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A comparabilidade das escolhas contábeis na mensuração subsequente de ativos imobilizados, de ativos intangíveis e de propriedades para investimento em empresas da América do Sul

Resumos

A expertise em comparabilidade, escolhas contábeis e valor justo é um dos temas mais controvertidos e carentes de discussão no cenário contábil atual. As escolhas contábeis são necessárias para que seja garantida a representação fidedigna, ao mesmo tempo que seu uso discricionário pode diminuir a comparabilidade esperada pelo International Accounting Standards Board (IASB). Neste artigo, identificou-se o grau de comparabilidade das escolhas contábeis na mensuração subsequente de ativos imobilizados, de ativos intangíveis e de propriedades para investimento (PPI) de companhias abertas do Brasil, Chile e Peru, além de averiguar se determinadas características das entidades podem influenciar a escolha dos gestores pelo valor justo. A comparabilidade foi medida por meio do índice T e a identificação das variáveis explicativas foi feita por meio de regressões, no período 2009-2013. Constatou-se que, para os ativos imobilizados, as comparabilidades nacional e internacional aumentaram com a adoção das IFRS, sendo crescentes ao longo do tempo. Para os ativos intangíveis, não houve aumento substancial nas comparabilidades nacional e internacional. Para as PPI, as comparabilidades nacional e internacional não aumentaram com a adoção das IFRS, permanecendo com índices próximos a 0,50 (comparabilidade baixa) em praticamente todos os anos. Assim, a simples adoção das IFRS não garantiu a comparabilidade. Por meio da análise de regressão, identificou-se que as características setor de atuação, auditoria por big four, país, remuneração dos gestores, tamanho da entidade, endividamento, rentabilidade, relevância e tempo influenciaram as escolhas contábeis dos gestores, o que indica a possibilidade de ter havido uso das opções investigadas para a prática de gerenciamento de resultados.

comparabilidade; escolhas contábeis; valor justo; índice T


Expertise on comparability, accounting choices, and fair value is among the most controversial and poorly discussed themes in the current accounting scenario. Accounting choices are needed in order to guarantee a reliable representation, at the same time that their discretionary use may decrease the comparability level expected by the International Accounting Standards Board (IASB). In this article, we identified the comparability degree of accounting choices in the subsequent measurement of fixed assets, intangible assets, and investment property (IP) for listed companies in Brazil, Chile, and Peru, in addition to check whether certain entity characteristics can influence managers' accounting choice for fair value. Comparability was measured through the T-index and the explanatory variables were identified through regressions, within the period 2009-2013. It was found that, for fixed assets, national and international comparability increased after IFRS adoption, both increased over time. For intangible assets, there was not a substantial increase in national and international comparability. For IP, national and international comparability did not increase after IFRS adoption, their rates remained close to 0.50 (low comparability) in almost every year. Thus, IFRS adoption alone did not ensure comparability. By using regression analysis, we found that the characteristics industry, audit by big four, country, managers' remuneration, size, indebtedness, profitability, relevance, and time influenced managers' accounting choices, indicating the possibility that the choices under analysis have been used for management of outcomes.

comparability; accounting choices; fair value; T-index


1 INTRODUÇÃO

Atualmente, 138 países adotaram ou estão em processo de adoção das International Financial Reporting Standards (IFRS), emitidas pelo International Accounting Standards Board (IASB), como forma de convergência das práticas contábeis (IFRS, 2014International Accounting Standards Board [IASB] (2011). Conceptual Framework for Financial Reporting. Retrieved from http://www.ifrs.org
http://www.ifrs.org...
). Como reflexo do processo mundial de convergência das práticas contábeis, em 2011 foi criado o Grupo Latino-Americano de Emissores de Normas de Informação Financeira (GLENIF, na sigla em português) ou Group of Latin American Accounting Standard Setters (GLASS, na sigla em inglês), constituído por organismos emissores de normas contábeis de 17 países da América Latina. Seu objetivo é trabalhar em parceria com o IASB, visando melhorar a qualidade dos relatórios financeiros da região e contribuir com a difusão das IFRS (GLENIF, 2014Grupo Latinoamericano de Emisores de Normas de Información Financiera [GLENIF] (2014). Retrieved from http://glenif.org
http://glenif.org...
).

A adoção das IFRS resultou em mudanças significativas na forma de as empresas registrarem seus resultados financeiros (Muller, Riedl, & Sellhorn, 2008Muller, K. A., Riedl, E. J., & Sellhorn, T. (2008). Causes and Consequences of Choosing Historical Cost versus Fair Value. Retrieved from http://nd.edu/~carecob/May2008Conference/Papers/RiedlMRS03062008.pdf
http://nd.edu/~carecob/May2008Conference...
), provocando uma verdadeira "revolução silenciosa" nos demonstrativos contábeis, ao defender o aumento do uso do valor justo. O IASB menciona a mensuração do valor justo em grande parte de suas normas, seja de forma obrigatória, como no caso dos instrumentos financeiros (IAS 39), dos ativos biológicos (IAS 41) e do pagamento baseado em ações (IFRS 2); seja de maneira facultativa, como no caso da mensuração subsequente de ativos imobilizados (IAS 16), de ativos intangíveis (IAS 38) e de propriedades para investimento (IAS 40).

Apesar dos avanços que o IASB tem conseguido, muitas IFRS permitem certo grau de flexibilidade na escolha de práticas contábeis quanto ao reconhecimento, à mensuração e à evidenciação dos relatórios financeiros (Murcia & Werges, 2011Murcia, F. D., & Werges, A. (2011). Escolhas contábeis no mercado brasileiro: divulgação voluntária de informações versus gerenciamento de resultados. Revista Universo Contábil, 7(2), 28-44. ). A flexibilização presente nas IFRS, por sua vez, resulta nas denominadas escolhas contábeis. Estas referem-se à seleção de um método contábil em relação a outro igualmente válido (Watts, 1992Watts, R. L. (1992). Accounting choice theory and market-based research in accounting. British Accounting Review, 24, 235-267.). A existência de escolhas contábeis pode levar os administradores a optar por métodos contábeis que melhor representem seus interesses particulares (Fields, Lys, & Vincent, 2001Fields, T. D., Lys, T. Z., & Vincent, L. (2001). Empirical research on accounting choice. Journal of Accounting and Economics, 31, 255-307.), o que poderia impactar a comparabilidade. Assim, além do cálculo da comparabilidade, as pesquisas têm buscado encontrar as potenciais motivações que fundamentaram as escolhas contábeis dos gestores (Demaria & Dufour, 2007Demaria, S. & Dufour, D. (2007). First time adoption of IFRS, Fair value option, Conservatism: Evidences from French listed companies. In 30ème Colloque de l'EAA (p. 24p). Retrieved from http://hal.archives-ouvertes.fr/docs/00/26/61/89/PDF/First_adoption_and_fair_value_ Demaria_Dufour.pdf
http://hal.archives-ouvertes.fr/docs/00/...
; Christensen & Nikolaev, 2013Christensen, H. B. & Nikolaev, V. V. (2013). Does fair value accounting for non-financial assets pass the market test? Review of Accounting Studies, 18(3), 734-775.; Taplin, Yuan, & Brown, 2014Taplin, R. H. (2004). A unified approach to the measurement of international accounting harmony. Accounting and Business Research, 34(1), 57-73.).

