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Finanças comportamentais e jogos: simulações no ambiente acadêmico

RESUMO

A contribuição deste estudo está na reflexão a respeito dos fatores que influenciam o mercado, que exige uma visão multidisciplinar para análise dos fatores intervenientes que impactam nos resultados do sistema financeiro; na reflexão da necessidade de novas abordagens para formação e treinamento dos profissionais que irão atuar na área de finanças e correlatas, preparando-os com diferentes técnicas de análise financeira; nas reflexões a respeito de que as práticas de análise recebem a influência de aspectos sociais, cognitivos e emocionais, possibilitando aos alunos o preparo mais adequado para atuação no mercado financeiro; na apresentação de variadas possibilidades técnicas, oportunizando um conhecimento mais abrangente para escolha da que melhor se adeque ao objeto de análise e às suas preferências; nas reflexões a respeito de modos diferentes de percepção sobre oportunidades de investimento e risco, o que poderá ser aprofundado em outros estudos sobre a segmentação de clientes de acordo com suas preferências no mercado investidor. O objetivo deste estudo foi analisar de que maneira os aspectos sociais e psicológicos influenciaram nas decisões de operações simuladas de trading. A relevância está na discussão do posicionamento filosófico e epistemológico em finanças, que se empobrece com a visão focada apenas na racionalidade dos meios e não explica as anomalias verificadas no mercado financeiro. O estudo originou-se da aplicação de um jogo de empresa na simulação do trabalho de operadores em mesa de operações financeiras, na disciplina de Operações em Mercado de Ações, com a utilização das análises fundamentalista, técnica e gráfica. A população foi intencional e constituiu-se de alunos de graduação e pós-graduação de uma das quatro melhores universidades federais brasileiras. A análise dos dados foi realizada por meio da análise de conteúdo dos questionários aplicados e das anotações do diário durante a observação participante.

Palavras-chave:
finanças comportamentais; jogos de empresas; emoções

ABSTRACT

The contribution from this study lies in its reflection on the factors that influence market efficiency, which requires a multidisciplinary view to analyze the intervening factors that impact results of the financial system. It also contributes by reflecting on the need for new approaches for training professionals who will go on to work in financial and related areas and preparing them by using different financial analysis techniques; by reflecting on the fact that analytical practices are influenced by social, cognitive, and emotional aspects, enabling the students to be better prepared to act in the financial market; by presenting various technical possibilities and providing more comprehensive knowledge to choose the one that best suits the object of analysis and their preferences; and by reflecting on different ways of perceiving investment opportunities and risk, which can be expanded on in other studies on the segmentation of clients according to their preferences in the investor market. The aim of this study was to analyze how social and psychological aspects influenced the decisions involved in simulated trading operations. The relevance lies in its discussion of the philosophical and epistemological position in finance, which suffers from a vision that only focuses on the rationality of means and does not explain the anomalies verified in the financial market. The study originated from the application of a company game simulating the work of stock market trading desk operators, applied in the Stock Market Operations course and using fundamental, technical, and graphical techniques. The population was intentional and made up of undergraduate and graduate students from one of the four best Brazilian federal universities. The data analysis was performed by analyzing the content of the questionnaires applied and the journal entries made during participant observation.

Keywords:
behavioral finance; business games; emotions

1. INTRODUÇÃO

Como ensinar finanças, mais particularmente mercado de ações, de modo que possibilite ao aluno refletir que as decisões podem ser a soma de diversas variáveis, desde as consideradas racionais até aquelas vistas como não racionais? A ideia inicial deste artigo começa a ser construída quando da concepção de uma disciplina para graduação e pós-graduação em Administração que respondesse a tal questionamento.

Fazer o aluno refletir a partir de uma disciplina que simulava a situação de uma mesa de operações do mercado de ações na Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros de São Paulo (BM&FBOVESPA) e observar que as decisões, mesmo as financeiras, estão em um continuum entre o racional e não racional (Foucault, 1994Foucault, M. (1994). Omnes et singulatim: vers une critique de la raison politique. In M. Foucault, Dits et écrits. 1980-1988 (Vol. IV). Paris: Gallimard.; Machado, 2006Machado, R. (2006). Foucault, a ciência e o saber. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.) eram os objetivos do professor e de seu grupo de pesquisa; decisões que apresentam aspectos sociais e psicológicos (Simon, 1979Simon, H. A. (1979). Rational decision making in business organizations. American Economic Review, 69(4), 493-513. ) e que influenciarão as ações nas operações financeiras de renda variável.

Assim, usando da aplicação de análises fundamentalista, técnica e gráfica (Comissão de Valores Mobiliários [CVM], 2014Comissão de Valores Mobiliários. (2014). Mercado de valores mobiliários brasileiro (3a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: CVM. ), e com base no programa TOP de Treinamento de Professores, para avaliação de negociações de compra e venda de ações de empresas que têm capital aberto na BM&FBOVESPA e que fazem parte do Índice Bovespa (Ibovespa), elaborou-se a disciplina base de reflexão deste artigo.

Teoricamente, a disciplina tinha por base os trabalhos de Fershtman e Segal (2016Fershtman, C., & Segal, U. (2016). Preferences and social influence [Discussion Paper]. e Pinhas Sapir Center for Development, Tel Aviv University. Retrieved from https://sapir.tau.ac.il/sites/economy.tau.ac.il/files/media_server/Economics/Sapir/papers/חיים%20פרשטמן%207-16_מוכן.pdf
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), Hoff e Stiglitz (2015Hoff, K., & Stiglitz, J. E. (2015). Theory of the social determination of behavior [Working Paper]. National Bureau of Economic Research. Retrieved from http://www.nber.org/papers/w21823.
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), Tamborini (2016Tamborini, R. (2016). The 'obscure puzzle' of management control. Any remedy? [Working Paper]. Università Degli Studi Di Trento. Retrieved from https://ssrn.com/abstract=2733306.
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) e, em leitura dirigida, propôs-se aos alunos a reflexão sobre as preferências e cognição dos indivíduos, no caso específico, investidores. Para esses autores, os sujeitos são influenciados pelos (i) contextos sociais para os quais se tornam expostos e, especialmente, acostumados e (ii) modelos mentais, incluindo categorias mentais e culturais, identidades, narrativas e visões de mundo que usam para processar a informação. Segundo os autores, esses fatores moldam o comportamento individual por meio da determinação endógena de ambas as preferências e das lentes mediante as quais os indivíduos veem o mundo de acordo com sua percepção, categorização e interpretação de situações.

Cabia aos alunos pensar nessas categorias, principalmente em relação aos contextos sociais base da socialização dos sujeitos (investidores) e de seus modelos mentais. Assim, competia aos alunos questionarem-se sobre de onde vêm os investidores - Classe social? Grupos sociais de convívio? Onde estudou? O que conhece do mercado de ações? -, uma vez que, para Hoff e Stiglitz (2015Hoff, K., & Stiglitz, J. E. (2015). Theory of the social determination of behavior [Working Paper]. National Bureau of Economic Research. Retrieved from http://www.nber.org/papers/w21823.
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), as escolhas têm como base os modelos mentais que evidenciam as características de cada indivíduo, que dependem da cultura, de identidades, da percepção e da história às quais os indivíduos estão submetidos e que absorvem a partir da experiência. Os alunos precisavam estar cientes dessas interações sociais que, segundo Fershtman e Segal (2016Fershtman, C., & Segal, U. (2016). Preferences and social influence [Discussion Paper]. e Pinhas Sapir Center for Development, Tel Aviv University. Retrieved from https://sapir.tau.ac.il/sites/economy.tau.ac.il/files/media_server/Economics/Sapir/papers/חיים%20פרשטמן%207-16_מוכן.pdf
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), ajustam-se às preferências individuais ao longo do tempo. Além disso, os autores afirmam que, na história dos sujeitos, de suas interações sociais, a tomada de decisões estaria ancorada, e é essa história que os alunos também precisariam conhecer.

No seminário ministrado pelo professor sobre Kahneman e Tversky (1979Kahneman, D., & Tversky, A. (1979). Prospect theory: An analysis of decision under risk. Econometrica: Journal of the Econometric Society, 47(2), 263-291.) e de sua Teoria do Prospecto, os alunos puderam observar alguns aspectos cognitivos decorrentes das heurísticas nos processos decisórios. A tomada de decisão estaria limitada ao tempo que se tem para a ação de decidir, ao processamento dessas informações e para a regulação dos mecanismos de controle das emoções; portanto, não é apenas racional. Os indivíduos utilizariam atalhos mentais construídos em seu processo de socialização e estariam sujeitos a vieses em função das ilusões cognitivas construídas (Kahneman e Tversky, 1979Kahneman, D., & Tversky, A. (1979). Prospect theory: An analysis of decision under risk. Econometrica: Journal of the Econometric Society, 47(2), 263-291.; Rogers, Securato e Ribeiro, 2007Rogers, P., Securato, J. R., & Ribeiro, K. C. S. (2007). Finanças comportamentais no Brasil: um estudo comparativo. Revista de Economia e Administração, 6(1), 49-68.), por sua vez, em função desses fatores cognitivos e emocionais que ocorrem em um contexto social. Partiu-se do pressuposto que as falhas cognitivas ocorreriam tal qual os achados de Kahneman e Tversky (1979)Kahneman, D., & Tversky, A. (1979). Prospect theory: An analysis of decision under risk. Econometrica: Journal of the Econometric Society, 47(2), 263-291. e buscou-se entender a experiência dos alunos num contexto social e na perspectiva pessoal, quando foram provocados a expressarem-se por meio de metáforas, revelando o simbolismo de suas experiências.

