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Seguros de automóvel no Brasil: concentração e demanda de mercado

RESUMO

Este trabalho estuda dois aspectos do mercado de seguros de automóvel no Brasil: o primeiro visa determinar o grau de competitividade das empresas que o compõem e, o segundo, estimar e analisar a demanda por seguros de automóveis. A maioria de estudos no Brasil sobre o setor de seguros de automóveis versa sobre o desempenho das empresas desse setor ou, ainda, mostra estudos regionais da demanda por seguros e seus determinantes. Nesse sentido, este estudo inova os estudos desse setor no Brasil, mostrando, primeiramente, o comportamento próximo do competitivo das firmas e, depois, estimando a demanda por seguros no país. A relevância deste trabalho está na forma ordenada e sequencial de analisar a demanda em um setor. Primeiramente, a identificação do tipo de concorrência que tem lugar no setor e, depois, com base nisso, a proposta de uma forma estrutural fundamentada em decisões otimizadoras para estimar as elasticidades-preço, renda e de poder de mercado da demanda. Além disso, é inegável a importância da análise do setor de seguros por movimentar significativas quantidades de recursos financeiros e prestar um serviço essencial na economia. Com informação sobre a estrutura de mercado e do perfil da demanda do setor seguros de automóveis, é possível propor tanto políticas estratégicas do ponto de vista das firmas individualmente quanto setoriais, visando trazer maior eficiência ao setor. Para analisar a competitividade, são calculadas medidas de concentração utilizando dados mensais agregados anualmente do prêmio de todas as empresas seguradoras do ramo de automóveis, no período de 2001 a 2016. Para estimar a demanda por seguros de automóvel, utilizaram-se dados semestrais de 2002 a 2010 para cada uma das 27 unidades federativas do Brasil. Dois são os resultados apresentados neste estudo. No primeiro, encontramos evidência de pouca concentração no mercado de seguros de automóveis no Brasil, sendo que as parcelas de participação estão bem distribuídas entre as empresas. O segundo mostra a estimação da demanda por seguros de automóveis no Brasil e encontra que a elasticidade de curto prazo da demanda por seguros em relação a prêmio cobrado é da ordem de -0,47, enquanto essa mesma elasticidade, no longo prazo, é de -1,33. Além disso, o lucro defasado tem influência negativa sobre a importância assegurada da ordem de -0,21 no curto prazo e -0,59 no longo prazo. A renda não afeta significativamente a demanda por seguros no Brasil.

Palavras-chave:
seguros de automóvel; competitividade; concentração de mercado; demanda por seguros

ABSTRACT

This paper studies two aspects of the automobile insurance market in Brazil: first, it determines the degree of competition among insurance companies, and second, it estimates and analyzes the demand for automobile insurance. Most of the studies on the automobile insurance market in Brazil analyze the performance of the firms in this sector or present regional studies of the demand for insurance and its determinants. Thus, this study innovates both in showing the competition among the firms and estimating the demand for insurance in the country. The relevance of this research lies in the sequential and ordered way it analyzes the demand in a sector. Firstly, it identifies the type of competition that takes place in the sector and then, based on this, it proposes a structural framework based on optimizing decisions for estimating the price, income, and market power elasticities of demand. Furthermore, analyzing the insurance industry is of the utmost importance since it moves significant amounts of financial resources and provides an essential service in the economy. With information about the market structure and demand profile in the automobile insurance sector it is possible to propose strategic policies for individual firms as well as for the whole sector in order to introduce more efficiency. To analyze the degree of competitiveness, several concentration indices were calculated using annually-aggregated monthly data on the premium paid to all the automobile insurance firms in the period from 2001 to 2016. To estimate the demand for automobile insurance, half-yearly data from 2002 to 2010 for each one of the 27 federative units of Brazil were used. Two main findings are presented in this study. First, we find evidence of little concentration in the Brazilian automobile insurance market, with shares being well distributed among the players. Second, we estimate the demand for automobile insurance in Brazil and find a price-elasticity of -0.47 in the short run and -1.33 in the long run, while the lagged profitability has a negative impact on the amount insured: -0.21 in the short run and -0.59 in the long run. Income does not significantly influence the demand for insurance in Brazil.

Keywords:
automobile insurance market; competitiveness; market concentration; demand for insurance

1. INTRODUÇÃO

O mercado de seguros brasileiro é um dos mais importantes na economia, não apenas por providenciar proteção contra eventos adversos que podem reduzir o patrimônio pessoal ou empresarial, mas também porque movimenta grandes quantidades de recursos financeiros dentro das rendas de propriedade reportadas nas Contas Econômicas Integradas. Em 2016, apenas os rendimentos dos investimentos atribuídos a detentores de apólices de seguros foram de R$ 10,23 bilhões.

O Brasil caracteriza-se por apresentar um setor de seguros com diversidade de coberturas e personalização. As coberturas são a garantia de proteção contra o risco de determinado evento e são categorizadas e disponibilizadas de acordo com o tipo de seguro contratado. Para o ramo de automóvel, são seis coberturas: danos ao veículo, indenização integral, danos a terceiros, danos aos passageiros, responsabilidade civil e adicionais. Para todo o mercado de seguros temos centenas de coberturas oferecidas nos 95 ramos comercializados no Brasil.

Citando uma empresa seguradora, segundo o jornal Valor Econômico de 7 de novembro de 2017, a BB Seguridade teve lucro líquido de 1,2 bilhão no terceiro trimestre desse ano, mostrando a importância econômica do setor não apenas em volume, mas também em taxa de crescimento, pois esse montante representou uma alta de 20,7% em comparação ao mesmo período de 2016.