Desse modo, a questão subjacente a esta pesquisa é: a adoção das IFRS está associada ao aumento da comparabilidade? Como qualquer questão de pesquisa simples, esta não pode ser diretamente respondida (Barth, 2013Barth, M. E. (2013). Global Comparability in Financial Reporting: What, Why, How, and When? China Journal of Accounting Studies, 1(1), 2-12.). Contudo, um ponto de partida para se apontar os reflexos da adoção das IFRS sobre a comparabilidade das informações contábeis é, inicialmente, identificar se houve comparabilidade entre as escolhas de práticas realizadas pelas companhias. Nesse sentido, o objetivo central deste estudo é identificar o grau de comparabilidade das escolhas contábeis na mensuração subsequente de ativos imobilizados, de ativos intangíveis e de propriedades para investimento (PPI), de companhias abertas do Brasil, do Chile e do Peru. As escolhas se referem à opção entre custo histórico e valor justo. Como objetivo secundário, busca-se averiguar se determinadas características das entidades podem influenciar as escolhas contábeis por parte dos gestores. Para tanto, foram pesquisadas as demonstrações financeiras de 300 companhias abertas de três países que compõem o GLENIF (Brasil, Chile e Peru), no período de 2009 a 2013, de forma a se avaliar a comparabilidade antes, durante e depois da adoção obrigatória das IFRS. Escolheram-se os países pertencentes ao GLENIF não somente por sua importância no processo de convergência contábil internacional, mas, também, pela necessidade de se avaliar o processo de convergência em mercados emergentes (Peng & Smith, 2010Peng, S., & Smith, J. V. D. A. (2010). Chinese GAAP and IFRS: An analysis of the convergence process. Journal of International Accounting, Auditing and Taxation, 19, 16-34.). O foco da pesquisa foi a mensuração subsequente, por ser somente neste momento que as diferenças fundamentais de mensuração emergem, bem como pela frequente igualdade entre o custo histórico e o valor justo no momento em que um item é inicialmente reconhecido e mensurado (Barth, 2014). Cole, Branson e Breesch (2011)Cole, V., Branson, J., & Breesch, D. (2008). An analysis of methods to measure the comparability of the consolidated financial statements of the European listed companies from the viewpoint of users. Accountancy & Bedrijfskunde, 28(3), 1-31. identificaram 72 possibilidades de escolhas contábeis nas IFRS, divididas em: (i) escolhas contábeis claras, que permitem métodos contábeis alternativos para o mesmo tratamento contábil, por exemplo, PEPS ou média ponderada; (ii) escolhas contábeis encobertas, que possuem critérios vagos para determinados fatos contábeis, por exemplo, a IAS 41, que aceita a mensuração pelo custo de ativo biológico, quando o valor justo não puder ser mensurado com confiabilidade; e (iii) estimativas e julgamentos, tais como o uso dos termos "provável" e "material".

Em virtude de apenas as escolhas contábeis claras apresentarem métodos contábeis igualmente válidos, e que, portanto, podem ser selecionados com absoluta discricionariedade por parte do gestor (sem exigência ou influência normativa), o presente trabalho se limitou a esse tipo de escolha. Assim, as normas abrangidas nesta pesquisa são as IAS 16, IAS 38 e IAS 40, que tratam da mensuração subsequente como escolhas contábeis claras. Em termos teóricos, a pesquisa se fundamenta na ideia de que a adoção das IFRS aumenta a comparabilidade das demonstrações contábeis, posto que este objetivo fundamenta sua adoção.

Se a entidade optar pelo método de custo, os ativos devem ser apresentados pelo seu custo, menos qualquer depreciação/amortização e perda por impairment acumuladas. Se a opção for pelo método do valor justo, os ativos devem ser mensurados pelo seu valor justo, o qual se torna a base, nas mensurações subsequentes, para o cálculo da depreciação/amortização e das perdas por impairment acumuladas. No caso de ativos imobilizados e de ativos intangíveis, se o valor contábil do ativo aumentar em virtude da mensuração pelo valor justo, esse aumento deve ser creditado em conta própria do patrimônio líquido. No caso de PPI, esse aumento deve ser reconhecido diretamente no resultado do exercício.

Esta pesquisa se justifica, especialmente, pela relevância dos temas comparabilidade, escolhas contábeis e valor justo. De acordo com Taplin (2011), são necessárias mais pesquisas que examinem os relatórios contábeis e provoquem discussões sobre o conceito de comparabilidade, pois estas ainda estão na fase da infância. Para Fields et al. (2001), mesmo com as melhorias dos métodos de pesquisa, das fontes de dados e da informatização, a compreensão dos pesquisadores sobre as escolhas contábeis continua limitada. Além disso, segundo Christensen e Nikolaev (2013), a escolha entre os métodos do valor justo e do custo histórico é uma das questões mais controvertidas na literatura contábil, especialmente pela falta de evidências quanto às motivações dos gestores para a escolha de uma ou outra prática válida. Esta pesquisa se diferencia das demais, pois, além de conciliar esses três temas, investigou a evolução da comparabilidade antes, durante e depois da adoção das IFRS (período de cinco anos), no contexto de países emergentes (ainda pouco explorado). Isto foi feito para todas as escolhas contábeis claras possíveis na mensuração subsequente de ativos, buscando, ainda, possíveis justificativas para as escolhas identificadas.

Como resultado, constatou-se que, em relação aos ativos imobilizados, as comparabilidades nacional e internacional aumentaram com a adoção das IFRS e estão crescendo ao longo do tempo. Para os ativos intangíveis, a adoção das IFRS não provocou um aumento substancial nas comparabilidades nacional e internacional, as quais já eram altas antes da adoção. Para as PPI, as comparabilidades nacional e internacional não aumentaram com a adoção das IFRS, permanecendo com um nível baixo em praticamente todos os anos investigados. Em relação às variáveis explicativas, verificou-se que para os três ativos estudados, as características das entidades influenciaram as escolhas contábeis dos gestores. Deste modo, entende-se que apenas a adoção das IFRS não garante a comparabilidade. A existência de escolhas contábeis nas normas pode possibilitar o gerenciamento de resultados, o que impacta a comparabilidade.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Escolhas Contábeis

Para Fields et al. (2001), uma escolha contábil é qualquer decisão com o objetivo principal de influenciar a saída do sistema contábil de um modo particular. Ainda de acordo com os autores, a intenção gerencial é o ponto principal para entender a definição de escolhas contábeis, especialmente no que diz respeito a decisões reais, ou seja, se a motivação por trás da decisão visa influenciar os números contábeis ou se deriva de outros fatores.

Para Francis (2001Francis, J. (2001). Discussion of empirical research on accounting choice. Journal of Accounting and Economics, 31, 309-319., p. 312), "as escolhas contábeis podem ser conduzidas por interesses próprios da gestão, por um desejo de maximizar os interesses dos acionistas ou por um desejo de proporcionar informações". O IASB, quando emitiu The Conceptual Framework for Financial Reporting, indicou que existem escolhas contábeis nas normas a fim de que se represente com fidedignidade o fenômeno que se propõe descrever.

O problema que surge é a flexibilidade permitida aos gestores quando da aplicação das IFRS, dada a existência de escolhas explícitas e implícitas, a liberdade na interpretação e a necessidade de estimativas e julgamentos (Haller & Wehrfritz, 2013Haller, A. & Wehrfritz, M. (2013). The impact of national GAAP and accounting traditions on IFRS policy selection - evidence from Germany and the UK. Journal of International Accounting, Auditing and Taxation, 22, 39-56.), fazendo com que, na prática, as demonstrações financeiras se tornem menos comparáveis, indo em direção contrária à proposta do IASB. Quando os gestores atuam de modo oportunista, eles podem utilizar as escolhas contábeis presentes nas IFRS para majorar os lucros, destacar vários itens das demonstrações financeiras ou manipular os números contábeis (Detzen & Zülch, 2012Detzen, D. & Zülch, H. (2012). Executive compensation and goodwill recognition under IFRS: Evidence from European mergers. Journal of International Accounting, Auditing and Taxation, 21, 106-126.), o que indicaria a prática de gerenciamento de resultados.

Para Lo (2008)Lo, K. (2008). Earnings management and earnings quality. Journal of Accounting and Economics, 45, 350-357., gerenciamento de resultados é a utilização de julgamentos pelos gestores, a fim de alterar os relatórios financeiros, quer seja para enganar alguns stakeholders acerca de um desempenho econômico oculto da empresa, ou para influenciar os resultados contratuais que dependem dos números contábeis reportados.

