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Impactos do modelo regulatório de capital para risco de mercado: aplicação em uma sociedade de capitalização, uma seguradora e uma entidade aberta de previdência complementar

RESUMO

Em linha com a regulação trazida com o Solvência II, a Superintendência de Seguros Privados (Susep) introduziu o capital regulatório para risco de mercado no final de 2015, sendo 50% do capital mínimo para esse tipo de risco exigido em 31 de dezembro de 2016 e 100% no ano subsequente. Esse modelo regulatório consiste na apuração de value at risk paramétrico com 99% de confiança e três meses de horizonte de tempo, tendo como base a exposição líquida dos fluxos de caixa previstos de ativos e passivos e considerando a matriz de covariâncias atualizada com dados de mercado até julho de 2014. Uma das limitações da abordagem regulatória reside na atualização da matriz de covariâncias, que depende de prévia aprovação do Conselho Nacional de Seguros Privados, o que pode limitar a frequência de atualização dos dados e a aderência do modelo à realidade vigente no mercado. Como a matriz de covariâncias adotada considera o período que antecedeu à eleição presidencial, à perda do grau de investimento do país e ao processo de impeachment, os quais contribuíram para o aumento da volatilidade de mercado, este artigo analisa os impactos da aplicação do modelo regulatório, considerando a atualização da volatilidade de mercado até 31 de dezembro de 2015, para uma sociedade de capitalização, uma seguradora e uma entidade aberta de previdência complementar. Além disso, discutem-se as implicações práticas que a nova exigência para risco de mercado traz para a gestão de investimentos das entidades supervisionadas pela Susep, elencando as diversas premissas que podem ser utilizadas nos modelos de decisão de Asset and Liability Management dos entes regulados e os possíveis trade-offs a serem enfrentados nesse processo.

Palavras-chave
capital regulatório; capital para risco de mercado; solvência; previdência; entidade aberta de previdência complementar

ABSTRACT

In line with the regulation brought in by Solvency II, the Superintendence of Private Insurance (Susep) introduced the market risk capital requirement at the end of 2015, with 50% of the minimum capital for this type of risk being required by December 31st 2016 and 100% the following year. This regulatory model consists of calculating parametric value at risk with a 99% confidence level and a three month time horizon, using the net exposure of expected cash flows from assets and liabilities and a covariance matrix updated with market data up to July 2014. One limitation of this regulatory approach is that the updating of the covariance matrix depends on prior approval by the National Council of Private Insurance, which can limit the frequency the covariance matrix is updated and the model’s adherence to the current market reality. As this matrix considers the period before the presidential election, the country’s loss of investment grade status, and the impeachment process, which all contributed to an increase in market volatility, this paper analyses the impacts of applying the regulatory model, considering the market volatility updated to December 31st 2015, for a special savings company (sociedade de capitalização), an insurance company, and an pension fund. Furthermore, the paper discusses the practical implications of the new market risk requirement for managing the investments of the entities supervised by Susep, listing the various assumptions that can be used in the regulated entities’ Asset and Liability Management decision models and possible trade-offs to be addressed in this process.

Keywords
regulatory capital; market risk capital; solvency; pension; open pension fund

1. INTRODUÇÃO

Os diferentes stakeholders podem ter visões divergentes em relação à estrutura ótima de capital (proporção de capital próprio e capital de terceiros) das empresas. Os acionistas, a fim de maximizar o retorno e minimizar o risco, tendem a preferir a alocação mínima de capital enquanto outros stakeholders, como os financiadores, desejam o máximo de capital possível, pois, em caso de eventuais infortúnios no transcorrer do negócio, a possível perda poderia ser mitigada pelo capital próprio que a empresa dispõe. Nesse cenário surge a questão: o mercado é capaz de funcionar adequadamente sem a interferência do Estado? Essa é a grande indagação que norteia a discussão entre regulação e autorregulação, sendo que a primeira prevê que normas estatais devem restringir a atividade privada para manutenção do equilíbrio de mercado enquanto a segunda defende que as normas devem ser editadas pelos próprios participantes do mercado.