Na literatura nacional e internacional, encontramos vários estudos do mercado segurador. Em Sherden (1984Sherden, W. A. (1984). An analysis of the determinants of the demand for automobile insurance. Journal of Risk and Insurance, 51(1), 49-62.), estimam-se os efeitos de preço, renda e percepção de risco sobre a demanda por seguros de automóveis em 359 cidades do estado de Massachusetts, em 1979. Ele encontra que a demanda é inelástica em relação ao preço e à renda e que o volume demandado aumenta substancialmente em áreas de maior densidade populacional. Já Khovidhunkit e Weiss (2005Khovidhunkit, P., & Weiss, M. A. (2005). Demand for automobile insurance in the United States [Technical Report]. Temple University.) estudam todos os estados norte-americanos, exceto Washington D.C., por meio de um painel de dados no período de 1982 a 1994. Esses autores encontram que a demanda é positivamente relacionada com a riqueza, com a densidade no trânsito e com o número de automóveis registrados; no entanto, negativamente relacionada com o preço e a idade do condutor. Em Tipurić, Pejić e Pavić (2008Tipurić, D., Pejić B. M., & Pavić, T. (2008). Concentration of the insurance industry in selected transition countries of Central and Eastern Europe, 1998-2006. Post-Communist Economies, 20(1), 97-118.), analisa-se a evolução da concentração no mercado de seguros nos países da Europa Central e Oriental desde 1998 até 2006. Além de encontrar uma diminuição do grau de concentração, mostra-se como a privatização das empresas líderes de mercado trouxe benefícios e ampliação da procura por seguros. A Europa Central e a Europa Oriental têm chamado atenção especialmente devido à abertura de investimentos privados nesse setor. Škuflić, Galetić e Gregurić (2011Škuflić, L., Galetić, F., & Gregurić, B. (2011). Liberalization and market concentration in the insurance industry: Case of Croatia. Economic Review: Journal of Economics & Business, IX(2), 61-75.) analisam a evolução das séries de tempo de três índices de concentração do mercado de seguros [índices de Herfindahl-Hirschman (HHI), CR4 e Gini] na Croácia para o período 1998 a 2010 e concluem que há tendência de redução da concentração desse mercado nos períodos seguintes. Por último, Sharku e Shehu (2016Sharku, G., & Shehu, S. (2016). Concentration of Albanian insurance market. Ekonomika and Management, 2016(3), 1-11.) estudam a evolução da competição no mercado de seguros na Albânia. Com dados de seguros de diversos ramos para o período 2005 a 2015 mostram, por meio dos índices de concentração CR1, CR4 e HHI, que em todos a competição tem aumentado, variando em intensidade nas diversas atividades de seguros.

Na literatura nacional, também encontramos vários estudos do setor. Galiza (1998Galiza, F. (1998). Um estudo amostral dos seguros de automóveis no Brasil. Rating de Seguros Consultoria. Retrieved from http://www.ratingdeseguros.com.br/pdfs/artigo35.pdf.
http://www.ratingdeseguros.com.br/pdfs/a...
) apresenta um estudo amostral para os anos de 1995 a 1997, mostrando faturamento, despesas e evolução de estratégias das empresas no setor. Ledo (2005Ledo, B. (2005). Assimetria de informação no mercado brasileiro de seguros de automóveis (Master’s Dissertation). Escola Brasileira de Economia e Finanças, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro.) faz análise da inserção da assimetria de informação na demanda por seguros. Em relação à melhor utilização de recursos, Macedo, Silva e Santos (2006Macedo, M. A., Silva, F. F., & Santos, R. (2006). Análise do mercado de seguros no Brasil: Uma visão do desempenho organizacional das seguradoras no ano de 2003. Revista Contabilidade & Finanças, 17(2), 88-100.) utilizaram técnicas de análise de envoltório de dados para analisar a eficiência de empresas do setor. Em relação aos fatores que influenciam a demanda por seguros de automóveis, patrimoniais e de vida, França Carvalho e Afonso (2010Carvalho, J. V. F., & Afonso, L. E. (2010). Fatores explicativos da demanda por seguros: Algumas evidências do mercado segurador paulista. In 38º Encontro Nacional de Economia. Retrieved from https://en.anpec.org.br/previous-editions.php?r=encontro-2010.
https://en.anpec.org.br/previous-edition...
) testam os efeitos da criminalidade e de variáveis macroeconômicas sobre a demanda por seguros de automóveis em São Paulo no período de 2003 a 2007, encontrando que a criminalidade tem efeito, com retardo na decisão de demanda por seguros. Ainda em Ledo (2011Ledo, B. (2011). Competição em preços entre corretores de seguros de automóveis. Estudos Econômicos, 41(4), 719-741.), vai-se além do mercado de ofertantes de seguros e mostra-se como o comportamento estratégico dos corretores de seguros pode distorcer os mecanismos desenhados pelas companhias seguradoras. Para São Paulo, no período de janeiro de 2002 a julho de 2004, mostrou-se que a taxa de comissão esperada do corretor é negativamente relacionada com o prêmio requerido pela seguradora. No livro de Figueiredo (2012Figueiredo, S. (2012). Contabilidade de seguros (2a ed.). São Paulo, SP: Atlas.), analisa-se o mercado de seguros no Brasil e sua lucratividade. Por último, Freitas (2018Freitas, C. C. G. (2018). Demanda por seguro de automóvel no Rio de Janeiro (Master’s Dissertation). Escola Brasileira de Economia e Finanças, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro.) utilizou dados da demanda por seguros de automóveis no Rio de Janeiro no primeiro semestre de 2003 e encontrou elasticidades-preço próprias negativas e cruzadas positivas.

Dada a importância desse setor, este artigo tem dois objetivos específicos: identificar o grau de concentração de mercado no ramo de automóvel e estimar a demanda por seguros de automóveis, tendo como variáveis explicativas o prêmio do seguro, a lucratividade do setor e o nível de renda da população.

A concentração de mercado será analisada acompanhando os índices clássicos de concentração utilizados em organização industrial e utilizando o volume de vendas anuais (construído a partir de dados mensais) de cada companhia seguradora no período de 2001 a 2016. A escolha desse período deu-se devido à disponibilidade de dados e por incluir períodos de turbulência econômica interna e externa, captando eventuais mudanças de concentração a ela devidas. Para estimar a demanda por seguros, utilizaremos dados semestrais de 2002 a 2010 das 27 unidades federativas (UFs) e colocaremos, como variáveis explicativas, o prêmio do seguro, a lucratividade da empresa e a renda disponível do consumidor. Aplicaremos o método de estimação de dados em painel e seus respectivos testes.

