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Relação entre disciplina de mercado e o buffer de capital nos bancos brasileiros* * Artigo apresentado no XIX USP International Conference in Accounting, São Paulo, SP, Brasil, julho de 2019. , ** ** Os autores agradecem aos professores Dr. Jorge Katsumi Niyama e Dr. Joshua Onome Imoniana, que participaram da banca de qualificação de mestrado, aos avaliadores e participantes do XIX USP International Conference in Accounting e aos avaliadores blind review da Revista Contabilidade & Finanças (RC&F) que contribuíram com seus questionamentos para o aprimoramento do estudo.

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi investigar a relação entre a disciplina de mercado e o buffer de capital dos bancos brasileiros, identificando os canais de materialização desse fenômeno. A literatura sobre disciplina de mercado e o buffer de capital tem se concentrado em países desenvolvidos. No Brasil é um tema incipiente, não obstante as características do mercado representarem oportunidade relevante de ampliação de estudos a respeito. Mesmo com as especificidades de economia emergente, a indústria bancária brasileira fornece campo vasto para estudo da disciplina de mercado e o buffer de capital, dado que os bancos têm alavancagem com investidores, agentes sensíveis a alterações no apetite a risco dessas entidades. Este estudo contribui para a compreensão da dinâmica da disciplina de mercado na indústria bancária e o fomento às discussões sobre o papel dessa supervisão privada na promoção da transparência e da solidez do sistema financeiro, fornecendo subsídios e diretrizes para a regulação bancária. Utilizando dados de 193 bancos brasileiros, de 2001 a 2017, os testes empíricos compreenderam a estimação de modelo de dados em painel, com o uso de mínimos quadrados em dois estágios (two stage least squares - TSLS), seguindo Ayuso et al. (2004), Flannery e Rangan (2004) e Nier e Baumann (2006). Como a disciplina exercida pelo monitoramento e influência do mercado não é diretamente verificável por agentes externos, foram desenvolvidas seis proxies baseadas no custo de captação, nos depósitos não segurados, na dívida subordinada e no disclosure. O buffer de capital foi representado pela diferença entre o capital apurado pela instituição e o requerimento mínimo regulatório. Os resultados dos testes empíricos revelaram associação positiva entre o buffer de capital e a disciplina de mercado, fornecendo evidências da presença dessa supervisão privada na indústria bancária brasileira.

Palavras-chave
disciplina de mercado; bancos; disclosure; buffer de capital

ABSTRACT

The aim of this study was to investigate the relationship between the market discipline and the capital buffers of Brazilian banks, identifying the channels through which this phenomenon materializes. The literature on market discipline and capital buffers has focused on developed countries. In Brazil, the topic is in its infancy, despite the characteristics of the market representing a relevant opportunity for broadening the related studies. Even with the specificities of an emerging market, the Brazilian banking industry provides a vast field for studying market discipline and capital buffers, given that the banks have leverage with investors, who are sensitive agents to alterations in the risk appetite of those entities. This study contributes to understanding the dynamics of the market discipline in the banking industry and to fostering discussions about the role of that private supervision in promoting the transparency and solidity of the financial system, providing support and guidelines for banking regulation. Using data from 193 Brazilian banks, from 2001 to 2017, the empirical tests included the estimation of panel data models, with the use of two-stage least squares (TSLS), following Ayuso et al. (2004), Flannery and Rangan (2004), and Nier and Baumann (2006). As the discipline exercised by the monitoring and influence of the market is not directly verifiable by external agents, six proxies were developed based on the cost of fundraising, on unsecured deposits, on subordinated debt, and on disclosure. The capital buffer was represented by the difference between the capital calculated by the institution and the minimum regulatory requirement. The results of the empirical tests revealed a positive association between the capital buffer and market discipline, providing evidence of the presence of that private supervision in the Brazilian banking industry.