Devido à relevância econômica, financeira e social do mercado financeiro e segurador, a vertente que tem se destacado, embora de alguma forma a regulação e a autorregulação sejam complementares, é a que defende que cabe ao Estado intervir no mercado, estabelecendo padrões, ainda que mínimos, para garantir a estabilidade do sistema e corrigir eventuais distorções. Quanto mais complexos são os produtos e serviços envolvidos, maior a necessidade de regulação por parte do Estado, de maneira a resguardar compromissos assumidos com os mais vulneráveis, isto é, com os consumidores, sendo a manutenção do equilíbrio de mercado uma decorrência desse fato.

Nessa linha, diante do aumento da complexidade dos serviços financeiros e dos escândalos envolvendo grandes corporações, emergiu o Acordo de Basileia II (e, posteriormente, Basileia III), introduzindo metodologias de apuração da necessidade mínima de capital mais sensíveis ao risco que permitem menor alocação de capital para instituições que utilizarem melhores práticas de gestão de risco. Seguindo essa tendência para o mercado segurador nos países membros da União Europeia, tem-se o Solvência II.

Acompanhando o movimento mundial, no Brasil foram promulgadas novas regras de solvência para o mercado segurador estabelecendo, num primeiro momento, as de alocação de capital para cobertura dos riscos de subscrição, de crédito e operacional.

Em dezembro de 2014, promulgou-se a Resolução CNSP n. 317 (Superintendência de Seguros Privados [Susep], 2014Superintendence of Private Insurance. CNSP Resolution n. 317, 2014. Retrieved from http://www2.susep.gov.br/bibliotecaweb/docOriginal.aspx?tipo=1&codigo=34205
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), posteriormente consolidada pela Resolução CNSP n. 321 (Susep, 2015Superintendence of Private Insurance. CNSP Resolution n. 321, 2015. Retrieved from http://www2.susep.gov.br/bibliotecaweb/docOriginal.aspx?tipo=1&codigo=35542
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) e alterada pontualmente pela Resolução CNSP n. 343 (Susep, 2016Superintendence of Private Insurance. CNSP Resolution n. 343, 2016. Retrieved from http://www2.susep.gov.br/bibliotecaweb/docOriginal.aspx?tipo=1&codigo=39648
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), introduzindo critérios para apuração do capital de risco baseados no risco de mercado para seguradoras (SEGs), entidades abertas de previdência complementar (EAPCs), sociedades de capitalização (CAPs) e resseguradores locais. O modelo regulatório consiste no cálculo de value at risk (VaR) paramétrico, considerando 99% de confiança para um horizonte de tempo de três meses. No entanto, a matriz de covariâncias estabelecida na norma para cálculo do VaR foi atualizada até julho de 2014, período que antecedeu à eleição presidencial, à perda do grau de investimento do país e ao processo de impeachment, os quais contribuíram para o aumento da volatilidade de mercado. Além dessa limitação da abordagem regulatória, para que haja atualização da matriz de covariâncias de maneira a refletir melhor a realidade subjacente, é necessária a aprovação de uma nova resolução pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), o que limita a frequência de atualizações e a adequação da matriz de covariâncias à realidade vigente no mercado. Nessa linha, tendo-se em vista o aumento da volatilidade de mercado, advém o seguinte questionamento: qual o impacto da atualização da matriz de covariâncias no cálculo do VaR para fins de capital para risco de mercado?

Portanto, o presente artigo busca analisar os resultados da aplicação da abordagem definida pela Resolução CNSP n. 321 (Susep, 2015Superintendence of Private Insurance. CNSP Resolution n. 321, 2015. Retrieved from http://www2.susep.gov.br/bibliotecaweb/docOriginal.aspx?tipo=1&codigo=35542
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), incorporando a volatilidade de mercado até 31 de dezembro de 2015, para capital para risco de mercado a uma CAP, uma SEG e uma EAPC. Além disso, serão discutidas as implicações práticas que a nova exigência para risco de mercado traz para a gestão de investimentos das entidades supervisionadas pela Superintendência de Seguros Privados (Susep).

