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A editoria de atuária da Revista Contabilidade & Finanças: algumas considerações gerais

Este editorial tem como objetivo apresentar algumas reflexões sobre a editoria de atuária da Revista Contabilidade & Finanças (RC&F). Este breve artigo se beneficia do referencial de análise proporcionado pela agenda de pesquisa desenvolvida em periódicos internacionais de referência em ciências atuariais. É fundamental haver um referencial externo para compreender melhor o que fazemos internamente.

Inicialmente, deve-se enfatizar que o campo das ciências atuariais é bastante amplo. A International Actuarial Association (IAA) tem seis seções: Actuarial Approach for FInancial Risks (AFIR-ERM), Actuarial Studies in Non-Life Insurance (ASTIN), International Actuarial Association Health Section (IAAHS), IAA Life Section (IAALS), International Association of Consulting Actuaries (IACA) e Pensions, Benefits and Social Security Section (PBSS), além da Actuaries Without Borders (AWB). São áreas de atuação bastante específicas. Obviamente, a pesquisa em cada uma dessas áreas foca objetos particulares e demanda conhecimentos específicos por parte dos acadêmicos. Dessa maneira, este texto visa traçar um quadro geral da área sem ter a pretensão de se aprofundar nas peculiaridades de temas específicos.

Quando assumi o posto de Editor Associado de Atuária, em 2015, o quadro era bastante distinto do atualmente verificado. O número de trabalhos submetidos era pequeno. Parcela elevada não chegava a superar a etapa desk. Não é possível precisar uma data ou um evento específico, mas paulatinamente houve alteração, clara e natural, no panorama da editoria de atuária. Os anos recentes trouxeram novidades bastante positivas. Verificou-se crescimento expressivo na quantidade de artigos submetidos. Concomitantemente, e mais relevante, o aumento na quantidade foi acompanhado por notável melhoria na qualidade dos artigos submetidos. Questões de pesquisa mais relevantes, embasamento teórico mais sólido, diálogo mais próximo com o estado das artes da literatura internacional, uso crescente (e justificado) de técnicas mais sofisticadas e contribuições mais evidentes para o interesse público são alguns dos elementos que embasam o diagnóstico positivo apresentado.

Inicialmente, poderia ser feita a suposição de que essa mudança teria sido originada da emergência do tema da reforma da previdência na agenda político-econômica do Brasil. Isso ocorreu a partir da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287 apresentada pelo governo de Michel Temer em dezembro de 2016 e foi reforçado pela PEC 6, apresentada pelo presidente Jair Bolsonaro em fevereiro de 2019. Entretanto, dos oito trabalhos de atuária publicados de 2017 até 2019 na RC&F, apenas três tratam especificamente de previdência social. Essa proporção pode ser entendida como evidência de que a pesquisa na área atuarial do Brasil tem se expandido e buscado ampliar seu foco.

Um breve olhar sobre esses artigos revela o panorama da pesquisa em atuária no Brasil e das lacunas que vêm sendo exploradas pelos pesquisadores, com predomínio para a área de vida. Em 2017 foram publicados dois trabalhos. Beltrão e Sugahara (2017Beltrão, K. I., & Sugahara, S. (2017). Executive branch federal civil servant mortality by sex and educational level - 1993/2014. Revista Contabilidade & Finanças, 28(75), 445-464. https://doi.org/10.1590/1808-057x201704320
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) elaboram tábuas de mortalidade específicas para funcionários públicos federais, tema de grande relevância para o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) da União e para a Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público (Funpresp). Chan e Marques (2017Chan, B. L., & Marques, F. T. (2017). Impacts of the regulatory model for market risk capital: Application in a special savings company, an insurance company, and a pension fund. Revista Contabilidade & Finanças, 28(75), 465-477. https://doi.org/10.1590/1808-057x201703840
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) abordam o tema da regulação originada do Solvência II. Motivados pela introdução do capital regulatório por parte da Superintendência de Seguros Privados (Susep), os autores estudam os efeitos sobre uma seguradora, uma entidade aberta de previdência complementar e uma sociedade de capitalização.

Em 2018 houve a publicação de apenas um artigo. Tendo como base as mudanças que seriam realizadas nas regras do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) caso a PEC 287/2016 houvesse sido aprovada, Gouveia, Souza e Rêgo (2018Gouveia, A. L. L. A., Souza, F. C. de, & Rêgo, L. C. (2018). Justiça atuarial nos cálculos previdenciários: aplicação de um modelo multidecremental para comparação da regra do fator previdenciário e da idade mínima. Revista Contabilidade & Finanças, 29(78), 469-486. https://doi.org/10.1590/1808-057x201805740
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) calculam as alíquotas atuarialmente justas para o caso da PEC e com a regra do fator previdenciário. Esse é um tema de estudo clássico na área de previdência social. Os autores empregam um modelo atuarial, com múltiplos decrementos, com reversão de pensão ao cônjuge e dependentes.