O artigo é composto por quatro seções, incluindo esta introdução. Na seção 2, apresenta-se a análise de concentração de mercado para o ramo de automóvel. A seção 3 aborda a estimação de demanda por seguros de automóvel e os dados selecionados para essa estimação. Na seção 4, explicitamos as conclusões do trabalho.

2. ANÁLISE DA CONCENTRAÇÃO DE MERCADO DE SEGURO AUTOMOBILÍSTICO NO BRASIL

A concentração de mercado é um dos aspectos mais relevantes quando se deseja avaliar comportamentos anticompetitivos ou formação de cartéis, implícitos ou explícitos. Esses comportamentos costumam elevar os preços dos produtos ou serviços diminuindo, assim, o bem-estar dos consumidores; nesses casos, a presença de regulação torna-se necessária.

A concentração num mercado pode ser influenciada por estruturas em mercados adjacentes. Por exemplo, o mercado de seguros é fortemente influenciado pelo setor bancário, no qual as recentes fusões e aquisições têm gerado uma ainda maior concentração (ABN Real e Santander, Itaú e Unibanco, Banco do Brasil e Nossa Caixa). Após 1994, o setor financeiro (em particular o bancário) mostrou aumento de concentração, conforme analisado por Silva e Moraes (2006Silva, C. A. T., & Moraes, M. C. (2006). Concentração do setor financeiro brasileiro após o Plano Real. In Anais do 6º Congresso USP de Controladoria e Contabilidade (p. 15). São Paulo, SP.). Em Proner (2011Proner, L. F. (2011). Comparação da concentração bancária no Brasil: 2007 e 2010 (Monograph). Fundação Instituto de Administração, Universidade do Vale do Rio dos Sinos.), faz-se um comparativo dessa concentração em 2007 e 2010 para verificar o efeito da crise global sobre o mercado brasileiro. Se, por um lado, o aumento da concentração bancária pode gerar maior confiabilidade aos depositantes, por outro torna a economia mais frágil perante crises, como verificado por Beck, Demirguç-Kunt e Levine (2006Beck, T., Demirguç-Kunt, A., & Levine R.(2006). Bank concentration, competition and crises: First results. Journal of Banking & Finance, 30(5), 1581-1603.).

Nesta seção, será analisado o nível de concentração do mercado de seguros de automóveis, utilizando dados anuais no período 2001 a 2016 do prêmio recebido por cada seguradora. Esses dados são fornecidos com frequência mensal pela Superintendência de Seguros Privados (Susep) em seu site na área de Estatística do Mercado.

Serão utilizados seis índices da literatura de organização industrial para analisar o nível de concentração desse mercado. A descrição detalhada pode ser encontrada em Pisanie (2013Pisanie, J. (2013). Concentration measures as an element in testing the structure-conduct-performance paradigm [Working Paper]. Economic Research Southern Africa.). Para apresentá-los, será suposto que existem N ≥ 2 empresas no mercado e que cada uma tem uma parcela de participação na oferta da indústria dada por si , i = 1, 2, ⋯, N; essa parcela é definida como a oferta da empresa 𝑖 dividida pela oferta total da indústria. Para atender as especificações de todos os índices, suporemos que s1 ≥ s2 ≥ ⋯ ≥sN . Assim, podemos definir os índices de concentração a seguir:

a) Índice de Herfindahl-Hirschman (HHI) - Proposto por Herfindahl (1950Herfindahl, O. C. (1950). Concentration in the steel industry (PhD Thesis). Columbia University, Ney York.) e Hirschman (1945Hirschman, A. O. (1945). National power and the structure of foreign trade. Berkley, CA: University of California. ), é calculado como a soma dos quadrados das participações das empresas na oferta de mercado. A fórmula é:

H H I = i = 1 N s i 2

Seu valor varia entre 1 quando o mercado é totalmente concentrado e 1/N para o caso de distribuição uniforme da oferta.

b) Índice de concentração alargado (comprehensive concentration index - CCI) - Também conhecido como índice de Horvath (Horvath 1970Horvath, J. (1970). Suggestion for a comprehensive measure of concentration. Southern Economic Journal, 36(4), 446-452.), insere peso adicional (2 - si ) às firmas com menor participação de mercado, tornando seu valor mais homogêneo. A fórmula é dada por:

C C I = s 1 + i = 2 N s i 2 ( 2 - s i )

Seu máximo valor é 1 quando temos um monopólio, e Marfels (1971Marfels, C. (1971). Absolute and relative measures of concentration reconsidered. Kyklos, 24(4), 753-766.) mostrou que seu valor mínimo depende do número de participantes e é igual a (3N² - 3N + 1)/N3. À medida que o número de participantes aumenta, tornando esse mercado mais competitivo, o valor mínimo tende a 0.

c) Índice de Rosenbluth ou Hall e Tideman (HTI) - Este índice pondera a participação de mercado de cada firma pela ordem de grandeza que ela tem na oferta total.

H T I = 2 i = 1 N i s i - 1 - 1

Esse índice varia de 1 (concentração total) a 1/N (distribuição uniforme da oferta).

d) Índice Linda (LI) - Além de mensurar o grau de concentração, busca descrever um critério para avaliar estruturas oligopolistas que possam estar presentes. Esse índice foi desenvolvido por Linda (1976Linda, R. (1976). Méthodologie de l'analyse de la concentration appliquée à l'étude des secteurs et des marches. Commission des Communautés européennes. Retrieved from http://aei.pitt.edu/33688/1/A222.pdf.
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) e Vankerkem (1995Vankerkem, M. (1995). Économie politique et sociale - Analyse économique. Mons: Faculté Polytechnique Université de Mons.). Segundo Vankerkem (1995Vankerkem, M. (1995). Économie politique et sociale - Analyse économique. Mons: Faculté Polytechnique Université de Mons.),

