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Eu ganho, a empresa ganha ou ganhamos juntos? Traços moderados do Dark Triad e a maximização de lucros

RESUMO

Este artigo analisa a relação entre a maximização de ganhos pessoais e empresariais e os traços moderados do Dark Triad. A relevância da escolha do tema recai sobre a investigação da atitude de executivos que exibem características com intensidade moderada entre os altos e baixos traços. Comprova-se que a visão e o carisma do indivíduo narcisista, a estratégia e tática do indivíduo maquiavelista e a criatividade e o bom pensamento estratégico do indivíduo psicopata são características diferenciadoras que potencializam uma liderança bem-sucedida e integradora - distante de atitudes negativas mais acentuadas e oportunísticas, concernentes aos altos traços, cujas práticas evidenciam ações desonestas para ganho pessoal. Tais evidências proporcionam a possibilidade de fortalecimento das pesquisas na área contábil, em especial da abordagem comportamental, por promover sua interface com a psicologia para esclarecer como a personalidade, os valores e as experiências influenciam as escolhas dos gestores na condução do negócio e como os funcionários e as empresas são impactados por essas decisões. Trata-se de pesquisa empírico-teórica, realizada com 263 gerentes, adotando o survey como estratégia de coleta de dados - com aplicação de questionário do tipo autorrelato. As abordagens de análise de dados foram: estatística descritiva, correlação, teste de médias e regressão logística. Neste estudo, gestores com traços moderados de Psicopatia evidenciaram menor disposição a maximizar ganhos por meio da manipulação de resultados. Disposição contrária foi revelada para aqueles com traços moderados de Maquiavelismo. O efeito combinado entre os três traços do Dark Triad foi significativo e positivo, com a maximização oportunística de ganhos. Tais achados contribuem com futuras pesquisas que almejem analisar de modo sistemático o nível moderado da tríade e corroboram os achados que revelaram as características comuns de manipulação, insensibilidade e desonestidade quando se investiga o efeito interativo entre os traços em questão.

Palavras-chave
Dark Triad; maximização de ganhos; manipulação de resultados; contabilidade

ABSTRACT

This article analyzes the relationship between the maximization of personal and company gains and the moderate traits of the Dark Triad. The relevance of choosing this topic lies in investigating the attitude of executives who exhibit characteristics of a moderate intensity between the strong and weak traits. It is proven that the vision and charisma of narcissistic individuals, the strategy and tactics of Machiavellian individuals, and the creativity and good strategic thinking of psychopathic individuals are differentiating characteristics that enhance successful and integrative leadership and that are far from the more accentuated and opportunistic attitudes related to the strong traits, whose practices involve dishonest actions for personal gain. This evidence creates the possibility for strengthening the research in the accounting area, especially on the behavioral approach, in order to promote its interface with psychology and clarify how personality, values, and experiences influence managers’ choices when conducting business and how workers and companies are impacted by these decisions. The study is empirical-theoretical and involves 263 managers, adopting a survey as its data collection strategy and applying a self-reporting type questionnaire. The data analysis approaches included descriptive statistics, correlations, tests of means, and logistic regressions. In this study, managers with moderate psychopathic traits showed a lower tendency to maximize profit by manipulating results. An opposite tendency was revealed for those with moderate Machiavellian traits. The combined effect of the three Dark Triad traits was significant and positive, revealing opportunistic profit maximization. These findings contribute to future studies that aim to systematically analyze moderate levels of the triad and corroborate the findings that have revealed the common characteristics of manipulation, callousness, and dishonesty when investigating the interactive effect between the traits in question.

Keywords
Dark Triad; profit maximization; earnings management; accounting

1. INTRODUÇÃO

A maximização de lucro é um ato normal na área de negócios, mas, por vezes, revela o caráter oportunístico dos executivos pela ganância e pelo desejo de realizar interesses próprios (Koch, 2010Koch, C. (2010). An ethical justification of profit maximization. Society and Business Review, 5(3), 270-280.), especialmente por meio da posse de informações privilegiadas sobre a posição econômica e financeira da empresa, além do conhecimento dos pontos fracos da estrutura de governança corporativa e dos controles internos (Troy, Smith, & Domino, 2011Troy, C., Smith, K. G., & Domino, M. A. (2011). CEO demographics and accounting fraud: who is more likely to rationalize illegal acts?Strategic Organization, 9(4), 259-282.). A informação contábil, por ser um importante instrumento de aferição de performance da gestão e base para o cálculo de bônus e recompensas, torna-se alvo de manipulações para fins de maximização de ganhos por aqueles que almejam o sucesso pessoal e empresarial (Crocker & Slemrod, 2007Crocker, K. J., & Slemrod, J. (2007).The economics of earnings manipulation and managerial compensation.The RAND Journal of Economics,38(3), 698-713.; Holthausen, Larker, & Sloan, 1995Holthausen, R. W., Larcker, D. F., & Sloan, R. G. (1995). Annual bonus schemes and the manipulation of earnings. Journal of Accounting and Economics,19(1), 29-74.; Healy, 1985Healy, P. M. (1985). The effect of bonus schemes on accounting decisions. Journal of Accounting and Economics, 7(1), 85-107.).

Quirin, Beckenkamp e Kuhl (2008Quirin, M., Beckenkamp, E. M., & Kuhl, E. J. (2008). Giving or taking: the role of dispositional power motivation and positive affect in profit maximization. Cognitive Studies in Economics and Social Sciences, 8(1), 109-126.) e Miller e Pazgal (2002Miller, N., & Pazgal, A. (2002). Relative performance as a strategic commitment mechanism. Managerial and Decision Economics, 23(2), 51-68.) defendem que a maximização dos lucros está intimamente relacionada a fatores subjetivos, tais como a personalidade dos executivos. A teoria psicológica da personalidade apoia os estudos de Babiak, Neumann e Hare (2010Babiak, P., Neumann, C., & Hare R. D. (2010). Corporate psychopathy: talking the walk. Behavioral Sciences and the Law, 28(2), 174-193.), Chatterjee e Hambrick (2007Hambrick, D. C. (2007). Upper echelons theory: an update. Academy of Management Review, 32(2), 334-343.), Jain e Bearden (2011Jain, K., & Bearden, J. N. (2011).Machiavellianism and overconfidence (Documento de Trabalho). Retrieved from http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1774523
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), Maccoby (2004Maccoby, M. (2004, January). Narcissistic leaders: the incredible pros, the inevitable cons. The Harvard Business Review, 78(1), 68-78. ) e Rosenthal e Pittinsky (2006Rosenthal, S. A., & Pittinsky, T. L. (2006). Narcissistic leadership. The Leadership Quarterly, 17, 617-633.) na análise sobre a relação entre os traços de personalidade do Narcisismo, do Maquiavelismo e da Psicopatia e o comportamento de executivos no meio empresarial, diante da importância de analisar o reflexo desses traços nos relatórios financeiros (Majors, 2015Majors, T. M. (2015).The interaction of communicating measurement uncertainty and the dark triad on managers’ reporting decisions.The Accounting Review,91(3), 973-992. ; Amernic & Craig, 2010Amernic, J. H., & Craig, R. J. (2010). Accounting as a facilitator of extreme narcissism. Journal of Business Ethics, 96(1), 79-93.; Johnson, Kuhn, Apostolou, & Hassell, 2013Johnson, E. N., Kuhn Jr., J. R., Apostolou, B., & Hassell, J. M. (2013, February). Auditor perceptions of client narcissism as a fraud attitude risk factor. Auditing: A Journal of Theory & Practice, 32(1), 203-219.; Olsen, Young, & Dworkis, 2013Olsen, K. J., Young, S. M., & Dworkis, K. (2013, in press). CEO narcissism and accounting: a picture of profits. Journal of Management Accounting Research. Retrieved from http://www2.aaahq.org/ata/meetings/2015/CEONarcissismandCorporateTaxShelteringJATAConference.pdf
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), sobretudo, de detectar uma predisposição ao acometimento de fraudes (Murphy, 2012Murphy, P. R. (2012). Attitude, Machiavellianism and the rationalization of misreporting. Accounting, Organizations and Society,37(4), 242-259.; Cohen, Ding, Lesage, & Stolowy, 2010Cohen, J., Ding, Y., Lesage, C., & Stolowy, H. (2010). Corporate fraud and managers’ behavior: evidence from the press. Journal of Business Ethics, 95, 271-315.), crimes do colarinho branco (Collins & Schmidt, 1993Collins, J. M., & Schmidt, F. L. (1993). Personality, integrity, and white-collar crime: a construct validity study. Personnel Psychology, 46(2), 295-311.; Blickle, Schlegel, Fassbender, & Klein, 2006Blickle, G., Schlegel, A., Fassbender, P., & Klein, U. (2006). Some personality correlates of business white-collar crime. Applied Psychology: An International Review, 55(2), 220-233.) e gerenciamento de resultados (Olsen & Stekelberg, 2016Olsen, K. J., & Stekelberg, J. M. (2016). CEO narcissism and corporate tax sheltering. The Journal of the American Taxation Association, 38(1), 1-22. Retrieved from https://doi.org/10.2308/atax-51251
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; Ham, Lang, Seybert, & Wang, 2017Ham, C., Lang, M. H., Seybert, N., & Wang, S. (2017). CFO narcissism and financial reporting quality. Journal of Accounting Research, 55, 1089-1135. doi: 10.1111/1475-679X.12176
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; Brown, 2014Brown, T. J. (2014). Advantageous comparison and rationalization of earnings management.Journal of Accounting Research,52(4), 849-876.; Frino, Lim, Mollica, & Palumbo, 2015Frino, A., Lim, M. Y., Mollica, V., & Palumbo, R. (2015). CEO narcissism and earnings management (Working Paper). Retrieved from http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2539555
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; Buchholz, Lopatta, & Maas, 2014Buchholz, F., Lopatta, K., & Maas, K. (2014). The strategic engagement of narcissistic CEOs in earnings management (Working Paper). Retrieved from http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2520528
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; Jones, 2014Jones, D. N. (2014). Risk in the face of retribution: psychopathic individuals persist in financial misbehavior among the dark triad.Personality and Individual Differences,67, 109-113.; Rijsenbilt & Commandeur, 2013Rijsenbilt, A., & Commandeur, H. (2013). Narcissus enters the courtroom: CEO narcissism and fraud. Journal of Business Ethics, 117, 413-429.; Shafer & Wang, 2011Shafer, W. E., & Wang, Z. (2011). Effects of ethical context and Machiavellianism on attitudes toward earnings management in China. Managerial Auditing Journal, 26(5), 372-392.; Boddy, 2006Boddy, C. R. (2006). The dark side of management decisions: organizational psychopaths. Management Decision, 44(10), 1461-1475.; Deutschman, 2005Deutschman, A. (2005). Is your boss a psychopath? Fast Company, 96, 44.; McCormick & Burch, 2005McCormick, I., & Burch, G. (2005, November). Corporate behaviour; snakes in suits - fear and loathing in corporate clothing; they’re glib, charming, deceitful and ruthless; they’ve been described as “snakes in suits” - and they’re in an office near you. New Zealand Management, 52(10), 34.).