O artigo está dividido em cinco seções, incluindo esta introdução. A segunda seção apresenta a revisão da literatura, a terceira apresenta a metodologia utilizada, a quarta constitui uma análise da necessidade de ajuste do capital regulatório para o caso apresentado. Por fim, na quinta seção são apresentadas as conclusões.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Exigência de Capital

A partir da década de 1980, a atuação de instituições financeiras e seguradoras vem passando por grande evolução com a regulamentação proveniente dos acordos de Basiléia e Solvência. As regulamentações têm em comum a estrutura baseada em três pilares:

  • Pilar I  Quantificação de riscos: cálculo dos requisitos de capital de solvência e capital mínimo requerido com base no modelo padrão ou interno.
  • Pilar II  Revisão do supervisor: princípios gerais que regem a regulação de gestão de riscos e controles internos e revisão de processos.
  • Pilar III  Disciplina de mercado: diretrizes sobre transparência e divulgação de informação a respeito da solvência e situação financeira.

Esses pilares buscam incentivar as melhores práticas de gestão dos riscos aos quais estão expostas SEGs, resseguradoras, CAPs e EAPCs e podem ser encontrados tanto nas recomendações da International Association of Insurance Supervisors (IAIS, 2005International Association of Insurance Supervisors (2005). Insurance core principles. Basel: IAIS.) quanto no Solvência II da União Européia (Directive of the European Parliament and of the Council [EC], 2009Directive of the European Parliament and of the Council. 2009. Directive 2009/138/EC of the European Parliament and of the Council of 25 November 2009. Solvency II.) e no acordo Basiléia II (Basel Committee on Banking Supervision [BCBS], 2004Basel Committee on Banking Supervision. (2004). International convergence of capital measurement and capital standards: a revised framework. Basel: BCBS.), para bancos.

No Brasil, a Susep e o CNSP têm trabalhado no desenvolvimento do arcabouço regulatório e de supervisão a partir dos três pilares instituídos no Solvência II.

No Pilar 1, a regulamentação do capital adicional para risco de subscrição de danos das seguradoras e resseguradoras foi introduzida pelas resoluções CNSP n. 158 (Susep, 2006Superintendence of Private Insurance. CNSP Resolution n. 158, 2006. Retrieved from http://www.susep.gov.br/setores-susep/cgsoa/coris/requerimentos-de-capital/arquivos/resol158-1.pdf
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) e CNSP n. 188 (Susep, 2008Superintendence of Private Insurance. CNSP Resolution n. 188, 2008. Retrieved from http://www.susep.gov.br/setores-susep/cgsoa/coris/requerimentos-de-capital/arquivos/resol188.pdf
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), respectivamente. Os critérios para estabelecimento do capital para risco de crédito tiveram início com a Resolução CNSP n. 228 (Susep, 2010Superintendence of Private Insurance. CNSP Resolution n. 228, 2010. Retrieved from http://www2.susep.gov.br/bibliotecaweb/docOriginal.aspx?tipo=1&codigo=27426
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) e o capital para risco operacional foi regulado pela Resolução CNSP n. 283 (Susep, 2013Superintendence of Private Insurance. CNSP Resolution n. 283, 2013. Retrieved from http://www2.susep.gov.br/bibliotecaweb/docOriginal.aspx?tipo=1&codigo=30628
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).

Em 2013, em continuidade à política de implantação da supervisão baseada em risco, a Susep estabeleceu um grupo técnico para apresentação de critérios e metodologia para mensuração do requerimento regulatório de capital de risco relativo ao risco de mercado das sociedades supervisionadas.

De acordo com a apresentação do grupo técnico da Susep, realizada em 26 de abril de 2013, o mercado sob sua supervisão contava com R$ 549 bilhões em ativos, sendo R$ 462 bilhões em ativos financeiros distribuídos da seguinte maneira:

  • R$ 424 bilhões para o segmento de seguros;

  • R$ 1 bilhão para o segmento de EAPC;

  • R$ 29 bilhões para o segmento de capitalização;

  • R$ 8 bilhões para o segmento de resseguradores locais.

