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O uso de derivativos para hedge melhora os ratings de crédito das empresas brasileiras?

RESUMO

Este trabalho se propôs a identificar os fatores que podem explicar as atribuições dos ratings, com especial atenção ao impacto do uso de derivativos. A lacuna explorada por esta pesquisa reside no ineditismo em se analisar a percepção, por parte das agências de ratings, dos reflexos causados pelas informações relacionadas ao uso de derivativos pelas companhias brasileiras de capital aberto. Além disso, este estudo transfere os achados anteriores que se debruçaram sobre os analistas de ações para as agências de ratings, reforçando a discussão sobre a complexidade dos derivativos no processo de avaliação do risco de crédito. A contemporaneidade deste tema de pesquisa se dá pela recente adoção da norma International Financial Reporting Standards 9 (Comitê de Pronunciamentos Contábeis - Pronunciamento Técnico n. 48), que entrou em vigor em janeiro de 2018. A partir dessa normatização, a principal novidade apresentada neste artigo foi a verificação do reflexo do uso de derivativos utilizados pelas empresas com a finalidade de hedge nos seus ratings de créditos, ajudando a suprir uma lacuna empírica na literatura da área. Os resultados encontrados contestam a teoria de que o uso de derivativos para hedge é visto positivamente pelos investidores. No entanto, apesar de nenhum impacto significativamente estatístico ter sido encontrado nos ratings das empresas que utilizam derivativos, observou-se que as empresas que usam derivativos e têm os maiores valores nocionais foram as que receberam as melhores notas da agência Moody’s. Com isso, ampliamos o debate sobre a complexidade das informações atreladas ao uso dos derivativos. Foram analisados 2.090 ratings atribuídos a companhias não financeiras com ações negociadas na Brasil, Bolsa, Balcão [B]³ entre 2010 e 2016, por meio de análise dos dados em painel, conferindo maior robustez às análises e aos achados. Contrariando a hipótese central desta pesquisa, os resultados aqui apresentados mostram que, no Brasil, as empresas que se utilizam de instrumentos financeiros derivativos para hedge não recebem as melhores notas de classificação de crédito por parte das agências de ratings. Uma das principais contribuições deste estudo centra-se nos indícios de que as agências Standard & Poor's e Moody’s não foram capazes de incorporar, de maneira consistente, as informações relacionadas ao uso dos derivativos, ampliando a discussão sobre a complexidade desses instrumentos financeiros.

Palavras-chave:
ratings de crédito; agência de classificação de risco; risco de crédito; derivativos; empresa não financeira

ABSTRACT

The purpose of this study is to identify the factors that may explain the attribution of credit ratings to firms, focusing especially on the impact of derivatives. The gap explored by this research lies in the novelty of analyzing how rating agencies perceive the effects caused by information related to derivatives use by Brazilian publicly-traded companies. In addition, this study shifts the previous findings from stock analysts to rating agencies, reinforcing the discussion about the complexity of derivatives in the credit risk assessment process. This research topic is currently of interest due to the adoption of International Financial Reporting Standard (IFRS) 9 (Accounting Pronouncements Committee - CPC - 48), which came into effect in January of 2018. Based on these rules, the main novelty presented in this article was its verification of the effect of the derivatives used by companies in order to hedge their credit ratings, thus helping to fill the empirical gap that exists in the literature from the area. The results found challenge the theory that the use of hedge derivatives is viewed positively by investors. However, although no significant statistical impact was found on the ratings of companies that use derivatives, it was observed that the companies that use derivatives and have the highest notional values were those that received the best ratings from Moody’s. With this we broadened the debate about the complexity of the information linked to derivatives use. In the study, 2,090 ratings attributed to non-financial companies with stocks traded on the Brasil, Bolsa, Balcão [B]³ exchange were examined between 2010 and 2016 by using panel data analysis, which lends robustness to the analysis and findings. Contrary to the central hypothesis of this research, the results presented here show that, in Brazil, companies that use derivative financial instruments for hedging do not receive the best credit ratings from rating agencies. One of the main contributions of this study is the evidence that Standard & Poor’s and Moody’s were unable to consistently incorporate information related to derivatives use, thus broadening the discussion about the complexity of these financial instruments.

Keywords:
credit ratings; credit rating agencies; credit risk; derivatives; non-financial company

1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste estudo é verificar se as empresas que utilizam instrumentos financeiros derivativos, especialmente aquelas que os utilizam para fins de proteção (hedge), têm classificações de risco de crédito (ratings) melhores do que aquelas que não fazem uso desses instrumentos financeiros.

Segundo Hull (2016Hull, J. C. (2016). Opções, futuros e outros derivativos. Rio de Janeiro, RJ: Bookman. ), derivativo é um instrumento financeiro cujo valor depende (ou deriva) dos valores de outras variáveis subjacentes. Essas variáveis são os preços dos ativos negociados. Por exemplo, uma opção sobre ações é um derivativo cujo valor dependerá do preço da ação negociada. Em contrapartida, os ratings de crédito são emitidos pelas agências de classificação de riscos e refletem a capacidade de as empresas avaliadas honrar seus compromissos financeiros. Além disso, os ratings representam a opinião e o julgamento dos analistas de crédito e das agências de classificação de riscos, responsáveis pelo acompanhamento e pela emissão das notas de determinada companhia.

A relação entre o uso dos derivativos e os ratings merece atenção pelo ineditismo na literatura nacional e pelo fato de o uso desses instrumentos financeiros ter apresentado importante crescimento nos últimos anos.

Outro aspecto relevante diz respeito à complexidade dos derivativos, como apontado por parte da literatura, notadamente destacada pelos estudos de Campbell, Downes e Schwartz (2015Campbell, J. L., Downes, J. F., & Schwartz, W. C. (2015). Do sophisticated investors use the information provided by the fair value of cash flow hedges? Review of Accounting Studies, 20(2), 934-975. ), Chang, Donohoe e Sougiannis (2016Chang, H. S., Donohoe, M., & Sougiannis, T. (2016). Do analysts understand the economic and reporting complexities of derivatives? Journal of Accounting and Economics, 61(2-3), 584-604. ) e Antônio, Lima e Rathke (2019Antônio, R, M., Lima, F. G., Santos, R. B., & Rathke, A. A. T. (2019). Use of derivatives and analysts' forecasts: new evidence from non-financial Brazilian companies. Australian Accounting Review, 29(1), 220-234. ). A complexidade pode dificultar a análise e a interpretação da dinâmica que envolve os derivativos, as transações e as informações geradas a partir do uso desses instrumentos. A dificuldade de entendimento e de interpretação pode levar à análise superficial que não incorpore completamente (ou em sua maior parte) os aspectos relevantes relacionados aos riscos da utilização dos derivativos.

No ambiente brasileiro, a complexidade no tratamento contábil dos instrumentos financeiros é apontada e destacada por Gelbcke, Santos, Iudícibus e Martins (2018Gelbcke, E. R., Santos, A. dos, Iudícibus, S. de, & Martins, E. (2018). Manual de contabilidade societária: aplicável a todas as sociedades: de acordo com as normas internacionais e do CPC. São Paulo, SP: Atlas. ). Mais especificamente, Gelbcke et al. (2018Gelbcke, E. R., Santos, A. dos, Iudícibus, S. de, & Martins, E. (2018). Manual de contabilidade societária: aplicável a todas as sociedades: de acordo com as normas internacionais e do CPC. São Paulo, SP: Atlas. ) ressaltam que a contabilização de instrumentos financeiros não é assunto de ordem usual dado que, para a contabilização desses instrumentos, há a necessidade de conhecimentos prévios sobre os mercados de capitais e de crédito, bem como é necessário o conhecimento de ferramentas estatísticas e de matemática financeira.