Em 2019, como decorrência do aumento de submissões mencionado anteriormente, houve a publicação de cinco papers. Souza (no preloSouza, F. C. de. (2019). Upper and lower bounds for annuities and life insurance from incomplete mortality data. Revista Contabilidade & Finanças, 30(80), 282-291. https://doi.org/10.1590/1808-057x201807320
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) aprofunda o tema de seu estudo anterior, construindo modelos atuariais dinâmicos, em contraposição aos modelos estáticos usualmente empregados para calcular as alíquotas necessárias. O tema da previdência é retomado por Lima e Aquino (2019Lima, D. V. de, & Aquino, A. C. B. de. (2019). Financial resilience of municipal civil servants’ pension funds. Revista Contabilidade & Finanças, 30(81), 425-445. https://doi.org/10.1590/1808-057x201908810
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), com enfoque distinto. Empregando uma abordagem mixed methods, os autores estudam a resiliência financeira dos regimes próprios de previdência dos estados e municípios. Souza (2019Souza, F. C. de. (2019). Mortality dynamics and the statutory retirement age proposal: An actuarial view. Revista Contabilidade & Finanças. https://doi.org/10.1590/1808-057x201908250
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) faz contribuição interessante, calculando limites superior e inferior para anuidades vitalícias e seguros de vida inteira, com base em dados incompletos de mortalidade, expandindo o trabalho de Cohen (2011Cohen, J. E. (2011). Life expectancy. Demographic Research, 24, 251-256. https://doi.org/10.4054/DemRes.2011.24.11
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).

Ainda em 2019, são publicados os dois únicos trabalhos de não vida da editoria. Carvalho e Carvalho (2019Carvalho, B. D. R. de, & Carvalho, J. V. de F. (2019). A stochastic approach for measuring the uncertainty of claims reserves. Revista Contabilidade & Finanças, 30(81), 409-424. https://doi.org/10.1590/1808-057x201907860
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) empregam metodologia estocástica para calcular a probabilidade de insuficiência de capital das seguradoras. Os autores empregaram dados de seguro auto e de responsabilidade civil facultativa para calcular a provisão de sinistros incurred but not reported (IBNR), empregando bootstrap. Finalmente, Peres, Maldonado e Candido (2019Peres, V. M., Maldonado, W. L., & Candido, O. (2019). Automobile insurance in Brazil: Market concentration and demand. Revista Contabilidade & Finanças, 30(81) 1-13. https://doi.org/10.1590/1808-057x201808300
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) constroem uma ponte entre a atuária e a economia, fazendo a estimação da demanda por seguro auto e calculando índices de concentração de mercado, típicos da literatura de organização industrial. A escassez de trabalhos da área de não vida, em particular aqueles que tratam de resseguro, pode se configurar em uma lacuna a ser explorada pelos pesquisadores no futuro.

Por um lado, o retrato da situação atual da editoria de atuária é bem mais positivo do que foi em passado recente e apresenta perspectivas animadoras. Por outro, é necessário reconhecer que ainda há distância considerável a percorrer. Os top journals internacionais de ciências atuariais e áreas correlatas apresentam grande variedade de objetos e técnicas sofisticadas de pesquisa.

Uma proxy, ainda que imperfeita, dessa amplitude de agenda de pesquisa pode ser vista na premiação dos melhores artigos publicados a cada ano no North American Actuarial Journal, um dos mais importantes periódicos da área. Em 2015, o paper escolhido foi “Multistate actuarial models of functional disability” (Fong, Shao & Sherris, 2015Fong, J. H., Shao, A. W., & Sherris, M. (2015). Multistate actuarial models of functional disability. North American Actuarial Journal, 19(1), 41-59. https://doi.org/10.1080/10920277.2014.978025
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). Esse artigo aborda as transições para invalidez e morte para um long-term-care (LTC) insurance, com o emprego de um modelo linear generalizado. Em 2016, o trabalho premiado foi “Empirical evidence on the use of credit scoring for predicting insurance losses with psycho-social and biochemical explanations” (Golden, Brockett, Ai & Kellison, 2016Golden, L. L., Brockett, P. L., Ai, J., & Kellison, B. (2016). Empirical evidence on the use of credit scoring for predicting insurance losses with psycho-social and biochemical explanations. North American Actuarial Journal, 20(3), 233-251. https://doi.org/10.1080/10920277.2016.1209118
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). Esse segundo trabalho traz uma inovadora abordagem, em que o escore de crédito dos segurados é empregado para aprimorar a previsão de sinistros de seguro auto. Finalmente, em 2017, o prêmio teve como objeto o paper “Insurance portfolio risk retention” (Frees, 2017Frees, E. (2017). Insurance portfolio risk retention. North American Actuarial Journal, 21(4), 526-551. https://doi.org/10.1080/10920277.2017.1317272
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). Nessa contribuição, é apresentada uma nova estatística, cujo objetivo é fornecer uma gestão mais adequada dos riscos de uma carteira de seguros de propriedade. Nota-se que nessa relação encontram-se contribuições que tratam das áreas de vida e de não vida e também da interseção com a área de finanças.