Keywords
market discipline; banks; disclosure; capital buffer

1. INTRODUÇÃO

Antecedentes da disciplina de mercado remontam a década de 1970 (Barth et al., 2004Barth, J. R., Caprio, G., Jr., & Levine, R. (2004). Bank regulation and supervision. What works best? Journal of Financial Intermediation, 13(2), 25-248.; Bertay et al., 2013Bertay A. C., Demirgüç-Kunt A., & Huizinga, H. (2013). Do we need big banks? Evidence on performance, strategy and market discipline. Journal of Financial Intermediation, 22(4), 532-558.; Bliss & Flannery, 2001Flannery, M. J. (2001). The faces of market discipline. Journal of Financial Services Research, 20(2), 107-119. ; Elyasiani & Keegan, 2017Elyasiani, E., & Keegan J. M. (2017). Market discipline in the secondary bond market: The case of systemically important banks [Working Paper]. Social Science Research Network. https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2934817
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; Flannery & Nikolova, 2003Flannery, M. J., & Nikolova S. (2003). Market discipline of US financial firms: Recent evidence and research issues. In W. C Hunter, et al. (Orgs.), Market discipline across countries and industries. Massachusetts Institute of Technology Press.; Flannery & Sorescu, 1996Flannery, M. J., & Sorescu, S. M. (1996). Evidence of bank market discipline in subordinated debenture yields: 1983-1991. The Journal of Finance, 51(4), 1347-1377.; Gilbert, 1990Gilbert, R. A. (1990). Market discipline of bank risk: Theory and evidence. Federal Reserve Bank of St. Louis Review, 72(1), 3-18.; Scott, 2014Scott, H. S. (2014). Capital study report: Use of market discipline [Working Paper]. Social Science Research Network. https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2377036
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), mas a literatura destaca que tem havido menor evidência empírica sobre a influência do mercado, dada a dificuldade de se identificar a efetividade desse mecanismo na indústria bancária.

Nesse cenário, o requerimento de capital tornou-se o instrumento mais utilizado pela regulação, por meio dos Acordos de Basileia I, II e III. Somente em Basileia II (Basel Committee on Banking Supervision [BCBS], 2006Basel Committee on Banking Supervision. (2006). Basel II: International Convergence of Capital Measurement and Capital Standards: A Revised Framework - Comprehensive Version. Bank for International Settlements. http://www.bis.org/publ/bcbs128.htm
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), a disciplina de mercado (Pilar 3) foi incluída formalmente na regulação bancária de maneira complementar aos requisitos mínimos de capital (Pilar 1) e ao processo de revisão da supervisão (Pilar 2). Em Basileia III (BCBS, 2011Basel Committee on Banking Supervision. (2011). Basel III: A global regulatory framework for more resilient banks and banking systems - revised version. Bank for International Settlements. http://www.bis.org/publ/bcbs189.htm
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), consolidaram-se os novos requerimentos de divulgação do Pilar 3.

A literatura do buffer, por sua vez, destaca que os bancos mantêm capital acima do mínimo regulatório por diversos motivos, tais como manter o valor da carta patente e evitar os altos custos de ajustamento do capital, apontando a disciplina de mercado como a primeira motivação (Fonseca & González, 2010Fonseca, A. R., & González, F. (2010). How bank capital buffers vary across countries: The influence of cost of deposits, market power and bank regulation. Journal of Banking & Finance, 34(4), 892-902.). Em âmbito internacional, há estudos, em sua maioria, enfocando a relação positiva entre a disciplina de mercado e o buffer de capital (Ayuso et al., 2004Ayuso, J.>, Pérez, D., & Saurina, J. (2004). Are capital buffers pro-cyclical? Evidence from Spanish panel data. Journal of Financial Intermediation, 13(2), 249-264.; Bouther & Francis, 2017Bouther, R., & Francis, B. W. (2017). Accounting discretion, market discipline and bank behaviour: Some insights from fair value accounting [Working Paper]. Bank of England. https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2920491
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?...
; Distinguin & Rugenmintwari, 2012Distinguin, I., & Rugemintwari, C. (2012). The role of market discipline on bank capital buffer: Evidence from a sample of European banks [Working Paper]. Social Science Research Network. https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1739690
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?...
; Fonseca & González, 2010Fonseca, A. R., & González, F. (2010). How bank capital buffers vary across countries: The influence of cost of deposits, market power and bank regulation. Journal of Banking & Finance, 34(4), 892-902.; Nier & Bauman, 2006Nier, E., & Baumann, U. (2006). Market discipline, disclosure and moral hazard in banking. Journal of Financial Intermediation, 15(3), 332-361.). Na literatura nacional, embora outros trabalhos tenham estudado os efeitos e os determinantes do buffer de capital - como Belém e Gartner (2016Belém V. C. , & Gartner, I. R. (2016). Análise empírica dos buffers de capital dos bancos brasileiros no período de 2001 a 2011. Revista Contabilidade & Finanças, 27(70), 113-124.), Pinheiro et al. (2015Pinheiro, F. A. P., Savoia, S. R. F., & Securato, J. R. (2015). Basileia III: Impacto para os bancos no Brasil. Revista Contabilidade & Finanças, 26(69), 345-361.) e Tabak et al. (2011Tabak, B. M., Noronha, A. C., & Cajueiro, D. O. (2011). Bank capital buffers, lending growth and economic cycle: Empirical evidence for Brazil [Working Paper]. Banking for International Settlements., 2013Tabak, B. M., Li, D. L., Vasconcelos, J. V. L., & Cajueiro, D. O. (2013). Do capital buffers matter? A study on the profitability and funding costs determinants of the Brazilian banking system [Discussion Paper]. Banco Central do Brasil.) -, os estudos relacionando a disciplina de mercado e o buffer de capital são incipientes, com destaque para Silva e Divino (2012Silva, M. S., & Divino, J. A. (2012). Determinantes do capital excedente na indústria bancária brasileira. Revista Pesquisa e Planejamento Econômico, 42(2), 261-293.), que utilizaram modelo de painel dinâmico com a finalidade de identificar a persistência do capital excedente. Mesmo com as especificidades de economia emergente, como parte relevante dos depósitos ser segurada pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC), a indústria bancária brasileira fornece campo vasto para estudo da disciplina de mercado de forma mais ampla, dado que os bancos têm alavancagem com debtholders, o que torna as partes interessadas sensíveis a alterações no apetite a risco dessas entidades.