Complementarmente à relação ainda inexplorada entre os ratings e o uso dos derivativos (e sua complexidade), em janeiro de 2018, entrou em vigor, no Brasil, a norma International Financial Reporting Standards 9 (IFRS, 2018International Financial Reporting Standards. (2018). Financial Instruments. Retrieved from https://www.ifrs.org/issued-standards/list-of-standards/ifrs-9-financial-instruments/.
https://www.ifrs.org/issued-standards/li...
), adotada por meio do Pronunciamento Técnico n. 48 (Comitê de Pronunciamentos Contábeis, 2016Comitê de Pronunciamentos Contábeis. (2016). Instrumentos Financeiros. Retrieved from http://www.cpc.org.br/CPC/Documentos-Emitidos/Pronunciamentos/Pronunciamento?Id=106.
http://www.cpc.org.br/CPC/Documentos-Emi...
), denominado Instrumentos Financeiros. Essa normatização substituiu a regulamentação anterior, apontada por Gelbcke et al. (2018Gelbcke, E. R., Santos, A. dos, Iudícibus, S. de, & Martins, E. (2018). Manual de contabilidade societária: aplicável a todas as sociedades: de acordo com as normas internacionais e do CPC. São Paulo, SP: Atlas. ) por apresentar comandos complexos sobre o tratamento contábil desses instrumentos. Tal fato evidencia o momento oportuno para o presente estudo.

A partir do que fora exposto até aqui, a presente pesquisa justifica-se pela necessidade de se compreender, de maneira detalhada e pormenorizada, a dinâmica que envolve as atribuições e alterações dos ratings e como são incorporadas, pelas agências de classificação de riscos, as informações relacionadas à adoção, por parte das empresas, dos instrumentos financeiros derivativos.

Os resultados deste estudo indicaram que as empresas que utilizaram instrumentos financeiros derivativos para fins de hedge não receberam os melhores ratings, isolados os demais fatores que implicariam na nota de crédito. Esses resultados contestam a teoria de que o uso de derivativos é visto positivamente pelos investidores, tal como apontado por Koonce, Miller e Winchel (2015Koonce, L., Miller, J., & Winchel, J. (2015). The effects of norms on investor reactions to derivative use. Contemporary Accounting Research, 32(4), 1529-1554. ), e reforça o entendimento sobre a complexidade dos derivativos e a dificuldade de interpretação do reflexo desses instrumentos financeiros.

Embora nenhum impacto estatisticamente significante tenha sido encontrado nos ratings das empresas que utilizaram derivativos - as agências de classificação de riscos não diferenciaram as empresas entre usuárias ou não dos derivativos -, observou-se que, dentre as empresas que usaram derivativos, as que apresentaram os maiores valores nocionais receberam as melhores notas da agência Moody’s, e não houve qualquer diferenciação, para esse grupo de empresas, pela agência Standard & Poor’s (S&P). Isso pode evidenciar a dificuldade de incorporação dessas informações financeiras pelas agências aqui analisadas. Diante do exposto, os resultados desta pesquisa sugerem que essas agências não foram capazes de incorporar, de maneira consistente, as informações relacionadas ao uso dos derivativos. Para execução deste trabalho e obtenção dos resultados, utilizaram-se 2.090 ratings e analisaram-se as empresas não financeiras listadas na Brasil, Bolsa, Balcão [B]³ entre 2010 e 2016, por meio de análise dos dados em painel capaz de conferir maior robustez às análises e aos achados.

Esta pesquisa está organizada em cinco partes, sendo composta por esta introdução, seguida pela revisão dos estudos relevantes disponíveis na literatura da área. Posteriormente, são apresentados os aspectos metodológicos, seguidos da análise dos resultados e das considerações finais.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

Parte do gerenciamento de riscos financeiros realizado pelas empresas é obtida por meio da utilização de instrumentos financeiros derivativos. Com isso, as empresas esperam eliminar ou reduzir a exposição de seus resultados (receitas, lucros e fluxos de caixa, por exemplo) às oscilações desfavoráveis de taxas de câmbio, de juros e de preços de commodities. Nesse contexto, Bodie et al. (2014Bodie, Z., Kane, A., Marcus, A. J. (2014). Investimentos (10th ed.). Porto Alegre, RS: AMGH.) destacaram que os derivativos exercem papel amplo e cada vez mais relevante nos mercados financeiros. Além disso, Bodnar e Gebhardt (1999Bodnar, G. M., & Gebhardt, G. (1999). Derivatives usage in risk management by US and German non‐financial firms: A comparative survey. Journal of International Financial Management & Accounting, 10(3), 153-187. ) apontaram que houve preocupação maior com a volatilidade das taxas de câmbio, dos juros, dos preços de ativos no mercado de valores mobiliários e dos preços de commodities do que se observou em décadas anteriores.

Para Hull, Predescu e White (2004Hull, J., Predescu, M., & White, A. (2004). The relationship between credit default swap spreads, bond yields, and credit rating announcements. Journal of Banking & Finance, 28(11), 2789-2811. ), os derivativos têm o potencial de permitir que as empresas troquem e gerenciem os riscos de crédito, da mesma forma que os riscos de mercado. Enquanto isso, para Chang et al. (2016Chang, H. S., Donohoe, M., & Sougiannis, T. (2016). Do analysts understand the economic and reporting complexities of derivatives? Journal of Accounting and Economics, 61(2-3), 584-604. ), as empresas rotineiramente se empenham em gerir os riscos, com objetivo de separar os fluxos de caixa e os lucros das mudanças desfavoráveis de taxas de juros, câmbio e preços de commodities. Além disso, o uso desses instrumentos financeiros para fins de proteção foi visto positivamente pelos investidores, que ficaram mais satisfeitos com os gestores das empresas que usaram derivativos, como apontado por Koonce, Lipe e McAnally (2008Koonce, L., Lipe, M. G., & McAnally, M. L. (2008). Investor reactions to derivative use and outcomes. Review of Accounting Studies, 13(4), 571-597. , 2015Koonce, L., Miller, J., & Winchel, J. (2015). The effects of norms on investor reactions to derivative use. Contemporary Accounting Research, 32(4), 1529-1554. ). Esses argumentos são fundamentais para a hipótese desenvolvida e testada neste estudo, uma vez que é esperado que as empresas que utilizam os derivativos para fins de proteção recebam os melhores ratings em comparação com as empresas que não fazem uso desse artifício de gerenciamento de riscos.

É necessário ressaltar que os aspectos relacionados à percepção positiva do uso de derivativos para hedge pelos investidores, conforme elucidado pelos estudos de Koonce et al. (2008Koonce, L., Lipe, M. G., & McAnally, M. L. (2008). Investor reactions to derivative use and outcomes. Review of Accounting Studies, 13(4), 571-597. , 2015Koonce, L., Miller, J., & Winchel, J. (2015). The effects of norms on investor reactions to derivative use. Contemporary Accounting Research, 32(4), 1529-1554. ), e os apontamentos acerca da complexidade desses instrumentos financeiros, apresentados por Kawaller (2004Kawaller, I. G. (2004). What analysts need to know about accounting for derivatives? Financial Analysts Journal, 60(2), 24-30. ), Campbell (2015Campbell, J. L. (2015). The fair value of cash flow hedges, future profitability, and stock returns. Contemporary Accounting Research, 32(1), 243-279. ), Chang et al. (2016Chang, H. S., Donohoe, M., & Sougiannis, T. (2016). Do analysts understand the economic and reporting complexities of derivatives? Journal of Accounting and Economics, 61(2-3), 584-604. ) e Antônio et al. (2019Antônio, R, M., Lima, F. G., Santos, R. B., & Rathke, A. A. T. (2019). Use of derivatives and analysts' forecasts: new evidence from non-financial Brazilian companies. Australian Accounting Review, 29(1), 220-234. ), permeiam a elaboração da hipótese de pesquisa. Portanto, os estudos apresentados a seguir nesta revisão são relevantes para a compreensão da formulação deste estudo.

