções de rumo, afrouxando a política monetária caso o cenário pessimista se consubstancie.

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  • *Artigo apresentado no XXXVIII Encontro da ANPAD (EnANPAD), Rio de Janeiro, RJ, 17 de setembro de 2014.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Nov 2015
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    26 Jun 2014
  • Revisado
    29 Jun 2014
  • Aceito
    25 Mar 2015
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