Dada essa lacuna de trabalhos empíricos na indústria bancária nacional, o presente estudo objetiva investigar a relação entre a disciplina de mercado e o buffer de capital nos bancos brasileiros. A premissa considerada é a de que os bancos reagem ao efeito disciplinador do mercado quanto à exposição ao risco, por meio do reforço do capital, configurando uma relação positiva entre o buffer de capital e a disciplina de mercado.

Em linha com os achados internacionais, o estudo visa aprimorar a compreensão da dinâmica da disciplina de mercado no Brasil e fomentar as discussões empíricas em torno do papel dessa supervisão privada na promoção da transparência e da solidez do sistema financeiro, além de fornecer subsídios aos policymakers na formulação de políticas e diretrizes para a regulação bancária, tendo em vista seu alinhamento tanto com Basileia II quanto Basileia III.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Requerimento de Capital e o Índice de Basileia

Dadas as peculiaridades dos bancos, a principal motivação da regulamentação prudencial é a manutenção da estabilidade do sistema financeiro. Desde a criação do Basel Committee on Banking Supervision (BCBS), em 1974, a regulação tem evoluído com os chamados Acordos de Basileia I, II e III (BCBS, 2018Basel Committee on Banking Supervision. (2018). History of the Basel Committee. Bank for International Settlements. https://www.bis.org/bcbs/history.htm
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), principalmente com o estabelecimento de requerimento mínimo de capital. Seguindo as recomendações do BCBS, o Conselho Monetário Nacional (CMN) estabeleceu limites operacionais a serem observados pelas instituições financeiras no mercado brasileiro. No último acordo, o alinhamento ocorreu por meio da Resolução CMN n. 4.192/2013Resolução CMN n. 4,192/2013. (2013). Describes the methodology for calculating the Reference Equity (RE) https://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/2013/pdf/res_4192_v2_P.pdf
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.

No entanto, ainda que o requerimento de capital tenha se tornado o instrumento mais utilizado para proteger o sistema financeiro contra perdas inesperadas, trabalhos empíricos reportam vácuos de sua eficiência (Scott, 2014Scott, H. S. (2014). Capital study report: Use of market discipline [Working Paper]. Social Science Research Network. https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2377036
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; Tarullo, 2008Tarullo, D. K. (2008). Banking on Basel: The future of international financial regulation. Peterson Institute for International Economics. https://econpapers.repec.org/bookchap/iieppress/4235.htm
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), enfatizando que as reformas apresentadas por Basileia III trouxeram mais restrição de capital. Nesse sentido, Dewatripont e Tirole (1994Dewatripont, M., & Tirole, J. (1994). The prudential regulation of banks. Massachusetts Institute of Technology Press.) registram que o capital regulatório tem funcionado como espécie de seguro de depósito, induzindo maior tomada de risco (risk taking) pelos bancos, levando-os a assumir maiores riscos na tentativa de atingimento de determinada meta de retorno.