Embora o uso dos derivativos tenha sido visto positivamente pelos investidores de maneira geral, o estudo e os resultados de Claußen, Löhr e Rösch (2014Claußen, A., Löhr, S., & Rösch, D. (2014). An analytical approach for systematic risk sensitivity of structured finance products. Review of Derivatives Research, 17(1), 1-37. ) evidenciaram que os ratings se mostraram métricas insuficientes para medir os riscos de produtos estruturados, tais como os riscos inerentes à utilização de derivativos, por exemplo. Nessa linha, alguns estudos destacaram dificuldade na compreensão das informações associadas ao uso dos derivativos. Dentre esses estudos, destacam-se os de Kawaller (2004Kawaller, I. G. (2004). What analysts need to know about accounting for derivatives? Financial Analysts Journal, 60(2), 24-30. ), Campbell (2015Campbell, J. L., Downes, J. F., & Schwartz, W. C. (2015). Do sophisticated investors use the information provided by the fair value of cash flow hedges? Review of Accounting Studies, 20(2), 934-975. ), Chang et al. (2016Chang, H. S., Donohoe, M., & Sougiannis, T. (2016). Do analysts understand the economic and reporting complexities of derivatives? Journal of Accounting and Economics, 61(2-3), 584-604. ) e Antônio et al. (2019Antônio, R, M., Lima, F. G., Santos, R. B., & Rathke, A. A. T. (2019). Use of derivatives and analysts' forecasts: new evidence from non-financial Brazilian companies. Australian Accounting Review, 29(1), 220-234. ).

Campbell (2015Campbell, J. L. (2015). The fair value of cash flow hedges, future profitability, and stock returns. Contemporary Accounting Research, 32(1), 243-279. ) destacou que os resultados de seu estudo sugerem que as divulgações de hedge de fluxos de caixa vinculados à norma Financial Accounting Standards Board n. 133 (FASB, 1999Financial Accounting Standards Board. (1999). Accounting for derivative instruments and hedging activities. Retrieved from http://fasb.org/pdf/aop_FAS133.pdf.
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) eram complexas e incompletas, enquanto, nessa mesma linha, Chang et al. (2016Chang, H. S., Donohoe, M., & Sougiannis, T. (2016). Do analysts understand the economic and reporting complexities of derivatives? Journal of Accounting and Economics, 61(2-3), 584-604. ) argumentaram que os derivativos representam um dos mais complexos tipos de contratos financeiros, criando, dessa maneira, um significativo desafio para o reporte desses instrumentos pelas empresas que os utilizam.

Com base no grau de complexidade de determinadas informações, Plumlee (2003Plumlee, M. A. (2003). The effect of information complexity on analysts' use of that information. The Accounting Review, 78(1), 275-296. ) investigou a relação entre as informações complexas e o uso dessas informações pelos analistas e destacou que: ou as habilidades dos analistas para incorporar informações específicas, conforme suas previsões, são função decrescente da complexidade dessas informações; ou os analistas optam por não assimilar as informações complexas, pois os custos dessa assimilação excederiam seus benefícios. É importante salientar que a pesquisa desenvolvida por Plumlee (2003Plumlee, M. A. (2003). The effect of information complexity on analysts' use of that information. The Accounting Review, 78(1), 275-296. ) utilizou a complexidade das informações sobre tributação e os analistas de ações. É possível, portanto, transferir os resultados encontrados por Plumlee (2003Plumlee, M. A. (2003). The effect of information complexity on analysts' use of that information. The Accounting Review, 78(1), 275-296. ) para a realidade da divulgação de instrumentos financeiros derivativos e sua assimilação pelas agências de classificação de risco e seus analistas.

É imprescindível ressaltar que até mesmo os usuários dos derivativos destacaram que sua utilização deve ser feita com cautela, especialmente em função dos incentivos para seu uso inadequado. Bezzina e Grima (2012Bezzina, F. H., & Grima, S. (2012). Exploring factors affecting the proper use of derivatives: An empirical study with active users and controllers of derivatives. Managerial Finance, 38(4), 414-435. ), a partir de respostas obtidas com a aplicação de 420 questionários a usuários e controladores de derivativos, reportaram que alguns aspectos como ganância, interferência política, padrões e controles inadequados encorajaram o mau uso e impediram o uso apropriado dos derivativos. O que chama atenção nos resultados reportados no estudo desenvolvido por Bezzina e Grima (2012Bezzina, F. H., & Grima, S. (2012). Exploring factors affecting the proper use of derivatives: An empirical study with active users and controllers of derivatives. Managerial Finance, 38(4), 414-435. ) é o fato de os entrevistados concordarem com o fato de que são capazes de lidar com derivativos, mesmo em situações complexas, e, apesar disso, responderem que não têm conhecimentos especializados para lidar com derivativos em posições complexas. Tal dualidade e conflito entre os usuários dos derivativos que participaram dessa pesquisa evidenciam, até mesmo para os usuários desses instrumentos, o grau de complexidade desses contratos financeiros e suas dinâmicas.

Outro aspecto relacionado à utilização de instrumentos derivativos é que, em alguns casos, parte das informações sobre esse uso é divulgada em notas explicativas e não nos demonstrativos financeiros, como no balanço patrimonial, por exemplo. A partir desse aspecto, Kawaller (2004Kawaller, I. G. (2004). What analysts need to know about accounting for derivatives? Financial Analysts Journal, 60(2), 24-30. ) destacou que a maior parte dos contratos de derivativos está evidenciada em itens fora do balanço patrimonial (off balance sheet), gerando falta de transparência. Mais do que isso, os instrumentos financeiros derivativos foram aplicados inconsistentemente de empresa para empresa, o que fez com que o FASB embarcasse em um ambicioso projeto com o propósito de clarificar e melhorar a divulgação desses instrumentos. Nas palavras de Kawaller (2004Kawaller, I. G. (2004). What analysts need to know about accounting for derivatives? Financial Analysts Journal, 60(2), 24-30. , p. 1), “domesticar a fera dos derivativos”.

Além disso, é importante observar que Chang et al. (2016Chang, H. S., Donohoe, M., & Sougiannis, T. (2016). Do analysts understand the economic and reporting complexities of derivatives? Journal of Accounting and Economics, 61(2-3), 584-604. ) encontraram evidências que indicaram que as diversas normas contábeis implementadas sobre derivativos ajudaram os analistas na melhora de suas previsões ao longo do tempo, o que sugere que o esforço do normatizador em aprimorar as normas pode ter surtido efeito e melhorado a qualidade das informações divulgadas acerca dos derivativos.

Uma vez que os investidores veem positivamente o uso para hedge dos derivativos e a complexidade desses instrumentos, as análises desenvolvidas neste estudo foram expandidas dos analistas (objetos de estudos preliminares) para as empresas de classificação de riscos que podem não compreender - em sua plenitude - os instrumentos financeiros derivativos reportados nas informações financeiras das companhias.

Retomando os aspectos relacionados à complexidade das informações contidas nos instrumentos de hedge, Campbell et al. (2015Campbell, J. L., Downes, J. F., & Schwartz, W. C. (2015). Do sophisticated investors use the information provided by the fair value of cash flow hedges? Review of Accounting Studies, 20(2), 934-975. ) ressaltaram que um ganho não realizado a partir de uma proteção de fluxo de caixa implica que o preço subjacente do item protegido (ou seja, preço de commodities, taxa de câmbio ou taxa de juros) moveu-se em uma direção que afetará negativamente os lucros da empresa após a expiração do hedge. Além disso, os autores elencaram que ganhos/perdas não realizados em hedges de fluxo de caixa estão negativamente associados a ganhos futuros e que as expectativas dos investidores, com reflexo na volatilidade dos preços das ações, pareceram não antecipar essa relação, indicando que as informações sobre as proteções, a partir do uso de derivativos, não foram adequadamente utilizadas pelos usuários das informações quando das avaliações empresariais.