Outro aspecto relevante que se precisava evidenciar aos alunos para melhor análise de decisões era o tempo de exposição à atividade de trabalho, como mostrou o estudo de Dal Ross, Nora e Milani (2015Dal Ross, G., Nora, B. D., & Milani, B. (2015). Aversão ao risco em profissionais do setor financeiro. Revista de Administração da Universidade Federal de Santa Maria, 8 (número especial) 104-118.), que analisaram a aversão ao risco de profissionais do setor financeiro, concluindo que essa aversão aumenta conforme o tempo de atividade profissional e o número de dependentes. Profissionais mais experientes tendem a se tornar mais avessos ao risco pela necessidade de mais estabilidade profissional em decorrência das responsabilidades com a família.

No escopo da disciplina estão as ideias de Zanalda (2015Zanalda, G. (2015). Financial crises, history of. In J. D. Wright (Ed.), International encyclopedia of the social and behavioral sciences (2nd ed., pp. 183-190). Amterdam: Elsevier.), que reforçam as conclusões de Minsky (1986Minsky, H. P. (1986). Stabilizing an unstable economy. New Haven, CT: Yale University Press. ) sobre os sistemas (em geral) serem frágeis e cíclicos. Nesse sentido, trabalhar com os alunos essa fragilidade pelos jogos deu a eles a oportunidade de pensar que o investidor é também um produto social inserido nos movimentos do sistema capitalista, que esse movimento é cíclico, e que no ano em que a disciplina foi ministrada, o sistema estava em crise. Nesse sentido, o de crise, conforme Fershtman e Segal (2016Fershtman, C., & Segal, U. (2016). Preferences and social influence [Discussion Paper]. e Pinhas Sapir Center for Development, Tel Aviv University. Retrieved from https://sapir.tau.ac.il/sites/economy.tau.ac.il/files/media_server/Economics/Sapir/papers/חיים%20פרשטמן%207-16_מוכן.pdf
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), os seres humanos têm preferências fixas e adotam uma estrutura na qual as mudanças de preferência dependem da interação social e da influência social. Assim, em um período de crise, a interação social tornar-se-ia importante para que o sistema voltasse a ter legitimidade (Berger e Luckman, 1978Berger, P. L., & Luckmann, T. (1978). Construção social da realidade. Petrópolis, RJ: Vozes.) e, para o mercado de ações, para que os investidores voltassem a fazer aplicações.

Empiricamente, como já dito, realizou-se o estudo em uma faculdade de Administração pública, tendo como base os jogos de empresas, com o objetivo de construção do conhecimento com base na experiência simulada de operações financeiras em bolsa de valores.

Constatou-se que os jogos de empresa em ambiente acadêmico podem contribuir para a aprendizagem de conteúdo teórico, desenvolvimento de habilidades para negociar, competências para investir, senso crítico e domínio das emoções. Essa experiência continuada pode preparar os alunos emocionalmente e cognitivamente para atuação em situações reais.

No decorrer da disciplina, os alunos que efetivamente participaram puderam perceber a importância de se estudar os comportamentos dos investidores, pois, na busca pelo entendimento dos comportamentos, podem-se monitorar e diminuir as anomalias verificadas no mercado financeiro que têm impacto direto na eficiência desse mercado. Buscando trabalhar esses comportamentos com os alunos, a disciplina pôde contribuir para o entendimento sobre as racionalidades e não racionalidades desses comportamentos, assim como das pessoas frente ao visível e não dito (Foucault, 1996Foucault, M. (1996). Ordem do discurso (A) (Vol. 1). São Paulo: Edições Loyola.) do mercado financeiro.

Este artigo está dividido em cinco partes: Introdução, Referencial Teórico, na qual são trazidos os temas de Finanças Comportamentais, Teoria de Decisão e Teoria de Jogos, Metodologia, Resultados e Discussão e, finalizando, a Conclusão.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

A ideia defendida por Fisher (1993)Fisher, I. (1933). The debt-deflation theory of great depressions. Econometrica 1(4), 337-357., Keynes (1936Keynes, J. M. (1936). The general theory of employment, interest, and money. New York: Harcourt Brace.), Minsky (1986Minsky, H. P. (1986). Stabilizing an unstable economy. New Haven, CT: Yale University Press. ), Schumpeter (1934Schumpeter, J. A. (1934). Theory of economic development. Cambridge, MA: Harvard University Press. ) e Zanalda (2015Zanalda, G. (2015). Financial crises, history of. In J. D. Wright (Ed.), International encyclopedia of the social and behavioral sciences (2nd ed., pp. 183-190). Amterdam: Elsevier.) é de que as crises são intrínsecas ao ciclo financeiro e dele fazem parte. Na primeira etapa de um ciclo financeiro, a política monetária frouxa contribui para expandir o crédito e aumentar os preços dos ativos. O excesso de otimismo faz aumentar os preços dos ativos, que continuará a ponto de se tornar uma bolha, quando o nível de preço para essa categoria ativo específico não é justificado por fundamentos subjacentes. A bolha estoura, eventualmente, e será seguida por um rápido declínio nos preços dos ativos; no caso de grandes mercados de ativos, como imóveis, seguir-se-á uma recessão.

Zanalda (2015Zanalda, G. (2015). Financial crises, history of. In J. D. Wright (Ed.), International encyclopedia of the social and behavioral sciences (2nd ed., pp. 183-190). Amterdam: Elsevier.) aponta que os reveses da economia mundial têm provocado forte impacto nas bolsas de valores e afetado a vida de milhões de investidores. Esses reveses, tais como as crises financeiras, impactam o comportamento dos investidores, ora afastando-os, ora aproximando-os do mercado financeiro. Kindleberger e Aliber (2011Kindleberger, C. P., & Aliber, R. Z. (2011). Manias, panics, and crashes: a history of financial crises. Basingstoke: Palgrave Macmillan. ) estudaram as crises do século XVII em diante e suas conclusões vão ao encontro desses teóricos, ao mostrar que o comportamento irracional do investidor, a má gestão política, a assimetria de informações e a falta de confiabilidade nos sistemas de crédito têm contribuído para a ocorrência de crises financeiras. Dünhaupt, Betzelt, Evans e Herr (2016Dünhaupt, P., Betzelt, S., Evans, T., & Herr, E. H. H. (2016). Financialization and the crises of capitalism . [Working Paper] Berlin School of Economics and Law, Institute for International Political Economy. Retrieved from http://www.ipe-berlin.org/fileadmin/downloads/Papers_and_Presentations/IPE_WP_67.pdf.
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) concordam com a teoria de Minsk (1986)Minsky, H. P. (1986). Stabilizing an unstable economy. New Haven, CT: Yale University Press. sobre os ciclos das crises, mas acrescentam o papel decisivo da política na crise subprime de 2008. Para esses autores, a política de estagnação da economia, o arrocho salarial e a concentração de riqueza na mão de poucos desestabilizam a economia e geram as crises financeiras.

Tanto Minsky (1986Minsky, H. P. (1986). Stabilizing an unstable economy. New Haven, CT: Yale University Press. ) como Kindleberger e Aliber (2011Kindleberger, C. P., & Aliber, R. Z. (2011). Manias, panics, and crashes: a history of financial crises. Basingstoke: Palgrave Macmillan. ) destacam que existem cinco fases do ciclo financeiro: (1) Fase do deslocamento, quando surgem as novas tecnologias, as inovações financeiras, novos mercados ou novas políticas de criar oportunidades de investimento extraordinariamente rentável num setor relevante da economia ou em um determinado país ou grupo de países. (2) Fase do overtrading ou euforia, expectativa de lucro que leva ao aumento do preço dos ativos; (3) Fase da mania ou bolha, quando da entrada dos investidores inexperientes no mercado, que passam a operar assumindo dívidas; (4) Fase da aflição, quando esses investidores percebem que os altos preços dos bens não são confirmados pelos fundamentos econômicos e começam a vender seus ativos; (5) Fase da repulsa, quando os preços dos ativos caem e os investidores despejam seus ativos no mercado e saem também de todos os outros mercados de ativos similares. A partir da crise financeira de 2008, as ideias de Minsk ganharam destaque pela atualidade de suas projeções.

Para Pompian (2006Pompian, M. M. (2006). Behavioral finance and wealth management. How to build optimal portfolios that account for investor biases. Hoboken, NJ: Wiley Finance.), corroborado por Prosad, Kapoor e Sengupta (2015Prosad, J. M., Kapoor, S., & Sengupta, J. (2015). Theory of behavioral finance. In Z. Copur (Ed.), Handbook of research on behavioral finance and investment strategies: decision making in the financial industry (pp. 1-24). Hershey, PA: Business Science Reference.), as finanças comportamentais supõem dois importantes aspectos para o estudo nesse campo: investidores individuais e todo o mercado financeiro, ficando esse campo de estudo entre macro e micro behavioral finance. De acordo com os autores, a dimensão macro ocupa-se de descrever as anomalias da hipótese de mercado eficiente, que pode ser explicada pelos modelos de comportamento, enquanto a dimensão micro behavioural finance analisa os comportamentos e desvios do investidor individual.