A relevância dos números ressalta a importância econômica e social desses segmentos no Brasil e justifica a preocupação do órgão regulador com a definição das métricas básicas a serem observadas para manutenção da solvência do setor.

De acordo com a Resolução CNSP n. 317 (Susep, 2014Superintendence of Private Insurance. CNSP Resolution n. 317, 2014. Retrieved from http://www2.susep.gov.br/bibliotecaweb/docOriginal.aspx?tipo=1&codigo=34205
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), consolidada pela Resolução CNSP n. 321 (Susep, 2015Superintendence of Private Insurance. CNSP Resolution n. 321, 2015. Retrieved from http://www2.susep.gov.br/bibliotecaweb/docOriginal.aspx?tipo=1&codigo=35542
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), as SEGs, as EAPCs, as CAPs e os resseguradores locais terão que se adequar integralmente à nova regulamentação de capital para risco de mercado até 2017, sendo o cronograma de exigência de capital estabelecido como:

  • 0% do capital para risco de mercado até 30 de dezembro 2016;

  • 50% do capital para risco de mercado entre 31 de dezembro 2016 e 30 de dezembro 2017; e

  • 100% do capital para risco de mercado a partir de 31 de dezembro 2017.

Tal fato mostra que o objeto do presente estudo é contemporâneo e de extrema relevância para as empresas supervisionadas pela Susep.

Além disso, tendo-se em vista a relevância dessa regulamentação, a Resolução CNSP n. 343 (Susep, 2016Superintendence of Private Insurance. CNSP Resolution n. 343, 2016. Retrieved from http://www2.susep.gov.br/bibliotecaweb/docOriginal.aspx?tipo=1&codigo=39648
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) alterou a forma de cálculo do patrimônio líquido ajustado (PLA) para torná-lo mais sensível às variações de valor de mercado dos ativos e passivos e adequado à introdução da parcela de capital para risco de mercado.

2.2 Gestão de Ativos e Passivos

A utilização do conceito de risco de mercado baseado na exposição líquida entre ativos e seus respectivos passivos serve como fator de incentivo à utilização de práticas de gestão de ativos e passivos (Asset and Liability Management - ALM) pelas entidades supervisionadas pela Susep.

O objetivo básico de uma entidade é ter reservas capazes de honrar os compromissos com seus participantes ou clientes, porém a componente de incerteza sobre quais serão os valores dos ativos e passivos e, consequentemente, o descasamento entre eles, tornam a tarefa de gestão desse processo desafiadora. Nesse cenário, o ALM é um processo crucial para a gestão de riscos, permitindo a tomada de decisões em consonância com o comportamento dos ativos e passivos de uma organização, tornando possíveis a visão e o controle de várias variáveis de gestão, como liquidez, solvência, retorno, dentre outras. Com a nova exigência de capital para risco de mercado divulgada pela Susep, tem-se mais essa variável para fazer parte do escopo do processo de ALM das entidades supervisionadas.

Os modelos de ALM podem ser divididos em duas grandes categorias: os modelos determinísticos e os modelos estocásticos. No primeiro grupo, têm-se os modelos de cash flow matching, que buscam um conjunto de ativos que tenham fluxo de caixa igual ao fluxo de caixa dos passivos, e dedication, que buscam ativos que tenham fluxo de caixa o mais próximo possível do fluxo de caixa dos passivos (devido à dificuldade de encontrar ativos com os quais seja possível o cash flow matching).

Os modelos de dedication deram lugar aos modelos de imunização (Ryan, 2014Ryan, R. J. (2014). The evolution of Asset/Liability Management (a summary). New York: CFA Institute.), cuja ideia central é encontrar uma carteira de ativos, ao menor preço possível, cujo fluxo de caixa seja maior ou igual ao fluxo de passivos.