Em contraponto ao que fora encontrado por Campbell et al. (2015Campbell, J. L., Downes, J. F., & Schwartz, W. C. (2015). Do sophisticated investors use the information provided by the fair value of cash flow hedges? Review of Accounting Studies, 20(2), 934-975. ), o estudo desenvolvido por Dadalt, Gay e Nam (2002DaDalt, P., Gay, G. D., & Nam, J. (2002). Asymmetric information and corporate derivatives use. Journal of Futures Markets: Futures, Options, and Other Derivative Products, 22(3), 241-267. ) averiguou a relação entre o uso dos derivativos e a assimetria de informações, e as previsões dos analistas foram adotadas como proxy alternativa para assimetria informacional. Os resultados apresentados por Dadalt et al. (2002DaDalt, P., Gay, G. D., & Nam, J. (2002). Asymmetric information and corporate derivatives use. Journal of Futures Markets: Futures, Options, and Other Derivative Products, 22(3), 241-267. ) indicaram que, para as empresas que utilizaram derivativos (especialmente os de câmbio), as previsões de lucros dos analistas foram mais precisas e com menor dispersão. Isso evidencia que o hedge realizado a partir do uso dos derivativos foi capaz de proteger as empresas das oscilações dos ativos adjacentes. Dessa forma, a utilização de instrumentos financeiros derivativos pode conceder aos lucros maior estabilidade e, consequentemente, proteger as empresas das oscilações das taxas de juros, de câmbio e das commodities.

Mais recentemente, Chang et al. (2016Chang, H. S., Donohoe, M., & Sougiannis, T. (2016). Do analysts understand the economic and reporting complexities of derivatives? Journal of Accounting and Economics, 61(2-3), 584-604. ) investigaram se a complexidade dos derivativos é refletida nas propriedades das previsões dos analistas de mercado. Observaram-se que as previsões de lucros dos analistas, para as empresas que começaram a utilizar derivativos (new users), foram menos acuradas e apresentaram maior dispersão em contraponto ao que fora registrado, anos antes, por Dadalt et al. (2002DaDalt, P., Gay, G. D., & Nam, J. (2002). Asymmetric information and corporate derivatives use. Journal of Futures Markets: Futures, Options, and Other Derivative Products, 22(3), 241-267. ). É oportuno considerar que os analistas e os investidores podem melhor processar as informações contidas nos instrumentos financeiros derivativos e suas proteções. Isso está intimamente relacionado à qualidade da divulgação dessas informações aos usuários dos reportes financeiros.

No Brasil, Antônio et al. (2019Antônio, R, M., Lima, F. G., Santos, R. B., & Rathke, A. A. T. (2019). Use of derivatives and analysts' forecasts: new evidence from non-financial Brazilian companies. Australian Accounting Review, 29(1), 220-234. ) analisaram o viés das previsões dos analistas nas empresas que utilizaram derivativos em comparação às que não os utilizaram. A pesquisa foi realizada entre 2006 e 2014 e a amostra foi composta pelas empresas não financeiras da [B]³. Os pesquisadores averiguaram o viés das previsões de receitas, earnings before interest, taxes, depreciation and amortization (EBITDA) e earnings per share (EPS), e concluíram que não houve viés nas previsões de receitas e que esse foi menor nas previsões EPS. Com relação às previsões de EBITDA, o viés das previsões foi maior; embora Antônio et al. (2019Antônio, R, M., Lima, F. G., Santos, R. B., & Rathke, A. A. T. (2019). Use of derivatives and analysts' forecasts: new evidence from non-financial Brazilian companies. Australian Accounting Review, 29(1), 220-234. ) destaquem que os analistas podem incluir as informações sobre derivativos em suas estimativas, a constatação de que houve maior viés nas previsões de EBITDA pode indicar a complexidade dos derivativos, especialmente aqueles classificados e mensurados pelo valor justo e reconhecidos no resultado das companhias.

Esse item elencou aspectos fundamentais no amparo ao desenvolvimento das hipóteses de pesquisa testadas neste estudo. Embora o uso de derivativos tenha sido visto positivamente pelos investidores, parte da literatura destaca a complexidade das informações atreladas a eles. Com isso, há apontamentos de que, dada a complexidade dos produtos financeiros estruturados (como os derivativos), os ratings mostraram-se métricas insuficientes na função de medir os riscos atrelados a esses instrumentos financeiros.

3. ESTRATÉGIA DE INVESTIGAÇÃO

3.1 Aspectos Metodológicos

O foco deste estudo está na análise da capacidade de incorporação, pelas agências de ratings, de itens que vão além dos indicadores financeiros, como apontado por Ederington (1985Ederington, L. H. (1985). Classification models and bond ratings. Financial review, 20(4), 237-262. ), que destacou que as agências incluem mais variáveis em suas análises do que um modelo estatístico pode incorporar.

Com objetivo de analisar os fatores subjetivos da emissão dos ratings, a Tabela 1 evidencia dois fatores de caráter subjetivo que compõem a avaliação de ratings das empresas que integram a siderurgia global e fazem parte da metodologia de análise da Moody’s e utilizados de maneira similar pelas demais agências. Esses fatores são: perfil do negócio com peso na avaliação global de 20% e políticas financeiras com peso de 10%.

Tabela 1.
Fatores e subfatores de rating e seus pesos utilizados pela Moody’s

Neste estudo, analisaram-se as empresas não financeiras listadas na [B]³ para as quais tenham sido atribuídos ratings entre janeiro de 2010 e dezembro de 2016, e a escolha pelas agências de ratings S&P’s, Fitch e Moody’s é pautada no que fora ressaltado por Fischer (2015Fischer, T. (2015). Market structure and rating strategies in credit rating markets - A dynamic model with matching of heterogeneous bond issuers and rating agencies. Journal of Banking & Finance, 58(1), 39-56. ), ou seja, que o mercado é marcado por essas três agências dominantes. A análise proposta aqui compreende, portanto, um corte transversal entre 2010 e 2016, com propósito de averiguar o reflexo nos ratings do uso de derivativos, mas também identificar os possíveis indicadores financeiros que podem determinar os ratings e suas alterações. O corte transversal foi adotado previamente e segue os estudos de Hsueh e Liu (1992Hsueh, L. P., & Liu, Y. A. (1992). Market anticipation and the effect of bond rating changes on common stock prices.Journal of Business Research, 24(3), 225-239.), Kisgen (2006Kisgen, D. J. (2006). Credit ratings and capital structure. The Journal of Finance, 61(3), 1035-1072. ), Freitas e Minardi (2013Freitas, A. D. P. N., & Minardi, A. M. A. F. (2013). The impact of credit rating changes in Latin American stock markets. BAR-Brazilian Administration Review, 10(4), 439-461. ), Tonin e Colauto (2015Tonin, J. M., & Colauto, R. D. (2015). Relação entre income smoothing e ratings em companhias brasileiras de capital aberto. Contabilidade Vista & Revista, 26(1), 104-122. ) e Lobo, Paugam Stolowy e Astolfi (2017Lobo, G. J., Paugam, L., Stolowy, H., & Astolfi, P. (2017). The effect of business and financial market cycles on credit ratings: Evidence from the last two decades. Abacus, 53(1), 59-93. ).