Embora as definições de escolhas contábeis e gerenciamento de resultados sejam próximas, de acordo com Fields et al. (2001), nem todas as escolhas contábeis envolvem gerenciamento de resultados, pois este termo se estende para além delas. Em virtude das motivações dos gestores, os órgãos reguladores contábeis expressam, constantemente, suas preocupações em permitir escolhas contábeis nas IFRS, cientes de que o extremo oposto, ou seja, a inexistência de escolhas contábeis, conduziria a um sistema contábil totalmente baseado em regras. As escolhas contábeis existem idealmente para permitir às empresas que estão sob diferentes modelos de negócios (como setores), e/ou sob diferentes influências institucionais ou ambientais (como países), ter a opção de buscar um método contábil que melhor represente sua situação operacional específica (Cole et al., 2011).

Nesse sentido, Fields et al. (2001, p. 261) enfatizam que "as escolhas contábeis provavelmente existem porque é impossível ou inviável eliminá-las". Segundo esses autores, o que os reguladores devem fazer é, a partir do delineamento das vantagens e desvantagens de se permitir escolhas contábeis, determinar o nível ideal de discricionariedade.

2.2 Comparabilidade

Comparabilidade é uma das características qualitativas de melhoria da utilidade da informação contábil, que permite aos usuários identificar e compreender as similaridades entre os itens e as diferenças entre eles. Em consequência, as informações contábeis serão mais úteis se puderem ser comparadas com informações similares de outras entidades, ou da mesma, em outro período (IASB Framework, 2011).

Para o IASB, há dois fatores importantes que precisam ser considerados para que uma informação seja comparável: "coisas iguais precisam parecer iguais e coisas diferentes precisam parecer diferentes" (IASB Framework, 2011, item QC23). De acordo com Yip e Young (2012)Yip, R. W. Y., & Young, D. (2012). Does Mandatory IFRS Adoption Improve Information Comparability? The Accounting Review, 87(5), 1767-1789., a melhora em um dos fatores (por exemplo, as similaridades) não necessariamente leva a uma melhora no outro fator (as diferenças). Segundo os autores, a comparabilidade depende de atender aos dois fatores simultaneamente. A aparente simplicidade do conceito de comparabilidade acaba sendo um dos seus maiores entraves, na prática. Afinal, o que são coisas? Pode-se interpretar "coisas" como as operações de negócios da entidade, ou os tipos de contas, ou mesmo uma preocupação com a essência econômica das transações das entidades (Zhang & Andrew, 2010Zhang, Y., & Andrew, J. (2010). Land in China: Re-considering comparability in financial reporting. Australasian Accounting, Business and Finance Journal, 4(1), 53-75.). Por certo, diferentes interpretações dessa definição provavelmente influenciam as práticas contábeis e, portanto, a comparabilidade.

Adicionalmente, é possível distinguir "coisas iguais" de "coisas diferentes"? Somente seria possível idealizar um cenário em que "coisas" sejam tratadas de maneiras diferentes se, para cada "coisa", houvesse mais de uma forma de contabilização. As diferenças ambientais, econômicas, políticas, culturais, operacionais etc. seriam resolvidas com a existência de escolhas contábeis nas normas, pois assim se poderiam considerar diferentes circunstâncias entre as empresas e entre os países (Zeff, 2007Zeff, A. S. (2007). Some obstacles to global financial reporting comparability and convergence at a high level of quality. The British Accounting Review, 39, 290-302.). Jaafar e McLeay (2007)Jaafar, A. & McLeay, S. (2007). Country Effects and Sector Effects on the Harmonization of Accounting Policy Choice. Abacus, 43(2), 156-189. argumentam que a separação entre esses termos seria possível quando se tratasse de diferentes ambientes econômicos, pois é de se esperar que entidades envolvidas com atividades econômicas similares optem por métodos contábeis similares, independente do seu país de origem.

A comparabilidade é crucial para aumentar a qualidade dos relatórios contábeis (Barth, 2013), a despeito da necessidade de o IASB fornecer um fundamento conceitual para a escolha entre bases de mensuração alternativas (Barth, 2014).

De acordo com o Framework (IASB, 2011), a representação fidedigna conduziria à comparabilidade, pois aquela poderia refletir as características de um ativo ou passivo (Barth, 2013). Contudo, se houver fatores internos ou externos influenciando na evidenciação fidedigna de um item, dificilmente a comparabilidade será obtida. Em decorrência das discussões sobre o tema, Zeff (2007) afirma que comparabilidade é um termo contábil muito difícil de ser entendido mesmo dentro de um país, menos ainda quando se pensa em comparabilidade em nível global. Segundo o autor, trata-se de um conceito elusivo, em que, realmente, não há certeza se a comparabilidade está presente ou não.

Apesar das dúvidas que ainda pairam sobre a aplicação do conceito de comparabilidade e dos prognósticos de que ela pode não ser atingida (Zhang & Andrew, 2010; Durocher & Gendron, 2011Durocher, S. & Gendron Y. (2011). IFRS: On the Docility of Sophisticated Users in Preserving the Ideal of Comparability. European Accounting Review, 20(2), 233-262.), estudos que avaliam o nível de comparabilidade têm proliferado, numa relação direta com o aumento do uso das IFRS. Esses estudos seguem basicamente duas vertentes: os que avaliam a melhoria da comparabilidade com a adoção das IFRS por meio do impacto em variáveis contábeis internas e/ou do mercado de capitais, em geral com o cálculo de regressões (Barth, Landsman, Lang, & Williams, 2012; Brochet, Jogalinzer, & Riedl, 2011Brochet, F., Jogalinzer, A. D., & Riedl, E. J. (2011). Mandatory IFRS adoption and financial statement comparability. Contemporary Accounting, 29(3), 1373-1400.; Cascino & Gassen, 2015Cascino, S. & Gassen J. (2015). What drives the comparability effect of mandatory IFRS adoption. Review of Accounting Studies, 20(1), 242-282.); e os que identificam o nível de comparabilidade a partir das escolhas feitas pelas empresas, seja por meio de índices (H, C, I, V, T) ou de frequências. Esta pesquisa seguiu a segunda vertente, fundamentada na afirmação de Taplin (2011), segundo a qual os índices de harmonia têm papel relevante nas pesquisas sobre a implementação das IFRS, pois eles são especificamente desenvolvidos para sumarizar o nível de comparabilidade. A escolha pelo índice T se justifica pela sua potencialidade em atender aos objetivos da pesquisa, conforme propriedades dos índices apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1
Resumo das principais propriedades dos índices de comparabilidade

O índice T foi criado por Taplin (2004) com o intuito de reunir em um único índice todas as especificidades daqueles anteriormente propostos, além eliminar os problemas dos índices anteriores e de criar novas propriedades.

2.3 Estudos Anteriores

Pesquisas na literatura contábil internacional investigaram as escolhas contábeis dos gestores entre o método de custo histórico ou método do valor justo, bem como as possíveis explicações para essa escolha em ativos imobilizados, em ativos intangíveis e em PPI. Na Tabela 2 são ilustrados, de forma resumida, alguns desses estudos.

Tabela 2
Estudos anteriores sobre escolha entre os métodos do Custo Histórico e do Valor Justo

Pela análise dos estudos, verificou-se uma abordagem ainda conservadora por parte dos gestores, ao preferirem o método do custo histórico ao do valor justo, em quase todos os casos. Apenas em dois momentos a escolha contábil dos gestores pelo método do valor justo superou a do custo histórico (Muller et al., 2008 e Cairns et al., 2011, no tocante apenas à PPI). Os estudos também evidenciaram que determinadas características das empresas podem influenciar as escolhas contábeis.