Visando a segurança do sistema bancário, e em resposta à crise financeira de 2007/2008, Basileia III introduziu mecanismos de reforço do capital, definidos como os adicionais de capital de principal de conservação e sistêmico, instituídos para proteção contra dificuldades financeiras das instituições em momento de estresse e para reduzir o impacto de quebra de instituições sistemicamente importantes para a economia, respectivamente e o buffer contracíclico, que atua como medida macroprudencial para proteção do setor bancário em períodos de excesso de crescimento do crédito agregado (BCBS, 2011Basel Committee on Banking Supervision. (2011). Basel III: A global regulatory framework for more resilient banks and banking systems - revised version. Bank for International Settlements. http://www.bis.org/publ/bcbs189.htm
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).

No caso específico do buffer contracíclico, o Banco Central do Brasil (BC), por meio do Relatório de Estabilidade Financeira (BC, 2018Banco Central do Brasil. (2018). Relatório de Estabilidade Financeira. https://www.bcb.gov.br/content/publicacoes/ref/201810/RELESTAB201810-refPub.pdf
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), relata que países como Eslováquia, Hong Kong, Islândia, Noruega, República Tcheca e Suécia já estão com o requerimento de capital adicional em vigência, enquanto outros, como Dinamarca, Lituânia e Reino Unido, anunciaram o início da exigibilidade em data futura. No Brasil, a Circular BC n. 3.769/2015 Circular BC n. 3,769/2015. (2015). Establishes the methodology for calculating the additional countercyclical portion of core capital, addressed by Resolution n. 4,193, of March 1st of 2013. http://www.lex.com.br/legis_27038840_CIRCULAR_N_3769_DE_29_DE_OUTUBRO_DE_2015.aspx
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fixou em 0% o valor do adicional contracíclico de capital assumido pelas instituições financeiras que se manteve nesse patamar até o final do período considerado no presente estudo.

2.2 Disciplina de Mercado

Flannery (2001Flannery, M. J. (2001). The faces of market discipline. Journal of Financial Services Research, 20(2), 107-119. ) ressalta que, apesar de o termo disciplina de mercado ter-se tornado popular na visão dos acadêmicos, bancos e supervisores, o sentido exato do termo continuava impreciso e sem o devido significado. Em face disso, Bliss e Flannery (2001Bliss, R. R., & Flannery M. J. (2001). Market discipline in the governance of US Bank Holding Companies: Monitoring versus influencing. In F. S. Mishkin. Prudential supervision: What works and what doesn't (pp. 107-146). The University of Chicago Press.) definiram a estrutura conceitual da disciplina de mercado conforme a Figura 1.

Figura 1
Anatomia da disciplina de mercado

Para Bliss e Flannery (2001Flannery, M. J. (2001). The faces of market discipline. Journal of Financial Services Research, 20(2), 107-119. ), a disciplina de mercado inclui dois componentes distintos:

  1. a) Monitoramento do mercado: refere-se à hipótese de que os investidores avaliam com precisão as mudanças na condição de um banco e as incorporam nos preços das ações e títulos da instituição financeira (ponto A da Figura 1). O monitoramento gera sinais que podem transmitir informações úteis aos supervisores.

  2. b) Influência do mercado: o processo pelo qual as reivindicações externas influenciam o comportamento dos administradores da instituição financeira, representado pelo ponto B da Figura 1.

A dinâmica presente na disciplina de mercado é a de que alguma piora de risco do banco identificada no monitoramento do mercado leva os investidores a tomarem medidas destinadas a reduzir o nível de exposição, seja elevando o custo do financiamento ou reduzindo o volume de novos negócios. A influência do mercado faz com que os bancos alinhem suas ações, agindo para evitar maiores custos que podem ser exigidos pelos participantes do mercado no futuro. Para Nier e Baumann (2006Nier, E., & Baumann, U. (2006). Market discipline, disclosure and moral hazard in banking. Journal of Financial Intermediation, 15(3), 332-361.), a disciplina de mercado ex ante encoraja o melhor gerenciamento de riscos e de capital por parte dos bancos. Para o regulador, as informações do mercado poderiam encurtar o intervalo de tempo de atuação da supervisão para bancos em dificuldades financeiras (Flannery, 1998Flannery, M. J. (1998). Using market information in prudential bank supervision: A review of the U.S. empirical evidence. Journal of Money, Credit and Banking, 30(3), 273-305.).