Com relação as variáveis explicativas, algumas já foram adotadas previamente por Hentschel e Kothari (2001Hentschel, L., & Kothari, S. P. (2001). Are corporations reducing or taking risks with derivatives? Journal of Financial and Quantitative Analysis, 36(1), 93-118. ), Damasceno, Artes e Minardi (2008Damasceno, D. L., Artes, R., & Minardi, A. M. A. F. (2008). Determinação de rating de crédito de empresas brasileiras com a utilização de índices contábeis. Revista de Administração-RAUSP, 43(4), 344-355. ), Batta, Qiu e Yu (2016Batta, G. E., Qiu, J., & Yu, F. (2016). Credit derivatives and analyst behavior. The Accounting Review, 91(5), 1315-1343. ) e Dehaan (2017DeHaan, E. (2017). The financial crisis and corporate credit ratings. The Accounting Review, 92(4), 161-189. ). Vale destacar que as informações necessárias para o cálculo das variáveis explicativas foram extraídas das bases de dados Economatica® e Thomson Reuters Eikon® (características financeiras, de mercado e de risco das companhias, coletadas trimestralmente) e Thomson Reuters Eikon® (ratings de crédito emitidos pelas agências de classificação de riscos). Optou-se pela utilização do rating de longo prazo (long-term issuer credit rating), mesma variável utilizada nos estudos desenvolvidos por Li, Shin e Moore (2006Li, J., Shin, Y. S., & Moore, W. T. (2006). Reactions of Japanese markets to changes in credit ratings by global and local agencies. Journal of Banking & Finance, 30(3), 1007-1021. ), Cheng e Subramanyam (2008Cheng, M., & Subramanyam, K. R. (2008). Analyst following and credit ratings. Contemporary Accounting Research, 25(4), 1007-1044. ), Lee (2008Lee, Y. J. (2008). The effects of employee stock options on credit ratings. The Accounting Review, 83(5), 1273-1314. ) e Batta et al. (2016Batta, G. E., Qiu, J., & Yu, F. (2016). Credit derivatives and analyst behavior. The Accounting Review, 91(5), 1315-1343. ).

Além disso, a base de dados relacionada aos aspectos e às informações da utilização ou não dos instrumentos financeiros derivativos foi extraída manualmente a partir da coleta e da análise dos demonstrativos financeiros, em especial nas notas explicativas das companhias aqui analisadas. Essas informações foram extraídas do website da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Na Tabela 2, há a indicação das variáveis independentes, de forma detalhada, a importância para o modelo, as formulações matemáticas, bem como os estudos que já as adotaram anteriormente.

Tabela 2
Características consideradas variáveis independentes

A abordagem utilizada para testar as hipóteses do trabalho é a de dados em painel. Sendo assim, para embasar a escolha dessa metodologia e para estimação do modelo, utilizaram-se as referências de Wooldridge (2010Wooldridge, J. M. (2010). Econometric analysis of cross section and panel data. Cambridge, MA: The MIT Press. ) e Gujarati e Porter (2011Gujarati, D. N., & Porter, D. C. (2011). Econometria básica (5th ed.). São Paulo, SP: AMGH. ). O modelo inicial, expresso na equação 1, com adoção do rating como variável dependente, fora realizado anteriormente por Bonsall, Koharki e Neamtiu (2015Bonsall, S., Koharki, K., & Neamtiu, M. (2015). The effectiveness of credit rating agency monitoring: Evidence from asset securitizations. The Accounting Review, 90(5), 1779-1810. ) e Damasceno et al. (2008Damasceno, D. L., Artes, R., & Minardi, A. M. A. F. (2008). Determinação de rating de crédito de empresas brasileiras com a utilização de índices contábeis. Revista de Administração-RAUSP, 43(4), 344-355. ) e servirá de base para o desenvolvimento dos demais modelos.

R a t i n g i , t = α + δ 1 U s e r i , t + β 1 L i q u i d e z i , t + β 2 E s t r u t u r a i , t + β 3 R e n t a b i l i d a d e i , t + β 4 R i s c o i , t + β 5 T a m a n h o i , t + ε i , t (1)

Na equação 1, Rating é a nota de crédito atribuída para a companhia i no momento t; o termo da regressão Liquidez é composto pelas variáveis que estabelecem a liquidez da empresa i no momento t, Estrutura é o termo que considera os aspectos ligados ao endividamento e à estrutura de capital da empresa i no momento t, Rentabilidade representa os aspectos relacionados à rentabilidade da empresa i no momento t, Risco estabelece os aspectos para captar o risco da empresa i no momento t e o termo Tamanho estabelece os aspectos para capturar o tamanho da empresa i no momento t.

Com relação à variável User, nessa regressão inicial, é representada por uma variável dummy que tem objetivo de captar a influência nos ratings da empresa i que têm (1) ou que não têm (0) algum tipo de instrumento financeiro derivativo no momento t. Essa classificação entre usuários ou não de derivativos é alinhada com os estudos desenvolvidos por Guay (1999Guay, W. R. (1999). The impact of derivatives on firm risk: An empirical examination of new derivative users1. Journal of Accounting and Economics, 26(1-3), 319-351. ), Donohoe (2015Donohoe, M. P. (2015). The economic effects of financial derivatives on corporate tax avoidance. Journal of Accounting and Economics, 59(1), 1-24. ) e Chang et al. (2016Chang, H. S., Donohoe, M., & Sougiannis, T. (2016). Do analysts understand the economic and reporting complexities of derivatives? Journal of Accounting and Economics, 61(2-3), 584-604. ). Em seguida, no segundo modelo de regressão desenvolvido, tentou-se capturar se o valor do instrumento financeiro derivativo (relação entre valor nocional e o ativo total) da empresa reflete nas classificações de ratings e está apresentado na equação 2.

R a t i n g i , t = α + β 1 V a l o r n o c i o n a l i , t + β 2 C i , t + ε i , t (2)

Na equação 2, o item Valor nocional é caracterizado pela razão entre valor nocional dos derivativos e os ativos totais da empresa i no momento t. É importante destacar que essa variável se assemelha a que fora utilizada por Hentschel e Kothari (2001Hentschel, L., & Kothari, S. P. (2001). Are corporations reducing or taking risks with derivatives? Journal of Financial and Quantitative Analysis, 36(1), 93-118. ). A principal diferença é que Hentschel e Kothari (2001Hentschel, L., & Kothari, S. P. (2001). Are corporations reducing or taking risks with derivatives? Journal of Financial and Quantitative Analysis, 36(1), 93-118. ) utilizaram a razão entre o valor nocional de todos os contratos de derivativos relatados (deflacionados pela soma do valor contábil dos passivos) e o valor de mercado do patrimônio líquido, ambos medidos no início do ano para o qual a informação derivada é coletada [derivatives/market value (MV) of assets].

Por sua vez, a medida expressa pelas variáveis Valor nocional/Ativo total procura captar se o tamanho da proteção adotada pela empresa exerce alguma influência nas avaliações e atribuições de ratings, ou seja, objetiva-se capturar a proteção percebida pelas agências a partir das posições assumidas pelas empresas. Sobretudo, é fundamental destacar que é esperada uma relação positiva entre o valor protegido e a nota atribuída às empresas, tendo em vista que a amostra de empresas aqui analisadas declara que utiliza os derivativos para fins de proteção (hedge).

4. RESULTADOS

4.1 Análise Preliminar dos Dados

Conforme destacado anteriormente, o objetivo deste estudo foi o de investigar se as empresas que utilizaram derivativos para hedge receberam ratings de crédito melhores do que as empresas que não fizeram uso desses instrumentos financeiros. A elaboração dessa hipótese é pautada pelo que foi apontado por Ederington (1985Ederington, L. H. (1985). Classification models and bond ratings. Financial review, 20(4), 237-262. ), que as agências de ratings consideram mais variáveis do que um modelo estatístico pode incorporar e também pelo fato de o uso de derivativos ter sido visto positivamente pelos investidores, como apontado por Koonce et al. (2015Koonce, L., Miller, J., & Winchel, J. (2015). The effects of norms on investor reactions to derivative use. Contemporary Accounting Research, 32(4), 1529-1554. ). Dessa maneira, no presente estudo, verificou-se se o uso dos derivativos foi considerado pelas agências uma informação relevante e positiva.

Para conferir mais robustez aos resultados, os testes foram realizados a partir de três categorizações de ratings. Essas categorizações são as mais recorrentes na literatura relacionada ao tema e procuram capturar as alterações dos ratings de maneiras distintas. As categorizações estão apresentadas na Tabela 3.