A teoria tradicional de finanças considera que a tomada de decisão em finanças é baseada somente em dados e conceitos matematicamente comprovados. Esse construto, considerado o pilar principal da teoria de decisão, não pode mais explicar as atuais condições do mercado financeiro. “As condições ideais de negociação onde todas as informações estão incorporadas nos preços é uma condição utópica comprovada pela ineficiência dos mercados” (Prosad et al., 2015Prosad, J. M., Kapoor, S., & Sengupta, J. (2015). Theory of behavioral finance. In Z. Copur (Ed.), Handbook of research on behavioral finance and investment strategies: decision making in the financial industry (pp. 1-24). Hershey, PA: Business Science Reference., p. 2). A presença de anomalias no mercado financeiro, como as bolhas, sobrerreação e sub-reação, comprova que a tomada de decisão envolve mais do que agentes agindo baseados em dados matemáticos e racionais. Entender os fatores que afetam o julgamento humano é importante para que se possa entender as anomalias do mercado e evitá-las.

A escolha dos tipos de análise das operações financeiras no mercado financeiro tem sido objeto de estudo e pesquisas, como as desenvolvidas por Park e Irwin (2007Park, C.-H., & Irwin, S. H. (2007). What do we know about the profitability of technical analysis?. Journal of Economic Surveys. 21, 728-826. Retrieved from http://doi.org/10.1111/j.1467-6419.2007.00519.x
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) e Po-Hsuan e Chung-Ming (2005Po-Hsuan, H., & Chung-Ming, K. (2005, October). Reexamining the profitability of technical analysis with data snooping checks, Journal of Financial Econometrics, 3(4), 606-628. Retrieved from http://doi.org/10.1093/jjfinec/nbi026
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), que discutem sobre a aplicabilidade e a eficiência das análises técnicas e os mercados em que obtêm melhores resultados. Dentre 95 estudos (1988-2004), em 56 encontraram-se resultados positivos em relação à aplicação de estratégias e técnicas de negociação. Vinte estudos obtiveram resultados negativos e 19 indicaram resultados mistos. Estudos modernos também indicam que as regras técnicas de negociação renderam lucros econômicos nos mercados de ações dos Estados Unidos da América até o final da década de 1980, mas não depois disso. Nos mercados de câmbio, as regras técnicas de negociação eram rentáveis ​​pelo menos até o início dos anos 1990. As técnicas de negociação aplicadas aos mercados de futuros foram lucrativas até meados da década de 1980 (Park & Irwin, 2007Park, C.-H., & Irwin, S. H. (2007). What do we know about the profitability of technical analysis?. Journal of Economic Surveys. 21, 728-826. Retrieved from http://doi.org/10.1111/j.1467-6419.2007.00519.x
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).

A escolha das técnicas de análise, além de estar fundamentada numa preferência, precisa estar baseada nas evidências dos seus resultados nos mercados que se pretende atuar, uma vez que as evidências demonstram que o nível de maturidade do mercado pode influenciar em sua eficiência: mercados mais jovens são mais eficientes, conforme os resultados da pesquisa de Park e Irwin (2007Park, C.-H., & Irwin, S. H. (2007). What do we know about the profitability of technical analysis?. Journal of Economic Surveys. 21, 728-826. Retrieved from http://doi.org/10.1111/j.1467-6419.2007.00519.x
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). Apesar de suas limitações, os modelos econômicos financeiros podem desempenhar um útil papel heurístico representando a ignorância do analista financeiro (Ehret, 2014Ehret, M. (2014). Financial socialism: the role of financial economics in economic disorganization. Journal of Business Research, 67(1), 2686-2692.). Daí a importância de oportunizar, na formação de futuros atores do mercado financeiro, o ensino de diferentes técnicas e a experiência de múltiplas análises concomitantes para alcançar maior acurácia nas análises.

Na área das ciências econômicas, a teoria dos jogos é fundamental na medida em que procura encontrar estratégias racionais em situações em que o resultado depende não só da estratégia própria de um agente e das condições de mercado, mas também das estratégias escolhidas por outros agentes que possivelmente têm estratégias diferentes e objetivos comuns (Constantino, Costa, Mendes, Silva & Garrute, 2016Constantino, M., Costa, R. B., Mendes, D. R. F., Silva, E. B., & Garrute, M. M. (2016). Cooperar ou não cooperar? Uma análise à luz da Teoria dos Jogos. Desafio Online, 4(1), 135-145.). A investigação e a apresentação da tomada de decisão comportamental dos investidores são de grande importância para a compreensão dos aspectos não racionais de indivíduos e podem levar ao estabelecimento de critérios e fatores que minimizam as distorções nos padrões de avaliação e à propensão em investimento em ações (Ávila, Oliveira, Avila & Malaquias, 2016Ávila, L. A. C., Oliveira, A. S., Avila, J. R. M. S., & Malaquias, R. F. (2016). Behavioral biases in investors' decision: studies review from 2006-2015. Revista de Gestão, Finanças e Contabilidade, 6(2), 112-131.).

As pesquisas de Baker e Ricciardi (2014Baker, H. K., & Ricciardi, V. (2014, February/March). How biases affect investor behaviour. The European Financial Review, 1-10. Retrieved from http://ssrn.com/abstract=2457425
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) e Fenton-O'Creavy, Soane, Nicholson e Willman (2011)Fenton-O’Creevy, M., Soane, E., Nicholson, N., & Willman, P. (2011). Thinking, feeling and deciding: the influence of emotions on the decision making and performance of traders. Journal of Organizational Behavior, 32(8), 1044-1061. apresentam resultados que indicam que a emoção do investidor é um fator crítico na tomada de decisão de investimento. Fenton-O'Creavy et al. (2011)Fenton-O’Creevy, M., Soane, E., Nicholson, N., & Willman, P. (2011). Thinking, feeling and deciding: the influence of emotions on the decision making and performance of traders. Journal of Organizational Behavior, 32(8), 1044-1061. realizaram um estudo com uma amostra de investidores de Londres, em bancos de investimento, e observaram que uma regulação eficaz das emoções parece um fator crítico de sucesso nas decisões de investimento e de negociações. As estratégias para conter sentimentos, adotadas por especialistas e negociadores de alto desempenho, foram qualitativamente melhores que as adotadas por funcionários com menos experiência. Na verdade, os agentes do primeiro tipo são mais inclinados a acompanhar as impressões de autogestão e mudança cognitiva e podem também ser capazes de lidar com sentimentos negativos de forma que lhes permita manter a objetividade e perseguir objetivos de longo prazo. Baker e Ricciardi (2014)Baker, H. K., & Ricciardi, V. (2014, February/March). How biases affect investor behaviour. The European Financial Review, 1-10. Retrieved from http://ssrn.com/abstract=2457425
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confirmam esses achados, afirmando que investidores experientes e maduros sabem que o sucesso depende de controlar as emoções e superar preconceitos. Isso os ajuda a evitar erros típicos de novos investidores, relacionados ao excesso de confiança.

O trabalho de Dal Ross et al. (2015Dal Ross, G., Nora, B. D., & Milani, B. (2015). Aversão ao risco em profissionais do setor financeiro. Revista de Administração da Universidade Federal de Santa Maria, 8 (número especial) 104-118.) teve como objetivo analisar a aversão ao risco de profissionais do setor financeiro e os resultados mais relevantes indicam que a aversão ao risco aumenta conforme o tempo de atividade profissional e o número de dependentes. Perceberam, também, que os respondentes do sexo feminino são ligeiramente menos propensos ao risco do que os do sexo masculino. Para Augusto e Freire (2014Augusto, M., & Freire, S. (2014). Atributos do investidor e tolerância face ao risco: a perspectiva dos pequenos investidores. REGE - Revista de Gestão, 21(1), 103-120. Retrieved from http://dx.doi.org/10.5700/issn.2177-8736.rege.2014.99921.
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), a renda mensal influencia no nível de risco em que se está disposto a incorrer. Seus estudos confirmam que há relação positiva entre o nível de renda de um indivíduo e sua tolerância face ao risco, tendo até mesmo um efeito amortecedor entre o investidor e as potenciais perdas resultantes desse investimento.

Albaity e Rahman (2012Albaity, M., & Rahman, M. (2012). Behavioural finance and Malaysian culture. International Business Research, 5(11), 65-76.), Booth e Nolen (2012Booth, A. L., & Nolen, P. J. (2012). Gender differences in risk behaviour: does nurture matter? Economic Journal, 122(558), F56-F78. ) e Speelman, Clark-Murphy e Gerrans (2013Speelman, C. P., Clark Murphy, M., & Gerrans, P. (2013). Decision making clusters in retirement savings: gender differences dominate. Journal of Family and Economic Issues, 34(3), 329-339. ) apresentam como forte a relação entre gênero e risco, pois o gênero feminino demonstrou ter menos tolerância ao risco e, portanto, busca opções de investimentos com baixo risco. Hibbert, Lawrence e Prakash (2013Hibbert, A. M., Lawrence, E. R., & Prakash, A. J. (2013). Does knowledge of finance mitigate the gender difference in financial risk-aversion? Global Finance Journal, 24(2), 140-152. ) apontam as mesmas conclusões e acrescentam a influência da educação financeira para a maior tolerância ao risco para o gênero feminino.

A presença de idiossincrasias humanas que englobam os aspectos individuais e sociais impacta na tomada de decisão e pode liderar sobre outras abordagens, como os clássicos modelos de racionalidade. Abordagens pós-modernas têm trazido considerações a respeito do papel e da influência de aspectos psicológicos e têm chamado a atenção dos pesquisadores quanto aos aspectos não racionais na tomada de decisão (Ciot, 2013Ciot, M. G. (2013). Idiosyncrasies in the foreign policy decision-making (II): emotional (affective) idiosyncrasies. Studia Europaea, 58(4), 125-144. Retrieved from http://studia.ubbcluj.ro/download/pdf/826.pdf
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).