Em outra vertente de estudos que avaliam a comparabilidade por meio de seu efeito contributivo, Brochet et al. (2011) verificaram que a adoção obrigatória das IFRS levou a benefícios ao mercado de capitais, por reduzir o retorno de insider trades devido à melhoria da comparabilidade. Cascino & Gassen (2015) mostraram que somente companhias com altos incentivos de conformidade tiveram aumento da comparabilidade com a adoção das IFRS. Sob a ótica de benefícios ao mercado de capitais e usando dados de companhias francesas e alemãs, Liao, Sellhorn e Skaife (2012)Liao, Q., Sellhorn, T., & Skaife, H. A. (2012). The Cross-Country Comparability of IFRS Earnings and Book Values: Evidence from France and Germany. Journal of International Accounting Research, 11(1), 155-184. apontaram que o lucro e o valor contábil da empresa (book value) em IFRS foram comparáveis no primeiro ano de adoção, mas que as escolhas contábeis foram diferentes entre as companhias dos dois países.

Com o objetivo de mensurar a comparabilidade entre números contábeis gerados pela norma local e as IFRS, alguns estudos (Liu & O´Farrel, 2010Liu, C. & O'Farrell, G. (2010). Net Income Comparability between EU-IFRS and US-GAAP before release No. 33.8879: evidence from fifty US-Listed European Union Companies. International Journal of Business, Accounting, and Finance, 4(1), 49-62.; Haverty, 2006Haverty, J. L. (2006). Are IFRS and US GAAP converging? Some evidence from People's Republic of China companies listed on the New York Stock Exchange. Journal of International Accounting, Auditing and Taxation, 15, 48-71.; Gray, Linthicum, & Street, 2009Gray, S. J., Linthicum, C. L., & Street, D. L. (2009). Have European and US GAAP measures of income and equity converged under IFRS?: evidence from European companies listed in the US. Accounting and Business Research, 39(5), 431-447.) apontaram baixa comparabilidade para a maioria dos itens cotejados.

Diante de um número considerável de estudos que consideram a comparabilidade difícil de ser atingida, Durocher e Gendron (2011) apontam que os emissores de normas contábeis se organizam em torno do mito orientado para o usuário, e que o próprio usuário, ritualisticamente, celebra o ideal de comparabilidade e silencia no processo de emissão de normas, evitando que esse ideal seja questionado. Todavia, a adoção das IFRS é uma realidade para muitos países, e os resultados, pela sua abrangência, podem ter reflexos na necessária discussão, por parte do IASB, sobre qual comparabilidade é desejada.

3 ASPECTOS METODOLÓGICOS

Para compor a amostra desta pesquisa foram selecionados apenas os países pertencentes ao GLENIF, nos quais a adoção: (i) fosse obrigatória para todas as companhias abertas; (ii) tivesse ocorrido em um exercício social específico que contemplaria pelo menos dois países, a fim de possibilitar a mensuração da comparabilidade em diferentes contextos econômicos e culturais; e (iii) tivesse sido realizada há, no mínimo, três exercícios sociais, de forma a permitir a análise da evolução de suas práticas contábeis. Assim, apenas Brasil, Chile, Equador e Peru, inicialmente, compuseram a amostra. Posteriormente, excluiu-se o Equador do estudo, ao se verificar que este país não publica as notas explicativas, essenciais para a identificação das escolhas contábeis.

Os dados foram coletados para os anos de 2009 a 2013, contemplando o período antes, o durante e o após o ano de adoção obrigatória das IFRS, conforme a Tabela 3.

Tabela 3
Período de adoção obrigatória das IFRS para as companhias abertas dos países da amostra

A amostra da pesquisa foi composta por 300 companhias abertas, representadas pelas 100 maiores empresas de cada país. Foram verificadas 6.000 escolhas contábeis, sendo 400 escolhas contábeis por país e por ano. Optou-se por priorizar as maiores empresas devido à sua importância no mercado de capitais, e também pela maior probabilidade de serem afetadas pelas IFRS (Cairns et al., 2011). O tamanho da entidade foi medido pelo valor do ativo total (em 2013). A Tabela 4 ilustra como foi definida a amostra da pesquisa.

Tabela 4
Amostra de Companhias Abertas Pesquisadas

A coleta de dados foi realizada por meio do software Economática(r) (identificação das entidades listadas nas bolsas de valores dos países da amostra, do setor de atuação, do tamanho da entidade, do endividamento, da rentabilidade, e dos saldos de ativos imobilizados, de ativos intangíveis e de PPI), e por meio das notas explicativas de cada empresa, a fim de coletar as escolhas contábeis - custo histórico ou valor justo - e empresa de auditoria.

Para mensurar a comparabilidade das demonstrações financeiras das companhias dos três países, utilizou-se do cálculo do índice T, criado por Taplin (2004, p. 61), cuja fórmula é dada por:

Onde:

N: é o número de países investigados;

M: é a quantidade de métodos contábeis analisados.

αkl: é o coeficiente de comparabilidade entre os métodos de contabilidade k e l;

βij: é a ponderação para a comparação entre empresas dos países i e j;

ρki: é a proporção de empresas do país i que utilizam o método contábil k;

ρlj: é a proporção de empresas do país j que utilizam o método contábil l.

O índice T varia de 0, quando duas empresas não são comparáveis, a 1, quando todas as empresas são comparáveis umas às outras (Taplin, 2010). Pode ser entendido como a probabilidade de duas empresas selecionadas aleatoriamente terem contas comparáveis (Taplin, 2011). Para a interpretação da comparabilidade, algumas pesquisas sugeriram escalas de referências para identificar o grau de comparabilidade das demonstrações financeiras (Parker & Morris, 2001Parker, R. H., & Morris, R. D. (2001). The influence of U.S. GAAP on the Harmony of Accounting Measurement Policies of Large Companies in the U.K. and Australia. Abacus, 37(3), 297-328.; Ali, Ahmed, & Henry, 2006), e outras apresentaram seus resultados interpretando os valores dos índices como alta, moderada ou baixa comparabilidade (Taplin, 2006; Tudor & Dragu, 2010). Neste estudo, para a interpretação do índice de comparabilidade, optou-se por adotar a classificação proposta por Taplin (2006), por ser ele o criador do índice T, e foi considerada uma comparabilidade alta o índice entre 0,75 e 1; moderada, entre 0,55 e 0,74 e baixa, entre 0 e 0,54.

Para o cálculo da comparabilidade, assumiu-se que: (i) a não divulgação das informações foi excluída do cálculo da comparabilidade; (ii) os países foram ponderados de acordo com seu tamanho, pelo número total de empresas de cada país, de acordo com o Economática(r); (iii) para as práticas "não aplicáveis", isto é, em que não houve divulgação da escolha contábil em virtude de as empresas não possuírem aquele ativo específico nas suas demonstrações financeiras, considerou-se essa não divulgação como não aplicável.

O cálculo do índice T foi realizado por meio do software T-Index Calculator, cedido por mensagem eletrônica pelo criador do índice, Ross H. Taplin. Para tanto, foram adotadas como critério as modalidades 1c2b3a4a, para a comparabilidade dentro de cada país (nacional) e 1c2c3a4a para a comparabilidade entre países (internacional).

Para identificar os motivos que ensejaram determinados níveis de comparabilidade, utilizamos as regressões Logit e Probit, posto que a variável dependente é uma variável dicotômica (dummy). As variáveis independentes foram delineadas de acordo com a literatura contábil, partindo do pressuposto de que as características das empresas podem explicar os motivos pelos quais diferentes entidades optam por práticas contábeis distintas. Assim, foram desenvolvidas nove hipóteses de pesquisa, conforme se demonstra na sequência.

De acordo com Cole et al. (2011), é interessante testar se o tipo de auditoria influencia os gestores nas escolhas dos métodos contábeis. Para eles, as empresas de auditoria podem influenciar a elaboração e a divulgação das demonstrações financeiras. De acordo com Watts (2003), é esperado que empresas auditadas pelas consideradas big four optem pela utilização do método do custo histórico, por serem mais conservadoras. Souza, Botinha, Silva e Lemes (2015)Souza, F. E. A., Botinha, R. A., Silva, P. R., & Lemes, S. (2015). A Comparabilidade das Escolhas Contábeis na Avaliação Posterior de Propriedades para Investimento: Uma Análise das Companhias Abertas Brasileiras e Portuguesas. Revista Contabilidade & Finanças, 26(68), 154-166., igualmente, constataram que o fato de as empresas serem auditadas por uma das big four reduz em aproximadamente 20% a probabilidade de optarem pelo método do valor justo. Nesse sentido, tem-se a primeira hipótese testada: H1: Existe uma associação negativa entre as companhias abertas auditadas pelas big four e a escolha do método do valor justo para a mensuração subsequente de ativos imobilizados, de ativos intangíveis e de PPI.