Tabela 3.
Categorização das variáveis dependentes (ratings)

Na Tabela 3, estão apresentadas as três categorizações utilizadas na organização da variável dependente que compuseram os testes desenvolvidos nesta pesquisa. A utilização dessas categorizações visa a apresentar os resultados aderentes às principais pesquisas sobre o tema, uma vez que essas categorizações são utilizadas recorrentemente na literatura e procuram capturar as alterações de ratings de três maneiras distintas.

Nessa etapa, apresentam-se os dados utilizados no estudo. Na Tabela 4 estão evidenciadas as estatísticas descritivas das variáveis utilizadas nos modelos propostos.

Tabela 4.
Tipos de instrumentos utilizados pelas empresas entre 2010 a 2016

A Tabela 5 apresenta a matriz de correlação entre as variáveis analisadas neste estudo. A partir dos resultados reportados, verifica-se que as notas de crédito emitidas pelas agências são convergentes (ver correlações positivas e maiores do que 0,60). Além disso, vale ressaltar que as variáveis inseridas nos modelos propostos não estão correlacionadas.

Tabela 5.
Matriz de correlação entre as variáveis estudadas

4.2 Incorporação das Informações Relativas aos Derivativos

Antes de serem apresentados os resultados dos modelos propostos, realizaram-se testes de aderência aos modelos de regressões em painéis. Segundo Wooldridge (2006Wooldridge, J. M. (2006). Introdução à econometria: uma abordagem moderna. São Paulo, SP: Pioneira Thomson Learning. ), os métodos de estimação a partir de dados em painel compreendem três tipos de estimação: pooled, efeitos fixos (EF) e efeitos aleatórios (EA). Para decidir qual estimação a ser escolhida, realizaram-se três testes: o de Chow, o de Breusch-Pagan e o de Hausman (nessa ordem). A Tabela 6 apresenta os testes de Chow, Breusch-Pagan e Hausman (robustos e não robustos) para escolha do modelo de regressão mais aderente dentre os modelos que consideram os mínimos quadrados ordinários (MQO), os EA e os EF.

Tabela 6.
Testes para escolha do modelo de regressão - Standard & Poor´s (S&P's) e Moody’s Ratings

A partir dos resultados da Tabela 6, verifica-se que os três modelos estatísticos propostos para a S&P´s e dois propostos para a Moody’s foram realizados a partir das regressões, usando os EA robustos, como evidenciado nas tabelas 7 e 8. Vale ressaltar que o modelo econométrico, a partir da categorização C da Moody’s, foi realizado com os EF robustos, conforme Tabela 6.

Após os testes de aderência dos dados em painéis, evidenciamos os resultados obtidos a partir da utilização das categorizações A, B e C (conforme Tabela 3). Esses resultados estão reportados nas tabelas 7 e 8, respectivamente os resultados das agências S&P´s e Moody’s em cada uma das tabelas.

Tabela 7
Resultado das regressões - Standard & Poor’s (S&P’s) ratings (variável de interesse: User)

Os resultados reportados na Tabela 7 evidenciam que, para a S&P’s, a utilização dos instrumentos financeiros derivativos não refletiu (positivamente ou negativamente) nas notas emitidas. Isso é evidenciado nos coeficientes das três regressões em que foram encontrados os p-valores de 0,2842, 0,2449 e 0,1097 para as categorizações A, B e C, respectivamente. Esses números evidenciam que não houve influência estatisticamente significante do uso de derivativos nos ratings emitidos por essa agência de classificação de riscos.

Esse resultado indica que a proteção anunciada pelas empresas que utilizaram derivativos não foi percebida e incorporada por essa agência de rating como aspecto positivo (ou negativo) de política financeira. Além disso, a principal implicação prática desse resultado é a de que a avaliação das empresas pelas agências de ratings pode não considerar múltiplas fontes de dados e informações. Sobretudo, é importante ressaltar que os aspectos inerentes aos benefícios do uso de derivativos e, consequentemente, os riscos dessa utilização, parecem não terem sido incorporados pela S&P’s.

Esse resultado vai de encontro ao que fora ressaltado por Ederington (1985Ederington, L. H. (1985). Classification models and bond ratings. Financial review, 20(4), 237-262. ), ou seja, as agências de ratings podem não considerar mais variáveis, como o uso dos derivativos, do que um modelo estatístico pode incorporar. Considerando os resultados reportados na Tabela 7, verifica-se que cerca de 30% das alterações de ratings podem ser explicados pela variação conjunta das variáveis inseridas no modelo estatístico aqui proposto. Essa informação pode ser verificada a partir da análise do r2 (mais especificamente do r2_b) de cerca de 30% para as três categorizações propostas.

Além disso, embora Koonce et al. (2015Koonce, L., Miller, J., & Winchel, J. (2015). The effects of norms on investor reactions to derivative use. Contemporary Accounting Research, 32(4), 1529-1554. ) tenham destacado que os derivativos utilizados para gerenciamento dos riscos foram vistos positivamente pelos investidores, os resultados reportados aqui, atrelados às percepções das agências de ratings, são diversos a essa perspectiva. A partir disso, os resultados estão alinhados ao que fora destacado por Claußen et al. (2014Claußen, A., Löhr, S., & Rösch, D. (2014). An analytical approach for systematic risk sensitivity of structured finance products. Review of Derivatives Research, 17(1), 1-37. ), ou seja, os ratings se mostraram métricas insuficientes para medir e capturar os riscos de produtos financeiros estruturados como os derivativos.

Com relação às variáveis de controle, para a agência S&P’s, as variações dos indicadores que podem explicar as alterações nos ratings foram: a liquidez geral; o percentual de participação de capital de terceiros na estrutura de capital; a volatilidade; e o tamanho das empresas (definido como o logaritmo neperiano do valor do ativo total da empresa). Esses resultados vão ao encontro do que fora destacado por Kraft (2015Kraft, P. (2015). Rating agency adjustments to GAAP financial statements and their effect on ratings and credit spreads. The Accounting Review, 90(2), 641-674. ), ou seja, as agências utilizam informações contábeis em suas avaliações.

Os resultados dos modelos para a Moody’s estão descritos na Tabela 8.

Tabela 8.
Resultado das regressões - Moody’s ratings (variável de interesse: User)

Com relação ao uso dos derivativos, ou seja, nesses modelos iniciais procurou-se verificar se a segregação entre empresas usuárias e não usuárias de derivativos são identificadas e se essa informação é incorporada pelas agências. A Moody’s incorporou negativamente a utilização dos derivativos, uma vez que as empresas que utilizaram os instrumentos financeiros derivativos receberam as piores notas (coeficiente de 2,2134 e p-valor de 0,0361).

A interpretação dos resultados relacionados ao uso de derivativos e sua incorporação pelas agências de ratings parecem alinhadas com o que fora apontado por Campbell et al. (2015Campbell, J. L., Downes, J. F., & Schwartz, W. C. (2015). Do sophisticated investors use the information provided by the fair value of cash flow hedges? Review of Accounting Studies, 20(2), 934-975. ), ou seja, que os analistas podem não estar incorporando corretamente as informações relacionadas aos derivativos divulgados pelas empresas, especialmente pela não convergência de interpretação por parte das agências Standard & Poor’s e Moody’s. Se considerado que ainda não se sabe o real propósito de utilização dos derivativos (se para proteção ou para especulação), essa divergência entre as agências de ratings parece coerente com o questionamento levantado no estudo de Hentschel e Kothari (2001Hentschel, L., & Kothari, S. P. (2001). Are corporations reducing or taking risks with derivatives? Journal of Financial and Quantitative Analysis, 36(1), 93-118. ), ou seja, se os derivativos são utilizados com o objetivo de aumentar ou de reduzir os riscos.