L I = 1 N N - 1 i = 1 N - 1 Q i

Nessa fórmula, Qi=N-ik=1isk/ik=i+1Nsk ; ou seja, a razão entre a participação média das 𝑖 maiores empresas e a participação média das N - i menores. Note que, caso exista um oligopólio, o comportamento de Qi aumenta à medida que 𝑖 aumenta, para depois decrescer (quando começam a ser incluídas as firmas que não pertencem ao oligopólio). Esse índice tem seu menor valor quando a distribuição da oferta é uniforme e, nesse caso, L1 = 1/N. A diferença dos outros índices, à medida que o mercado se aproxima de um monopólio, assumirá valores ilimitadamente grandes.

e) Coeficiente de Gini (GC) - Proposto por Gini (1912Gini, C. (1912). Variabilità e mutabilità. In: E. Pizetti & T. Salvemini (Ed.). Reprinted in memorie di metodológica statistica (pp. 168) Rome: E. V. Veschi.), originalmente utilizado para medir a desigualdade de renda, é também utilizado em diversos trabalhos para medir a desigualdade em exportações, produção ou disponibilização de serviços, uma vez que uma concentração elevada implica em uma desigualdade maior. No nosso caso, o índice é dado por:

G C = 1 - 1 N k = 1 N s i ( 2 i - 1 )

Com distribuição uniforme da oferta de mercado, o índice de Gini é 0; já com total concentração, é 1 = N-1, que se aproxima de 1 à medida que o número de firmas aumenta.

f) Índice Hannah and Kay 𝛼 [HK(𝛼)] - Utilizando as parcelas de participação de cada empresa e um parâmetro α > 0 e α ≠ 1, o HK(α) é calculado pela seguinte fórmula:

H K α = i = 1 N s i α 1 α - 1

Esse índice assume o valor 1 no caso de concentração total (monopólio) e seu mínimo valor é 1/N no caso de α > 1. Notemos que HK(2) = HHI, e se colocarmos α > 2 estaremos aumentando a curvatura do índice, capturando desvios da distribuição uniforme da oferta com maior facilidade.

Dessa forma, agregamos os dados mensais de prêmios pagos às seguradoras de automóveis fornecidos pela Susep para obter ofertas anuais. Assim, construímos os índices de concentração descritos e analisamos a evolução desses para todo o período. A Figura 1 mostra a evolução desses índices no período 2001 a 2016.

Figura 1
Evolução dos índices de concentração no mercado de seguros de automóveis no Brasil. Período 2001-2016

O número de empresas que oferecem seguros de automóveis e que estão registradas na base de dados da Susep varia de ano a ano. No período analisado, esse número varia entre 100 e 120 firmas. Porém, aproximadamente 30% oferecem 95% do prêmio total negociado cada ano. Por isso colocamos, como ponto de corte, as maiores firmas que, no total, oferecem 95% dos seguros (prêmios) cada ano. Assim, encontramos que entre 26 e 38 firmas foram as responsáveis por essa oferta. Dessa maneira, o número médio de firmas responsáveis por 95% da oferta de seguros de automóveis no período é N = 32,56. Será esse o número que utilizaremos para colocar o limite de concorrência perfeita em cada um dos índices, como indicado em suas descrições. A Tabela 1 mostra as estatísticas descritivas dos índices no período 2001-2016.

Tabela 1
Estatísticas descritivas dos índices de concentração e valores limites entre monopólio e concorrência perfeita

Para o HHI, Resende (1994Resende, M. (1994). Medidas de concentração industrial: uma resenha. Revista Análise Econômica, 12(21), 24-33.) propõe o seguinte critério de classificação: HHI ∈ ] 0, 0.01 ] ;indica um mercado altamente concorrencial, mas se HHI ∈ ] 0.01, 0.15 ], temos indicação não concentrada, com bom nível de concorrência. No intervalo HHI ∈ ] 0.15, 0.25 ] existe concentração, mas é moderada. Para valores de HHI ∈ ] 0.25, 1.0 ], a concentração é considerada alta. O valor médio observado foi de 0,074, com valores que vão de 0,069 a 0,083, indicando um setor com pouca concentração.

Para o número médio de firmas no período, o valor do índice CCI que corresponderia à concentração nula é de 0,089 e, para concentração, total 1,0. Na nossa análise, o índice tem valor médio de 0,249 com desvio padrão muito pequeno (0,009), indicando, assim, pouca concentração.

O HTI correspondente à distribuição uniforme da oferta entre as firmas da indústria é 1/N = 0,031 e para monopólio é 1. Os valores desse índice observados no período variam entre 0,066 e 0,082, com desvio padrão de 0,005, o que permite concluir que o mercado não tem concentração relevante.

O valor do LI tem a desvantagem de pertencer a um intervalo ilimitado; está entre 1/N = 0,031 para o caso de distribuição uniforme das parcelas de participação e infinito para o caso de mercado totalmente concentrado. Neste estudo, os valores variaram entre 0,203 e 0,433, o que indica mercado pouco concentrado, mas o mais importante é que os valores de Qi observados não mostraram crescimento acentuado, com quedas bruscas à medida que a participação agregada aumenta, em todos os anos do período. A partir disso, podemos afirmar que também não há indícios de existência de oligopólios.

Com o valor médio de N no período, o GC ∈ [ 0, 0.969 ] vem sendo 0 no caso de distribuição uniforme da oferta de seguros e 0,969 para o caso de monopólio. Em nosso caso, os valores oscilaram entre 0,474 e 0,637, o que pode indicar um mercado com concentração moderada. Esse é o único indicador que não mostra baixa concentração.

Por último, avaliamos o índice HK(α), com parâmetro α = 3 para poder colocar uma maior curvatura às parcelas de participação daquela colocada pelo HHI e observar a sensibilidade do índice à presença de pouca concentração. Notemos que, em relação ao HHI, o HK(3) médio no período é 0,096, o que ainda representa um valor próximo ao HHI e corresponde à pouca concentração.

Assim, pelos resultados descritos, podemos concluir que o mercado de seguros de automóveis no Brasil não apresentou sinais de concentração na oferta no período de 2001 a 2016, e que se assemelha mais a um mercado em concorrência perfeita ou com baixa concentração.