As medidas utilizadas para esse fim normalmente são o dollar-duration e a convexidade, porém essas medidas supõem deslocamentos paralelos nas taxas de juros, o que é difícil de encontrar na prática. Medidas mais avançadas, como vetores de key rate duration, têm sido propostas na literatura (Nawalkha, Soto, & Zhang, 2003Nawalkha, S. K., Soto, G. M., & Zhang, J. (2003). Generalized M-vector models for hedging interest rate risk. Journal of Banking & Finance, 27(8), 1581-1604.), porém estudo recente (Carcano & Dall’O, 2011Carcano, N., & Dall’O, H. (2011). Alternative models for hedging yield curve risk: an empirical comparison. Journal of Banking & Finance, 35(11), 2991-3000.) encontrou evidências que a utilização de modelos mais sofisticados leva a uma alta exposição a erros de modelos, diminuindo a qualidade do hedge gerado por essas abordagens.

Na segunda categoria, de modelos estocásticos, são utilizados modelos de otimização, considerando as possíveis variações dos fluxos de caixa e valores dos ativos e passivos, que passam a ter um comportamento estocástico. A abrangência dessa categoria vai desde os modelos que consideram programação dinâmica (Cairns, Blake, & Dowd, 2006Cairns, A. J., Blake, D., & Dowd, K. (2006). Stochastic life styling: optimal dynamic asset allocation for defined contribution pension plans. Journal of Economic Dynamics and Control, 30(5), 843-877.) até modelos baseados em quantis de risco, como o VaR (Blake, Cairns, & Dowd, 2001Superintendence of Private Insurance. Susep Circular Letter n. 521, November 24th 2015. Retrieved from http://www2.susep.gov.br/bibliotecaweb/docOriginal.aspx?tipo=1&codigo=37077
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).

2.3 Risco de Mercado

O risco de mercado teve grande desenvolvimento, a partir de 1994, com a divulgação, pelo banco JP Morgan, da metodologia RiskMetrics (Morgan, 1996Morgan, J. P. (1996). Risk Metrics Technical Document. Morgan Guarantee Trust Company.), na qual a métrica de VaR passa a ser referência para cálculo de risco mercado tanto no meio acadêmico como no mercado financeiro.

O VaR é definido como a maior perda esperada para um horizonte de tempo e um determinado intervalo de confiança. O VaR pode ser calculado de diversas formas, segundo as três metodologias apresentadas inicialmente pela RiskMetrics, como a Paramétrica (que assume que os retornos financeiros têm uma distribuição conhecida), a Simulação Histórica (na qual é buscado o quantil estabelecido pelo VaR na distribuição histórica dos retornos da carteira que está sendo analisada) e a Simulação de Monte Carlo (que busca simular o comportamento dos preços de mercado).

Assim como o Banco Central do Brasil (BCB), que utiliza o VaR como métrica para exigência de capital para risco de mercado de seus entes regulados, no mercado segurador, a Susep adotou o VaR como métrica para calcular a exigência de capital para risco de mercado.

Conforme estabelecido pela Resolução CNSP n. 317 (Susep, 2014Superintendence of Private Insurance. CNSP Resolution n. 317, 2014. Retrieved from http://www2.susep.gov.br/bibliotecaweb/docOriginal.aspx?tipo=1&codigo=34205
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), o capital para risco de mercado exigido será o VaR paramétrico para três meses, com 99% de confiança.

A matriz de covariâncias para o cálculo do VaR paramétrico é estimada por alisamento exponencial (exponentially weighted moving average - EWMA), a partir dos parâmetros da estrutura a termo de taxa de juros (ETTJ) divulgada mensalmente pela própria autarquia, utilizada para cálculo de teste de adequação do passivo (TAP), além das séries de retornos do Índice Bovespa, dólar e Índice de Commodities Brasil (ICB). A matriz de covariâncias adotada na resolução vigente é referente a julho de 2014.

3. PROBLEMA DE INTERESSE E METODOLOGIA

Este trabalho tem como objetivo analisar os impactos da nova exigência de capital para risco de mercado, avaliando os resultados em uma CAP, uma SEG e uma EAPC para a posição de dezembro de 2015.

Além do impacto direto da exigência no capital nessas empresas, será também analisado o possível reflexo na necessidade de capital para risco de mercado, caso se venha a atualizar, com dados até dezembro de 2015, a matriz de covariâncias utilizada no cálculo do VaR, dado que a matriz vigente utiliza dados até julho de 2014.