Quanto ao endividamento, Christensen e Nikolaev (2013) argumentam que as empresas que precisam de empréstimos são comumente chamadas a fornecer garantias para as diversas modalidades de crédito. Portanto, essas empresas são suscetíveis a uma demanda por contabilidade pelo valor justo. Esses autores constataram que o endividamento está positivamente associado com a utilização da mensuração pelo valor justo. Assim, a segunda hipótese testada nesta pesquisa é: H2: Existe uma associação positiva entre o nível de endividamento e a escolha do método do valor justo para a mensuração subsequente de ativos imobilizados, de ativos intangíveis e de PPI.

Haverty (2006) assegura que as práticas contábeis de determinado país são o reflexo de aspectos locais característicos. Para Jaafar e McLeay (2007), o país de domicílio das empresas é uma variável importante a ser pesquisada quando se analisam escolhas contábeis, pois as práticas contábeis refletem, sistematicamente, as regras e regulamentos em vigor no país onde a empresa está registrada. Cole et al. (2011), ao investigarem quais determinantes influenciam as escolhas contábeis dos gestores, verificaram que o país é a variável que mais influencia tais escolhas. Portanto, a terceira hipótese testada neste estudo é: H3: As companhias abertas pertencentes ao mesmo país de domicílio tendem a optar pelas mesmas práticas contábeis na mensuração subsequente de ativos imobilizados, de ativos intangíveis e de PPI.

Demaria e Dufour (2007) destacam que os elaboradores das demonstrações financeiras apresentam forte resistência a mudanças e que, portanto, tendem a manter as práticas contábeis adotadas em períodos anteriores. Corroborando esse argumento, Muller et al. (2008) identificaram que a probabilidade de a empresa escolher o método do valor justo é maior onde a norma doméstica pré-IFRS requeria ou permitia a mensuração de ativos pelo valor justo. Haller e Wehrfritz (2013), de forma similar, constataram que quando as empresas adotam as IFRS, elas tendem a continuar com as políticas contábeis exigidas ou predominantemente escolhidas sob a GAAP nacional. Esse raciocínio leva ao teste da seguinte hipótese: H4: A probabilidade de a companhia aberta escolher o método do valor justo é maior em países cujas normas domésticas pré-IFRS exigiam ou permitiam a mensuração de ativos imobilizados, de ativos intangíveis e de PPI ao valor justo.

Para Watts e Zimmerman (1986), a existência de planos de remuneração variável para os administradores, com base nos resultados contábeis, pode estimulá-los a escolher os métodos contábeis que aumentem o valor dos lucros do período, de forma a maximizar sua remuneração. Hou, Jin e Wang (2014)Hou, Q., Jin, Q., & Wang, L. (2014). Mandatory IFRS adoption and executive compensation: Evidence from China. China Journal of Accounting Research, 7, 9-29. constataram que os efeitos positivos da adoção das IFRS na remuneração dos executivos foram motivados pelas mudanças no lucro, advindas da mensuração pelo valor justo e consequente redução do conservadorismo. Assim, a quinta hipótese parte do pressuposto de que os gestores tendem a escolher métodos contábeis que aumentem os lucros da empresa, de forma a maximizar sua remuneração, quando existem planos de incentivos: H5: Existe uma associação positiva entre os planos de incentivos e a escolha do método do valor justo na mensuração subsequente de ativos imobilizados, de ativos intangíveis e de PPI.

Costa, Silva e Laurencel (2013)Costa, T. A., Silva, A. H. C., & Laurencel, L. C. (2013). Escolha de práticas contábeis: um estudo sobre propriedades para investimento em empresas brasileiras não financeiras de capital aberto. Revista de Contabilidade e Organizações, 18, 25-36. observam que os índices de rentabilidade são utilizados por diversos usuários das demonstrações financeiras como uma medida de desempenho das empresas. Christensen e Nikolaev (2013) argumentam que a mensuração pelo valor justo pode ser utilizada de forma a facilitar a medição do desempenho da entidade, e, consequentemente, ser útil na avaliação da gestão da empresa. Para eles, as mudanças no valor dos ativos não financeiros são informações úteis sobre o desempenho operacional das empresas, pois a realização de ganhos de capital é muitas vezes parte do seu modelo de negócio (e o custo histórico não reflete oportunidades de investimento). Em decorrência, a sexta hipótese testada neste estudo é: H6: Existe uma associação positiva entre a rentabilidade e a escolha do método do valor justo na mensuração subsequente de ativos imobilizados, de ativos intangíveis e de PPI.

Para Cullinan (1999)Cullinan, C. P. (1999). International Trade and Accounting Policy Choice: Theory and Canadian Evidence. The International Journal of Accounting, 34(4), 597-607., o setor de atuação das empresas exerce influência sobre as escolhas contábeis dos gestores. Jaafar e McLeay (2007) reforçam que a escolha de métodos contábeis depende não apenas do país de domicílio da empresa e do conjunto de regulamentos envolvidos, mas também das circunstâncias operacionais. Demaria e Dufour (2007) verificaram que o setor de atuação é o principal determinante para a escolha do gestor pelo método do valor justo. Assim, tem-se a sétima hipótese testada nesta pesquisa: H7: O setor de atuação das companhias abertas influencia a escolha de práticas contábeis na mensuração subsequente de ativos imobilizados, de ativos intangíveis e de PPI.

Watts e Zimmerman (1986) afirmam que os gestores das grandes empresas tendem a escolher métodos contábeis que adiem o reconhecimento de lucros para períodos futuros. As maiores empresas podem tentar esconder o seu tamanho, ao escolher políticas contábeis que minimizem os ativos e a renda declarada, para serem menos visíveis politicamente (Cullinan, 1999). Portanto, "os administradores de grandes empresas tendem a escolher práticas contábeis que diminuem o resultado para reduzirem seus custos políticos" (Costa et al., 2013, p. 27), conforme hipótese testada: H8: Existe uma associação negativa entre o tamanho da empresa e a escolha do método do valor justo para mensuração subsequente de ativos imobilizados, de ativos intangíveis e de PPI.

Posto que a utilização generalizada das IFRS ao longo do tempo está associada à comparabilidade (Barth et al., 2012), que é afetada pelas escolhas contábeis, Jaafar e McLeay (2007) analisaram a evolução da comparabilidade ao observarem o comportamento das escolhas contábeis ao longo dos anos, para diferentes países e diferentes setores. Souza et al. (2015), ao investigarem as escolhas contábeis dos gestores, entre os métodos do custo ou do valor justo em PPI no Brasil e em Portugal, identificaram que nos dois países a incidência da mensuração pelo valor justo tem aumentado ano a ano. Nesse sentido, a nona hipótese testada é: H9: Existe uma associação positiva entre o tempo e a escolha do método do valor justo para a mensuração subsequente de ativos imobilizados, de ativos intangíveis e de PPI.

Tomando-se por base as hipóteses de pesquisa, as variáveis utilizadas nos modelos Logit e Probit estão resumidas na Tabela 5.

Tabela 5
Resumo das variáveis do modelo de regressão

Apesar de os modelos Logit e Probit serem semelhantes na maioria de suas aplicações, e muitos pesquisadores, na prática, escolherem o modelo Logit em virtude de sua simplicidade matemática comparativa, em algumas situações o modelo Probit pode ser útil (Gujarati, 2004Gujarati, D. N. (2004). Basic econometrics (4th ed.) New York: McGraw-Hill.). Nesse sentido, optou-se por realizar testes estatísticos nos dois modelos, a fim de se definir qual seria o mais adequado para a presente pesquisa. A robustez do modelo de regressão foi averiguada por meio de três recursos, todos apresentados por Hosmer e Lemeshow (2000)Hosmer, D. W. & Lemeshow, S. (2000). Applied Logistic Regression (2nd ed.) New York: John Wiley & Sons.: (i) o teste Hosmer-Lemeshow; (ii) a tabela de classificação do modelo; e (iii) a curva Receiver Operating Characteristic (ROC).