O estudo dos traços do Narcisismo, do Maquiavelismo e da Psicopatia refletiu sua importância no meio contábil e organizacional pela abordagem social da psicologia da personalidade, pesquisada por Paulhus e Williams (2002Paulhus, D. L., & Williams, K. (2002). The dark triad of personality: narcissism, Machiavellianism, and psychopathy. Journal of Research in Personality, 36(6), 556-563.) e revisitada por Jones e Paulhus (2014Jones, D. N., & Paulhus, D. L. (2014). Introducing the short dark triad (SD3): a brief measure of dark personality traits. Assessment, 21(1), 28-41.). Os autores denominaram a tríade de Dark Triad e verificaram que, embora exista distinção conceitual, há convergência dos traços para a insensibilidade e a ausência de afabilidade. Indivíduos ricos nesses atributos também exibem um comportamento com tendências à autopromoção, frieza emocional, duplicidade e agressividade.

O instrumento de medição dos traços do Dark Triad resultante dos estudos de Jones e Paulhus (2014Jones, D. N., & Paulhus, D. L. (2014). Introducing the short dark triad (SD3): a brief measure of dark personality traits. Assessment, 21(1), 28-41.) e Paulhus e Williams (2002Paulhus, D. L., & Williams, K. (2002). The dark triad of personality: narcissism, Machiavellianism, and psychopathy. Journal of Research in Personality, 36(6), 556-563.), denominado Short Dark Triad (SD3), tem uma conotação atitudinal que remete à análise de tendências e predisposições de características distribuídas na população em geral, com base em um questionário autorrelato, que possibilita verificar a intensidade de concordância do indivíduo, sem pretensão de diagnóstico clínico (Almeida, Laranjeira, & Dratcu, 1996Almeida, O. P., Laranjeira, R., & Dratcu, L. (1996). Manual de psiquiatria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. ).

Apesar da conotação negativa desses traços e do fato de muitos estudos se debruçarem sobre esse particular, há pesquisas que contrariam tal vertente, evidenciando seu lado positivo. Estudos sobre os traços de Narcisismo apontam que a visão, o carisma, a inovação, a habilidade para atrair seguidores, a condução do negócio para ganhar poder e glória e a imagem que traduz a concepção de grandes líderes são elementos que podem torná-los bem-sucedidos no ambiente organizacional (Campbell, Hoffman, Campbell, & Marchisio, 2011Campbell, W. K., Hoffman, B. J., Campbell, S. M., & Marchisio, G. (2011). Narcissism in organizational contexts. Human Resource Management Review, 21(4), 268-284.; Chatterjee & Hambrick, 2007Hambrick, D. C. (2007). Upper echelons theory: an update. Academy of Management Review, 32(2), 334-343.; Maccoby, 2004Maccoby, M. (2004, January). Narcissistic leaders: the incredible pros, the inevitable cons. The Harvard Business Review, 78(1), 68-78. ; O’Reilly, Doerr, Caldwell, & Chatman, 2013O’Reilly, C. A., Doerr, B., Caldwell, D. F., & Chatman, J. A. (2013). Narcissistic CEOs and executive compensation (Working Paper). Retrieved from http://dx.doi.org/10.1016/j.leaqua.2013.08.002
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; Rosenthal & Pittinsky, 2006Rosenthal, S. A., & Pittinsky, T. L. (2006). Narcissistic leadership. The Leadership Quarterly, 17, 617-633.), com tendência a uma liderança eficaz (Rosenthal & Pittinsky, 2006Rosenthal, S. A., & Pittinsky, T. L. (2006). Narcissistic leadership. The Leadership Quarterly, 17, 617-633.). A autoridade, a autossuficiência e a superioridade são positivas para o desempenho organizacional (Dworkis, 2013Dworkis, K. (2013). The interactive effects of incentive threshold and narcissism on managerial decision-making (Doctoral Dissertation). Los Angeles, CA: University of Southern California. ), além de elementos cognitivos como inteligência, criatividade, competência e capacidade de liderança (Farwell & Wohlwend-Lloyd, 1998Farwell, L., & Wohlwend-Lloyd, R. (1998). Narcissistic processes: optimistic expectations, favorable self-evaluations, and self enhancing attributions. Journal of Personality, 66(1), 65-83.).

No tocante à Psicopatia, os profissionais da área de negócios apresentam uma associação positiva entre carisma, estilo de apresentação, criatividade, bom pensamento estratégico e capacidade de comunicação (Babiak et al., 2010Babiak, P., Neumann, C., & Hare R. D. (2010). Corporate psychopathy: talking the walk. Behavioral Sciences and the Law, 28(2), 174-193.). Eles podem ser encantadores (Boddy, 2006Boddy, C. R. (2006). The dark side of management decisions: organizational psychopaths. Management Decision, 44(10), 1461-1475.; Wexler, 2008Wexler, M. N. (2008). Conjectures on systemic psychopathy: reframing the contemporary corporation. Society and Business Review, 3(3), 224-238). A dominância destemida pode influenciar positivamente o desempenho geral no trabalho e a comunicação (Smith & Lilienfeld, 2013Smith, S. F., & Lilienfeld, S. O. (2013). Psychopathy in the workplace: the knowns and unknowns. Aggression and Violent Behavior, 18, 204-218.), possibilitando a tomada de decisões difíceis, pela coragem, firmeza e visão que possuem (Wexler, 2008Wexler, M. N. (2008). Conjectures on systemic psychopathy: reframing the contemporary corporation. Society and Business Review, 3(3), 224-238).

Os maquiavélicos, quando analisados, evidenciam a estratégia e a tática de gestão (Jones & Paulhus, 2011Jones, D. N., & Paulhus, D. L. (2011). Differentiating the dark triad within the interpersonal circumplex. In Horowitz, L. M. & Strack, S.. Handbook of interpersonal psychology (pp. 249-269). New York: Wiley & Sons.), são adaptáveis, capazes de contribuir, cooperar e utilizar estratégias pró-sociais, não somente quando isso é vantajoso para eles (Belschak, Hartog, & Kalshoven, 2015Belschak, F. D., Hartog, D. N., & Kalshoven, K. (2015). Leading Machiavellians: how to translate Machiavellians’ selfishness into pro-organizational behavior. Journal of Management, 41(7), 1934-1956. ).

Nesse sentido, o objetivo deste estudo é analisar a relação entre a maximização de ganhos pessoais e empresariais e os traços moderados do Dark Triad. Essa motivação encontra suporte na Teoria dos Altos Escalões (Hambrick & Mason, 1984Hambrick, D. C., & Mason, P. A. (1984). Upper echelons: the organization as a reflection of its top managers. Academy of Management Review, 9(2), 193-206.; Hambrick, 2007Hambrick, D. C. (2007). Upper echelons theory: an update. Academy of Management Review, 32(2), 334-343.), que assegura que as características dos executivos, como personalidade, valores e experiência refletem-se nos resultados organizacionais e, portanto, nas escolhas e decisões dos gestores. Estudos que versam sobre a personalidade (Papadakis & Barwise, 2002Papadakis, V. M., & Barwise, P. (2002, March). How much do CEOs and top managers matter in strategic decision-making? British Journal of Management, 13(1), 83-95.; Abatecola, Mandarelli, & Poggesi, 2013Abatecola, G., Mandarelli, G., & Poggesi, S. (2013). The personality factor: how top management teams make decisions. A literature review. Journal of Management & Governance, 17(4), 1073-1100. Retrieved from https://doi.org/10.1007/s10997-011-9189-y
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) e sobre os traços que compõem o Dark Triad (Chatterjee & Hambrick, 2007Chatterjee, A., & Hambrick, D. C. (2007). It’s all about me: narcissistic chief executive officers and their effects on company strategy and performance. Administrative Science Quarterly, 52(3), 351-386. ; Dworkis, 2013Dworkis, K. (2013). The interactive effects of incentive threshold and narcissism on managerial decision-making (Doctoral Dissertation). Los Angeles, CA: University of Southern California. ; Olsen & Stekelberg, 2016Olsen, K. J., & Stekelberg, J. M. (2016). CEO narcissism and corporate tax sheltering. The Journal of the American Taxation Association, 38(1), 1-22. Retrieved from https://doi.org/10.2308/atax-51251
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), no meio empresarial e contábil, fundamentam suas propostas na Teoria dos Altos Escalões, oriunda da Teoria Comportamental da Firma e da Teoria Descritiva.