Por essa abordagem, percebe-se que essas empresas seguradoras no mercado de automóveis atuam com intensidade parecida nesse ramo, embora sejam concorrentes entre si. Quando, em um mercado, a geração do serviço ou oferta do produto está disseminada em várias firmas independentes quanto ao controle de umas pelas outras, sem existência de concentração, de forma que nenhuma possa ter influência perceptível sobre o nível de preços, pode-se admitir a perfeita (ou quase perfeita) competição. Stigler (1983Stigler, G. J. (1983). The Organization of industry. Chicago, IL: University of Chicago.) mostra que, em geral, para um mercado ser considerado competitivo, são condições necessárias:

  1. Numerosos participantes no mercado, tanto do lado da oferta como do lado da demanda, sendo que nenhum deles pode abarcar fatia considerável do mercado em face dos demais;

  2. Concorrência impessoal entre os participantes do mercado e ausência de poder para que qualquer um possa influenciar seu comportamento;

  3. Os participantes devem ter perfeito conhecimento do mercado no que se refere a preços, à quantidade e à qualidade dos bens que desejam transacionar e à tecnologia.

Para Leite e Santana (1998Leite, A. L. S., & Santana, E. A. (1998). Índices de concentração na indústria de papel e celulose. In: Anais do Encontro Nacional de Engenharia de Produção (p. 8). Niterói, RJ. Anais. ), se a falta de competição assegura a obtenção garantida de lucros, em contrapartida afeta a eficiência na alocação de recursos. A mesma situação pode ocorrer em relação à eficiência organizacional e administrativa. Os autores discutem sobre o nível de concentração influenciando nas relações intersetoriais, em uma indústria de bens de capital de estrutura oligopolista, analisando como a alta concentração afetará seus preços que, por sua vez, afetarão os preços e os processos de produção em outras indústrias, caso essas sejam consumidoras de bens da primeira indústria. Dentre alguns fatores que contribuem para o aumento do grau de concentração, Leite e Santana (1998Leite, A. L. S., & Santana, E. A. (1998). Índices de concentração na indústria de papel e celulose. In: Anais do Encontro Nacional de Engenharia de Produção (p. 8). Niterói, RJ. Anais. ) destacam crescimento interno das firmas, fusões, joint-ventures, diminuição ou aumento do mercado de determinado bem, desenvolvimento tecnológico e políticas governamentais. Em uma indústria em que se verifica elevada concentração, ocorre também maior desigualdade relativa ao tamanho das empresas. Essa elevada concentração não foi percebida ou identificada no mercado de seguros de automóvel no Brasil.

Vale a pena destacar os comentários de Davis e Garcés (2009Davis, P., & Garcés, E. (2009). Quantitative techniques for competition and antitrust analysis. Princeton, NJ: Princeton University.) em relação à análise dos índices de concentração. Para eles, índices de concentração são indicadores estruturais de mercado que servem como primeira análise da conduta industrial e da sua performance. Todavia, esses não são determinantes para concluir o regime de competição. Já Sutton (1991Sutton, J. (1991). Sunk costs and market structure. Cambridge, MA: MIT., 1998Sutton, J. (1998). Technology and market structure. Cambridge, MA: MIT .) afirma que preços são dependentes da estrutura de mercado quando as decisões são feitas em um jogo de dois estágios (decisão de entrada inicialmente e depois decisão de competição em algum grau ou coalisão). O grau de resposta das firmas a mudanças nas condições de demanda pode proporcionar informação sobre seu poder de mercado.

3. ESTIMAÇÃO DA DEMANDA POR SEGUROS DE AUTOMÓVEIS

Nesta seção será feita a estimação da demanda por seguros de automóveis no Brasil. Visto que o setor apresenta um comportamento próximo daquele em concorrência perfeita, conforme analisado na seção 2, a análise dessa demanda será feita supondo que o prêmio pago pelo segurado está próximo da probabilidade de sinistro. A seguir, explicamos o fundamento econômico dessa demanda.

Os consumidores tomam suas decisões de aquisição de seguros avaliando a utilidade esperada do patrimônio no final do período. Esse patrimônio final depende do patrimônio corrente (relacionado com sua renda corrente), do valor que está exposto ao risco, do preço do seguro e da probabilidade de ocorrência de um sinistro para o bem segurado. O consumidor racional segura parte ou a totalidade do valor em risco. Na prática, os consumidores podem adquirir seguro para cobrir o valor em risco ou, ainda, um valor um pouco maior. Por exemplo, no seguro de veículos de carros 0 km, é possível segurar até 110% do valor do veículo e, dessa forma, garantir o poder de compra em caso de sinistro.

Especificamente, suponha que o segurado tem patrimônio 𝑊 0 e dele pode sofrer uma perda L ∈ [0,W0] com probabilidade π ∈ [ 0, 1 ]. Se a seguradora oferece um seguro com prêmio c ∈ [0, 1] (preço de cada unidade monetária segurada), qual valor ele colocará no seguro? Seja l ∈ [ 0, L ]o valor que ele decide colocar no seguro, se a utilidade esperada do segurado é u(z), então ele escolherá l resolvendo:

max l 0 , L π u W 0 - L + l - c l + 1 - π u W 0 - c l

A condição de primeira ordem para solução interior resulta:

1 - c π u ' W 0 - L + 1 - c l - c 1 - π u ' W 0 - c l = 0 (1)

Em ambiente totalmente competitivo e negligenciando os custos administrativos, as firmas colocam, como valor de prêmio, seu custo marginal, ou seja, a probabilidade de sinistro, c = π, o que faz com que o segurado compre o seguro total. Como a análise da seção anterior mostrou que a concorrência é próxima da concorrência perfeita, consideramos c = (1 + γ)π, ou seja, π = (1 + γ)(-1) c em que γ é o mark-up da firma ou fator de lucratividade. Substituindo na equação 1:

1 - c 1 + γ - 1 u ' W 0 - L + 1 - c l - 1 - 1 + γ - 1 c u ' W 0 - c l = 0 (2)

Assim, resolvendo a equação 2, teremos a demanda por seguros dada por:

l = l c , γ , W 0 , L (3)

Em geral, a equação 2 define implicitamente a importância segurada l como função do preço do seguro c, do fator de lucratividade γ, da riqueza do indivíduo W0 e do valor em risco L, não observável. No Anexo A, calculamos explicitamente o montante segurado em função dessas outras variáveis para o caso de uma função de utilidade constant relative risk aversion (CRRA) e ilustramos como, ainda nesse caso específico, o sinal da resposta de l em relação a c e a γ é indeterminado e, em relação a W0 , pouco significativo. Por isso, precisamos de uma análise empírica que determine esses sinais e suas magnitudes.