Embora haja vasta literatura internacional sobre o tema, concentrada na indústria bancária norte-americana [Barth et al. (2004Barth, J. R., Caprio, G., Jr., & Levine, R. (2004). Bank regulation and supervision. What works best? Journal of Financial Intermediation, 13(2), 25-248.), Bertay et al. (2013Bertay A. C., Demirgüç-Kunt A., & Huizinga, H. (2013). Do we need big banks? Evidence on performance, strategy and market discipline. Journal of Financial Intermediation, 22(4), 532-558.), Bliss & Flannery (2001Flannery, M. J. (2001). The faces of market discipline. Journal of Financial Services Research, 20(2), 107-119. ), Elyasiani & Keegan (2017Elyasiani, E., & Keegan J. M. (2017). Market discipline in the secondary bond market: The case of systemically important banks [Working Paper]. Social Science Research Network. https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2934817
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?...
), Flannery & Nikolova (2003Flannery, M. J., & Nikolova S. (2003). Market discipline of US financial firms: Recent evidence and research issues. In W. C Hunter, et al. (Orgs.), Market discipline across countries and industries. Massachusetts Institute of Technology Press.), Flannery & Sorescu (1996Flannery, M. J., & Sorescu, S. M. (1996). Evidence of bank market discipline in subordinated debenture yields: 1983-1991. The Journal of Finance, 51(4), 1347-1377.), Gilbert (1990Gilbert, R. A. (1990). Market discipline of bank risk: Theory and evidence. Federal Reserve Bank of St. Louis Review, 72(1), 3-18.) e Scott (2014Scott, H. S. (2014). Capital study report: Use of market discipline [Working Paper]. Social Science Research Network. https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2377036
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), por exemplo], o fenômeno da disciplina de mercado não é verificável de forma simples pelos agentes externos, o que impõe o uso de proxies para caracterizá-la, como spreads de títulos, custo e volume dos depósitos não segurados, dívida subordinada, dentre outras.

No âmbito da regulação prudencial, a disciplina de mercado somente foi reconhecida em Basileia II (BCBS, 2006Basel Committee on Banking Supervision. (2006). Basel II: International Convergence of Capital Measurement and Capital Standards: A Revised Framework - Comprehensive Version. Bank for International Settlements. http://www.bis.org/publ/bcbs128.htm
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), em caráter complementar aos requerimentos mínimos de capital e à revisão da supervisão, reforçado em Basileia III (BCBS, 2011Basel Committee on Banking Supervision. (2011). Basel III: A global regulatory framework for more resilient banks and banking systems - revised version. Bank for International Settlements. http://www.bis.org/publ/bcbs189.htm
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), introduzindo e consolidando novos requisitos de divulgação.

Coerente com os incentivos regulatórios, Nieto (2012Nieto, M. J. (2012). What role, if any, can market discipline play in supporting macroprudential policy [Occasional Paper]. Banco de Espana. https://ssrn.com/abstract=2024918
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) destaca que a materialização da disciplina de mercado depende de pelo menos três condições: existência de informação adequada e tempestiva sobre os perfis de risco dos bancos, por meio do disclosure adequado; os credores se considerarem em risco; e a reação aos sinais do mercado ser observável.

Como limitador da força da disciplina de mercado, Nier e Baumann (2006Nier, E., & Baumann, U. (2006). Market discipline, disclosure and moral hazard in banking. Journal of Financial Intermediation, 15(3), 332-361.) citam as garantias governamentais na forma de passivos segurados. A premissa subjacente é a de que o seguro cria incentivo para que os bancos assumam riscos mais elevados, configurando o risco moral (moral hazard). Segundo Gilbert (1990Gilbert, R. A. (1990). Market discipline of bank risk: Theory and evidence. Federal Reserve Bank of St. Louis Review, 72(1), 3-18.), sem seguro de depósito, bancos que escolhessem carteiras de ativos com maior variância, ou índices mais baixos de capital, teriam que pagar taxas de juros mais altas em novas captações, o que não ocorreria se a maior parte dos depósitos fosse segurada.