Buscamos, portanto, elucidar o seguinte problema: qual a relação entre a maximização de ganhos pessoais e empresariais e os traços moderados de personalidade do Dark Triad? A análise sobre a atitude de executivos que exibem características com intensidade moderada entre os altos e baixos traços contribuem para a percepção de que a visão e o carisma do indivíduo narcisista; a estratégia e a tática do indivíduo maquiavelista; e a criatividade e o bom pensamento estratégico do indivíduo psicopata podem ser características diferenciadoras que potencializem uma liderança bem-sucedida e integradora. Podem revelar, ainda, que os esforços desses gestores sejam direcionados ao alcance do ganho pessoal e empresarial, sem o acometimento de atitudes negativas acentuadas, visando somente ao ganho pessoal em detrimento do ganho empresarial e do conjunto, mesmo que para isso o gestor prejudique seus pares, seus subordinados e a própria empresa no longo prazo - como ocorre quando os indivíduos exibem altos traços do Dark Triad.

Adicionalmente, como afirma Brown (2014Brown, T. J. (2014). Advantageous comparison and rationalization of earnings management.Journal of Accounting Research,52(4), 849-876.), a maioria dos estudos na área contábil que analisa a maximização de ganhos, por meio de ações oportunísticas, examina como os ganhos são geridos, como podem ser detectados e quais as consequências. Não consideraram que fatores psicológicos podem influenciar as atitudes dos gestores no contexto empresarial.

Esta investigação também fornece uma contribuição prática para os pesquisadores, os profissionais, as empresas e a população em geral. Os resultados podem mostrar-se úteis para o recrutamento e a seleção de indivíduos para ocupar posições de liderança, responsáveis pela tomada de decisões financeiras, cujas escolhas refletem resultados significativos para a organização. Por exemplo, a contratação de gestores que exteriorizem um nível moderado desses traços pode ser benéfica para o desempenho empresarial.

As seções 2 apresenta a teoria e o desenvolvimento das hipóteses do estudo em maior detalhe; a seção 3 descreve a abordagem metodológica adotada; a seção 4 discute os resultados; e a seção 5 conclui este artigo.

2. TEORIA E DESENVOLVIMENTO DAS HIPÓTESES

2.1 Maximização de Ganhos

A maximização de ganhos, sob a perspectiva técnica, consiste em um conjunto de condições nas quais a receita marginal da firma é igual ao seu custo marginal. Essa noção tradicional perdeu expressividade quando emergiu a perspectiva comportamental de maximização de ganhos, a qual defende que a busca pelo lucro produz um tipo e uma quantidade de produtos e serviços suficientes para o consumo, pelo menor custo possível, contribuindo com os negócios e o bem-estar comum e pessoal (Primeaux & Stieber, 1994Primeaux, P., & Stieber, J. (1994). Profit maximization: the ethical mandate of business. Journal of Business Ethics, 13(4), 287-294.).

Quirin, Beckenkamp e Kuhl (2008Quirin, M., Beckenkamp, E. M., & Kuhl, E. J. (2008). Giving or taking: the role of dispositional power motivation and positive affect in profit maximization. Cognitive Studies in Economics and Social Sciences, 8(1), 109-126.) realçam o caráter comportamental da maximização de ganhos e asseveram que fatores como personalidade, disposições de poder e estados afetivos influenciam o comportamento decisório, ainda que de modo inconsciente. Nessa mesma linha de pensamento, Miller e Pazgal (2002Miller, N., & Pazgal, A. (2002). Relative performance as a strategic commitment mechanism. Managerial and Decision Economics, 23(2), 51-68.) verificaram que a personalidade, a educação e o estilo de liderança do gerente podem ser utilizados como dispositivos estratégicos de maximização de lucros em certos ambientes, com vistas a influenciar uma postura competitiva nas empresas.

Esses achados corroboram a Teoria dos Altos Escalões proposta por Hambrick e Mason (1984Hambrick, D. C., & Mason, P. A. (1984). Upper echelons: the organization as a reflection of its top managers. Academy of Management Review, 9(2), 193-206.) e revisitada por Hambrick (2007Hambrick, D. C. (2007). Upper echelons theory: an update. Academy of Management Review, 32(2), 334-343.), por evidenciar que as características dos executivos, como personalidade, valores e experiência, refletem-se nos resultados organizacionais e, portanto, nas escolhas e decisões dos gestores. Essa teoria é oriunda dos estudos que defendem a racionalidade limitada na tomada de decisão em organizações e investigam os conflitos de interesses sobre as preferências individuais de cada participante (Cyert & March, 1963Cyert, R. M., & March, J. G. (1963). A behavioral theory of the firm. Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall.; March & Simon, 1958).

Considerando a busca pelo lucro um ato normal, Koch (2010Koch, C. (2010). An ethical justification of profit maximization. Society and Business Review, 5(3), 270-280.) defende que maximização de ganhos tem por objeto precípuo permitir a continuidade das atividades operacionais e não deve restringir-se a atender a interesses próprios ou à ganância empresarial. Para o autor, é justificável para os executivos tomar a maximização do lucro como o principal objetivo na execução de seus negócios, desde que não violem leis, normas e costumes sociais.

Entretanto, nem sempre a busca pelo lucro tem caráter normal e positivo no ambiente organizacional. O caráter oportunístico é revelado quando os gestores não conseguem atingir as metas empresariais nem as previsões de analistas, investidores e demais interessados. Essa situação os impulsiona à maximização de ganhos por meio da manipulação de resultados para atender a tais expectativas e às deles próprios, especialmente quando remuneração e bônus estiverem associados aos ganhos informados nos relatórios financeiros (Healy, 1985Healy, P. M. (1985). The effect of bonus schemes on accounting decisions. Journal of Accounting and Economics, 7(1), 85-107.).

Nesse contexto, vale conhecer fatores subjetivos, como traços de personalidade, que são potenciais influenciadores das atitudes de gestores no meio empresarial.

2.2 Dark Triad: Narcisismo, Maquiavelismo e Psicopatia

Paulhus e Williams (2002Paulhus, D. L., & Williams, K. (2002). The dark triad of personality: narcissism, Machiavellianism, and psychopathy. Journal of Research in Personality, 36(6), 556-563.) investigaram os traços de personalidade não patológicos de Psicopatia, Narcisismo e Maquiavelismo - denominados Dark Triad - e constataram que são moderadamente intercorrelacionados, têm características sobrepostas, que se tangenciam cognitivamente, mas se apresentam como construtos distintos. Esses autores enunciaram que os traços da tríade implicam um “caráter socialmente maléfico com tendências de comportamento [com] autopromoção, frieza emocional, duplicidade e agressividade” (Paulhus & Williams, 2002Paulhus, D. L., & Williams, K. (2002). The dark triad of personality: narcissism, Machiavellianism, and psychopathy. Journal of Research in Personality, 36(6), 556-563., p. 557).

Para melhor apresentação desses tipos de personalidade, com base na revisão de literatura, a Figura 1 ilustra os respectivos atributos individuais, sobrepostos e comuns.

Figura 1
Principais características dos traços de personalidade da Dark Triad.

Esses atributos não são estáticos, já que constituem traços de personalidade, portanto, podem ser alterados em função das circunstâncias em análise. Nota-se, ainda, que, em menor ou maior grau, algumas características estão mais relacionadas a dois traços de personalidade, mas também podem apresentar-se em menor grau em relação a outro traço, como, por exemplo, o egoísmo, que estabelece uma maior relação com o Narcisimo e a Psicopatia, mas também se apresenta discretamente no comportamento de poder pessoal do maquiavelista.

Além disso, como afirmam Jones e Figueredo (2013Jones, D. N., & Figueredo, A. J. (2013). The core of darkness: uncovering the heart of the dark triad. European Journal of Personality, 27(6), 521-531.), a literatura está repleta de debates sobre a sobreposição antagônica das características, observando-se que, apesar de tais características serem as mesmas, os “objetivos” ou enfoques nelas propostos são diferentes. Por exemplo, o Maquiavelismo é um traço definido por disposições manipulativas, insensíveis e estratégicas. A Psicopatia também é um traço definido por manipulação e disposições insensíveis, mas o enfoque da manipulação é de curto prazo e de natureza mais antissocial. O Narcisismo, por sua vez, também é definido pela manipulação e insensibilidade, mas o enfoque está direcionado à autopromoção, diante do senso autoinflado do ego.

Cabe neste tópico, ainda, reiterar a natureza não clínica dos traços do Dark Triad. Nesse particular, Almeida et al. (1996Almeida, O. P., Laranjeira, R., & Dratcu, L. (1996). Manual de psiquiatria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. ) indicam que a psicologia social realça características distribuídas normalmente na população que se manifestam por meio de atitudes mais flexíveis e adaptáveis - mensuradas por testes estatísticos. Já o enfoque clínico traduz traços de personalidade inflexíveis e mal adaptativos, causando comprometimento funcional significativo ou sofrimento subjetivo a ele próprio ou, mais comumente, aos indivíduos que estão próximos (Mecler, 2015Mecler, K. (2015). Psicopatas do cotidiano: como reconhecer, como conviver, como se proteger. Rio de Janeiro: Casa da Palavra.).

Também vale argumentar neste tópico a diferença entre atitudes e comportamentos. A atitude pode ser definida como uma predisposição a reagir a um estímulo, de modo positivo ou negativo (Fishbein & Ajzen, 1975Fishbein, M., & Ajzen, I. (1975). Belief, attitude, intention, and behavior: an introduction to theory and research. Reading, MA: Addison-Wesley.). As atitudes têm três componentes básicos: cognitivo, afetivo e comportamental. O cognitivo compreende as crenças e o conhecimento dos estímulos e sua avaliação; o afetivo se refere às emoções; e o comportamental é a tendência de comportar-se de certa forma, reagindo às próprias emoções e cognições. Embora as atitudes possam levar à intenção de comportar-se de certa maneira, a intenção pode não se consumar, em função da situação ou das circunstâncias (Bowditch & Buono, 1992Bowditch, J. L., & Buono, A. F. (1992). Elementos de comportamento organizacional. São Paulo: Pioneira.).