Como temos variáveis não observáveis no modelo (e.g. o valor em risco L), que além de serem especificas para cada indivíduo podem variar ao longo do tempo, incluiremos estas componentes no modelo econométrico. Esse modelo é conhecido na literatura como two-way error component model. Nesses termos, a equação log-linearizada da demanda por seguros de automóveis é dada por:

ln i m p i , t = β 0 + β 1 ln p r e i , t + β 2 ln l u c i , t + β 3 ln i n d v i , t + α i + λ t + u i , t (4)

em que imp é importância segurada, pre é o prêmio por unidade segurada, luc é a lucratividade por unidade segurada e indv é o índice de vendas no varejo. O parâmetro αi representa o efeito indivíduo-específico não observável, λt representa os efeitos tempo-específicos não observáveis e ui,t é o termo aleatório médio 0 e variância constante. Para mais detalhes sobre esse tipo de modelagem, tanto do ponto de vista estático quanto dinâmico, ver Baltagi (2005Baltagi, B. H. (2005). Econometric analysis of panel data (3rd ed.). Nova Jersey, NJ: John Wiley & Sons.). Detalhes do processo de log-linearização de uma função definida implicitamente por uma equação estão no Anexo B.

Para conseguir estimativas consistentes dos coeficientes na equação 4, utilizamos quatro estimadores: mínimos quadrados ordinários com dados empilhados (pooled ordinary least squares - POLS), OLS para os dados transformados, efeitos fixos (EF) e efeitos aleatórios (EA) e o método estimador dos momentos generalizados (generalized method of moments - GMM), de Arellano e Bond (1991Arellano, M., & Bond, S. (1991). Some tests of specification for panel data: Monte Carlo evidence and an application to employment equations. Review of Economic Studies, 58(2), 277-297.) (AB), para painel dinâmico. As variáveis utilizadas no modelo empírico foram calculadas a partir dos dados obtidos nos boletins estatísticos do ramo de automóveis na Susep. Tais variáveis estão na frequência semestral do primeiro semestre de 2002 ao segundo semestre de 2010 (último semestre disponibilizado pela instituição) para cada UF do Brasil, ou seja, os indivíduos estão agregados por UF (26 estados e o Distrito Federal) ao longo de 18 semestres.

A Tabela 2 apresenta algumas estatísticas descritivas (painel A) e a matriz de correlações entre as variáveis utilizadas no modelo (painel B). A partir dessa tabela é possível inferir sobre o comportamento incondicional das variáveis. Podemos perceber, por meio do painel A, que a lucratividade (luc) é a única variável que apresenta excesso de curtose (caudas pesadas) e assimetria à direita, enquanto as demais apresentam assimetria à esquerda e platicurtose (caudas finas). Observando o coeficiente de variação, verificamos que o índice de vendas tem a maior variação em relação à média do que as demais variáveis.

Quando observamos o painel B, percebemos que, incondicionalmente, o prêmio e a lucratividade são negativamente relacionados com a importância segurada e o índice de vendas positivamente relacionado a essa, o que aparentemente é intuitivo. Na primeira afirmação, é esperado que prêmio e a lucratividade da firma estejam diretamente relacionados; já na última, quanto mais aquecida a economia, maior pode ser a demanda por seguros.

Tabela 2
Estatísticas descritivas e matriz de correlações

Voltando ao modelo econométrico, à especificação básica na equação 4 adicionamos a primeira defasagem dos regressores, para verificar a possibilidade de efeitos defasados sobre a importância segurada. Os estimadores supracitados são construídos de forma a lidar com os efeitos indivíduo-específicos não observados automaticamente (exceto POLS, que é viesado e inconsistente, nesse caso). Para lidar com o efeito tempo-específico, incluímos dummies temporais semestrais (λD t ), tomando como referência o primeiro semestre de 2002. Logo, podemos representar a primeira equação a ser estimada por

ln i m p i , t = β 0 + β 1 ln p r e i , t + β 12 ln p r e i , t - 1 + β 2 ln l u c i , t + β 22 ln l u c i , t - 1 + β 3 ln i n d v i , t + β 33 ln i n d v i , t - 1 + α i + λ t D + u i , t (5)

Como os processos de transformação dos dados na estimação de EF e EA podem gerar autocorrelação (correlação serial) nos seus respectivos termos de erro, estimamos também uma versão desses estimadores que leva em consideração que os erros são autorregressivos de ordem 1. As estimações foram realizadas utilizando-se rotinas e pacotes padrão do software Stata 15.

A Tabela 3 mostra as estimativas para os parâmetros na equação 5. A significância estatística do teste de Hausman (1978Hausman, J. A. (1978). Specification tests in econometrics. Econometrica, 46(6), 1251-1271.) indica o estimador de EF apropriado para o nosso problema, o que sugere que o efeito indivíduo-específico é correlacionado com pelo menos uma variável explicativa no modelo. Tal conclusão é plausível, uma vez que se espera que a riqueza exposta ao risco L, variável não observável em nosso modelo, esteja correlacionada com o prêmio pago pelos segurados. Uma vez que não podemos rejeitar a hipótese de existência de efeito indivíduo-específico no modelo, o estimador POLS é enviesado e inconsistente.

Com relação ao efeito tempo-específico, o p-valor do teste de significância conjunta das dummies temporais, representado por D_joint na Tabela 2, indica a rejeição da hipótese nula, i.e., as dummies são conjuntamente estatisticamente diferentes de 0, logo o efeito tempo-específico é significativo.