Para a estimação da regressão, as entidades que não divulgaram suas escolhas contábeis ou que não possuíam ativos imobilizados, ativos intangíveis e/ou PPI (não aplicáveis) foram excluídas da amostra. Porém, as exclusões foram feitas apenas nos exercícios em que não houve tal evidenciação ou tais ativos. Da mesma forma, as companhias abertas que utilizaram o custo atribuído no momento da adoção pela primeira vez (IFRS 1) foram consideradas como optantes pelo método do valor justo, naquele exercício social específico, para o cálculo da regressão.

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

4.1 A Comparabilidade dos Ativos Imobilizados, Intangíveis e PPI

Nas tabelas 6, 7 e 8 são apresentados os graus de comparabilidade nacional e internacional na mensuração subsequente de ativos imobilizados, de ativos intangíveis e de PPI das companhias abertas pertencentes do Brasil, do Chile e do Peru, no período de 2009 a 2013. As escolhas observadas para os três itens foram referentes ao custo histórico, custo atribuído, valor justo, "não aplica" e "não divulga".

Tabela 6
Comparabilidade nacional e internacional dos ativos imobilizados
Tabela 7
Comparabilidade nacional e internacional dos ativos intangíveis
Tabela 8
Comparabilidade nacional e internacional das propriedades para investimento

Quanto ao Brasil, a comparabilidade nacional para o imobilizado foi máxima em todos os períodos investigados, exceto em 2010, ano da adoção inicial das IFRS. Esses resultados são justificados pelo fato de que no Brasil, antes da adoção das IFRS (2009), só era permitido um método para mensuração subsequente de ativos imobilizados (custo histórico) e após a adoção (2011-2013), a reavaliação foi proibida no Brasil. Como o custo atribuído não foi vedado pelas normas brasileiras, em 2010 o índice de comparabilidade foi 0,64, o que demonstra que se duas companhias abertas brasileiras forem selecionadas aleatoriamente, há 64% de chance de que elas tenham optado pelo mesmo método contábil na mensuração subsequente de ativos imobilizados, em 2010.

Para o Chile, identificou-se uma comparabilidade nacional baixa/moderada nos exercícios de 2009 e 2010 (períodos de adoção inicial) e alta nos exercícios de 2011 a 2013 (Tabela 6). Esses achados decorrem do fato de que nos períodos de adoção inicial das IFRS, as companhias abertas chilenas diversificaram as suas escolhas contábeis, alternando entre os métodos do custo histórico, do valor justo e do custo atribuído. Nos exercícios seguintes, a maioria das entidades optou por mensurar os seus ativos imobilizados pelo método do custo.

O Peru, antes da adoção das IFRS (2009 e 2010), apresentava uma comparabilidade nacional moderada, pois enquanto a maior parte das companhias abertas adotava o método do custo histórico, a outra adotava o método do valor justo (Tabela 6). No ano de adoção (2011), a comparabilidade nacional foi baixa em virtude da possibilidade de mensuração subsequente de ativos imobilizados pelo custo atribuído, além dos dois outros métodos igualmente válidos (custo histórico e valor justo). Um maior número de escolhas contábeis refletiu-se em menor comparabilidade. Nos anos de 2012 e 2013, por mais que o valor justo pudesse ser utilizado, a maioria absoluta das entidades optou pelo custo histórico.

Em relação à comparabilidade internacional, constatou-se que, apesar de a comparabilidade ter sido baixa/moderada nos períodos de adoção inicial (2009 a 2011), a partir do momento em que a adoção das IFRS tornou-se de uso obrigatório para os três países (2012 e 2013), a comparabilidade foi alta (Tabela 6). Esse resultado se deve a que, mesmo com a existência de escolhas contábeis no Chile e no Peru, a maioria das entidades desses países optou pelo método do custo histórico para mensuração subsequente de ativos imobilizados imóveis, assim como ocorreu no Brasil por força de lei.

Os resultados desta pesquisa são similares aos constatados por outros estudos (Demaria & Dufour, 2007; Cairns at. al., 2011; Taplin et al., 2011; Christensen & Nikolaev, 2013), que apontaram que, mesmo existindo escolhas contábeis, as entidades têm se tornado cada vez mais conservadoras em relação à mensuração subsequente de seus ativos imobilizados. Em virtude de a maioria delas optar pelo método do custo histórico, a comparabilidade (nacional e internacional) foi alta e tem aumentado ao longo do tempo.

Em relação à mensuração subsequente dos ativos intangíveis (Tabela 7), para o Brasil identificou-se uma comparabilidade alta em todos os anos pesquisados, em virtude da vedação do custo atribuído na adoção inicial e da avaliação pelo valor justo na mensuração subsequente de ativos intangíveis.

Em relação ao Chile e ao Peru, a comparabilidade foi alta em todos os anos, inclusive antes da adoção das IFRS e durante a adoção inicial (Tabela 7). Apesar da existência de escolhas contábeis para a mensuração subsequente de ativos intangíveis, quase nenhuma companhia aberta chilena e peruana optou pelo método do valor justo ou do custo atribuído na avaliação desses ativos. Por mais que as IFRS prevejam escolhas contábeis, as práticas contábeis adotadas pelas companhias abertas do Chile e do Peru (que adotaram as IFRS sem modificações) foram similares às adotadas pelas companhias abertas do Brasil (que vedou as escolhas contábeis previstas nas IFRS).

Quanto à análise da comparabilidade nacional e da comparabilidade internacional ao longo do tempo, constatou-se que, mesmo tendo se apresentado com valores altos em todos os anos investigados, a comparabilidade está aumentando com o passar dos anos.

Os resultados desta pesquisa corroboram os achados de estudos anteriores (Demaria & Dufour, 2007; Cairns et al., 2011; Taplin et al., 2011; Christensen & Nikolaev, 2013), que identificaram que todas as empresas (ou a maioria absoluta) adotam o método do custo histórico para mensuração subsequente de ativos intangíveis, apesar da possibilidade de adoção do método do valor justo conforme a IAS 38. Esses achados podem ser resultantes das exigências previstas nas IFRS para reavaliar ativos intangíveis, pela dificuldade na identificação do valor justo para esse tipo de ativo, pela falta de incentivos para o uso do valor justo e/ou pela postura ainda conservadora das entidades.

Os resultados deste estudo, todavia, são divergentes dos encontrados por Tudor e Dragu (2010), que, ao investigarem 51 companhias abertas da Alemanha, Áustria, França, Grã-Bretanha e Itália, em 2009, constataram que boa parte delas optou por reconhecer seus ativos intangíveis pelo valor justo, o que fez com que a comparabilidade dessas empresas fosse moderada (0,601).

Numa análise do índice T para as PPI (Tabela 8), em relação às companhias brasileiras, em 2009 a comparabilidade era plena, e com a adoção das IFRS (em 2010) seu valor reduziu-se drasticamente. Contudo, não se pode afirmar que a comparabilidade diminuiu com a adoção das IFRS. O fato é que em 2009 apenas duas entidades tinham PPI reconhecidas e apenas uma evidenciou sua escolha contábil. A comparabilidade máxima em 2009 se deu em virtude de apenas uma companhia aberta ter divulgado sua escolha contábil em relação à mensuração de PPI. Entretanto, de 2010 a 2013 a comparabilidade foi baixa, pois parte das entidades optou pelo método do custo histórico e parte pelo método do valor justo. O fato de existirem escolhas contábeis possibilitou que as práticas adotadas fossem diversificadas, no contexto de um mesmo país.