A atitude pode anteceder e influenciar o comportamento (Vaccari, 2014Vaccari, L. C. (2014). O hiato entre atitude e comportamento ecologicamente conscientes: um estudo com consumidores de diferentes gerações (Doctoral Dissertation). Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.). Já o comportamento se refere a “ações específicas dirigidas a um objeto-alvo, sempre ocorrendo em um contexto ou ambiente situacional e em um momento particular” (Peter & Olson, 2009Peter, J., & Olson, J. (2009). Comportamento do consumidor e estratégia de marketing (8th ed.). São Paulo: McGraw-Hill., p. 149). Em contextos organizacionais, envolve uma seleção de determinadas ações, com base em planejamento guiado por objetivos e metas (Simon, 1970Simon, H. A. (1970). Comportamento administrativo: estudo dos processos decisórios nas organizações administrativas (2a. ed.). Rio de Janeiro: Ed. FGV.). Portanto, as atitudes são “a força de intenção de um indivíduo desempenhar um comportamento específico” (Fishbein & Ajzen, 1975Fishbein, M., & Ajzen, I. (1975). Belief, attitude, intention, and behavior: an introduction to theory and research. Reading, MA: Addison-Wesley., p. 288).

Diante dos conceitos apresentados, pode-se afirmar que traços de personalidade são componentes que explicam e influenciam atitudes e comportamentos, mas não em sua plenitude, visto que outras variáveis, como habilidades, motivações, emoções, valores, hábitos e determinantes socioculturais também influem na conduta humana. O comportamento se apresenta como uma ação momentânea, variável, não necessariamente uma característica duradoura e peculiar da pessoa.

2.2.1 Os traços do Dark Triad no contexto organizacional e contábil: o lado bom e ruim

2.2.1.1 Narcisismo.

Campbell et al. (2011Campbell, W. K., Hoffman, B. J., Campbell, S. M., & Marchisio, G. (2011). Narcissism in organizational contexts. Human Resource Management Review, 21(4), 268-284.) afirmam que é comum identificar características do Narcisismo em executivos que ocupam altos cargos gerenciais. Esses gestores são elogiados por sua paixão, visão e inovação; no entanto, são condenados pela falta de empatia e pela sensibilidade a críticas. Detêm a capacidade de manipular os outros, são impulsivos e assumem riscos em decisões de investimentos, especialmente por seu excesso de confiança. Possuem talento para o estabelecimento de relações rápidas e superficiais.

Por essa mesma ótica de descrição, Chatterjee e Hambrick (2007Hambrick, D. C. (2007). Upper echelons theory: an update. Academy of Management Review, 32(2), 334-343.) argumentam que os diretores executivos (chief executive officers - CEO) narcisistas tomam decisões estratégicas ousadas, que supostamente destacam seu talento como gestores, contribuindo, consequentemente, para o sucesso da empresa. Todavia, Hobson e Resutek (2008Hobson, J. L., & Resutek, R. J. (2008). More than money: the effects of social status and narcissism on manager reporting behavior (Working Paper). Retrieved from http://10.2139/ssrn.1270677
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) abordam o lado negativo desse atributo, ao apontar evidências de que os indivíduos narcisistas, com o objetivo de apoiar seu ego e sua autoestima, são capazes de inflar o relato de seu desempenho quando há implicações positivas de status social. Nesse contexto, a maximização de ganhos por meio da manipulação de resultados cria uma imagem do desempenho financeiro que alimenta no indivíduo narcisista a necessidade de admiração, louvor e senso de importância.

Na mesma concepção de Hobson e Resuteck (2008Hobson, J. L., & Resutek, R. J. (2008). More than money: the effects of social status and narcissism on manager reporting behavior (Working Paper). Retrieved from http://10.2139/ssrn.1270677
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), Olsen et al. (2013Olsen, K. J., Young, S. M., & Dworkis, K. (2013, in press). CEO narcissism and accounting: a picture of profits. Journal of Management Accounting Research. Retrieved from http://www2.aaahq.org/ata/meetings/2015/CEONarcissismandCorporateTaxShelteringJATAConference.pdf
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) destacam a correlação positiva entre o Narcisismo e comportamentos antiéticos de manipulação de relatórios contábeis, sobretudo pelo fato de que as metas de desempenho baseadas em contabilidade ajudam a definir o bônus de recompensa do CEO. Collins e Schmidt (1993Collins, J. M., & Schmidt, F. L. (1993). Personality, integrity, and white-collar crime: a construct validity study. Personnel Psychology, 46(2), 295-311.) e Blickle, Schlegel, Fassbender e Klein (2006Blickle, G., Schlegel, A., Fassbender, P., & Klein, U. (2006). Some personality correlates of business white-collar crime. Applied Psychology: An International Review, 55(2), 220-233.) evidenciaram que os chamados crimes do colarinho branco são cometidos mais frequentemente por gestores com personalidade sombria. Os altos traços de Narcisismo são mais evidentes em executivos que cometeram crimes do colarinho branco (Blickle et al., 2006Blickle, G., Schlegel, A., Fassbender, P., & Klein, U. (2006). Some personality correlates of business white-collar crime. Applied Psychology: An International Review, 55(2), 220-233.).

Buchholz, Lopatta e Maas (2014Buchholz, F., Lopatta, K., & Maas, K. (2014). The strategic engagement of narcissistic CEOs in earnings management (Working Paper). Retrieved from http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2520528
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) evidenciaram que os CEO altamente narcisistas estão associados a gerenciamento de resultados, cujas formas se configuram como passaportes para o mau comportamento gerencial. Frino et al. (2015Frino, A., Lim, M. Y., Mollica, V., & Palumbo, R. (2015). CEO narcissism and earnings management (Working Paper). Retrieved from http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2539555
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) confirmam que os CEO mais narcisistas são mais propensos a se envolver em manipulação de resultados, com a finalidade de apresentar melhor performance, indicando mais probabilidade de falsos relatórios financeiros.

Olsen e Stekelberg (2016Olsen, K. J., & Stekelberg, J. M. (2016). CEO narcissism and corporate tax sheltering. The Journal of the American Taxation Association, 38(1), 1-22. Retrieved from https://doi.org/10.2308/atax-51251
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) constataram o envolvimento de CEO narcisistas em evasão fiscal corporativa. Como os narcisistas sentem-se acima da lei e são agressivos ao perseguir o que acreditam lhes pertencer, eles têm motivações para perseguir recompensas ou resultados desejáveis. Ham et al. (2017Ham, C., Lang, M. H., Seybert, N., & Wang, S. (2017). CFO narcissism and financial reporting quality. Journal of Accounting Research, 55, 1089-1135. doi: 10.1111/1475-679X.12176
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) investigaram o efeito do Narcisismo de diretores financeiros (chief financial officer - CFO) sobre os resultados de relatórios financeiros. Esses autores evidenciaram que os CFO com assinaturas maiores apresentam mais provas de declarações incorretas e mais evidências de gerenciamento de ganhos.

Ao analisar o Narcisismo no comportamento decisório antiético, Amernic e Craig (2010Amernic, J. H., & Craig, R. J. (2010). Accounting as a facilitator of extreme narcissism. Journal of Business Ethics, 96(1), 79-93.) argumentam que, como o diretor corporativo pode definir e influenciar condutas oportunistas, sobretudo pelo uso dos resultados da contabilidade financeira, tais condutas passam a ser um cartão de visita pessoal de sucesso ou fracasso. Nessa concepção, Olsen et al. (2013Olsen, K. J., Young, S. M., & Dworkis, K. (2013, in press). CEO narcissism and accounting: a picture of profits. Journal of Management Accounting Research. Retrieved from http://www2.aaahq.org/ata/meetings/2015/CEONarcissismandCorporateTaxShelteringJATAConference.pdf
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) argumentam que quanto maior for o lucro de uma empresa, maior será a quantidade de elogios e louvores necessários para apoiar o senso inflado do ego apresentado pelos indivíduos com predisposição para comportamentos narcisistas.

Ao investigar o Narcisismo nos CEO e a ocorrência de fraudes, Rijsenbilt e Commandeur (2013Rijsenbilt, A., & Commandeur, H. (2013). Narcissus enters the courtroom: CEO narcissism and fraud. Journal of Business Ethics, 117, 413-429.) constataram uma relação positiva e estatisticamente significativa entre essas variáveis. Os CEO altamente narcisistas podem alcançar a grandeza para suas empresas; entretanto, se não houver controle, isso pode resultar em um comportamento antiético e prejudicar os interesses corporativos. Johnson et al. (2013Johnson, E. N., Kuhn Jr., J. R., Apostolou, B., & Hassell, J. M. (2013, February). Auditor perceptions of client narcissism as a fraud attitude risk factor. Auditing: A Journal of Theory & Practice, 32(1), 203-219.) evidenciaram que o comportamento narcisista de gestores e a predisposição para fraude são significativos e estão positivamente relacionados à avaliação de riscos de fraude.

2.2.1.2 Psicopatia

Ao analisar o comportamento de psicopatas corporativos bem-sucedidos, Gudmundsson e Southey (2012Gudmundsson, A., & Southey, G. (2012). Leadership and the rise of the corporate psychopath: what can business schools do about the ‘snakes inside’? Social & Behavioral Research in Business, 2(2), 18-27) identificaram atributos como altos níveis de assertividade e baixos traços de afabilidade, tais como simplicidade, altruísmo, complacência e modéstia. Esses profissionais buscam excitação nas atividades, refletindo positivamente em alta competência nas organizações, ordem, esforço e autodisciplina.