Mais um exemplo da diversidade de linhas de pesquisa no exterior pode ser visto pelo direcionamento da Society of Actuaries (SOA) em seu programa estratégico de pesquisa (Society of Actuaries, 2019Society of Actuaries. (2019). SOA strategic research program. Society of Actuaries. Retrieved from https://www.soa.org/programs/strategic-research-program/
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). São listados cinco temas merecedores de destaque: Aging and retirement, Actuarial innovation and technology, Mortality and longevity, Health care cost trends e Catastrophe and climate. O primeiro é, per se, uma área de estudo clássica das ciências atuariais. O segundo engloba tecnologias promissoras em diversas áreas, como inteligência artificial, predictive modelling, machine learning, big data, veículos autônomos e testes genéticos. Também fazem parte pesquisas na área de regulação de seguros e economia comportamental. O terceiro tema trata de mortalidade e longevidade, cujas previsões são cada vez mais importantes para as áreas de previdência e seguros de vida. O quarto tema estuda a área de saúde, com ênfase nos custos, que têm sido enorme desafio para todos os países. Finalmente, o foco em eventos climáticos e catástrofes denota a preocupação da comunidade atuarial com as mudanças no clima e o impacto que estas terão sobre o mercado de seguros. Eventos extremos deverão ter importância cada vez maior e impactarão mais pessoas, empresas e países. Possivelmente demandarão ações efetivas por parte dos governos. Estas deverão ter fundamentação adequada, no que certamente os atuários poderão colaborar bastante.

Nessa linha, dois temas ainda pouco explorados no Brasil podem representar oportunidades de pesquisa promissoras. Ambos compartilham a característica de serem originadas de modificações no marco legal-institucional e estarem relacionados entre si. O primeiro é a regulação do mercado segurador. Esse tema é tão importante que um dos mais prestigiosos periódicos da área, o The Geneva Papers on Risk and Insurance - Issues and Practice, publicou uma edição especial sobre regulação em 2018. Como aponta Gründl (2018Gründl, H. (2018). Editorial. The Geneva Papers on Risk and Insurance - Issues and Practice, 43(4), 591-593. https://doi.org/10.1057/s41288-018-0092-5
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), além da regulação de aspectos ligados à solvência, a proteção ao consumidor é um item igualmente relevante. Ambas estão fortemente ligadas, visto que os direitos dos consumidores, definidos pelos órgãos reguladores, podem afetar a solvência das entidades seguradoras. Ao mesmo tempo, podem contribuir positivamente para a solidez do sistema financeiro, dado o papel chave das seguradoras e os gigantescos volumes de recursos sob sua responsabilidade. Um dos primeiros trabalhos nessa linha, que analisa os efeitos da adoção do Pilar III do Solvência II sobre as seguradoras da União Europeia, é Gatzert e Heidinger (2019Gatzert, N., & Heidinger, D. (2019). An empirical analysis of market reactions to the first Solvency and Financial Condition Reports in the European insurance industry. Journal of Risk and Insurance. https://doi.org/10.1111/jori.12287
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).