2.3 Disciplina de Mercado e o Buffer de Capital

Dado o apelo regulatório, é esperado que os bancos apresentem capital além dos requerimentos regulatórios (Flannery & Rangan, 2004Flannery, M. J., & Rangan, K. P. (2004). What caused the bank capital build-up of the 1990s? [Working Paper]. Deposit Insurance Corporation Center for Financial Research. https://www.fdic.gov/bank/analytical/cfr/2004/wp2004/2004-03.pdf
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). Porém, como a obtenção de capital está relacionada aos custos de tempo e de esforço, consistente com a teoria da hierarquia das fontes de financiamento, denominada pecking order, em que a estrutura de capital resulta de decisões sobre as fontes de financiamento de forma ordenada (autofinanciamento versus financiamento externo, redução de pay out, retenção de lucros versus lançamento de novas ações), Fonseca e González (2010Fonseca, A. R., & González, F. (2010). How bank capital buffers vary across countries: The influence of cost of deposits, market power and bank regulation. Journal of Banking & Finance, 34(4), 892-902.) indicam a disciplina de mercado como primeira motivação dos bancos para a manutenção de buffer de capital acima do mínimo regulamentar.

Sobre a relação entre disciplina de mercado e buffer de capital, Tarullo (2008Tarullo, D. K. (2008). Banking on Basel: The future of international financial regulation. Peterson Institute for International Economics. https://econpapers.repec.org/bookchap/iieppress/4235.htm
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) afirma que se pode admitir que os requisitos de capital estejam correlacionados positivamente com a disciplina de mercado e o reforço da supervisão, embora identificar os efeitos do capital ocasionados pela disciplina de mercado exija maior investigação. Na mesma linha, Nier e Baumann (2006Nier, E., & Baumann, U. (2006). Market discipline, disclosure and moral hazard in banking. Journal of Financial Intermediation, 15(3), 332-361.) destacam que, na presença da disciplina de mercado representada por passivos não segurados e maior nível de divulgação, os bancos são levados a manter maiores buffers de capital. Logo, havendo disciplina de mercado, a escolha de capital para determinada exposição a risco adicional provavelmente será eficiente. No entanto, quando a disciplina de mercado é fraca, o buffer de capital dos bancos tende a ser ineficientemente baixo.

No mesmo sentido, Fonseca e González (2010Fonseca, A. R., & González, F. (2010). How bank capital buffers vary across countries: The influence of cost of deposits, market power and bank regulation. Journal of Banking & Finance, 34(4), 892-902.) afirmam que os depositantes podem exigir retornos mais altos para compensar a excessiva tomada de risco dos bancos num ambiente em que os passivos não estão totalmente segurados. Com isso, os gestores podem ser incentivados a elevar o capital, buscando minimizar o risco bancário e reduzir o custo de novas captações. Os autores encontraram evidências de que os buffers de capital estão positivamente relacionados ao custo dos depósitos, embora essa relação varie de acordo com os países, dependendo da regulamentação e supervisão locais.

Para Distinguin e Rugemintwari (2012Distinguin, I., & Rugemintwari, C. (2012). The role of market discipline on bank capital buffer: Evidence from a sample of European banks [Working Paper]. Social Science Research Network. https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1739690
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), a presença de títulos de dívida no financiamento dos bancos impulsiona a existência de capital acima do regulamentar. Os investidores, denominados debtholders, podem não ter confiança na capacidade de sobrevivência das instituições que estiverem operando com índice de capital próximo ao mínimo regulamentar. Em ocorrendo isso, eles as pressionam a aumentar o nível ou meta de capital.