Por outro lado, quando exercem altos cargos executivos, os psicopatas corporativos buscam lacunas na lei para evitar ou reduzir impostos. Sempre que possível, manipulam os preços das ações em benefício próprio, sem se preocupar com investidores, fundos de pensão e empregados. Os psicopatas corporativos envolvem as corporações em práticas ilegais de contabilidade, independente das implicações que podem vir a causar no longo prazo. Sem o efeito inibidor da consciência, os psicopatas corporativos são capazes de mentir, persuadir e manipular em busca de alcançar seus objetivos principais: poder, riqueza e status. Podem ser responsáveis por grande parte do mau comportamento organizacional, incluindo fraude contábil, manipulação de estoque, desemprego e danos ambientais por ausência de responsabilidade social (Boddy, 2006Boddy, C. R. (2006). The dark side of management decisions: organizational psychopaths. Management Decision, 44(10), 1461-1475.).

Os psicopatas são capazes de falsificar os resultados financeiros para obter promoção (McCormick & Burch, 2005McCormick, I., & Burch, G. (2005, November). Corporate behaviour; snakes in suits - fear and loathing in corporate clothing; they’re glib, charming, deceitful and ruthless; they’ve been described as “snakes in suits” - and they’re in an office near you. New Zealand Management, 52(10), 34.), bônus e outros benefícios, e até de cometer fraude absoluta (Clarke, 2005Clarke J. (2005). Working with monsters. How to identify and protect yourself from the workplace psychopath. Sidney: Random House.) contra a empresa que os emprega. Os indivíduos com alto nível de psicopatia se envolvem em mau comportamento financeiro, mesmo na presença de clara e provável punição, especialmente pela natureza egoística de tais indivíduos e pela necessidade de reputação e projeção no mundo financeiro. Os ricos em psicopatia demonstraram mais persistência em jogar, levando a maior perda financeira para o próximo participante, sem se importar com a provável punição (Jones, 2014Jones, D. N. (2014). Risk in the face of retribution: psychopathic individuals persist in financial misbehavior among the dark triad.Personality and Individual Differences,67, 109-113.).

2.2.1.3 Maquiavelismo.

Ao concentrar estudos sobre os traços de Maquiavelismo, Jones e Paulhus (2011Jones, D. N., & Paulhus, D. L. (2011). Differentiating the dark triad within the interpersonal circumplex. In Horowitz, L. M. & Strack, S.. Handbook of interpersonal psychology (pp. 249-269). New York: Wiley & Sons.) evidenciaram a estratégia, a tática e o estilo racional de tomar decisão, por considerar todos os custos e benefícios para a resolução dos problemas. Em contrapartida, as pessoas maquiavélicas são manipuladoras e estrategistas, com senso ético pragmático e propensão a usar táticas visando a alcançar seus objetivos, para obtenção de ganhos pessoais (Jones & Paulhus, 2009Jones, D. N. & Paulhus, D. L. (2009). Machiavellianism. In Leary, M. R. & Hoyle, R. H. (Ed.). Individual differences in social behavior (pp. 93-108). New York: Guilford.).

Ao analisar a relação entre o Maquiavelismo e o comportamento antiético, Murphy (2012Murphy, P. R. (2012). Attitude, Machiavellianism and the rationalization of misreporting. Accounting, Organizations and Society,37(4), 242-259.) investigou a racionalização como sendo uma das três características que compõem o triângulo das fraudes e comprovou que tal relação pressupõe a existência de declarações falsas nos relatórios financeiros. Nessa linha, Byington e Johnson (2011Byington, J. R., & Johnson, G. H. (2011). Machiavellianism and accounting competence: effects on budgetary attitudes. Journal of Applied Business Research, 6(3), 98-104.) comprovaram a tendência de indivíduos maquiavelistas para a manipulação de rubricas orçamentárias.

A relação entre os traços maquiavélicos e a decisão pelo gerenciamento de resultados foi constatada por Shafer e Wang (2011Shafer, W. E., & Wang, Z. (2011). Effects of ethical context and Machiavellianism on attitudes toward earnings management in China. Managerial Auditing Journal, 26(5), 372-392.). Nessa mesma perspectiva, Vladu (2013Vladu, A. B. (2013). Machiavellianism and short-term earnings management practices. Annales Universitatis: Apulensis Series Oeconomica, 15(2), 467-472.) evidenciou que a predisposição maquiavelística desempenha uma função central na decisão pelo gerenciamento de resultados financeiros, já que os indivíduos com alto escore na escala maquiavelística têm visualizações menos rígidas sobre a ética dessas práticas em curto prazo, considerando eticamente aceitável esse tipo de gerenciamento.

Assim, com base nos aspectos conceituais e nos resultados dos estudos apresentados, elaboramos a seguinte hipótese de pesquisa:

  • H1: Há uma relação positiva entre os traços moderados do Dark Triad e a menor predisposição de maximização de ganhos pessoais e empresariais por meio da manipulação de resultados.

  • H1a: Há uma relação positiva entre os traços moderados do Maquiavelismo e a menor predisposição de maximização de ganhos pessoais e empresariais por meio da manipulação de resultados.

  • H1b: Há uma relação positiva entre os traços moderados do Narcisismo e a menor predisposição de maximização de ganhos pessoais e empresariais por meio da manipulação de resultados.

  • H1c: Há uma relação positiva entre os traços moderados da Psicopatia e a menor predisposição de maximização de ganhos pessoais e empresariais por meio da manipulação de resultados.

  • H2: A interação dos traços que compõem o Dark Triad promove a tendência de maximização dos ganhos pessoais e empresariais por meio da manipulação de resultados.

Espera-se, que sejam reveladas as diferenças entre os níveis e as intensidades dos traços (baixo, moderado e alto). O traço baixo não tem realce na literatura, haja vista estar presente na população em geral e não gerar consequências. O traço alto tem ênfase na literatura e os resultados são unânimes: evidencia o caráter insensível, manipulador e desonesto. Já o traço moderado, pouco explorado pela literatura, pode evidenciar um meio-termo entre os resultados anteriores e permitir a confirmação de atitudes positivas, como afirmam Spain, Harms e LeBreton (2014Spain, S. M., Harms, P., & LeBreton, J. M. (2014). The dark side of personality at work. Journal of Organizational Behavior, 35, 41-60.). O efeito combinado da H2 permitirá a verificação de que as características comuns entre os 3 traços levam a atitudes negativas mais acentuadas, não extremas, mas oportunísticas.

3. METODOLOGIA

3.1 Abordagem Metodológica, Estratégia e Variáveis de Pesquisa

Esta investigação adota a abordagem metodológica teórico-empírica. O survey foi utilizado como estratégia de coleta de dados por meio de questionário autorrelato, enviado por e-mail, dada a dificuldade de aplicação pessoal com gestores.

O Dark Triad foi eleito como variável independente por ser capaz de explicar e prever a variável dependente - maximização de ganhos. O desenho da pesquisa foi configurado como mostra a Figura 2, apresentando as variáveis conceituais e operacionais, conforme o modelo de Libby, Bloomfield e Nelson (2002Libby, R., Bloomfield, R., & Nelson, M. W. (2002).Experimental research in financial accounting. Accounting, Organizations and Society, 27(8), 775-810. ).

Figura 2
Variáveis conceituais e operacionais da pesquisa.

Considerou-se que as variáveis idade, gênero e tempo de experiência, por serem características pessoais, são potencialmente influenciadores das escolhas de gestores, concepção suportada pela Teoria dos Altos Escalões.

3.2 Procedimentos e Operacionalização do Instrumento de Coleta de Dados

3.2.1 Short Dark Triad

Foi utilizado o “Short Dark Triad” (SD3) proposto por Jones e Paulhus (2014Jones, D. N., & Paulhus, D. L. (2014). Introducing the short dark triad (SD3): a brief measure of dark personality traits. Assessment, 21(1), 28-41.), com 9 breves assertivas para cada traço de personalidade, utilizando a escala Likert (1 a 5 pontos). Em consonância com o instrumento de pesquisa, as respostas às assertivas (N2, N6, N8, P2 e P7) foram revertidas: resposta 1 para 5; resposta 2 para 4 e resposta 3 se manteve sem reversão.

Para se estabelecer os níveis dos traços foi adotado o seguinte critério: inicialmente foi mensurada a média de cada indivíduo e do grupo (variável quantitativa), sendo na sequência utilizado o tercil para dividir o grupo em três faixas: baixos traços, traços moderados e altos traços (variável qualitativa). O cálculo da média foi utilizado por se tratar de prática corrente em estudos na área de psicologia (Campbell et al., 2011Campbell, W. K., Hoffman, B. J., Campbell, S. M., & Marchisio, G. (2011). Narcissism in organizational contexts. Human Resource Management Review, 21(4), 268-284.; Jones & Paulhus, 2014Jones, D. N., & Paulhus, D. L. (2014). Introducing the short dark triad (SD3): a brief measure of dark personality traits. Assessment, 21(1), 28-41.; Paulhus & Williams, 2002Paulhus, D. L., & Williams, K. (2002). The dark triad of personality: narcissism, Machiavellianism, and psychopathy. Journal of Research in Personality, 36(6), 556-563.) e na área contábil (Johnson et al., 2013Johnson, E. N., Kuhn Jr., J. R., Apostolou, B., & Hassell, J. M. (2013, February). Auditor perceptions of client narcissism as a fraud attitude risk factor. Auditing: A Journal of Theory & Practice, 32(1), 203-219.; Majors, 2015Majors, T. M. (2015).The interaction of communicating measurement uncertainty and the dark triad on managers’ reporting decisions.The Accounting Review,91(3), 973-992. ; Murphy, 2012Murphy, P. R. (2012). Attitude, Machiavellianism and the rationalization of misreporting. Accounting, Organizations and Society,37(4), 242-259.).