Para Loewenstein, Volpp e Asch (2012)Loewenstein, G. G., Volpp, A. K., & Asch, A. D. (2012). Incentives in health: different prescriptions for physicians and patients. Obstetrical & Gynecological Survey, 67(8), 464-465., as pessoas interagem com a perspectiva do risco por duas maneiras: avaliando o risco cognitivamente e reagindo a esses emocionalmente. Dessa forma, a cognição e a emoção se inter-relacionam, pois as avaliações cognitivas geram as emoções e as emoções afetam as avaliações cognitivas (Cardoso, Alvarenga & Oyadomari, 2012Cardoso, R. L., Alvarenga, T. K., & Oyadomari, J. C. T. (2012). Interferência das emoções nas decisões e percepções de risco: um ensaio sobre as pesquisas nas áreas de finanças, contabilidade e gestão. In Conferência Internacional sobre Sistemas de Informação e Gestão de Tecnologia. São Paulo, SP/Brasil: FEA-USP . ).

O ciclo de vida da pessoa pode impactar na tolerância ao risco, conforme estudos de James, Boyle, Yu, Han e Bennett (2015James, B. D., Boyle, P. A., Yu, L., Han, S. D., & Bennett, D. A. (2015). Cognitive decline is associated with risk aversion and temporal discounting in older adults without dementia. PloSONE, 10(4), e0121900.) e Koscielniak, Rydzewska e Sedek (2016Koscielniak, M., Rydzewska, K., & Sedek, G. (2016). Effects of age and initial risk perception on Balloon Analog Risk Task: the mediating role of processing speed and need for cognitive closure. Frontiers in Psychology, 7, 659.), que concluem que quanto mais avançada a idade, menor a tolerância ao risco, assim como fica diminuída a performance para tomada de decisão.

2.1 Fatores que Impactam na Decisão dos Agentes Financeiros

Ávila et al. (2016Ávila, L. A. C., Oliveira, A. S., Avila, J. R. M. S., & Malaquias, R. F. (2016). Behavioral biases in investors' decision: studies review from 2006-2015. Revista de Gestão, Finanças e Contabilidade, 6(2), 112-131.) apontam que a literatura a respeito de finanças comportamentais obteve inúmeras contribuições após Tversky e Khaneman (1974Tversky, A., & Kahneman, D. (1974). Judgment under uncertainty - Heuristics and biases. Science, 185(4157), 1124-1131. ), que vieram corroborar os achados científicos que levam à quebra do paradigma da hipótese de eficiência de mercado e demonstraram que o decisor absorve e reage aos impactos das influências familiares, crenças, emoções, confiança, amizade, sexo, otimismo, astrologia, superstições, estímulos, distância cultural, percepções de risco e perda, entre muitos outros, o que pode levar a avaliações erradas e prejudiciais para os tomadores de decisão.

O artigo Judgment under uncertainty - Heuristics and biases, de Amos Tversky e Daniel Kahneman (1974Tversky, A., & Kahneman, D. (1974). Judgment under uncertainty - Heuristics and biases. Science, 185(4157), 1124-1131. ), aponta que as pessoas apoiam-se em um número limitado de princípios heurísticos, reduzindo a complexidade de avaliar probabilidades e prevendo valores apenas com base no julgamento. As falhas decorrentes da utilização de regras heurísticas foram discriminadas no artigo de Tversky e Kahneman (1974)Tversky, A., & Kahneman, D. (1974). Judgment under uncertainty - Heuristics and biases. Science, 185(4157), 1124-1131. e as falhas causadas pelo emprego de estruturas mentais, descrita no trabalho de Kahneman e Tversky (1979)Kahneman, D., & Tversky, A. (1979). Prospect theory: An analysis of decision under risk. Econometrica: Journal of the Econometric Society, 47(2), 263-291.. Para esses autores e Rogers et al. (2007Rogers, P., Securato, J. R., & Ribeiro, K. C. S. (2007). Finanças comportamentais no Brasil: um estudo comparativo. Revista de Economia e Administração, 6(1), 49-68.), os indivíduos utilizam atalhos mentais e estão sujeitos a vieses em função das seguintes ilusões cognitivas: (i) Efeito certeza - originado da propensão dos investidores a enfatizar as possibilidades com maior probabilidade de ocorrência; (ii) Efeito reflexão/aversão à perda - quando os agentes tendem a ser contrários ao risco diante de duas possibilidades de ganho com a mesma utilidade esperada e tendem a aceitar o risco quando essas possibilidades apresentam-se no domínio das perdas; (iii) Efeito isolamento - ocorre porque, visando a simplificar a decisão, os indivíduos desconsideram parte das características de cada opção de escolha, centralizando sua análise nos componentes que distinguem as opções de escolha.

Os limites à racionalidade decorrem de características tanto do tomador de decisões quanto do ambiente em que esse se encontra, incluindo, assim: limites cognitivos dos indivíduos que têm sempre uma capacidade limitada de coletar, processar e interpretar informações; a complexidade do problema decisório com o qual o agente relevante se defronta, resultante desse atuar em um ambiente cujas relações causais e regularidades são difíceis de serem discernidas; a incerteza em relação a eventos exógenos (Pondé, 2014Pondé, J. L. (2014). Racionalidade, incomensurabilidade e história: aprendendo com um diálogo entre as obras de HA Simon e TS Kuhn [Discussion Paper]. Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Retrieved from http://www.ie.ufrj.br/images/pesquisa/publicacoes/discussao/2014/TD_IE_010_2014_-_Ponde.pdf.
http://www.ie.ufrj.br/images/pesquisa/pu...
).

Kuhn (1983Kuhn, T. S. (1983). Racionalidade e escolha de teorias. In T. Kuhn, O caminho desde a estrutura: ensaios filosóficos (pp. 255-264). São Paulo, SP: Unesp.) e Simon (1979Simon, H. A. (1979). Rational decision making in business organizations. American Economic Review, 69(4), 493-513. ) defendem que os procedimentos racionais de decisão não podem estar dissociados das práticas sociais de que fazem parte, pois envolvem uma ampla diversidade de critérios para avaliação e escolha de alternativas e evoluem, no tempo histórico, a partir de processos evolucionários desencadeados pela interação entre as decisões e seus resultados. Os autores reformulam o conceito de racionalidade, que se caracteriza por ser social, plural e histórica (Pondé, 2014Pondé, J. L. (2014). Racionalidade, incomensurabilidade e história: aprendendo com um diálogo entre as obras de HA Simon e TS Kuhn [Discussion Paper]. Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Retrieved from http://www.ie.ufrj.br/images/pesquisa/publicacoes/discussao/2014/TD_IE_010_2014_-_Ponde.pdf.
http://www.ie.ufrj.br/images/pesquisa/pu...
).

A interferência da emoção é tanto encontrada na percepção como na decisão que envolve risco. A base teórica para a interferência da emoção na percepção é embasada pelo efeito priming e pelo risco como sentimento, e sugere que a emoção positiva impulsiona o decisor a avaliar positivamente uma decisão, visualizando menor risco e maior retorno, enquanto a emoção negativa impulsiona o decisor a avaliar negativamente uma decisão, visualizando maior risco e menor retorno (Cardoso et al., 2012Cardoso, R. L., Alvarenga, T. K., & Oyadomari, J. C. T. (2012). Interferência das emoções nas decisões e percepções de risco: um ensaio sobre as pesquisas nas áreas de finanças, contabilidade e gestão. In Conferência Internacional sobre Sistemas de Informação e Gestão de Tecnologia. São Paulo, SP/Brasil: FEA-USP . ).

2.2 Aprendendo Fora de Modelos?

O aprendizado sobre o comportamento das pessoas é importante para que qualquer aluno de administração e contabilidade possa compreender que os modelos matemáticos são uma simplificação da realidade para melhor compreensão e tomada de decisão. Contudo, as decisões estarão sempre calcadas em multifatores, como os individuais e sociais, conforme os estudos de finanças comportamentais apontam.

Segundo Bellotti, Kapralos, Lee, Moreno-Ger e Berta (2013Bellotti, F., Kapralos, B., Lee, K., Moreno-Ger, P., & Berta, R. (2013). Assessment in and of serious games: an overview. Advances in Human-Computer Interaction, 6(2), 11.) e Tan, Tse e Chung (2010Tan, K. H., Tse, Y. K., & Chung, P. L. (2010). A plug and play pathway approach for operations management games development. Computers & Education, 55(1), 109-117.), a aprendizagem por meio de jogos tem quatro principais objetivos: tornar o conhecimento mais acessível, dar visibilidade ao pensamento, fazer o aprendizado tornar-se divertido e promover a aprendizagem autônoma. Já para Sauaia (2010Sauaia, A. C. A. (2010). Laboratório de gestão: simulador organizacional, jogo de empresas e pesquisa aplicada. Barueri, SP: Manole.), os objetivos dos jogos de empresas, particularmente para graduandos, incluem a imposição de uma visão sistêmica das organizações, a inserção de questões econômicas e o desenvolvimento de pensamentos críticos em tomadas de decisões.