A atualização da matriz de covariâncias será feita de acordo com a metodologia estabelecida pela Susep, que consiste na aplicação do método EWMA para os dados mais recentes. O método para atualização baseia-se na fórmula padrão do EWMA,

σ t 2 = λ σ t - 1 2 + 1 - λ r t - 1 2

em que σ é a variância, λ é o fator de decaimento utilizado para atualização das informações e r é o retorno da série analisada. Para cada item na matriz, a covariância é estimada utilizando a seguinte fórmula da correlação:

ρ a , b = C o v r a , r b σ a σ b

transformada em:

C o v ( a , b ) t = ρ σ a , t σ b , t

em que as estimativas de volatilidade σ serão as obtidas pelo EWMA e a correlação ρ utilizada será a correlação histórica das séries, considerando-se o mesmo período utilizado pela Susep para estimar os fatores de decaimento. Os fatores de decaimento utilizados serão os mesmos divulgados pela Susep no documento Relatório Risco de Mercado - Cálculo de Fatores - GT. Os fatores são apresentados na Tabela 1:

Tabela 1
Fatores de decaimento

Vale destacar, também, que a metodologia estabelecida no cálculo das exposições líquidas entre ativos e passivos, os quais são mapeados por vértice e fator de riscos na apuração de VaR, não considera novos negócios, mas apenas o risco já assumido até então pelos entes supervisionados (pressupõe empresas em run-off).

Além do VaR, também serão utilizados nas análises o VaR marginal, que mede o quanto o VaR mudaria para mudança de uma unidade monetária em cada exposição, e o VaR do componente, que mede o quanto cada exposição contribui para o VaR total (Alexander, 2009Alexander, C. (2009). Market risk analysis, value at risk models (Vol. 4). Hoboken: John Wiley & Sons.; Gourieroux, Laurent, & Scaillet, 2000Gourieroux, C., Laurent, J. P., & Scaillet, O. (2000). Sensitivity analysis of values at risk. Journal of Empirical Finance, 7(3), 225-245. ).

Apesar de a melhor alternativa para diminuição do VaR definido pelo modelo e, consequentemente, de o capital exigido ser a diminuição da exposição líquida nos fatores de risco por meio de ferramentas de ALM, essas métricas servem como parâmetro para avaliar as contribuições de cada fator ao VaR total.

4. RESULTADOS

A primeira etapa de análise consiste na alocação dos fluxos financeiros dos ativos e passivos nos fatores de risco, ou vértices-padrão, no cálculo da exposição líquida em cada fator.

Os dados da exposição líquida para as três empresas estão apresentados na Tabela 2 e estão divididos pelos respectivos ativos financeiros totais, para não deixar explícitos os números das três companhias.

Tabela 2
Exposições líquidas por fator de risco

Para a CAP, aparentemente, a estratégia da companhia é gerenciar o risco de exposição do passivo indexado pela taxa referencial (TR) com a alocação em ativos indexados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA).

Já para a SEG, não existe um padrão claro, visto que as exposições líquidas positivas estão distribuídas em várias categorias de fatores de risco, assim como as exposições líquidas negativas.

Com relação à EAPC, parece que a companhia, para fazer frente aos passivos residuais indexados pela TR e pelo Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), faz uso de alocação em ativos indexados a taxas pré-fixadas e IPCA. Vale ressaltar que a Tabela 2 apresenta a exposição líquida de cada uma das companhias analisadas, ou seja, se a alocação de ativos em determinado fator de risco é maior que a exposição das obrigações, não é possível identificar que a empresa tem passivo exposto a esse fator de risco.

O passo seguinte foi calcular a exigência de capital para as três empresas, utilizando a metodologia divulgada. Os resultados da exigência de capital, medidos em percentual do total de ativos financeiros, são apresentados na Tabela 3.

Tabela 3
Exigência de capital para risco de mercado

O VaR é apenas o ponto de partida de um modelo de gestão de risco de mercado, a partir do qual é possível avaliar os possíveis impactos na mudança da posição atual de investimentos de uma entidade. Utilizando o VaR marginal e o VaR componente, os resultados para as três empresas analisadas estão na Tabela 4.