O segundo tema é a implantação da International Financial Reporting Standards (IFRS) 17, que deverá entrar em vigor em 2022 para as empresas seguradoras. Como é bem estabelecido na literatura (Gordon, 2019Gordon, E. A. (2019). Advances and opportunities in international accounting research. Revista Contabilidade & Finanças, 30(79), 9-13. https://doi.org/10.1590/1808-057x201990290
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; Lourenço & Branco, 2015Lourenço, I. M. E. C., & Branco, M. E. M. de A. D. C. (2015). Main consequences of IFRS adoption: Analysis of Existing literature and suggestions for further research. Revista Contabilidade & Finanças, 26(68), 126-139. https://doi.org/10.1590/1808-057x201500090
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), a adoção das IFRS, a partir de 2005, representou um breakthrough na pesquisa contábil, dando origem a um extenso conjunto de trabalhos. Esse tema pode ser considerado especialmente merecedor de destaque para a linha de atuária da RC&F, tendo em vista que a Revista é ligada ao Departamento de Contabilidade e Atuária da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP), que teve papel de liderança na adoção das IFRS no Brasil. A complexidade da IFRS 17 se configura como grande desafio para os atuários, que passarão a ter um papel ainda mais preponderante nas seguradoras e nas empresas de auditoria, além de demandar maior interação com as áreas de contabilidade e de finanças. Trabalhos pioneiros no estudo dos impactos dessa norma foram feitos por Chevallier, Dal Moro, Krvavych e Rudenko (2018Chevallier, F., Dal Moro, E., Krvavych, Y., & Rudenko, I. (2018). Probability of sufficiency of the risk margin for life companies under IFRS 17. In Annals of the 31 st International Congress of Actuaries(p. 1-18). Berlin. Retrieved from https://ssrn.com/abstract=3192502
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) e England, Verrall e Wüthrich (2019England, P. D., Verrall, R. J., & Wüthrich, M. V. (2019). On the lifetime and one-year views of reserve risk, with application to IFRS 17 and Solvency II risk margins. Insurance: Mathematics and Economics, 85, 74-88. https://doi.org/10.1016/j.insmatheco.2018.12.002
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).

Não é possível deixar de notar que a pesquisa na área atuarial tem se beneficiado das inúmeras e cada vez mais rápidas mudanças tecnológicas. Como bem apontou Marjorie Ngwenya em seu presidential address no Institute and Faculty of Actuaries (IFoA): “É tempo de mudança. A mudança traz desafios, oportunidades e riscos [...] Nossas habilidades nos dão uma vantagem natural em relação a isso - a habilidade de entender a interação de mudanças complexas” (Ngwenya, 2018Ngwenya, M. (2018). Address by the president of the Institute and Faculty of Actuaries Ms Marjorie Ngwenya. British Actuarial Journal, 23(e3), 1-6. https://doi.org/10.1017/S135732171700023X
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, p. 2, p. 5). Dessa maneira, novos temas têm ampliado a agenda de pesquisa em ciências atuariais. Podem ser citados cyber risk (Egan et al., 2019Egan, R., Cartagena, S., Mohamed, R., Gosrani, V., Grewal, J., Acharyya, M., Ang, K. (2019). Cyber operational risk scenarios for insurance companies. British Actuarial Journal, 24(e6), 1-34. https://doi.org/10.1017/S1357321718000284
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; Eling, 2018Eling, M. (2018). Cyber risk and cyber risk insurance: Status quo and future research. The Geneva Papers on Risk and Insurance - Issues and Practice, 43(2), 175-179. https://doi.org/10.1057/s41288-018-0083-6
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) e internet of things (com grande impacto sobre a área de saúde) (Spender et al., 2019Spender, A., Bullen, C., Altmann-Richer, L., Cripps, J., Duffy, R., Falkous, C., Yeap, W. (2019). Wearables and the internet of things: Considerations for the life and health insurance industry. British Actuarial Journal, 24(e22), 1-31. https://doi.org/10.1017/S1357321719000072
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). Da mesma forma, técnicas nem tão recentes, como predictive modelling, vêm sendo cada vez mais usadas (novamente com destaque para a saúde) (Duncan, Loginov & Ludkovski, 2016Duncan, I., Loginov, M., & Ludkovski, M. (2016). Testing alternative regression frameworks for predictive modeling of health care costs. North American Actuarial Journal, 20(1), 65-87. https://doi.org/10.1080/10920277.2015.1110491
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; Lally & Hartman, 2016Lally, N. R., & Hartman, B. M. (2016). Predictive modeling in long-term care insurance. North American Actuarial Journal, 20(2), 160-183. https://doi.org/10.1080/10920277.2016.1176933
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). Técnicas como machine learning têm sido usadas para temas bastante tradicionais (e cada vez mais relevantes), como os modelos de previsão de mortalidade (Deprez, Shevchenko & Wüthrich, 2017Deprez, P., Shevchenko, P. V., & Wüthrich, M. V. (2017). Machine learning techniques for mortality modeling. European Actuarial Journal, 7(2), 337-352. https://doi.org/10.1007/s13385-017-0152-4
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). E, finalmente, a expressão big data tornou-se cada vez mais comum para diversas ciências, e atuária não poderia ser exceção (Zhang, 2017Zhang, Y. (2017). Bayesian analysis of big data in insurance predictive modeling using distributed computing. ASTIN Bulletin, 47(3), 943-961. https://doi.org/10.1017/asb.2017.15
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).