Tabela 3
Estimativas dos parâmetros na equação 5

Observando mais atentamente os resultados dos estimadores EF e EF-AR(1), EF sem e com erros AR(1), respectivamente colunas 3 e 5 da Tabela 2, podemos ver que ambas as especificações indicam que a elasticidade da importância segurada em relação ao prêmio é estatisticamente significativa. Como o valor dessa elasticidade é negativa, quanto maior o prêmio de um seguro, menor a importância segurada, i.e., menor a demanda por seguros.

No modelo EF-AR(1), apenas o coeficiente da variável prêmio foi estatisticamente significativo, com valor absoluto 22,5% maior que no modelo EF, porém não são estatisticamente diferentes entre si (os intervalos de confiança para esses estimadores se sobrepõem). O modelo EF também indicou como estatisticamente significativos os coeficientes para as variáveis índice de vendas e lucratividade, ambas defasadas um período. Essas diferenças entre os coeficientes e a existência de autocorrelação residual em ambos os modelos sugerem uma possível dinâmica de ajustamento da variável dependente que não é considerada na equação 5.

Para avaliar essa hipótese, incluímos a importância segurada, ln(imp), defasada um período na nossa especificação na equação 5. Nesse caso temos:

ln i m p i , t = β 0 + ρ ln i m p i , t - 1 + β 1 ln p r e i , t + β 12 ln p r e i , t - 1 + β 2 ln l u c i , t + β 22 ln l u c i , t - 1 + β 3 ln i n d v i , t + β 33 ln i n d v i , t - 1 + α i + λ t D + u i , t (6)

O principal problema com o nosso estimador de EF é que ele se torna enviesado com a inclusão da variável dependente defasada. Para lidar com esse problema, utilizaremos o estimador AB para painéis dinâmicos. A Tabela 4 mostra os parâmetros estimados tanto para o modelo EF, cujo estimador para a variável dependente defasada é enviesado, quanto para diferentes especificações para o estimador AB. Nas especificações de AB1 a AB4, a diferença é apenas no número de instrumentos utilizados. Na especificação ABF, utilizamos a primeira diferença “para frente” (forward difference) com o mesmo número de instrumentos de AB1. Estimamos diversas especificações para o estimador AB com diferentes quantidades de instrumentos. Os resultados não foram significativamente diferentes dos apresentados na Tabela 4.

Tabela 4
Estimativas dos parâmetros na equação 6

Podemos observar que o efeito tempo-específico é relevante, como indica a significância da estatística D_joint. A autocorrelação residual não foi significativa, já que o teste para autocorrelação de segunda ordem AR(2) não foi significativo e o teste de Hansen aponta em favor da validade das restrições de sobreidentificação. Esses resultados se repetem para todas as especificações utilizadas, indicando que as estimativas são robustas à especificação.

A variável dependente defasada foi significativa estatisticamente e indica persistência na importância segurada acima de 0,56 de um período para o outro. Ou seja, mais de 56% da importância segurada no período anterior, em média, continuará sendo segurada no período seguinte. O valor médio das estimativas desse parâmetro, inclusive as não reportadas, foi de 0,58. Além disso, todos os intervalos de confiança para esses valores se sobrepõem, sugerindo que os parâmetros estimados em cada especificação não são diferentes entre si.

A variável prêmio foi estatisticamente significativa e corrobora o resultado encontrado anteriormente, i.e., a demanda por seguro é negativamente relacionada com o prêmio. O valor médio do coeficiente estimado foi de -0,47. Como nossas especificações são log-lineares, esse coeficiente representa a elasticidade preço da demanda por seguros no curto prazo, ou seja, a sensibilidade de curto prazo da demanda por seguro em relação ao prêmio cobrado. Uma vez que o valor absoluto dessa elasticidade é estatisticamente menor que 1, podemos concluir que a demanda por seguros de automóveis no Brasil é inelástica no curto prazo.

No longo prazo, quando preços (prêmios) e quantidades (importâncias seguradas) se estabilizam (ou seja, pret = pret-1 e impt = impt-1 ), obteremos, a partir da equação 6, como elasticidade preço da demanda de longo prazo (β1 + β12)/(1 - ρ). Como β12 é não significativo e o valor médio de ρ é 0,625, a elasticidade preço-demanda por seguros de longo prazo resulta -1,33, ou seja, a demanda por seguros se torna elástica no longo prazo.

Por último, é interessante notar que o efeito do lucro defasado sobre a demanda corrente por seguros de automóveis é negativo. Isso significa que uma queda (ou renúncia) de lucros de 1% em um período acarreta aumento de 0,21% na demanda por seguros no período seguinte (no longo prazo esse efeito é de 0,59%), o que pode ser explicado por muitos motivos. Quando a empresa (ou a indústria) experimenta uma queda nos lucros (seja por queda no poder aquisitivo, seja por algum choque externo), ela concentra esforços em recuperação por meio de campanhas publicitárias, de produtos complementares ou de facilidades de pagamento, provocando maior disponibilidade de os clientes adquirirem seguros. Reciprocamente, aumentos extraordinários dos lucros tendem a diminuir os esforços das empresas em oferecer esses produtos complementares ou facilidades, fazendo com que a procura por seguros, naturalmente, tenda a ser menor.

4. CONCLUSÃO

A estrutura do mercado segurador brasileiro é de extrema importância para compreender o comportamento das firmas que o compõem, assim como para entender sua contribuição para a atividade econômica do país. Neste trabalho, analisou-se o mercado de seguros de automóveis no Brasil e comprovou-se sua baixa concentração por meio da análise dos índices de concentração clássicos da literatura.