Tabela 4
Value at risk (VaR) marginal e componente

Para a CAP, os vértices atrelados aos IPCA, apesar de não serem os com maior VaR marginal, são os que mais contribuíram para o VaR total da entidade. No caso da SEG, o vértice com maior peso no VaR total é o do índice IPCA, enquanto para empresa de vida e previdência são os vértices atrelados ao IGP-M.

Esses resultados foram obtidos considerando a matriz de covariâncias com data-base de julho de 2014, adotadas na Resolução CNSP n. 321 (Susep, 2015Superintendence of Private Insurance. CNSP Resolution n. 321, 2015. Retrieved from http://www2.susep.gov.br/bibliotecaweb/docOriginal.aspx?tipo=1&codigo=35542
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), porém o mercado muda, com o decorrer do tempo, apresentando períodos de maior ou menor volatilidade para os diversos fatores de risco considerados. Para manter aderência à realidade do mercado, as informações da matriz de covariâncias deverão ser atualizadas, refletindo o risco real de solvência das entidades supervisionadas.

Assim, este trabalho buscou estimar o impacto de uma possível atualização da matriz de covariâncias com os dados até dezembro de 2015, considerando as curvas ETTJ disponibilizadas no site da Susep (Susep, 2015Superintendence of Private Insurance. (2015). Relatório Final do GT de Risco de Mercado. Retrieved from http://www.susep.gov.br/setoressusep/cgsoa/coris/dicem/grupo-tecnico-de-risco-de-mercado
http://www.susep.gov.br/setoressusep/cgs...
), contemplando a volatilidade no cenário econômico ocorrida no período eleitoral de 2014 e a perda do grau de investimento do Brasil. Tal atualização tende a melhor refletir o cenário atual e, por consequência, melhor estimar o risco de mercado incorrido pelos participantes do mercado.

Com a atualização da matriz de covariâncias, observa-se aumento para o capital exigido para risco de mercado das três empresas, devido ao aumento da volatilidade do período, sendo o impacto mais acentuado na CAP, cuja necessidade de capital dobra. Os resultados são apresentados na Tabela 5.

Tabela 5
Capital exigido com a atualização das premissas

A CAP tem aumento expressivo no capital exigido com a mudança na matriz de covariâncias utilizada. O aumento do capital é apresentado na Tabela 6.

Tabela 6
Aumento do capital exigido com a atualização

O VaR marginal e o VaR componente para as três empresas são apresentados na Tabela 7.

Tabela 7
Value at risk (VaR) marginal e componente com nova matriz

Com a mudança da matriz de covariâncias utilizada não só a exigência de capital muda, como também a avaliação sobre quais estratégias utilizar para administrar o VaR de cada entidade.

Para a CAP, o principal fator contribuindo para o VaR é o TR, enquanto no cálculo com a matriz até julho de 2014 eram os vértices de IPCA.

No caso da SEG, a maior contribuição para o VaR passa do índice IPCA para os vértices intermediários do IPCA, com a nova matriz. Já para a EAPC, os resultados do VaR apontam os vértices intermediários de IGP-M como a maior contribuição ao VaR com ambas as matrizes.

Tendo-se em vista o modelo regulatório adotado, observa-se a preocupação da Susep em relação ao risco de descasamento de fatores de risco e prazos entre ativos e passivos, dado que o cálculo de VaR é aplicado às exposições líquidas, o que ressalta a importância de práticas de ALM. Atualmente, a gestão de risco de mercado, em muitos dos entes supervisionados, destina-se a avaliar e monitorar a variação do valor dos investimentos financeiros de forma isolada, não observando o comportamento dos respectivos passivos. Portanto, práticas conservadoras para risco de mercado sob a ótica restrita de ativos financeiros (por exemplo, concentração da carteira de investimentos em títulos públicos de baixa volatilidade, como Letras Financeiras do Tesouro) podem não ser as que resultam em menor alocação de capital, o que representa um novo desafio para os gestores de risco dessas empresas.