O Chile e o Peru obtiveram uma comparabilidade nacional baixa em praticamente todos os exercícios sociais (Tabela 8). Assim como ocorreu no Brasil, a baixa comparabilidade se deu em virtude de as escolhas contábeis dos gestores na mensuração subsequente de PPI terem se dividido entre o método do custo histórico e o método do valor justo. Em consequência, a comparabilidade internacional apresentou-se baixa em todos os exercícios sociais.

Analisando a evolução da comparabilidade ao longo do tempo, verificou-se que a comparabilidade nacional do Brasil está aumentando (lentamente), devido à migração das empresas para o método do valor justo (Tabela 7). A comparabilidade nacional do Chile também está aumentando, porém em virtude de as entidades estarem se tornando mais conservadoras (adotando o método de custo histórico) ao longo do tempo. A comparabilidade nacional do Peru, por sua vez, está diminuindo com o passar do tempo, devido às escolhas contábeis estarem divididas entre os dois métodos. A comparabilidade internacional não está aumentando nem diminuindo, porém se manteve baixa em todos os anos.

Ao se analisarem estudos anteriores sobre escolhas contábeis na mensuração subsequente de PPI, verificou-se que seus resultados são inconclusivos. Há estudos que identificaram que a maioria das empresas optou por adotar o custo histórico (Demaria & Dufour, 2007; Taplin et al., 2011), outros que a maioria das empresas optou pelo valor justo (Muller et al., 2008; Cairns et al., 2011), e outros ainda em que as empresas optaram pelos dois métodos, na mesma proporção (Andrade et al., 2013; Christensen & Nikolaev, 2013; Taplin et al., 2014). Devido à natureza do ativo analisado (PPI) - e a consequente "facilidade" na identificação do seu valor justo, se comparado aos demais ativos -, os resultados podem ter sido divergentes em virtude dos diferentes ambientes econômicos, culturais, jurídicos e temporais em que as pesquisas se realizaram.

Nos países da América Latina, as escolhas contábeis se dividem entre as duas alternativas possíveis, o que representa uma comparabilidade baixa/moderada, como pode ser constatado pelos resultados desta pesquisa e de Andrade et al. (2013).

4.2 Análise de Regressão

Na sequência, foram estimadas as regressões Probit para os ativos imobilizados e para as PPI, e Logit para os ativos intangíveis. Na Tabela 9 é apresentado um resumo dos resultados dessas regressões, por variável investigada, bem como os sinais esperados e encontrados, com os respectivos valores dos efeitos marginais.

Tabela 9
Resumo dos resultados das regressões

Na análise da Tabela 9, verificou-se que os setores de (i) alimentos e bebidas; (ii) comércio e eletroeletrônicos; (iii) mineração; (iv) petróleo, gás e química; (v) siderurgia e metalúrgica; e (vi) telecomunicações não foram estatisticamente significativos para nenhum dos ativos investigados. Isso denota que a escolha contábil dos gestores para mensuração subsequente de seus respectivos ativos independe do fato de as companhias abertas pertencerem a esses setores. O mesmo foi percebido quando se observaram os anos de 2010 e 2011. O fato de a escolha contábil ter ocorrido em 2010 e/ou em 2011 não influenciou a seleção dos gestores pelo método do custo histórico ou do valor justo na mensuração subsequente de ativos imobilizados, de ativos intangíveis e de PPI.

Por outro lado, a variável relevância do saldo do ativo investigado em relação ao saldo do ativo total foi estatisticamente significativa para os quatro ativos. Isso revela que essa variável tende a influenciar a escolha dos gestores por um método específico, ou seja, quanto mais relevante for o saldo do ativo correspondente, maior a probabilidade de que a companhia opte pelo método do valor justo. O mesmo resultado foi constatado na pesquisa de Souza et al. (2015, pp. 163-164), que, ao investigarem entidades do Brasil e de Portugal, identificaram que "quanto maior a importância das PPI em relação ao ativo total, maior é a probabilidade de que a empresa opte pelo método do valor justo".

As variáveis "big four", "país", "rentabilidade" e "tempo", quando estatisticamente significativas, apresentaram os mesmos sinais para todos os ativos pesquisados. Já as variáveis "tamanho da empresa", "endividamento", "rentabilidade" e "tempo" apresentaram sinais divergentes dos esperados, o que reforça o entendimento de Martins, Pinto e Alcoforado (2012)Martins, V. A., Pinto, M., & Alcoforado, E. (2012, outubro). Escolhas Contábeis na Mensuração de Propriedades para Investimento das Empresas Brasileiras de Capital Aberto. Anais do Congresso Nacional de Administração e Ciências Contábeis, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 3. de que ainda existem lacunas para se entender os motivos que influenciam os gestores na decisão entre o método do custo histórico e do valor justo, posto que nem todas as hipóteses foram comprovadas com unanimidade de evidências.

Para a variável big four, significativa para ativos intangíveis e para PPI, constatou-se que ela tende a exercer influência de forma conservadora sobre as entidades, conforme apontou a literatura (Watts, 2003; Cole et al., 2011, Souza et al., 2015). Por exemplo, o fato de a entidade ser auditada por uma big four reduz em 23,24% a probabilidade de se optar pelo método do valor justo na mensuração subsequente de PPI. A variável "país" troux e indicações de que influencia as escolhas contábeis dos gestores, como afirmaram Jaafar e McLeay (2007) e Cole et al. (2011). Esse resultado pode ser justificado, além de outros fatores (como a cultura), pela influência que as normas anteriores à adoção (pré-IFRS) podem exercer sobre as companhias abertas, como argumentado por Demaria e Dufour (2007), Muller et al. (2008) e Haller e Wehrfritz (2013).

A rentabilidade estatisticamente significativa para ativos imobilizados, por seu turno, apresentou sinal negativo (custo histórico), contrariando a teoria (Costa et al., 2013; Christensen & Nikolaev, 2013). Esta afirma que, pelo fato de os usuários terem expectativas sobre a rentabilidade das empresas, os gestores tendem a escolher o método que mais contribua para alcançar o desempenho almejado pelos investidores (valor justo). Todavia, no que diz respeito aos ativos intangíveis e à PPI, que não apresentaram significância estatística, esses achados corroboram os resultados de estudos anteriores (Cole et al., 2011; Andrade et al., 2013; Costa et al., 2013; Souza et al., 2015), que identificaram que a rentabilidade não influencia a escolha contábil dos gestores quanto à utilização do método do custo histórico ou do valor justo.

A variável "tempo" (especificamente os anos de 2012 e de 2013, para os ativos imobilizados) apresentou índices negativos, revelando que a incidência da mensuração pelo valor justo não tem aumentado com o passar dos exercícios sociais. Quanto aos ativos intangíveis e à PPI, em todos os períodos investigados esta variável não foi estatisticamente significativa, o que mostra que o tempo não interferiu no uso do método do valor justo desses ativos, como apontado no estudo de Souza et al. (2015). Assim, não se pode afirmar que com o passar dos anos (e, portanto, maior experiência com as IFRS) as entidades tendem a preferir o método do valor justo ao método do custo histórico na mensuração subsequente de ativos intangíveis e de PPI para os países/períodos investigados.

A variável "tamanho da entidade", estatisticamente significativa para a mensuração subsequente de ativos intangíveis, apresentou um coeficiente com sinal positivo, o que remete à influência na adoção do valor justo. Esses resultados apontam que as maiores empresas tendem a mensurar seus ativos intangíveis pelo método do valor justo, e as menores empresas tendem a fazê-lo pelo método do custo histórico. Esse fato pode ser justificado pela dificuldade prática e alto custo em se identificar o valor justo de tais ativos.

A respeito da mensuração subsequente de ativos imobilizados e de PPI, a variável "tamanho" não foi estatisticamente significativa, o que confirma os achados de estudos anteriores (Demaria & Dufour, 2007; Cole et al., 2011; Martins et al., 2012; Andrade et al., 2013; Souza et al., 2015), que identificaram que a adoção do valor justo independe do tamanho da entidade. Contudo, contraria a ideia de Jaafar e McLeay (2007) e Costa et al. (2013) de que as grandes empresas tendem a escolher práticas contábeis que minimizem os ativos na tentativa de serem menos visíveis politicamente. Para as companhias abertas da América Latina, o tamanho da empresa não interferiu na escolha dos gestores pelo método do custo histórico ou do valor justo na mensuração subsequente de imobilizado e de PPI.