3.2.2 Simulação empresarial

Foram elaboradas 10 questões envolvendo uma simulação empresarial (SE) com base em ações de maximização de ganhos, tendo por enfoque 7 assertivas no formato Likert (1 a 5 pontos), de possíveis manobras financeiras de cunho contábil, discutidas por Schilit e Perler (2010Schilit, H. M., & Perler, J. (2010). Financial shenanigans. (3th ed.). New York: McGraw-Hill.). As outras três assertivas foram colocadas para desviar o foco da temática investigada. A contextualização da SE sugere que as decisões dos gestores impactarão seu desempenho, a possibilidade de perda da função e a demissão de empregados que trabalham na equipe de trabalho. As assertivas são:

  • Convoco a equipe para apresentar os resultados e solicitar empenho para o alcance da meta nos dois dias restantes.

  • Verifico com o setor de vendas a possibilidade de antecipar o registro de vendas que só serão efetivadas no mês posterior.

  • Verifico se as despesas correntes de manutenção podem ser postergadas.

  • Convido os colegas para jantar, para diminuir a tensão do dia a dia.

  • Verifico se há possibilidade de alocar despesas diversas ao Ativo Permanente.

  • Verifico se os encargos financeiros do mês corrente podem ser lançados para períodos futuros.

  • Observo a possibilidade de postergar perdas prováveis sinalizadas pelo setor jurídico, referentes a causas trabalhistas que deveriam ser contabilizadas no mês corrente.

  • Não informo que os estoques armazenados em determinado local estão perdidos, por consequência de algum problema técnico.

  • Não informo à contabilidade, e mantenho no Ativo um saldo relevante a receber de um cliente falido.

  • Relaxo, tendo ciência de que fiz o possível para alcançar os resultados.

Para a operacionalização das respostas do método SE, tirou-se a média (variável quantitativa) e em seguida dividiu-se o grupo pela mediana, isto é, em duas faixas -manipulação/não manipulação (variável qualitativa).

3.2.3 Loteria

O método loteria (L) foi desenvolvido em complemento ao da SE, constituído com o propósito de detectar o comportamento de maximização de ganho pessoal, para análise conjunta, por meio de 10 questões de cunho gerencial e financeiro, no formato de “loteria” (certo/errado), com o objetivo de levar o pesquisado a responder as questões e participar do sorteio de dois minitablets, como mostrado na Tabela 1.

Tabela 1
Loteria

Quando cada pesquisado concluiu as respostas às questões do método L, ou quando o prazo para as respostas às questões expirou, foi solicitado que salvasse as respostas e verificasse os acertos. Nesse momento, podia ocorrer uma das seguintes situações:

Parabéns! Você acertou todas as questões. Poderá ser um dos ganhadores! (Nessa situação, não havia como detectar o comportamento antiético). Clique em SALVAR e FINALIZAR.

Infelizmente, você não acertou todas as questões. Mas poderá participar do sorteio, caso seu número de acertos se iguale ao dos demais participantes. Para tanto, clique em SALVAR e FINALIZAR.

Quando o pesquisado clicava em SALVAR, aparecia a seguinte mensagem de erro ilustrada na Figura 3.

Figura 3
Blefe

A mensagem de erro foi inserida de forma proposital, como um “blefe”, com o intuito de observar a disposição do respondente para decidir diante de duas alternativas (sim/não), pela manipulação de resultados, dado que o indivíduo já tinha sido informado sobre seu resultado/desempenho. Se o participante clicou em “acertei todas as questões” mesmo sabendo que não acertou, ele manipulou sua decisão e revelou um comportamento oportunístico.

Para que os pesquisados não desconfiassem do objetivo principal da pesquisa, nem consultassem a internet para responder as questões, foram adotadas as seguintes medidas: (a) foram disponibilizados apenas 4 minutos para salvar as respostas (foi inserido um cronômetro na tela); (b) as questões foram elaboradas de modo que não fosse possível verificar rapidamente as respostas pela internet ou por outras fontes; (c) as questões foram inseridas uma a uma; (d) foi inserido um dispositivo que impede a cópia das questões; e (e) foi inserida uma função de bloqueio automático do questionário após completamente respondido.

Para justificar a limitação do tempo para as respostas, o enunciado do método L informa que a intenção do estudo é detectar a capacidade do gestor para tomar decisões rápidas, com vistas a maximizar os ganhos empresariais. Entretanto, tal estratégia foi adotada com os objetivos anteriormente relatados e para verificar se, sob pressão, especialmente no contexto de simulação empresarial, os indivíduos têm a disposição de maximizar seu ganho (desempenho) por meio da manipulação de resultados. Analogamente, o prêmio foi utilizado como um incentivo, uma estratégia para detectar a intenção dos indivíduos quando estimulados a se comportar de modo oportunístico.

Para a parametrização das variáveis de natureza binária (sim/não), foram categorizadas “sim” para manipulação e “não” para não manipulação (variável qualitativa). Com o objetivo de verificar a disposição para manipulação de modo integrado, categorizou-se uma variável binária denominada manipulação conjunta (MC), com base no seguinte procedimento: se o indivíduo manipulou, por 1 dos métodos ou pelos 2 métodos simultaneamente, ele tem disposição para a manipulação de resultados. Esse critério também foi adotado pela presença de correlação (r = 0,282, p < 0,001) entre o método SE e o método L. A operacionalização da variável também é binária (sim/não) e foram categorizados “sim” para manipulação e “não” para não manipulação (variável qualitativa).

3.3 Abordagem Estatística

Foram aplicadas as seguintes técnicas estatísticas: descritiva, correlação, testes de hipóteses ANOVA de um fator e o teste de Mann-Whitney e a regressão logística, estas últimas para validação das hipóteses H1 e H2. A técnica de correlação possibilitou verificar a associação entre os traços de personalidade, além da relação entre as variáveis dos traços de personalidade e a maximização de ganhos. A regressão logística foi aplicada devido à natureza binária da variável dependente resultantes dos métodos L e MC. Essa técnica possibilitou verificar os efeitos de cada uma das variáveis inseridas no modelo e verificar a probabilidade de ocorrência de determinado evento e a contribuição individual de cada um dos previsores.

4. ANÁLISE DOS RESULTADOS

4.1 Aplicação da Pesquisa

4.1.1 Participantes

A pesquisa foi realizada com 263 gestores, com o seguinte perfil demográfico: gênero (63,1% do sexo masculino); faixa etária (10,3% entre 18 e 25 anos; 54% entre 26 e 35 anos; 22,1% entre 36 e 45 anos; e 13,7% acima de 45 anos). A experiência na área de gestão se mostrou bem estratificada, com maiores incidências para 10 meses (20%), 24 meses (41%), 36 meses (19%) e 72 e 120 meses (14%).

4.1.2 Resultados e discussões

O Maquiavelismo apresentou a maior média (2,9155) entre os 3 traços. No tocante à frequência dos traços por nível, revelados com base no tercil, o Maquiavelismo e a Psicopatia apresentaram as maiores proporções (38% e 41,1% nos graus baixos, respectivamente) e o Narcisismo apresentou a maior proporção nos graus moderados (43%). A divisão em níveis de intensidade dos traços em baixos e altos foi evidenciada em estudos como os de Johnson et al. (2013Johnson, E. N., Kuhn Jr., J. R., Apostolou, B., & Hassell, J. M. (2013, February). Auditor perceptions of client narcissism as a fraud attitude risk factor. Auditing: A Journal of Theory & Practice, 32(1), 203-219.), Majors (2015Majors, T. M. (2015).The interaction of communicating measurement uncertainty and the dark triad on managers’ reporting decisions.The Accounting Review,91(3), 973-992. ) e Murphy (2012Murphy, P. R. (2012). Attitude, Machiavellianism and the rationalization of misreporting. Accounting, Organizations and Society,37(4), 242-259.). Esse procedimento possibilita a percepção da força dos traços para diferenciar a maior ou menor disposição do indivíduo para manifestar condutas oportunísticas no ambiente empresarial. Como a Psicopatia apresentou a menor média em relação aos outros 2 traços, o tercil também reflete menor valor entre as faixas alta, moderada e baixa.

Além disso, encontrar o nível moderado representa uma contribuição adicional aos trabalhos que estudaram essa temática, com a expectativa de que esse nível possa apresentar atitudes que revelem as características desejáveis e positivas de cada traço de personalidade, em âmbito empresarial, em detrimento do lado negativo e oportunístico da tríade. Como asseveram Chatterjee e Hambrick (2007Hambrick, D. C. (2007). Upper echelons theory: an update. Academy of Management Review, 32(2), 334-343.), o Narcisismo moderado é essencial para o ser humano.

No que se refere à frequência da maximização de ganhos por meio da manipulação de resultados, os resultados apontaram maior incidência de condutas não oportunísticas, tanto para o método SE (53,2%) como para o método L (83,3%). Entretanto, ao analisar os 2 métodos de modo conjunto, 51,3% dos respondentes apresentaram o comportamento. Nesse particular, vale esclarecer que 30 respondentes imprimiram a disposição pela manipulação pelos 2 métodos ao mesmo tempo.

O método SE, por ser medido pela escala Likert, reflete a concordância e a discordância do respondente quanto à manipulação de resultados e possibilita uma análise atitudinal, sem necessariamente confirmar a ação de manipulação, mas apenas uma predisposição. Já no método L, o respondente apresenta o comportamento oportunístico, ao assinalar ter acertado todas as questões, mesmo tendo sido informado que não acertou. Os 2 métodos juntos refletem tanto a atitude como o comportamento oportunístico. Como já informado anteriormente, essa junção dos 2 métodos também foi oportunizada pela correlação estatística evidenciada.