Cabe, porém, ressaltar que os objetivos de investimento dos entes regulados podem ir além da simples redução do capital exigido. É comum encontrar, por exemplo, estratégias de investimentos que buscam, por intermédio de alocação em ativos indexados ao IPCA, fazer frente a passivos indexados à TR, tendo-se em vista os potenciais ganhos financeiros em detrimento à necessidade de capital para risco de mercado. Além disso, muitas vezes práticas de ALM consideram a premissa de novos negócios ao invés de uma empresa em run-off, apesar de esse ser um conceito embutido no modelo regulatório.

Todos esses desafios deixam evidente a atual necessidade do uso do ALM para fazer frente aos diversos objetivos enfrentados, sejam eles exigidos pelo regulador, sejam decorrentes da atuação no mercado.

5. CONCLUSÕES

A introdução da regulamentação do capital para risco de mercado para as SEGs, EAPCs, CAPs e resseguradores traz diversos desafios para o mercado, não apenas sob a ótica do impacto financeiro, mas de aspectos de gestão e de regulamentação.

Os resultados apresentados nos casos estudados neste trabalho mostram que existe impacto para as entidades e que esse impacto pode ter grandes variações, dependendo das premissas utilizadas.

A matriz de covariâncias utilizada para fins de apuração do capital regulatório para risco de mercado foi atualizada apenas até julho de 2014, não capturando o efeito da volatilidade do mercado atual brasileiro, o que pode estar subestimando o risco, como mostrado no resultado deste trabalho, tendo em vista que essa data antecede o período eleitoral e a perda do grau de investimento que, por exemplo, são eventos que contribuíram para o aumento da volatilidade.

O impacto financeiro da introdução do capital de risco de mercado tende a incentivar mudanças nas práticas de gestão, sobretudo em relação ao ALM, lembrando que gestão de ativos e passivos é um conceito mais amplo que apenas casamento entre ativos e passivos. É preciso entender e definir o objetivo do ALM, como, por exemplo: (i) otimizar capital regulatório, (ii) otimizar capital econômico e (iii) otimizar retorno financeiro, observando um orçamento de capital etc. O estabelecimento de uma política de ALM também foi incluída na norma que trata de entreprise risk management (ERM), materializada na Circular Susep n. 517 (Susep, 2015Superintendence of Private Insurance. Susep Circular Letter n. 517, July 30th 2015. Retrieved from http://www2.susep.gov.br/bibliotecaweb/docOriginal.aspx?tipo=1&codigo=35656
http://www2.susep.gov.br/bibliotecaweb/d...
), alterada pela Circular Susep n. 521 (Susep, 2015Superintendence of Private Insurance. Susep Circular Letter n. 521, November 24th 2015. Retrieved from http://www2.susep.gov.br/bibliotecaweb/docOriginal.aspx?tipo=1&codigo=37077
http://www2.susep.gov.br/bibliotecaweb/d...
).

A norma de capital para risco de mercado também tende a influenciar na forma como as empresas fazem gestão de risco de mercado, usualmente com ênfase apenas nos ativos financeiros, passando a incorporar uma visão mais holística de risco, analisando ativos e passivos simultaneamente. Tal fato deve influenciar até mesmo nas estruturas organizacionais das companhias, exigindo maior interação entre as áreas de investimentos e atuarial.

Portanto, dada a relevância do tema objeto desta pesquisa e de suas consequências, observa-se a necessidade de mais pesquisas nessa área.

Para futuros trabalhos, sugere-se aprofundar outras discussões conceituais, como, por exemplo:

O horizonte de tempo de solvência é diferente por tipo de risco; portanto, qual o conceito da visão agregada para o capital regulatório?

Existe sobreposição do risco de taxa de juros entre o modelo de capital de risco de mercado e o de risco de subscrição para as EAPCs?

Quando será regulamentado o modelo interno?

Além disso, recomenda-se que estudos futuros explorem outro tema que tangencia essa pesquisa, relativo à mensuração do passivo decomposto em “current estimates” e “margin over the current estimates” (MOCE).

REFERENCES

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    27 Maio 2016
  • Aceito
    30 Maio 2017
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