Motta, Quintella e Melo (2012Motta, G. S., Quintella, R. H., & Melo, D. A. (2012). Jogos de empresas como componente curricular: análise de sua aplicação por meio de planos de ensino. Organizações & Sociedade, 19(62), 437-452.) apontam que, no Brasil, duas instituições de ensino superior (IES) têm se despontado no papel de desenvolvedores, usuários e pesquisadores de jogos de empresas: a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em seu curso de pós-graduação stricto sensu em Engenharia da Produção e Sistemas, tem contribuído muito com o desenvolvimento de diversos jogos de empresa (GI-MICRO, GI-EPS, LIDERSIT, LIDER, GS-ENE, GEBAN, GI-LOG, dentre outros); a Universidade de São Paulo (USP), em seus cursos de pós-graduação stricto sensu da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, da qual se originaram as primeiras dissertações brasileiras (Beppu, 1984Beppu, C. I. (1984). Simulação em forma de "jogo de empresas" aplicada ao ensino da contabilidade. (Master’s Dissertation). Universidade de São Paulo, São Paulo. ; Martinelli, 1988Martinelli, D. P. (1988). A utilização dos jogos de empresas no ensino de administração. Revista de Administração da Universidade de São Paulo, 23(3) 24-37.; Sauaia, 1990Sauaia, A. C. A. (1990). Jogos de empresas: tecnologia e aplicação. (Master’s Dissertation). Universidade de São Paulo, São Paulo.; Tanabe, 1973Tanabe, M. (1973). Jogos de empresas. (Master’s Dissertation). Universidade de São Paulo, São Paulo.) e tese (Sauaia, 1995Sauaia, A. C. A. (1995). Satisfação e aprendizagem em jogos de empresas: contribuições para a educação gerencial. (Doctoral Thesis). Universidade de São Paulo, São Paulo.) sobre jogos de empresa.

Neves e Lopes (2008Neves, J. P., & Lopes, P. C. (2008). Jogos de empresas: um estudo da utilização em cursos de graduação em administração no estado de São Paulo. In Anais do 32º Enanpad - Encontro Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração. São Paulo, SP.) e Sauaia (2006Sauaia, A. C. A. (2006). Conhecimento versus desempenho das organizações: um estudo empírico com jogos de empresas. REAd -Revista Eletrônica de Administração , 12(1), 1-17. ) dizem que os principais aspectos favoráveis ao aumento da popularidade e da adoção de jogos de empresas nos cursos de graduação em administração foram: a importância dos jogos na formação profissional do administrador; o elevado interesse dos alunos pela dinâmica dos jogos; a importância da aprendizagem cognitiva proporcionada pelos jogos; a aproximação entre a teoria e a prática; o estímulo ao pensamento sistêmico; o estímulo ao trabalho em equipe; a integração dos conteúdos das diversas disciplinas do curso de administração.

Vergara, Barbosa, Lima, Yamanari e de Andrade Pache (2016Vergara, W. R. H., Barbosa, F. A., Lima, A. V., Yamanari, J. S., & de Andrade Pache, R. (2016). Jogos de empresas: uma proposta para capacitar alunos de engenharia. Gepros - Gestão da Produção, Operações e Sistemas, 11(1), 179.) aplicaram jogos de empresa em uma turma de Engenharia de Produção durante a disciplina e declaram ter alcançado os seguintes benefícios: desenvolvimento de habilidades gerenciais, como negociar, planejar, liderar, organizar, gerir tempo e recursos, administrar finanças, criar estratégias, entre outros; agregação de novos conhecimentos (integração daqueles obtidos no ambiente acadêmico com as práticas empresariais importantes, contato e assimilação de novas informações fornecidas pelo jogo, expandindo, dessa forma, o know-how dos alunos); estímulo à solução rápida de problemas.

Não foram muitos os estudos encontrados e aqui apresentados a respeito dos resultados da aplicação dos jogos em ambiente acadêmico, no entanto, em todos os trabalhos consultados, são relevantes as conclusões apresentadas que corroboram que a estratégia de ensino por meio dos jogos possa ser uma experiência positiva.

3. METODOLOGIA

Realizou-se, aqui, um estudo com as abordagens qualitativa e quantitativa. Os dados quantitativos apurados e o cruzamento desses com a pesquisa de natureza qualitativa podem demonstrar os limites e as contribuições da racionalidade nos procedimentos técnicos e agregar valor aos achados da pesquisa à luz da teoria de finanças comportamentais.

O objetivo didático foi o ensino de técnicas e estudo de cenários para análise de comportamento desenvolvido durante a avaliação de investimentos. Oportunizaram-se, também, reflexões com os alunos sobre o processo de treinamento de operações financeiras que estavam sendo ensinadas. Adotou-se a simulação como didática de ensino, para que os alunos experienciassem realizar operações de compra e venda de ações na BM&FBOVESPA por meio dos softwares Metatrader e TradingView durante as aulas e nas atividades avaliativas, quando teriam que projetar, para o prazo de até um mês, operações de compra e venda com patamares de entrada e saída.

Além dos estudos dos textos e seminário com o professor e seu grupo de pesquisa, propôs-se que os alunos realizassem simulações de investimento em ações da bolsa de valores, de forma sequencial de tomadas de decisões estruturadas em torno dos modelos de análise apresentados, nas quais os participantes encarregar-se-iam da tarefa de comprar e vender ações das empresas com base em dados reais e diários do movimento da BM&FBOVESPA. Semanalmente, os alunos projetavam, para a semana seguinte ou para o mês seguinte, os objetivos de compra e venda. Realizaram-se o trabalho em grupo e duas avaliações com o mesmo objetivo. A pontuação final das atividades avaliativas dependia do acerto ou erro da projeção que realizavam sobre o movimento no mercado financeiro.

A coleta de dados realizou-se pelo período que durou a disciplina, 30 horas de aula. A amostragem foi intencional e composta por duas turmas de alunos, sendo uma de graduação, composta inicialmente por 32 alunos dos cursos de Administração, Controladoria e Finanças, Engenharia de Produção, Estatística e Matemática, e a outra turma, de oito alunos, de pós-graduação, ou seja, mestrado e doutorado dos cursos de Administração, Engenharia de Produção e Metalúrgica e Ciências Atuariais - estudantes do sexo masculino e feminino, com idades entre 18 e 50 anos, em sua maioria de religião católica e com renda familiar superior a seis salários mínimos. Os alunos da Turma 1, de graduação, não consideraram que têm educação financeira e, os da Turma 2, de pós-graduação, assumiram que têm esse conhecimento.

A coleta dados foi realizada por meio da observação participante, da aplicação de um questionário de múltipla escolha, da escala Likert e perguntas abertas e da ferramenta do Google Formulários no último dia de aula e após a avaliação final. Utilizaram-se diários de campo que foram úteis para gravar reações e experiências subjetivas que podem colaborar com a análise dos fenômenos observados (Garcia, Standlee, Bechkoff & Cui, 2009Garcia, A. C., Standlee, A. I., Bechkoff, J., & Cui, Y. (2009). Ethnographic approaches to the internet and computer-mediated communication. Journal of Contemporary Ethnography, 38(1), 52-84. ).

A observação participante segue algumas etapas essenciais, segundo Queiroz, Vall, Souza e Vieira (2007Queiroz, D. T., Vall, J., Souza, A. M. A., & Vieira, N. F. C. (2007). Observação participante na pesquisa qualitativa: conceitos e aplicações na área da saúde. Revista de Enfermagem da UERJ, 15(2), 276-283.). Na primeira, realizou-se a aproximação com o grupo de alunos por meio da apresentação da pesquisadora e do motivo de sua presença em sala de aula para a realização da pesquisa. A pesquisadora sentiu-se aceita pelo grupo e, em alguns momentos, estabeleceu contato nos assuntos que estavam sendo abordados. Na segunda etapa, houve esforço para alcançar uma visão de conjunto da comunidade objeto de estudo. Como exemplo, identificar os papéis assumidos pelos participantes, reações durante as aulas desde o primeiro dia, quando foram estabelecidas as regras do jogo e a proposta da disciplina, até o último dia, no encerramento.

O questionário, valendo pontos, foi aplicado no último dia de aula, quando os alunos realizaram a avaliação final, e constituiu-se em uma projeção com prazo de uma semana para investimento na BM&FBOVESPA. No momento imediatamente após a realização da avaliação, o aluno respondia o formulário sob efeito emocional da decisão. O questionário contém questões com os atributos que tradicionalmente estão associados à tolerância face ao risco, formação, educação financeira, religião e renda própria ou familiar, em linha com o que é encontrado no referencial teórico, dentre outros fatores que influenciam na decisão, como prazo de investimento, motivação por meio de imagem, reconhecimento da intensidade da razão e emoção nas decisões, metáforas para identificar o sentido de suas escolhas e influência da educação financeira para mudança de comportamento após a disciplina.

Algumas perguntas foram elaboradas com base na escala Likert, com cinco opções de respostas, e duas perguntas abertas e não obrigatórias. Introduziu-se, no protocolo aplicado, a avaliação das emoções. As duas tarefas foram aplicadas após a realização de uma simulação de investimento na BM&FBOVESPA para investigar a relação entre como o investidor faz a aplicação, pensa sobre essa questão (racionaliza), e quais emoções mostram-se mais presentes e com mais intensidade, a fim de captar a emoção dos participantes naquele momento específico. O questionário sobre como racionalizar a respeito de sua experiência foi desenvolvido pela própria equipe. Já a análise das emoções foi baseada na escala emocional Positive and Negative Affect Schedule - Expanded Form (PANAS-X).

Essa avaliação foi desenvolvida no formato Likert, no qual o respondente deve selecionar com qual intensidade (um pouco, ligeiramente, moderadamente, muito e extremamente) está sentindo determinada emoção, no momento indicado. Na escala original, consideram-se 60 emoções. No entanto, consideraram-se apenas 46 emoções, desconsiderando aquelas cuja tradução não existe na língua portuguesa, além das emoções que no Brasil têm o mesmo sentido que outras utilizadas anteriormente. As emoções são divididas em duas dimensões gerais: afeto positivo (alegria, autoconfiança e atento) e afeto negativo (medo, culpa, hostilidade e tristeza), além de algumas subdivisões que não se encaixam nos grupos anteriores: timidez, cansaço, serenidade e surpresa.