Nesse ponto, é imperativo destacar que até mesmo para os usuários e controladores dos derivativos há dificuldade na interpretação e no tratamento, dadas a complexidade e a dinâmica desses instrumentos financeiros. Nessa linha, Bezzina e Grima (2012Bezzina, F. H., & Grima, S. (2012). Exploring factors affecting the proper use of derivatives: An empirical study with active users and controllers of derivatives. Managerial Finance, 38(4), 414-435. ), com a aplicação de um questionário, reportaram que os usuários e controladores de derivativos responderam que são capazes de lidar com os derivativos, mesmo em situações complexas. Ao mesmo tempo, e de maneira surpreendente, os mesmos respondentes indicaram que não têm conhecimentos especializados para lidar com derivativos em posições complexas. Essa dualidade pode ajudar a explicar os resultados reportados aqui, ou seja, em função da dinâmica complexa desses instrumentos, a atribuição de notas piores (Moody’s) e indiferentes (S&P’s) para as empresas que utilizaram instrumentos financeiros derivativos é compreensível.

Os resultados da incorporação das informações relativas ao valor nocional e o reflexo nos ratings estão reportados na Tabela 9.

Tabela 9
Resultado das regressões - Standard & Poor’s (S&P’s) e Moody’s (variável de interesse: Nocional)

De acordo com os resultados apresentados na Tabela 9, pode-se verificar que a agência Moody’s incorpora o tamanho da proteção de maneira positiva, ou seja, as empresas que apresentaram as maiores posições em derivativos (maiores valores nocionais) foram aquelas que receberam as melhores notas. Esses resultados foram obtidos para as três categorizações propostas e foram estaticamente significantes a 5%. Esse resultado é evidenciado pelos coeficientes negativos (e os respectivos p-valores) nos três modelos A, B e C. Os valores encontrados foram de -0,1689 (0,0212), -0,1636 (0,0316) e -0,3968 (0,0307), respectivamente.

Vale destacar, ainda, que os resultados reportados na Tabela 9 são opostos à interpretação dos resultados relacionados ao uso de derivativos. Com isso, pode-se inferir que, apesar de o valor de proteção ser levado em consideração, não houve separação e reflexo nas notas da utilização ou não de derivativos. Esses achados indicam e reforçam a complexidade dos instrumentos financeiros derivativos, conforme apontado anteriormente peles estudos desenvolvidos por Campbell et al. (2015Campbell, J. L., Downes, J. F., & Schwartz, W. C. (2015). Do sophisticated investors use the information provided by the fair value of cash flow hedges? Review of Accounting Studies, 20(2), 934-975. ) e Chang et al. (2016Chang, H. S., Donohoe, M., & Sougiannis, T. (2016). Do analysts understand the economic and reporting complexities of derivatives? Journal of Accounting and Economics, 61(2-3), 584-604. ).

É necessário destacar que Chang et al. (2016Chang, H. S., Donohoe, M., & Sougiannis, T. (2016). Do analysts understand the economic and reporting complexities of derivatives? Journal of Accounting and Economics, 61(2-3), 584-604. ) argumentaram que os derivativos são contratos complexos e criam um significativo desafio para o reporte dessas informações. A partir dos seus resultados, os autores conceituaram que as previsões de lucros dos analistas para novas empresas usuárias de derivativos são menos precisas e mais dispersas após o início do uso desses instrumentos financeiros. Já Campbell et al. (2015Campbell, J. L., Downes, J. F., & Schwartz, W. C. (2015). Do sophisticated investors use the information provided by the fair value of cash flow hedges? Review of Accounting Studies, 20(2), 934-975. ) constataram que os analistas não incorporaram corretamente, em suas previsões de lucros, os ganhos e perdas de hedge de fluxo de caixa não realizados.

Com relação à incorporação do valor nocional pela agência S&P’s, os resultados obtidos nesta pesquisa não permitem afirmar que houve influência estatisticamente significante do valor nocional na nota atribuída nas três categorizações. Esse achado alinha-se à não percepção da utilização dos derivativos identificada anteriormente. Os resultados estão em consonância com o que fora destacado anteriormente por Chang et al. (2016Chang, H. S., Donohoe, M., & Sougiannis, T. (2016). Do analysts understand the economic and reporting complexities of derivatives? Journal of Accounting and Economics, 61(2-3), 584-604. ). Os pesquisadores apontaram que, apesar da expertise dos analistas, eles, rotineiramente, julgam mal as implicações nos lucros a partir dos efeitos das atividades inerentes ao uso de derivativos pelas empresas. Embora os instrumentos financeiros derivativos possam refletir impactos negativos relevantes nos lucros das empresas, o uso desses instrumentos não foi adequadamente incorporado pelas agências S&P’s e Moody’s.

A dificuldade na incorporação das informações relacionadas ao uso de derivativos foi destacada e reportada por Chung, Kim, Kim e Yoo (2012Chung, J., Kim, H., Kim, W., & Yoo, Y. K. (2012). Effects of disclosure quality on market mispricing: Evidence from derivative‐related loss announcements. Journal of Business Finance & Accounting, 39(7‐8), 936-959. ) e por Antônio et al. (2019Antônio, R, M., Lima, F. G., Santos, R. B., & Rathke, A. A. T. (2019). Use of derivatives and analysts' forecasts: new evidence from non-financial Brazilian companies. Australian Accounting Review, 29(1), 220-234. ). Segundo Chung et al. (2012Chung, J., Kim, H., Kim, W., & Yoo, Y. K. (2012). Effects of disclosure quality on market mispricing: Evidence from derivative‐related loss announcements. Journal of Business Finance & Accounting, 39(7‐8), 936-959. ), apesar de as pesquisas anteriores sugerirem que o nível de disclosure é positivamente relacionado com a eficiência do mercado acionário, é mais provável que os investidores avaliem erroneamente as perdas relacionadas aos derivativos. Antônio et al. (2019Antônio, R, M., Lima, F. G., Santos, R. B., & Rathke, A. A. T. (2019). Use of derivatives and analysts' forecasts: new evidence from non-financial Brazilian companies. Australian Accounting Review, 29(1), 220-234. ) reportaram que, embora os analistas tenham apresentado um viés menor na previsão de lucros por ação e não tenham apresentado viés nas previsões de receitas, as previsões de EBITDA foram mais enviesadas. Vale destacar que esses resultados podem estar associados aos derivativos classificados por valor justo por meio do resultado e apresentem reflexos diretos no lucro operacional, dificultando a incorporação dessas informações.

É necessário lembrar, ainda, que essa variável de valor nocional foi ponderada pelo valor total do ativo das companhias, alinhado com Hentschel e Kothari (2001Hentschel, L., & Kothari, S. P. (2001). Are corporations reducing or taking risks with derivatives? Journal of Financial and Quantitative Analysis, 36(1), 93-118. ). Nesse estudo, Hentschel e Kothari (2001Hentschel, L., & Kothari, S. P. (2001). Are corporations reducing or taking risks with derivatives? Journal of Financial and Quantitative Analysis, 36(1), 93-118. ) constataram que não houve associação entre a volatilidade dos preços das ações das empresas e os valores das posições dos derivativos (valores nocionais), o que indica que o mercado não percebeu as empresas com altos valores nocionais mais arriscadas. Enquanto isso, nos resultados aqui reportados, uma das agências de ratings, a Moody’s, parece perceber as empresas com maiores valores nocionais preocupadas em se proteger de variações indesejadas de taxas de juros, câmbio e commodities, por exemplo.

Com objetivo de apresentar mais robustez aos resultados, estão evidenciados, na Tabela 10, os resultados dos testes de Breusch-Pagan/Cook-Weisberg para heterocedasticidade, a média do teste de variance inflation factor (VIF) e o teste de Wooldridge para autocorrelação em dados em painéis.