Esses resultados estão em consonância com Giammarco, Atkinson, Baughman, Veselk, e Vernon (2013Giammarco, E.A., Atkinson, B., Baughman, H. M., Veselka, L., & Vernon, P. A. (2013). The relation between antisocial personality and the perceived ability to deceive. Personality and Individual Differences, 54(2), 246-250.), cujas evidências apontam que os indivíduos com tendência maquiavélica, psicopática ou narcisista acreditam que são melhores ao mentir do que a média das pessoas, em uma ampla gama de situações. Os maquiavelistas são os que demonstram maior capacidade de enganar, seguidos pelos psicopatas, ficando os narcisistas na terceira posição. Segundo Austin, Farrelly, Black e Moore (2007Austin, E., Farrelly, D., Black, C., & Moore, H. (2007). Emotional intelligence, machiavellianism and emotional manipulation: does EI have a dark side? Personality and Individual Differences, 43, 179-189.), o maquiavelista tem grande capacidade de manipulação emocional.

Quando se analisou a correlação de Pearson entre as variáveis, observou-se relação positiva e significativa entre Maquiavelismo e Narcisismo (r = 0,209, p < 0,05), Maquiavelismo e Psicopatia (r = 0,349, p < 0,05) e Narcisismo e Psicopatia (r = 0,251, p < 0,05). O método SE se mostrou positivo e significativo com os 3 tipos de personalidade, evidenciando mais intensidade com a Psicopatia (r = 0,232, p < 0,05).

Ao analisar a correlação entre Maquiavelismo e Psicopatia, pode-se inferir que há maior propensão de envolvimento de psicopatas em táticas de gestão enganosas para obter o próprio ganho, sem culpa sobre os danos causados aos outros. Se precisarem persuadir e convencer os outros sobre a adoção de uma tática de gestão enganosa, tendem a mentir sem remorso.

No tocante à correlação entre o Maquiavelismo e o Narcisismo, os resultados sugerem que os narcisistas têm maior propensão a utilizar as estratégias de manipulação do que os maquiavelistas para alimentar o senso de grandiosidade e exibicionismo, em busca de aplausos e status. Apesar de menor entre as 3, a correlação entre o Narcisismo e a Psicopatia sugere, dentre outros comportamentos, a busca de autoestima e autopromoção no meio empresarial.

A correlação de Spearman, utilizada pela natureza qualitativa das variáveis categorizadas nos métodos L e MC, confirma a associação dos traços com a MC (Maquiavelismo: r = 0,230, p < 0,05; Narcisismo: r = 0,108, p < 0,10; Psicopatia: r = 0,165, p < 0,05) e a correlação entre os métodos L e MC (r = 0,436, p < 0,05).

Esses resultados possibilitam a inferência de que há uma relação significativa entre os traços do Dark Triad e a maximização de ganhos, corroborando os estudos anteriores que relacionam os traços de Maquiavelismo (Austin et al., 2007Austin, E., Farrelly, D., Black, C., & Moore, H. (2007). Emotional intelligence, machiavellianism and emotional manipulation: does EI have a dark side? Personality and Individual Differences, 43, 179-189.; Hartman & Mass, 2010Hartmann, F. G. H., & Maas, V. S. (2010, January). Why business unit controllers create budget slack: involvement in management, social pressure, and machiavellianism. Behavioral Research in Accounting, 22(2), 27-49.; Murphy, 2012Murphy, P. R. (2012). Attitude, Machiavellianism and the rationalization of misreporting. Accounting, Organizations and Society,37(4), 242-259.; Shafer & Wang, 2011Shafer, W. E., & Wang, Z. (2011). Effects of ethical context and Machiavellianism on attitudes toward earnings management in China. Managerial Auditing Journal, 26(5), 372-392.), Narcisismo (Frino et al., 2015Frino, A., Lim, M. Y., Mollica, V., & Palumbo, R. (2015). CEO narcissism and earnings management (Working Paper). Retrieved from http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2539555
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; Johnson et al., 2013Johnson, E. N., Kuhn Jr., J. R., Apostolou, B., & Hassell, J. M. (2013, February). Auditor perceptions of client narcissism as a fraud attitude risk factor. Auditing: A Journal of Theory & Practice, 32(1), 203-219.; Rijsenbilt & Commandeur, 2013Rijsenbilt, A., & Commandeur, H. (2013). Narcissus enters the courtroom: CEO narcissism and fraud. Journal of Business Ethics, 117, 413-429.) e Psicopatia (Boddy, 2006Boddy, C. R. (2006). The dark side of management decisions: organizational psychopaths. Management Decision, 44(10), 1461-1475.; Clarke, 2005Clarke J. (2005). Working with monsters. How to identify and protect yourself from the workplace psychopath. Sidney: Random House.; Jones, 2014Jones, D. N. (2014). Risk in the face of retribution: psychopathic individuals persist in financial misbehavior among the dark triad.Personality and Individual Differences,67, 109-113.) com gerenciamento de resultados e fraude empresarial.

Ademais, os achados confirmam a teoria-base desta investigação, qual seja, a de que a personalidade influencia as interpretações dos indivíduos e, consequentemente, afeta suas escolhas (Hambrick & Mason, 1984Hambrick, D. C., & Mason, P. A. (1984). Upper echelons: the organization as a reflection of its top managers. Academy of Management Review, 9(2), 193-206.; Hambrick, 2007Hambrick, D. C. (2007). Upper echelons theory: an update. Academy of Management Review, 32(2), 334-343.).

Após a confirmação da homogeneidade das variâncias, por meio do teste de Levene - Maquiavelismo (p = 0,557), Narcisismo (p = 0,795) e Psicopatia (p = 0,715) -, aplicou-se o método estatístico ANOVA de um fator, pelo método SE, conforme Tabela 2. O teste F revelou os valores F(2,260) = 7,006, p = 0,001 para o Maquiavelismo; F(2,260) = 1,717, p = 0,182 para o Narcisismo; e F(2,260) = 8,071, p < 0,001 para a Psicopatia. Tais resultados sugerem que há diferença nas atitudes de maximização de ganhos entre os indivíduos, de acordo com os níveis baixo, moderado e alto para os gestores que manifestam traços de Maquiavelismo e Psicopatia.

Table 2
ANOVA: business simulation

Tabela 2
ANOVA: simulação empresarial

Quando analisada a diferença entre as médias dos traços, pelo método L e pela MC, observou-se, por meio do teste de Mann-Whitney, que há diferença na manipulação de resultados para os traços maquiavélicos e psicopáticos (Tabela 3).

Já o Narcisismo não apresentou diferença de média em nenhum dos métodos de detecção de manipulação de resultados aqui adotados. Infere-se que esse achado pode ter relação com a natureza sigilosa de captura de dados deste estudo, a qual não motivou a diferença de intensidade do traço, haja vista a necessidade dos narcisistas de serem glorificados e aplaudidos por suas conquistas, especialmente quando se sobressaem sobre os demais. Como o fracasso e as críticas assustam os narcisistas, eles se retraem para mascarar e proteger sua grandiosidade e seu senso de superioridade e podem demonstrar falta de disposição para se arriscar em situações competitivas Mecler (2015Mecler, K. (2015). Psicopatas do cotidiano: como reconhecer, como conviver, como se proteger. Rio de Janeiro: Casa da Palavra.). Outro ponto a ser verificado em estudos posteriores é a premiação oferecida, que talvez não tenha sido suficiente para motivar a manipulação para maximização de ganhos. Esse achado refuta a suposição de que o Narcisismo exibe uma disposição moderada e positiva.

Tabela 3
Teste de Mann-Whitney: loteria e manipulação conjunta

Com o intuito de comparar em par cada nível dos traços que compõem o Dark Triad, observou-se, por meio do teste de Bonferroni (post hoc test da ANOVA), que os indivíduos com moderados e altos traços maquiavelísticos exibem diferença significativa (p = 0,006 e p = 0,004) em relação à SE na comparação com os indivíduos que imprimem baixos traços. Pelo método MC, o Maquiavelismo também se diferencia dos moderados p = 0,055 e altos traços (p < 0,001). Já o método L não evidenciou diferenças.

Pelo teste de Tukey, observa-se que o nível moderado do Maquiavelismo está mais próximo do nível alto, com médias 0,5432 e 0,6585, respectivamente, o que denota maior tendência de esses gestores manipularem os resultados de modo intencional, a partir de estratégias que possibilitem o alcance de objetivos e metas pessoais. Infere-se, ainda, que os gestores com Maquiavelismo moderado tendem a adotar táticas de manipulação gerenciais com base em cálculos, com ausência de padrões de moral e ética, orientadas a ganhos futuros, de longo prazo, em um comportamento similar ao dos gestores que exibiram altos traços. Hartog e Belschak (2012Hartog, D. N. H., & Belschak, F. D. (2012). Work engagement and Machiavellianism in the ethical leadership process. Journal Business Ethics, 107(1), 35-47.) destacam que quando os líderes são altamente maquiavélicos, os efeitos positivos do comportamento do líder podem vir a ser suprimidos.

Pelos testes de Bonferroni e Tukey, o Narcisismo não revelou diferenças de médias entre os baixos traços e os traços moderados e os altos traços pelos 3 métodos (SE, L e MC). O teste de Tukey apresenta a formação de um único subgrupo, confirmando os resultados anteriores.

Quando se analisa a Psicopatia, é possível notar, por meio do teste de Bonferroni, que os indivíduos com baixos e moderados traços psicopáticos exibem diferença significativa (p < 0,001 e p = 0,008) quanto ao método SE, em relação a indivíduos que imprimem altos traços. O teste de Tukey corrobora os resultados encontrados anteriormente, por demonstrar que o subgrupo 1, composto pela decisão de indivíduos com baixos traços e traços moderados (médias 2,2169 e 2,2780, respectivamente), apresenta médias estatísticas mais significativamente semelhantes e próximas, diferindo do subgrupo 2, composto pelos traços altos.