A análise dos resultados foi realizada por meio de análise qualitativa das observações do pesquisador e apontamento dos diários, além da interpretação dos dados do resultado da estatística descritiva, que é um conjunto de métodos utilizados para apresentação, organização e descrição dos dados com o intuito de facilitar o entendimento e a utilização das informações contidas nos dados levantados (Morettin & Bussab, 2010Morettin, P. A., & Bussab, W. O. (2010). Estatística básica (6a. ed.). São Paulo, SP: Saraiva. ; Silvestre, 2007Silvestre, A. L. (2007). Análise de dados e estatística descritiva. Lisboa: Escolar. ). Aqui também se optou por analisar as metáforas usadas pelos alunos, que foram provocados com a questão: Qual a metáfora que melhor o define como investidor? Segundo Martins (2008Martins, N. S. (2008). Introdução à estilística: a expressividade na língua portuguesa (4a. ed.). São Paulo, SP: Edusp.), a metáfora ocorre na intersecção entre comparante e comparado, isto é, oportuniza entendermos o papel dos alunos que durante os jogos travestiram-se de investidores e como esses se viam como investidores. As metáforas aqui evidenciadas devem ser entendidas como criações influenciadas pela história, pela biografia e por fatores sociais nos quais estão mergulhados os estudantes. Sempre é importante lembrar que a interpretação dessas é uma compreensão coletiva do evento, da organização, da cultura (Kövecses, 2015Kövecses, Z. (2015). Where metaphors come from: reconsidering context in metaphor. Oxford: Oxford University Press.).

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1 Das Regras

As regras foram apresentadas pelo professor no primeiro dia de aula. O objetivo do jogo era o aprendizado de ferramentas para realização de operações de negócios na BM&FBOVESPA. As ferramentas para simulação foram usadas no ambiente World Wide Web com os softwares Metatrader e TradingView num ambiente simulado de operações na bolsa de valores. Também foram apresentadas as ferramentas dos softwares e as situações em que deveriam ser usadas; explicitaram-se as variáveis de decisão baseadas nas análises fundamentalistas, técnica e gráfica; houve interação do objeto simulado, que nesse caso foi o ambiente virtual da BM&FBOVESPA, com os participantes do jogo (alunos); os participantes reuniram-se em grupos, pois haveria momentos de decisões coletivas e outros de decisão individual; o jogo tinha data estipulada para finalização e regras estabelecidas que determinariam os resultados, ou seja, as notas que definiriam a aprovação ou não na disciplina. As notas indicariam os perdedores e ganhadores desse jogo e seriam dadas com base no resultado da estratégia de negociação na BM&FBOVESPA adotada pelo aluno. Os alunos realizaram avaliações em grupo e individuais nas quais lhes foi solicitado que apresentassem, com justificativas, suas estratégias de compra ou venda de ações com patamares de entrada, saída, stop loss e stop gain.

O professor apresentou a proposta do jogo, demonstrando entusiasmo pela experiência inovadora no curso de administração dessa IES. Os alunos receberam com bastante surpresa a proposta e demonstraram estranheza e receio pela avaliação ser feita pelo mercado e sem a interferência do professor no resultado. Percebeu-se que ser avaliado pelo mercado financeiro era ameaçador. Formalmente, distribuíram-se 100 pontos por meio de atividades de grupo e de duas avaliações individuais. Na turma de graduação, a pesquisadora e observadora pôde interagir com os alunos, tal qual uma deles, observando, vivenciando e operando. As emoções percebidas foram de apreensão, expectativa, excitação e medo. Na turma de pós-graduação, a pesquisadora não conviveu com os alunos durante toda a disciplina. No último dia de aula, propôs-se que respondessem ao questionário, tendo havido adesão de 88% dos alunos da Turma 1 e de 100% da Turma 2.

Houve desistência de 50% do total de 32 alunos no decurso da disciplina. Os alunos que restaram, 16, agruparam-se por afinidade para cumprir as atividades de trabalho. Não foram objeto de análise as causas da desistência dos alunos, mas levantaram-se duas possibilidades: a primeira, mais comum no curso de Administração de universidade pública, é que, na matrícula dos alunos, há enorme procura por disciplinas optativas e de interesse geral, mas, depois do começo das aulas, ocorrem as desistências devido ao “rigor” da disciplina, que requer dedicação. A segunda possibilidade pode estar relacionada à aversão à incerteza, ao risco e à perda (Kahneman & Tversky, 1979Kahneman, D., & Tversky, A. (1979). Prospect theory: An analysis of decision under risk. Econometrica: Journal of the Econometric Society, 47(2), 263-291.), pelo resultado das avaliações estarem, também, sob a condição da sorte de não sobrevir eventos que alterem os resultados esperados (Bachelier, 2006Bachelier, L. (2006). Louis Bachelier's Theory of Speculation: the origins of modern finance. Princeton, NJ: Princeton University Press.) e pela falta de conhecimento prévio a respeito de operações financeiras, que não era pré-requisito, mas ajudaria na compreensão, já que a maioria dos alunos desistentes era de cursos fora da área de finanças.

A pressão psicológica para um bom desempenho estava presente, com a manifestação de competição entre os alunos, mas de forma contida. Havia algumas manifestações de insegurança e incerteza quanto às projeções realizadas, medo e grande expectativa pelos resultados. O professor motivou os alunos para que tivessem interações intergrupos, mas essa interação não ocorreu de forma geral, tendo sido vista apenas entre dois grupos de alunos do mesmo curso de graduação que já se conheciam e participavam de forma mais interativa durante as aulas.

Os alunos estavam recebendo em sala de aula as explicações a respeito das análises técnicas das operações, mas o que os levava a decidir e a montar a estratégia de operação passava por um processo que estava além da utilização da técnica aprendida e da habilidade de racionalização, conforme sinalizado por Pondé (2014Pondé, J. L. (2014). Racionalidade, incomensurabilidade e história: aprendendo com um diálogo entre as obras de HA Simon e TS Kuhn [Discussion Paper]. Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Retrieved from http://www.ie.ufrj.br/images/pesquisa/publicacoes/discussao/2014/TD_IE_010_2014_-_Ponde.pdf.
http://www.ie.ufrj.br/images/pesquisa/pu...
). O clima psicológico, no momento da definição das operações, era de contida euforia, para a maioria, e de angústia e incerteza, para alguns. Esses achados do estudo corroboram os de Ávila et al. (2016Ávila, L. A. C., Oliveira, A. S., Avila, J. R. M. S., & Malaquias, R. F. (2016). Behavioral biases in investors' decision: studies review from 2006-2015. Revista de Gestão, Finanças e Contabilidade, 6(2), 112-131.) e Fenton-O’Creavy et al. (2011)Fenton-O’Creevy, M., Soane, E., Nicholson, N., & Willman, P. (2011). Thinking, feeling and deciding: the influence of emotions on the decision making and performance of traders. Journal of Organizational Behavior, 32(8), 1044-1061. quanto à influência das emoções como fator crítico para a tomada de decisão em investimento e da experiência no controle da situação. Os alunos foram motivados a buscar informações em fóruns de investidores, jornais de notícias econômicas ou quaisquer outras fontes de informação que embasassem suas decisões. Observou-se que havia um lapso entre o momento que os alunos já haviam concluído a busca de informações e a decisão final. Esse intervalo pode ser explicado como tempo necessário para o processamento das informações e da consideração de todos os aspectos internos, para somente depois tomar uma decisão, conforme Balestrin (2002Balestrin, A. (2002). Uma análise da contribuição de Herbert Simon para as teorias organizacionais. Revista Eletrônica de Administração, 8(4), 1-17.).

4.2 Das Criações e dos Entendimentos

No estudo do perfil dos alunos que responderam ao questionário, identificou-se um número maior de estudantes do sexo masculino que do sexo feminino nas turmas 1 e 2, com percentuais de 57,1% e 75%, respectivamente, o que pode ser justificado pelo fato de pessoas do gênero masculino terem mais tolerância a riscos do que as do gênero feminino, conforme estudos de Albaity e Rahman (2012Albaity, M., & Rahman, M. (2012). Behavioural finance and Malaysian culture. International Business Research, 5(11), 65-76.) e Speelman et al. (2013Speelman, C. P., Clark Murphy, M., & Gerrans, P. (2013). Decision making clusters in retirement savings: gender differences dominate. Journal of Family and Economic Issues, 34(3), 329-339. ). Para esses autores, as mulheres preferem investimento de longo prazo. A idade dos alunos da Turma 1 variou de 18 a 37 anos, o que também pode ser corroborado pelas pesquisas que apontam que sujeitos mais jovens têm maior tolerância ao risco e aos ambientes de incerteza, conforme James et al. (2015James, B. D., Boyle, P. A., Yu, L., Han, S. D., & Bennett, D. A. (2015). Cognitive decline is associated with risk aversion and temporal discounting in older adults without dementia. PloSONE, 10(4), e0121900.) e Koscielniak et al. (2016Koscielniak, M., Rydzewska, K., & Sedek, G. (2016). Effects of age and initial risk perception on Balloon Analog Risk Task: the mediating role of processing speed and need for cognitive closure. Frontiers in Psychology, 7, 659.). O nível sócio-econômico dos alunos da Turma 1 está na faixa entre 10 e mais de 20 salários mínimos e, da Turma 2, entre seis e 10 salários mínimos, o que pode ser considerado um bom nível salarial, assim os enquadrando no grupo de indivíduos mais tolerantes ao risco, conforme Kuzniak, Rabbani, Heo, Ruiz-Menjivar e Grable (2015Kuzniak, S., Rabbani, A., Heo, W., Ruiz-Menjivar, J., & Grable, J. E. (2015). The Grable and Lytton risk-tolerance scale: a 15-year retrospective. Financial Services Review, 24(2), 177-192. Retrieved from http://go-galegroup.ez27.periodicos.capes.gov.br/ps/i.do?p=AONE&sw=w&u=capes&v=2.1&it=r&id=GALE%7CA418341735&asid=34d4684b1bdc8b36cc9e022a9cd85f32.
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). O resultado das questões sobre religião e educação financeira não permitiu chegar a uma conclusão quanto aos aspectos de maior ou menor tolerância ao risco.