Tabela 10.
Testes para verificação de heterocedasticidade e autocorrelação dos modelos

Os resultados dos testes apresentados na Tabela 10 indicam que os resíduos das estimações não são homocedásticos, portanto os modelos foram estimados com matriz de variância-covariância robusta, não há problemas de multicolinearidade nem problemas de autocorrelação entre os dados. A partir dos resultados aqui apresentados e analisados, são apresentadas, na próxima seção, as considerações finais com as principais implicações deste estudo, assim como as limitações e as sugestões para futuras pesquisas relacionadas ao tema aqui abordado.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste estudo foi o de investigar se as empresas que utilizaram instrumentos financeiros derivativos, especialmente as que os utilizaram para fins de proteção (hedge), receberam melhores ratings de crédito em comparação às empresas que não fizeram uso desses instrumentos. Essa relação de pesquisa foi elaborada tendo em vista que parte das notas de crédito procura captar aspectos subjetivos das empresas avaliadas, tais como aqueles relacionados ao perfil do negócio e às políticas financeiras. Além disso, outro ponto relevante, que tange à relação de pesquisa realizada, está ligado ao fato de que as empresas podem realizar parte do gerenciamento de seus riscos a partir da utilização dos derivativos.

Diante dos pontos levantados anteriormente e do que a literatura destaca, pode-se notar que as informações relacionadas à utilização de derivativos são complexas, dificultando, assim, a completa incorporação dessas informações nas análises realizadas pelas agências de classificação de riscos. A complexidade dessas informações foi abordada e relacionada conforme argumentos apresentados nos estudos de Campbell et al. (2015Campbell, J. L., Downes, J. F., & Schwartz, W. C. (2015). Do sophisticated investors use the information provided by the fair value of cash flow hedges? Review of Accounting Studies, 20(2), 934-975. ), Chang et al. (2016Chang, H. S., Donohoe, M., & Sougiannis, T. (2016). Do analysts understand the economic and reporting complexities of derivatives? Journal of Accounting and Economics, 61(2-3), 584-604. ) e Antônio et al. (2019Antônio, R, M., Lima, F. G., Santos, R. B., & Rathke, A. A. T. (2019). Use of derivatives and analysts' forecasts: new evidence from non-financial Brazilian companies. Australian Accounting Review, 29(1), 220-234. ).

Posto isso, é fundamental suprir uma lacuna ainda não explorada pela literatura acadêmica da área, relacionando o reflexo nos ratings das empresas a partir da utilização ou não desses instrumentos e do valor protegido pelos derivativos. Reforçando esse aspecto, Akins (2017Akins, B. (2017). Financial reporting quality and uncertainty about credit risk among ratings agencies. The Accounting Review, 93(4), 1-22. ) ressaltou que poucas são as pesquisas que abordaram “se” e “como” a qualidade dos relatórios financeiros influencia as agências de classificação de riscos e suas notas (ratings). A partir desse contexto, procurou-se responder à seguinte pergunta: as empresas que utilizam instrumentos financeiros derivativos para hedge recebem as melhores notas de classificação de crédito?

A partir dos modelos propostos e da relação de pesquisa levantada, os resultados obtidos sugerem que o uso de derivativos não é incorporado completamente pelas agências de classificação de riscos investigadas. Além disso, os resultados não permitem afirmar que a agência S&P’s atribuiu as melhores notas de crédito para as empresas que utilizaram os derivativos para hedge. Por sua vez, a agência Moody’s parece reconhecer o uso de derivativos como aspecto negativo, devido à atribuição de piores notas às empresas que fizeram uso desses instrumentos financeiros quando comparadas às companhias que não o fizeram.

Com relação ao valor nocional, há indícios de que a agência S&P’s não reconhece a proteção a partir do valor nocional das companhias. No entanto, a agência S&P’s parece não perceber os aspectos especulativos do uso desses instrumentos. Por sua vez, a Moody’s atribuiu as melhores notas para as empresas que apresentaram os maiores valores nocionais. Em um primeiro olhar, como a totalidade das empresas estudadas declarou que faz uso dos derivativos para fins de proteção, o valor das posições é percebido como aspecto positivo pela Moody’s. Dessa maneira, rejeita-se a hipótese central desta pesquisa, isto é, de que as empresas que utilizam instrumentos financeiros derivativos para fins de proteção receberam as melhores notas de classificação de crédito.

Esses resultados estão alinhados aos apontamentos feitos anteriormente pelos estudos de Campbell et al. (2015Campbell, J. L., Downes, J. F., & Schwartz, W. C. (2015). Do sophisticated investors use the information provided by the fair value of cash flow hedges? Review of Accounting Studies, 20(2), 934-975. ), Chang et al. (2016Chang, H. S., Donohoe, M., & Sougiannis, T. (2016). Do analysts understand the economic and reporting complexities of derivatives? Journal of Accounting and Economics, 61(2-3), 584-604. ) e Antônio et al. (2019Antônio, R, M., Lima, F. G., Santos, R. B., & Rathke, A. A. T. (2019). Use of derivatives and analysts' forecasts: new evidence from non-financial Brazilian companies. Australian Accounting Review, 29(1), 220-234. ), ou seja, ainda não há convergência nas avaliações realizadas pelas agências e por seus analistas sobre o uso dos derivativos e as informações divulgadas inerentes a esse uso. Nessa linha, Valle (2002Valle, M. R. (2002). Mercados de bonds: risco, rating e custo de captação. Revista de Administração da Universidade de São Paulo, 37(2), 46-56. ) destacou que, quando as empresas de determinado país têm a mesma nota de crédito e há fortes evidências de diferentes avaliações a essas empresas, é possível argumentar que os ratings atribuídos pelas agências são, por vezes, de rigor limitado e de valor discutível.

Como principal implicação dos resultados obtidos, pode-se inferir que não há interpretação homogênea das informações divulgadas sobre o uso dos derivativos. Esses instrumentos ainda não foram percebidos como ferramentas utilizadas para aumentar ou reduzir os riscos empresariais, conforme reportado, anteriormente, por Hentschel e Kothari (2001Hentschel, L., & Kothari, S. P. (2001). Are corporations reducing or taking risks with derivatives? Journal of Financial and Quantitative Analysis, 36(1), 93-118. ), sobre a discussão pública do uso dos derivativos.

Embora Koonce et al. (2015Koonce, L., Miller, J., & Winchel, J. (2015). The effects of norms on investor reactions to derivative use. Contemporary Accounting Research, 32(4), 1529-1554. ) ponderem que os derivativos utilizados para gerenciamento dos riscos foram vistos positivamente pelos investidores, os resultados aqui reportados, atrelados às percepções das agências de ratings, são diversos a essa perspectiva. Os resultados vão ao encontro do que fora destacado por Claußen et al. (2014Claußen, A., Löhr, S., & Rösch, D. (2014). An analytical approach for systematic risk sensitivity of structured finance products. Review of Derivatives Research, 17(1), 1-37. ), ou seja, os ratings analisados aqui se mostraram métricas insuficientes para medir os riscos de produtos financeiros estruturados, tais como os instrumentos financeiros derivativos.

Segundo Chung et al. (2012Chung, J., Kim, H., Kim, W., & Yoo, Y. K. (2012). Effects of disclosure quality on market mispricing: Evidence from derivative‐related loss announcements. Journal of Business Finance & Accounting, 39(7‐8), 936-959. ), as pesquisas anteriores apontaram que o nível de disclosure é positivamente relacionado à eficiência do mercado acionário. No entanto, é mais provável que os investidores avaliem erroneamente as perdas relacionadas aos derivativos. Os resultados obtidos a partir desta pesquisa estão limitados e refletem o ambiente institucional do mercado brasileiro no período investigado, compreendido entre 2010 e 2016. Além disso, os resultados estão restritos às variáveis de controle e de interesse utilizadas nos modelos aqui propostos. Pesquisas futuras podem analisar outras variáveis capazes de explicar as alterações e as notas de crédito emitidas pelas agências de classificação de riscos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jun 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2020

Histórico

  • Recebido
    09 Set 2018
  • Revisado
    16 Out 2018
  • Aceito
    29 Mar 2019
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