O endividamento, cujos resultados foram estatisticamente significativos para a mensuração subsequente de PPI, apontou resultados divergentes aos da literatura (Watts & Zimmerman, 1986; Christensen & Nikolaev, 2013), pois se constatou que as empresas endividadas tendem a optar pelo método do custo histórico. Todavia, Christensen e Nikolaev (2013) apontam o efeito dúbio do endividamento na escolha pelo valor justo, pois, se por um lado os detentores de títulos de dívida demandam informações mais confiáveis e, por vezes, os contratos eliminam a reserva de reavaliação (eliminando o efeito do uso valor justo), por outro lado as companhias são comumente solicitadas a apresentar avaliações de garantias, normalmente pelo valor justo. Além disso, a disposição dos financiadores para conceder o empréstimo pode implicar em mensurações mais confiáveis por parte das companhias (por meio de avaliadores independentes e certificações). Ao investigarem empresas da Alemanha e do Reino Unido, os autores constataram que o endividamento está positivamente associado com a utilização da mensuração pelo valor justo. Para esta pesquisa, no que diz respeito a empresas da América Latina, no período 2009-2013, essa afirmação não pôde ser confirmada.

Quanto à variável "remuneração", que apresentou significância estatística apenas para os ativos imobilizados imóveis, identificou-se que existe uma associação positiva entre os planos de incentivos e a escolha do método do valor justo na mensuração subsequente desses ativos. Esse achado corrobora os resultados de pesquisas anteriores (Watts & Zimmerman, 1986; Cullinan, 1999; Hou et al., 2014), que constataram que a existência de planos de remuneração variável, com base nos resultados contábeis, faz com que os administradores sejam estimulados a escolher os métodos contábeis que aumentem o valor dos lucros do período, de forma a maximizar sua remuneração.

A Tabela 10 apresenta o resumo dos resultados das hipóteses testadas.

Tabela 10
Resumo dos resultados das hipóteses

Assim, identificou-se que todas as variáveis pesquisadas influenciaram a escolha contábil dos gestores pelo método do custo histórico ou do valor justo (pelo fato de todas terem sido estatisticamente significativas em pelo menos um dos ativos investigados).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As escolhas contábeis são necessárias para que seja garantida a representação fidedigna, ao mesmo tempo que seu uso discricionário pode diminuir a comparabilidade. Para contribuir com esta discussão, o objetivo central deste estudo foi identificar o grau de comparabilidade das escolhas contábeis na mensuração subsequente de ativos imobilizados, de ativos intangíveis e de PPI das companhias abertas pertencentes do Brasil, do Chile e do Peru, averiguando, na sequência, se determinadas características das entidades podem influenciar as escolhas contábeis dos gestores, pelo método do valor justo.

Como resultados, constatou-se que para os ativos imobilizados, a comparabilidade internacional aumentou com a adoção das IFRS, mantendo-se crescente ao longo do tempo e alta após a adoção obrigatória das IFRS pelos três países (2012 e 2013), confirmando estudos anteriores (Demaria & Dufour, 2007; Cairns at. al., 2011; Taplin et al., 2011; Christensen & Nikolaev, 2013) de que as entidades têm se tornado cada vez mais conservadoras em relação à mensuração subsequente de seus ativos imobilizados.

No Brasil, a postura conservadora pode ser justificada principalmente pela influência da legislação local, pois foi vedado o uso do valor justo para mensuração subsequente de ativos imobilizados. No Chile, constatou-se maior preferência pelo método do custo histórico, apesar da possibilidade de adoção do método do valor justo. No Peru, apesar de parte das companhias abertas ter optado pelo método do valor justo antes da adoção obrigatória das IFRS, após sua adoção a maioria das entidades passou a empregar o método do custo histórico, tornando-se, em consequência, mais conservadoras. Ao se pesquisar se determinadas características das empresas poderiam ter influenciado a escolha contábil dos gestores, constatou-se que, em relação à mensuração subsequente de ativos imobilizados, o país, a rentabilidade, a relevância e o tempo influenciam as escolhas contábeis dos gestores.

Para os ativos intangíveis, não houve aumento substancial nas comparabilidades nacional e internacional com a adoção obrigatória das IFRS, apesar de estarem crescendo ao longo do tempo. Esse fato ocorreu porque, antes da adoção, a comparabilidade já se apresentava alta para todos os países e entre eles. A comparabilidade foi alta no Brasil devido à vedação legal à adoção do método do valor justo na mensuração subsequente de ativos intangíveis, bem como a vedação da utilização do custo atribuído no momento da adoção inicial. Todavia, no Chile e no Peru, por mais que as escolhas contábeis (custo histórico, custo atribuído e valor justo) fossem permitidas, as práticas contábeis adotadas por estes países foram similares às adotadas pelo Brasil. Assim, a alta comparabilidade nacional e internacional das escolhas contábeis na mensuração subsequente de ativos intangíveis se deu pelo fato de a maioria absoluta das entidades ter optado por reconhecer seus ativos intangíveis pelo método do custo histórico, nos três países.

Apesar de conflitantes com os resultados da pesquisa de Tudor e Dragu (2010), os resultados desta pesquisa corroboram estudos anteriores (Demaria & Dufour, 2007; Cairns et. al., 2011; Taplin et al., 2011; Christensen & Nikolaev, 2013), que identificaram que todas as empresas (ou sua maioria) adotam o método do custo histórico para mensuração subsequente de ativos intangíveis, apesar da possibilidade de adoção do método do valor justo conforme a IAS 38. Quanto à investigação de possíveis variáveis explicativas, identificou-se que as variáveis "big four", "tamanho" e "relevância" influenciam as escolhas dos gestores.

Para as PPI, as comparabilidades nacional e internacional não aumentaram com a adoção das IFRS, permanecendo com índices próximos a 0,50 (comparabilidade baixa) em praticamente todos os exercícios sociais. Por meio desses achados conclui-se que a adoção das IFRS, por si só, não garante a comparabilidade. O fato de existirem opções contábeis na norma fez com que as escolhas dos gestores fossem diversificadas, ainda que num mesmo país. Em relação aos estudos anteriores, no contexto de países da América Latina, os resultados desta pesquisa corroboram os de Andrade et al. (2013), que constataram que as empresas têm se dividido entre mensurar as suas PPI pelo custo histórico e pelo valor justo. Quanto à análise de regressão, verificou-se que as variáveis "big four", "relevância", "endividamento", "país" e "setor de atuação" influenciam as escolhas contábeis dos gestores na mensuração subsequente de PPI.

Ante os resultados encontrados, levantam-se as seguintes discussões, que podem ser objeto de pesquisas futuras. Primeiro, por que, por mais que exista a possibilidade de se utilizar o método do valor justo na mensuração subsequente de ativos imobilizados e de ativos intangíveis, as companhias, em sua maioria, continuam preferindo adotar o método do custo histórico para avaliação desses ativos? Segundo, o que os gestores têm levado em consideração em suas decisões, uma vez que não se encontrou comparabilidade alta em nenhum país e em nenhum período quanto à mensuração subsequente de PPI? Terceiro, será possível conciliar escolhas contábeis com comparabilidade, considerando que o aumento no número de escolhas contábeis diminui a comparabilidade, e a redução no número de escolhas contábeis pode mitigar a representação fidedigna?

Esta pesquisa procurou auxiliar os elaboradores de normas contábeis, ao demonstrar a decisão dos gestores sobre o uso da mensuração pelo valor justo. Para a literatura contábil, este estudo traz uma contribuição especial, ao investigar a expertise em comparabilidade, escolhas contábeis e valor justo no contexto de países emergentes.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Maio 2016
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2016

Histórico

  • Recebido
    12 Dez 2014
  • Aceito
    29 Out 2015
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