As perguntas do questionário buscavam compreender quais os critérios que os motivava a tomar as decisões, nas dimensões individual, social e emocional, além da orientação quanto ao período de investimento, de longo ou curto prazo.

Tabela 1
Análise qualitativa das respostas ao Questionário 1

Quanto ao aspecto individual, os respondentes da Turma 1, em sua maioria, declararam que investiriam ou investem em renda variável por almejar sucesso financeiro, acúmulo de riqueza e ascensão profissional. Esse resultado foi confirmado pelas imagens escolhidas pela maioria dos respondentes quanto às expectativas ao investir. A maioria escolheu a imagem projetada de um homem subindo degraus de uma escada, sendo que dois respondentes interpretaram a figura como: “Caminhando para o futuro” e “De degrau a degrau chegamos lá”. No aspecto social, buscam reconhecimento social e admitem a influência de amigos e do contexto político e econômico. Suas decisões de investimentos passam pelos critérios do conhecimento sobre finanças e seguem os fundamentos financeiros, realizam análise técnica, estudam o desempenho das ações previamente, analisam o balanço da empresa e sua credibilidade no mercado financeiro.

Na Turma 1, de graduação, 78,60% dos alunos admitiram basear suas decisões nos fundamentos financeiros. Ser reconhecido como investidor dividiu o percentual em 50% para os que isso almejaram e 50% para os que não identificaram nisso uma prioridade; 71,4% assumiram que investiriam na bolsa por iniciativa própria; 93% desejariam tornar-se ricos investindo na bolsa de valores; 63% relacionaram investir na bolsa como jogar um jogo; 57,2% admitiram fazer análise do ambiente político antes de decidir; 72% realizaram previamente a análise do mercado financeiro; 64,3% declararam não utilizar a indicação dos fóruns de investidores; 71,4% fizeram análise técnica; 71,4% decidiram com base no desempenho das ações; 64% analisaram o balanço da empresa; 71% analisaram a credibilidade da empresa; 50% decidiram segundo indicação de amigos, o que evidencia a utilização de várias técnicas ou formas de análise; 50% preferiram investir em curto prazo; 68% realizaram investimento de longo prazo; 50% tinham expectativas quanto a obter sucesso e ascensão como investidores; 92,9% admitiram que a razão e a emoção estão presentes no momento da decisão, mas que a razão supera a emoção.

Os alunos foram provocados, no questionário, a responder qual metáfora melhor os definia como investidor. A análise das metáforas utilizadas pelos alunos da Turma 1 demonstrou que os alunos sentem receio em se arriscar e preferem a cautela para trabalhar com decisões de investimento em bolsa de valores. Existe a curiosidade e a busca de oportunidade de investimento, mas também estava presente, em menor frequência, o medo de perder a segurança pessoal. Tais resultados podem ser explicados pela condução do professor durante as aulas, já que esse enfatizou, durante as aulas, que a estratégia de investimento pode diminuir o risco, mas que a cautela precisava estar aliada às atividades de investimento. Pode-se, também, levantar a possibilidade de a cautela mencionada pelos alunos fazer parte do aprendizado do conteúdo da disciplina.

Tabela 2
Análise das metáforas da Turma 1

A Turma 1, de graduação, não respondeu à última pergunta sobre a avaliação da disciplina quanto ao seu aprendizado.

Os resultados da Turma 2 divergiram pouco dos resultados da Turma 1 e revelaram diferenças quanto a acumular riqueza ao investir na bolsa de valores, que obteve resultado equilibrado - seguir indicação de amigos -, o que pode ser explicado pelo fato de metade dos respondentes ter mais conhecimentos da área financeira e estar na faixa etária entre 26 a 49 anos. Quanto ao período do investimento, obteve-se resultado equilibrado quanto ao prazo longo ou curto, o que pode demonstrar que os respondentes possam optar pelas duas formas de investimento e significar uma estratégia para diminuição do risco. A maioria dos alunos escolheu a imagem de um homem subindo os degraus de uma escada, sendo que dois respondentes interpretaram a figura como: “Trilhando uma operação bem-sucedida” e “Vitorioso em relação ao que eu poderia ser”.

Tabela 3
Análise qualitativa das respostas ao Questionário 2

Os resultados revelaram que, na Turma 2, de pós-graduação, 62,5% dos alunos admitiram basear suas decisões nos fundamentos financeiros; 62,5% desejariam ser reconhecidos como investidor; 75% assumiram que investiriam na bolsa por iniciativa própria; 50% desejariam tornar-se ricos investindo na bolsa de valores e outros 50% não declaram isso; 62,5% relacionaram investir na bolsa como um jogo; mais de 50% admitiram fazer uma análise do ambiente político antes de decidir; 87% realizaram previamente uma análise do mercado financeiro; 62,5% declararam não utilizar a indicação dos fóruns de investidores; 62% fizeram análise técnica; 75% decidiram com base no desempenho das ações. A análise de balanço para investir dividiu as opiniões e tornaram o resultado inconclusivo: 75% analisaram a credibilidade da empresa; 74% não decidiram por indicação de amigos. Salientam-se, nesses resultados, as evidências de que os alunos utilizam diferentes tipos de análise das operações. Quanto ao prazo do investimento, as respostas não revelaram preferência por uma ou outra opção, que receberam respostas percentuais equilibradas. A maioria demonstrou expectativas quanto a obter sucesso e ascensão como investidores; 87% admitiram que a razão e a emoção estão presentes no momento da decisão, mas que a razão supera a emoção.

Na análise das metáforas utilizadas pela Turma 2, pode-se identificar que os conteúdos projetados pelos alunos também foram os de cautela, o que pode estar relacionado à compreensão de ensinamentos passados pelo professor sobre os cuidados para minimização dos riscos. Além disso, também se podem identificar a busca de oportunidades, a necessidade de se ter persistência para atingir os objetivos e a percepção do risco como perigo, conforme pode ser visto na Tabela 4.

Tabela 4
Análise das metáforas da Turma 2

Dois alunos, um de cada turma, mencionaram como metáforas: “Um peixe fora d'água” e “Perdido numa selva cheia de cobras e leões que querem estraçalhar seu coração”; parecem não se sentirem confortáveis nesse ambiente de decisão por não terem as habilidades desenvolvidas para lidar com todas as variáveis que podem influenciá-los direta ou indiretamente no momento de decidir. Essa sensação de desconforto é percebida também nas emoções desses participantes logo após a avaliação final, observada por meio das respostas marcadas na escala PANAS-X. Esses participantes tiveram uma intensidade maior nos afetos negativos quando comparados com o resultado geral. As emoções medo e receio sobressaíram em ambos. Um dos alunos mostrou-se mais desconfortável do que o outro, marcando “extremamente” para as seguintes emoções: medo, cansaço, hostil, insatisfeito, aborrecido e triste, sendo essas enquadradas nos afetos negativos. Baker e Ricciardi (2014Baker, H. K., & Ricciardi, V. (2014, February/March). How biases affect investor behaviour. The European Financial Review, 1-10. Retrieved from http://ssrn.com/abstract=2457425
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) confirmam que investidores experientes e maduros sabem que o sucesso depende do controle das emoções para evitar os erros típicos de novos investidores.

Os alunos da Turma 2, de pós-graduação, responderam à pergunta: Ao final da disciplina sente que mudou alguma coisa na maneira como decide sobre investimento? No geral, avaliaram positivamente a disciplina e declararam que o curso mudou a forma como pensam em fazer investimentos. Conhecem melhor o mercado e sentem-se mais seguros para investir.

Para análise das emoções presentes na atividade de investimento, optou-se por seguir a análise com base no PANAS-X. Consideraram-se relevantes aquelas emoções cuja soma das intensidades mais expressivas, “muito” e “extremamente”, foi maior que 35%. Também foram analisadas as emoções em que a opção “um pouco” também apresentou valores expressivos.

A partir da análise estatística descritiva, percebe-se que as emoções positivas de maior destaque foram: entusiasmo, atenção (estando esses no subgrupo de jovialidade), confiante (subgrupo autoconfiança) e interesse. No grupo de emoções negativas, destacaram-se emoções como: nervoso, medo, receoso e aborrecido. Contudo, as emoções negativas citadas anteriormente são bem menos significativas, considerando a porcentagem de intensidade, do que as emoções positivas.

Estudos demonstram que, em situações de tomada de decisão, como, por exemplo, fazer um investimento, há prevalência de emoções como autoconfiança e aversão à perda, que podem estar relacionadas a afetos como medo e nervosismo (Halfeld & Torres, 2001Halfeld, M., & Torres, F. F. L. (2001). Finanças comportamentais: aplicações no contexto brasileiro. RAE - Revista de Administração de Empresas, 41(2), 64-71.). Os sentimentos negativos podem estar ligados a uma maior preocupação social e senso de justiça, enquanto as emoções positivas podem estar associadas ao egoísmo na expectativa de seus próprios interesses (Forgas & Tan, 2013Forgas, J. P., & Tan, H. B. (2013). Mood effects on selfishness versus fairness: affective influences on social decisions in the ultimatum game. Social Cognition, 31(4), 504-517.).