Embora essas áreas de fronteira sejam muito desafiadoras, temas tradicionais ainda se colocam para os pesquisadores, delineando novos caminhos a serem explorados. Com algum inevitável viés pessoal, pode-se afirmar que essas três áreas são merecedoras de esforços mais qualificados de investigação por parte dos pesquisadores brasileiros. Duas estão ligadas à proteção social, tão relevante em nosso país.

A primeira é a previdência social. O envelhecimento populacional, as novas relações de trabalho e o desafio de conjugar adequação e sustentabilidade nos sistemas de previdência, particularmente para os regimes de repartição, têm gerado trabalhos da maior relevância no exterior. Em particular, os atuários têm liderado a pesquisa sobre regimes notional defined contribution (NDC). Exemplos dignos de nota são as contribuições de Pérez-Salamero González, Ventura-Marco e Vidal-Meliá (2017Pérez-Salamero González, J. M., Ventura-Marco, M., & Vidal-Meliá, C. (2017). A “Swedish” actuarial balance for a notional defined contribution pension scheme with disability and minimum pension benefits. International Social Security Review, 70(3), 79-104. https://doi.org/10.1111/issr.12143
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) e Alonso-García, Boado-Penas e Devolder (2018Alonso-García, J., Boado-Penas, M. del C., & Devolder, P. (2018). Automatic balancing mechanisms for notional defined contribution accounts in the presence of uncertainty. Scandinavian Actuarial Journal, 2018(2), 85-108. https://doi.org/10.1080/03461238.2017.1304984
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).

A segunda área são os microsseguros. Por três vezes, nos últimos anos (2014, 2016 e 2019), o Geneva Papers publicou edições especiais abordando esse assunto. É um indicador claro de sua relevância e da promissora agenda de pesquisa. Conforme aponta Dror (2019Dror, D. M. (2019). Editorial. The Geneva Papers on Risk and Insurance - Issues and Practice, 44(3), 361-364. https://doi.org/10.1057/s41288-019-00131-z
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), há uma tendência na indústria de seguros de ofertar produtos mais próximos das necessidades individuais, em vez de produtos one-size-fits-all. Isso somente é possível com o aperfeiçoamento de modelos que refletem mais adequadamente os riscos e com o emprego de big data para prover mais informações. Isso tem gerado artigos mais policy oriented e mais sofisticados até em áreas em que produtos de longa tradição encontram grandes desafios, como a de seguro saúde.

A terceira área está na interseção do estudo dos seguros com a economia comportamental. Há muito se sabe (Kahneman & Tversky, 1979Kahneman, D., & Tversky, A. (1979). Prospect theory: An analysis of decision under risk. Econometrica, 47(2), 263-292. Retrieved from https://www.jstor.org/stable/1914185
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) que os agentes econômicos podem não se comportar de acordo com os cânones da teoria da utilidade esperada, particularmente em condições de risco. Essa é exatamente a situação em que um agente econômico demanda alguma modalidade de seguros. Dessa maneira, a economia comportamental pode fornecer valiosos insights para a compreensão de aspectos ligados à demanda por seguros, conforme mostram as abrangentes surveys de Harrison e Ng (2019Harrison, G. W., & Ng, J. M. (2019). Behavioral insurance and economic theory: A literature review. Risk Management and Insurance Review, 22(2), 133-182. https://doi.org/10.1111/rmir.12119
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) e Richter, Ruß e Schelling (2019Richter, A., Ruß, J., & Schelling, S. (2019). Insurance customer behavior: Lessons from behavioral economics. Risk Management and Insurance Review, 22(2), 183-205. https://doi.org/10.1111/rmir.12121
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).

Concluindo, cabe destacar que a pesquisa de alto nível em ciências atuariais no Brasil depende fortemente da existência de uma comunidade ampliada de pesquisadores. Isso só ocorrerá quando mais centros oferecerem cursos de graduação e também programas de mestrado e doutorado em atuária e quando mais acadêmicos estudarem nos centros de destaque no exterior. O intercâmbio de ideias e a maior difusão de conhecimentos trarão ganhos a todos. Certamente, cabe aos atuários bem qualificados um papel mais destacado na formulação e análise de políticas públicas nas áreas de previdência, saúde, seguros, dentre outras. O país tem muito a se beneficiar com essa maior inserção da comunidade atuarial no debate público.

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2020
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