Os resultados sugerem, ainda, que os altos traços se diferenciam dos traços moderados (p = 0,017) e dos traços baixos (p = 0,027), ao analisar o método MC. O teste de Tukey confirma a formação do subgrupo 1, composto pelos baixos traços e pelos traços moderados (médias 0,4324 e 0,4630, respectivamente, significativas e mais semelhantes) e do subgrupo 2 (média 0,6543), composto pelos altos traços. O método L não evidenciou diferenças.

Com esse resultado, infere-se que os traços moderados demonstram menor tendência de os gestores maximizarem ganhos por meio da manipulação de resultados. A maior aproximação dos baixos traços e dos traços moderados confirma a suposição de que a Psicopatia exibe disposição moderada e positiva na amostra estudada. Esse achado sugere que o gestor com traços moderados utiliza a inteligência, a impulsividade moderada para alavancar e fazer bons negócios, além de usar o charme, a capacidade de comunicação, a criatividade, a visão, a coragem e a capacidade de tomar decisões difíceis de modo positivo na esfera empresarial.

Ao aplicar a regressão logística para teste da H2, os traços do Dark Triad foram agrupados de modo interativo Maqui*Narc*Psico, para observar o efeito combinado, pela evidência de correlação positiva e significativa entre os 3 traços e pela evidência de que a manipulação é uma característica comum à tríade. O mesmo procedimento foi adotado para as variáveis Experiência*Faixa etária, pela evidência da correlação entre elas (r = 0,683, p < 0,001).

O teste qui-quadrado evidenciou que os coeficientes em conjunto são estatisticamente significativos para o modelo em estudo, diante dos métodos SE (sig. 0,000) e MC (sig. 0,000). Esse resultado possibilita a interpretação de que o modelo é capaz de predizer com acurácia a investigação.

A interação Maqui*Narc*Psico é significativa e apresenta sinal positivo, evidenciando que a variação positiva dessa variável concorre para o aumento da probabilidade de os gestores decidirem-se pela manipulação de resultados, mensurada pelos métodos SE, L e MC, quando as demais variáveis permanecerem constantes. Isso denota que se a variável interativa Maqui*Narc*Psico aumentar em uma unidade, o logit estimado aumenta em média 1,069, 1,025 e 1,063, sugerindo uma relação positiva entre a decisão de manipular resultados e os traços de personalidade, mensurada pelos métodos SE, L e MC. A variável gênero também se mostrou positiva pelo método L e sugere uma relação positiva com o logit.

Quanto à significância das variáveis individualmente, o teste de Wald evidencia a significância da variável interativa Maqui*Narc*Psico, indicando que ela é estatisticamente significativa como fator de previsão para a decisão de manipular resultados. A variável interativa Experiência*Faixa etária também se mostra significativa e como fator de predição, quando analisado o método SE. Segundo Bommer, Gratto, Gravander e Tuttle (1987Bommer, M., Gratto, C., Gravander, J., & Tuttle, M. (1987). A behavioral model of ethical and unethical decision making. Journal of Business Ethics, 6, 265-280.), nas situações em que existam dilemas éticos, os atributos individuais (personalidade, perfil demográfico, objetivos pessoais, posição/status e experiências) são condições necessárias para a percepção e a seleção de alternativas que refletem um comportamento decisório ético ou antiético. Enfatizam, ainda, que quando há situações de conflito entre os valores pessoais do gestor e os objetivos da organização, ele decide pelo caminho que beneficie seus próprios interesses, especialmente quando está em jogo seu progresso na carreira.

Em relação às outras variáveis incluídas no modelo, embora não tenham se mostrado significativas, o teste qui-quadrado evidenciou a significância do modelo estudado, quando se analisam as variáveis em conjunto (Tabela 4).

Tabela 4
Coeficientes, sinais e teste de Wald

Esse achado coaduna com os resultados de Lee e Ashton (2005Lee, K., & Ashton, M. C. (2005). Psychopathy, machiavellianism, and narcissism in the five factor model and the Hexaco model of personality structure. Personality and Individual Differences, 38(7), 1.571-1.582.), os quais indicaram que todos os traços do Dark Triad se correlacionam forte e negativamente à dimensão Honestidade-Humildade, do modelo Hexaco, indicando claramente que essa tríade tem características comuns que pressupõem forte tendência à desonestidade e ao oportunismo.

Nesse contexto, infere-se que as personalidades sombrias deixam os indivíduos vulneráveis a lapsos éticos, que podem comprometer uma empresa no curto e/ou longo prazo. Nesse particular, Ferrel e Gresham (1985Ferrell, O. C., & Gresham, L. G. (1985). A framework contingency ethical decision understanding making in marketing. Journal of Marketing, 49(3), 87-96.) asseveram que as decisões éticas ou antiéticas são influenciadas por fatores individuais (estrutura cognitiva do indivíduo, conhecimentos, valores, crenças, atitudes e intenções) e pela oportunidade de ação.

Sumariamente, este estudo, apoiado pela Teoria dos Altos Escalões, evidenciou o lado moderado dos traços de personalidade e verificou que, para os traços de Maquiavelismo e Psicopatia, as disposições se apresentaram contrárias. Se, por um lado, o Maquiavelismo moderado manifestou maior semelhança com os indivíduos ricos em Maquiavelismo, a Psicopatia moderada manifestou mais aproximação com a baixa Psicopatia, o que apoia H1c. Foi evidenciado, ainda, que existe uma relação positiva entre a interação dos traços que compõem o Dark Triad e a maximização de ganhos, o que suporta H2.

Infere-se que o Maquiavelismo moderado tem maior probabilidade de exteriorizar disposições oportunísticas no meio empresarial, contrariando a expectativa de um comportamento positivo, enquanto a Psicopatia moderada sugere um comportamento positivo e desejável, em consonância com as expectativas dos pesquisadores deste estudo, os quais acreditam que os traços de personalidade do Dark Triad também podem revelar o lado positivo no meio organizacional.

A rejeição de H1a e H1b suscita a continuidade dos estudos sobre a temática, sobretudo pela diferença cultural, pelo ambiente de aplicação e pelos sujeitos da pesquisa.

5. CONCLUSÃO

Os traços moderados do Maquiavelismo se apresentaram mais próximos dos altos traços, o que permite inferir que há maior tendência dos gestores manifestarem atitudes oportunistas, com o cinismo que lhes é característico, por meio de estratégias que mantenham sua reputação e possibilitem o alcance de objetivos e metas pessoais. Já os traços moderados da Psicopatia exibiram maior aproximação e semelhança com os baixos traços e os traços moderados, permitindo inferir menor tendência de os gestores maximizarem ganhos pela manipulação de resultados. Esse achado confirma a suposição de que a Psicopatia exibe uma disposição moderada e positiva na amostra estudada. Nesse contexto, o gestor com traços moderados utiliza a inteligência, a impulsividade moderada para alavancar e fazer bons negócios, além de usar o charme, a capacidade de comunicação, a criatividade, a visão, a coragem e a capacidade de tomar decisões difíceis de forma positiva na esfera empresarial.

O efeito combinado entre os traços do Dark Triad se mostrou significativo e positivo, evidenciando que sua variação positiva concorre para o aumento da probabilidade de os gestores maximizarem ganhos por meio da manipulação de resultados. A interação entre experiência e faixa etária também se mostrou significativa e como fator de predição, quando analisado o método SE. Assim, de modo semelhante para os três traços, estima-se a chance de ocorrência de maximização de ganhos associada ao oportunismo e à desonestidade de gestores no meio empresarial.

Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi alcançado e o problema de pesquisa foi respondido. Embora não se tenha revelado uma diferença de níveis para o Narcisismo, achado que pode evidenciar um viés ou um erro na aplicação desta pesquisa ou, como afirmam Furtner, Rauthmann e Sachse (2011Furtner, M. R., Rauthmann, J. F., & Sachse, P. (2011). The self-loving self-leader: an examination of the relationship between self-leadership and the dark triad. Social Behavior and Personality, 39(3), 369-380.), os resultados das investigações que discutem o Narcisismo podem diferenciar-se e tornar-se desejáveis ou indesejáveis, em função da cultura do ambiente geográfico que for objeto de análise. Entretanto, esse achado pode ser reflexo da concepção de Giammarco et al. (2013Giammarco, E.A., Atkinson, B., Baughman, H. M., Veselka, L., & Vernon, P. A. (2013). The relation between antisocial personality and the perceived ability to deceive. Personality and Individual Differences, 54(2), 246-250.), de que, entre os 3 traços, o Narcisismo é o que tem menor disposição para enganar.

As evidências encontradas promovem o fortalecimento de investigações da área contábil, em especial a abordagem comportamental, por promover sua interface com a psicologia, para o entendimento de como a personalidade, os valores e a experiência influenciam as escolhas dos gestores para a condução do negócio e como os funcionários e as empresas são impactados por tais decisões. Possibilitam, ainda, que futuras pesquisas analisem de modo sistemático a intensidade moderada da tríade, além de corroborarem os achados que revelaram as características comuns de manipulação, insensibilidade e desonestidade - quando se analisou o efeito interativo entre os traços.

Vale ressaltar, ainda, algumas limitações do estudo. A aplicação de questionário de personalidade do tipo autorrelato pode propiciar tendenciosidade na autodescrição das características e do comportamento dos pesquisados, os quais podem demonstrar algum viés, especialmente se sentirem dificuldade de responder objetivamente perguntas sobre si mesmos. Ademais, o método para capturar maximização de ganhos por meio da manipulação de resultados é um caminho delicado, complexo e de difícil mensuração, dada a sensibilidade do assunto.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2019

Histórico

  • Recebido
    09 Jun 2017
  • Aceito
    08 Dez 2017
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