A concentração de mercado tem diversas causas, e dentre elas podemos citar a facilidade de fusões e aquisições em mercados que apresentam firmas com alta lucratividade e sinergia, as barreiras de entrada que alguns setores podem apresentar e os altos custos em investimentos iniciais. As consequências são a presença de preços ineficientes de mercado, dificuldade na sua regulação, externalidades no poder de mercados adjacentes e altos níveis de lucratividade. A não concentração traz para a economia um sistema de preços mais eficiente, desencadeando competição e crescimento sustentado e equilibrado. Atualmente, apesar de ser claramente perceptível, o grande interesse das seguradoras em oferecer produtos mais personalizados a determinados públicos, como seguros de vida para portadores de diabetes ou produtos específicos para mulheres, ou ainda serviços para determinados perfis de segurados, como os criados para praticantes de esportes radicais, o seguro de automóvel mantém-se como importante e expressivo nesse mercado. Também têm surgido, nos mais diferentes ramos de seguro, parcerias entre empresas do segmento, o que vem ajudando as seguradoras a alcançar um número de clientes superior àquele obtido a partir de qualquer rede de corretores tradicionais, independentemente do seu tamanho ou da sua capilaridade. No entanto, mesmo com esses fatores e com a alta regulação sobre as seguradoras, os outros ramos de seguros podem ter estruturas de mercado diferentes e até antagônicas da apresentada aqui.

Este artigo buscou, também, analisar o comportamento da demanda por seguros de automóveis considerando a influência de três variáveis: o prêmio (ou preço do seguro), a renda do consumidor e a lucratividade da empresa. Para isso, utilizaram-se dados de todos os estados brasileiros e do Distrito Federal fornecidos pela Susep. Uma das fragilidades desta pesquisa está no fato de que o período analisado, 2001 a 2016, possa ser considerado pequeno comparado à dimensão transversal (número de estados). Porém, os resultados obtidos com testes específicos para essa situação são consistentes. A série de dados com as informações usadas é semestral e conta com cerca de 486 observações empilhadas em dados em painel. Os resultados mostram uma elasticidade-preço da demanda por seguros de automóveis igual a -0,47 e uma elasticidade dessa mesma demanda em relação à lucratividade defasada igual a -0,21, no curto prazo, e de -1,33 e -0,59, respectivamente, no longo prazo; ambos os valores coerentes com o comportamento individual das unidades econômicas envolvidas. A elasticidade-renda da demanda saiu insignificante, porém isso pode ser aprimorado, utilizando alguma proxy mais adequada para essa variável independente.

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Anexo A

Cálculo da demanda por seguros no caso de utilidade constant relative risk aversion (CRRA)

Calcularemos, explicitamente, a demanda por seguros no caso de o indivíduo ter função de utilidade esperada do tipo CRRA. Substituindo z=z1-θ1-θ, θ 0, na equação 2 temos:

W 0 - L + 1 - c l W 0 - c l - θ = c 1 - π π 1 - c W 0 - L + 1 - c l W 0 - c l = π 1 - c c 1 - π 1 θ M

l = 1 1 - c 1 - M L - 1 - M 1 - c 1 - M W 0

Como π = (c (1+γ) )(-1) resulta que M = M (c, γ), portanto, dessa equação temos explicitamente l = l(c, γ, W0 , L), tal e como colocado na equação 3. Note que, como c > π, então 0 < M < 1, mas agora podemos fazer a análise do sinal da variação de l em relação às variáveis (c, γ, W0 , L). Primeiramente, temos que:

M θ = π 1 - c c 1 - π = 1 + γ - 1 1 - c 1 - c 1 + γ - 1

θ ln M = - ln 1 + γ + ln 1 - c - ln 1 - c 1 + γ - 1

Denotando por Mi , i = c, γ a derivada parcial de M em relação a i teremos:

θ M c M = - 1 1 - c + 1 + γ - 1 1 - c 1 + γ - 1 = 1 + γ - 1 - 1 1 - c 1 - c 1 + γ - 1 < 0

θ M γ M = - 1 1 + γ - c 1 + γ - 2 1 - c 1 + γ - 1 = - 1 1 - c 1 - c 1 + γ - 1 < 0

Portanto:

l c = 1 - M - c M c 1 - c 1 - M 2 L - 1 - M 2 - M c 1 - c 1 - M 2 W 0

Como c > π, então M < 1; assim, o coeficiente de L nessa expressão é positivo, mas o coeficiente de W0 é negativo [pois (1 - M)² - Mc > 0] portanto, o sinal de ∂l / ∂c é indeterminado, pois irá depender da magnitude desses coeficientes e de L e W0 . Da mesma forma:

l γ = l c d c d γ = π 1 - M - c M c 1 - c 1 - M 2 L - 1 - M 2 - M c 1 - c 1 - M 2 W 0

Portanto, com sinal indeterminado também. Finalmente:

l W 0 = - 1 - M 1 - c 1 - M < 0 e l L = 1 1 - c 1 - M > 0

pois 0 < M < 1 e 0 < c < 1. De qualquer forma, como 𝑐 está próximo de π pela concorrência, o valor de 𝑀 está próximo de 1 e o sinal de / pode ser pouco significativo. Assim, a resposta de l a variações em c e γ é indeterminada e, em relação a W0, pouco significativa.

Anexo B

Log-linearização

Suponha que a equação F(x,y) = 0 é satisfeita em (x0 , y0 ), y0 ≠ 0 e F2 (x0 , y0 ) ≠ 0. Defina G(u,v) = F(eu , ev ), em que u = ln e v = lny. Então, a aproximação linear da equação G(u,v) = 0 numa vizinhança de (u0 , v0 ) = (ln x0 , ln yo ) é:

G u 0 , v 0 + G 1 u 0 , v 0 u - u 0 + G 2 u 0 , v 0 v - v 0 = 0

F e ln x 0 , e ln y 0 + e ln x 0 F 1 e ln x 0 , e ln y 0 ln x - ln x 0 + e ln y 0 F 2 e ln x 0 , e ln y 0 ln y - ln y 0 = 0

x 0 F 1 x 0 , y 0 ln x - ln x 0 + y 0 F 2 x 0 , y 0 ln y - ln y 0 = 0

Como y0 F2 (x0 , y0 ) ≠ 0, da equação anterior podemos colocar lny em evidência e obter:

ln y = β 0 + β 1 ln x

Nesse caso temos a equação 2, do tipo F(c, γ, W0 , L, l) = 0, que com a hipótese de não singularidade de lFl (c, γ, W0 , L, l) permitirá estender essa equação e obter a equação 4 a ser estimada.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    26 Jun 2018
  • Revisado
    23 Jul 2018
  • Aceito
    29 Dez 2018
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