Outra possível observação é que as pessoas tendem a expressar emoções positivas de maneira mais intensa do que as emoções negativas (Halfeld & Torres, 2001Halfeld, M., & Torres, F. F. L. (2001). Finanças comportamentais: aplicações no contexto brasileiro. RAE - Revista de Administração de Empresas, 41(2), 64-71.). No questionário emocional, isso fica muito claro, uma vez que as emoções positivas tiveram distribuição mais dispersa entre os diversos níveis de intensidade e a opção “muito” foi escolhida por 24,47% das pessoas, no caso dos afetos positivos, e por apenas 8,02%, para os afetos negativos. Grande parte dos participantes, na maioria dos itens relacionados aos afetos negativos, marcou as opções mais neutras e inexpressivas, como “um pouco”, correspondendo a 50,72%.

Além da avaliação a partir da intensidade, foi possível avaliar algumas emoções que podem ser consideradas opostas, como alegria e tristeza. Em alguns casos, foi possível fazer a correlação entre um afeto positivo e outro negativo, comprovando, ainda mais, a presença de uma das emoções. Isso pode ser percebido no caso da emoção “nervoso” comparada às emoções “calmo” e “relaxado”. De maneira geral, as pessoas julgaram estar se sentindo mais nervosas, pouco calmas e pouco relaxadas. Outras emoções que podem ser comparadas são “confiança” e “instabilidade”; as pessoas demonstraram ser confiantes e pouco instáveis.

A racionalidade é dependente de diferenças psicológicas individuais ou de personalidade, bem como diferenças na educação ou na renda. Se uma decisão é economicamente racional ou irracional, é influenciada pelas diferenças entre os indivíduos no conhecimento sobre alternativas, experiência prévia em tomada de decisão semelhante, disponibilidade de feedback rápido sobre as consequências das decisões e capacidade de fazer reflexão objetiva sobre as decisões ou tomar decisões rápidas quando emocionalmente estressados (Loewenstein et al., 2012).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo atingiu seus objetivos que foram o de, primeiramente, pensar e realizar uma disciplina que criava um ambiente simulado de investimento no mercado de ações, propondo-se aos alunos conhecer melhor os contextos sociais, base da socialização dos sujeitos (investidores) e de seus modelos mentais. Para que isso acontecesse, o professor e seu grupo de pesquisa propuseram ao grupo de alunos que interagissem entre si e conhecessem seus colegas, buscando saber um pouco de suas histórias (e modelos mentais) para poderem jogar juntos. Essa perspectiva tem como base a concepção de que todo homem constitui-se como ser humano pelas relações que estabelece com os outros e na premissa de que o desenvolvimento se produz nas vivências das diferenças, e não apenas por meio da soma de experiências (Vygotsky, 1989Vygotsky, L. S. (1989). A formação social da mente. São Paulo, SP: Martins Fontes.). Assim, as relações estabelecidas no ambiente acadêmico passam pelos aspectos emocionais, intelectuais e sociais quando os alunos são provocados para as interações nas vivências interpessoais.

A didática escolhida, mesmo com o estudo dirigido e o seminário, oportunizou aos alunos a noção de ganho e perda de valor, que nesse caso eram os pontos das avaliações, e não uma moeda, como nas operações na BM&FBOVESPA, mas que reproduzia, quase que fielmente, o cenário de uma mesa de operações financeiras. Isso foi importante para que se envolvessem na experiência tal qual uma situação real, o que oportunizou veracidade à experiência e aprendizado com base em dados reais do mercado financeiro.

A experiência evidenciou que os jogos de empresa podem contribuir para a aprendizagem de conteúdo, desenvolvimento de habilidades e competências, preparando os alunos emocionalmente e cognitivamente para atuação em situações reais. Nessa modalidade didática, o estudante é parte ativa do seu processo de aprendizado, podendo experimentar estratégias de enfrentamento, oportunizando autoconhecimento e treinando competências. A memória e o resultado de decisões precedentes formam uma função cognitiva crítica com fortes implicações para as decisões atuais e futuras. A partir dessa complexidade de aspectos e variáveis, o comportamento humano é dinâmico, contingencial, sendo adaptável e dependente da conjuntura e das condições percebidas.

Ao buscar estabelecer um palco de negociações, como nos jogos, os alunos puderam vivenciar, de maneira lúdica, conflitos e discordâncias, buscando acordos sempre mediados por outros parceiros e pelo professor. Nessa perspectiva educativa, quando o conhecimento é fruto das interações sociais e da manifestação das subjetividades, pode-se supor que a realidade se transforme e o ser humano se reinvente, resultando na autonomia dos indivíduos.

Conclui-se pelos resultados analisados à luz das teorias expostas no referencial teórico, que a racionalidade presente nos modelos de análise técnica não é o único fator determinante nas decisões de investimento. A avaliação do risco e a tomada de decisão acontecem envolvendo três tipos de percepção: a social, a cognitiva e a emocional. Ou seja, esses três aspectos se inter-relacionam: o cognitivo considera os aspectos teóricos, o histórico de mercado e as análises; o social considera o contexto político econômico e o comportamento de outros jogadores; o emocional leva em conta os sentimentos no momento presente e os aspectos da personalidade da pessoa, como histórico de vida, experiência, valores e cultura.

Exemplo disso foram as metáforas criadas pelos alunos que não se sentiram confortáveis nesse ambiente de decisão criado pela disciplina: “Um peixe fora d'água” e “Perdido numa selva cheia de cobras e leões que querem estraçalhar seu coração”, demonstrando certo desconforto com a pressão, as emoções de competição e erros que apareceram em suas decisões (Baker & Ricciardi, 2014Baker, H. K., & Ricciardi, V. (2014, February/March). How biases affect investor behaviour. The European Financial Review, 1-10. Retrieved from http://ssrn.com/abstract=2457425
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).

Um ponto importante e destacado pelo conjunto de alunos foram as análises realizadas por eles, individualmente e em grupo, de que as decisões não são somente racionais, como explicitam algumas teorias de finanças, mas que há importantes aspectos que devem ser observados e que muitas vezes são apenas denominados irracionais - vocábulo esse muito discutido e que o grupo de alunos optou por substituir pelo uso do não racional, no sentido de que pode haver sempre alguma racionalidade que não nos é conhecida ou pensada de outro ponto de vista (Simon, 1979Simon, H. A. (1979). Rational decision making in business organizations. American Economic Review, 69(4), 493-513. ). Por fim, para os alunos, a proposta de um treinamento simulando a situação de uma mesa de operações do mercado de ações foi importante e interessante, devendo essa proposta de disciplina ser para eles “optatória”, ou seja, optativa, mas que deveria ser obrigatória.

O treinamento prévio dos jogadores do mercado poderá prevenir os erros cognitivos que têm levado o sistema capitalista mundial ao colapso, pela não racionalidade das decisões que têm feito prevalecer os interesses individuais de grupos ou apenas de uma nação ou grupo de nações, sem a preocupação com os efeitos sociais e globalizados dessas decisões. Corroborando Weber (2009Weber, M. (2009). From Max Weber: essays in Sociology. London: Routledge.), as decisões racionais dos stakeholders são racionais pelos meios e não pelos fins, o que tem empobrecido a área econômica, que desde sua era moderna esvaziou-se da ideologia do bem-estar social e tem se baseado em ações racionais pelos meios, cega aos efeitos desastrosos dessa única visão. A interdisciplinaridade dos campos da Economia, Psicologia e Sociologia, como eram indissolúveis nos primórdios dessas disciplinas, poderá fazer ressurgir a ideologia do bem-estar social, razão pela qual o sistema financeiro foi criado, e trazer o equilíbrio necessário às decisões econômicas e financeiras.

Os achados desta pesquisa podem proporcionar reflexões sobre os fatores que podem explicar os erros sistemáticos cometidos no mercado financeiro e apontam que a educação financeira e os treinamentos cognitivo e emocional dos futuros players do mercado financeiro poderão minimizar os riscos. Buscamos demonstrar que o processo de formação dos futuros operadores de mercado precisa oportunizar experiência de testagem das modalidades de análise existentes no mercado e saber criticá-las sobre suas limitações. Além disso, levar aos alunos o conhecimento a respeito de outras variáveis que interferem nas análises das operações, como preferências, emoções, conhecimento prévio, aspectos interpessoais e de personalidade.

A contribuição deste estudo está na busca do entendimento dos fatores que intervêm na eficiência de mercado; no estudo interdisciplinar para o entendimento dos fenômenos que impactam no comportamento dos operadores do mercado; na proposta de uma metodologia de ensino que pode preparar os futuros players do mercado para uma atuação esclarecida; na apresentação das várias possibilidades técnicas, oportunizando ao aluno o conhecimento a respeito da técnica, sua aplicabilidade e limitações; nas reflexões a respeito de modos diferentes de percepção sobre oportunidades de investimento e risco, o que poderá ser aprofundado em outros estudos sobre a segmentação de clientes, de acordo com suas preferências no mercado investidor. Como limitações deste estudo, pode-se apontar que, por ser uma pesquisa participante, não pôde ter suas conclusões generalizadas e, também, que a causa da desistência da disciplina, pelos alunos, não foi pesquisada, mas apresenta indícios que poderão ser mais bem analisados em estudos mais aprofundados.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Dez 2017
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2018

Histórico

  • Recebido
    14 Dez 2016
  • Aceito
    10 Ago 2017
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