Na indústria bancária brasileira, Silva e Divino (2012Silva, M. S., & Divino, J. A. (2012). Determinantes do capital excedente na indústria bancária brasileira. Revista Pesquisa e Planejamento Econômico, 42(2), 261-293.) analisaram a persistência do capital excedente do sistema, por meio da variável de capital defasada, evidenciando a presença da disciplina de mercado por meio dos investidores externos, que exigem maior prêmio de risco dos bancos percebidos como mais arriscados. Constataram que, em resposta ao aumento no custo de captação, os bancos elevam a participação do capital próprio. Outros estudos avaliaram os efeitos ou determinantes dos buffers de capital, embora não tenham foco específico na relação com a disciplina de mercado, tais como: Tabak et al. (2011Tabak, B. M., Noronha, A. C., & Cajueiro, D. O. (2011). Bank capital buffers, lending growth and economic cycle: Empirical evidence for Brazil [Working Paper]. Banking for International Settlements.), que constataram a relação negativa dos ciclos econômicos com o excedente de capital; Tabak et al. (2013Tabak, B. M., Li, D. L., Vasconcelos, J. V. L., & Cajueiro, D. O. (2013). Do capital buffers matter? A study on the profitability and funding costs determinants of the Brazilian banking system [Discussion Paper]. Banco Central do Brasil.), que verificaram o impacto positivo do buffer de capital na lucratividade dos bancos brasileiros; Pinheiro et al. (2015Pinheiro, F. A. P., Savoia, S. R. F., & Securato, J. R. (2015). Basileia III: Impacto para os bancos no Brasil. Revista Contabilidade & Finanças, 26(69), 345-361.), que concluíram que a implementação dos requerimentos de capital de Basileia III deve intensificar a busca por eficiência e rentabilidade; e Belém e Gartner (2016Belém V. C. , & Gartner, I. R. (2016). Análise empírica dos buffers de capital dos bancos brasileiros no período de 2001 a 2011. Revista Contabilidade & Finanças, 27(70), 113-124.), que constataram que os custos de ajustamento e de falência são relevantes para explicar o buffer de capital, enquanto o custo de manutenção do capital não apresentou significância estatística.

Para Scott (2014Scott, H. S. (2014). Capital study report: Use of market discipline [Working Paper]. Social Science Research Network. https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2377036
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?...
), na influência direta de mercado, os detentores de títulos de dívida cobram pelo aumento do risco da instituição financeira por meio do encarecimento das captações, utilizadas como funding das operações ativas, servindo como indicador para disciplinar o gerenciamento de capital, na medida em que a administração seja incentivada a minimizar os custos de financiamento. Dado que o requerimento de capital serve como mitigador do risco dos bancos, esse desempenha papel crucial no alinhamento dos incentivos dos gestores aos depositantes e outros credores (Berger et al., 1995Berger, A. N., Herring, R. J., & Szegö G. P. (1995). The role of capital in financial institutions. Journal of Banking Finance, 19(3-4), 257-276.; Keeley & Furlong, 1990Keeley, M. C., & Furlong, F. T. (1990). A re-examination of mean-variance analysis of bank capital regulations. Journal Banking Finance, 14, 69-84.). Devido a isso, Nier e Baumann (2006Nier, E., & Baumann, U. (2006). Market discipline, disclosure and moral hazard in banking. Journal of Financial Intermediation, 15(3), 332-361.) apontam para a necessidade de se analisar a disciplina de mercado relativa à mudança de comportamento dos bancos, por meio do buffer de capital, na tentativa de evitar que o mercado imponha custos de spreads maiores. Essa disciplina ex ante serve para encorajar as entidades quanto ao gerenciamento prudente dos riscos.

Na mesma linha, Bouther e Francis (2017Bouther, R., & Francis, B. W. (2017). Accounting discretion, market discipline and bank behaviour: Some insights from fair value accounting [Working Paper]. Bank of England. https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2920491
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?...
) destacam que, para determinadas exposições à disciplina de mercado, os bancos buscam índices de capital mais altos para ativos mais arriscados, consistente com a existência do efeito disciplinar ex ante sobre o comportamento de assunção de risco (risk taking) pelos bancos. A presença de associação positiva entre dívida não segurada e índice de capital é justificada pela capacidade de a instituição acessar o mercado de financiamento de curto prazo não segurado ser mais facilitada se ela for mais bem capitalizada.

Registre-se, ainda, o enforcement gerado por Basileia II e III no processo de revisão da supervisão, no qual os reguladores expressam: a expectativa de que os bancos operem com nível de capital acima do mínimo regulatório; que a disciplina de mercado complemente os requerimentos mínimos de capital; as exigências de capital para cobertura dos riscos relevantes.

Dado esse contexto, e considerando o papel da disciplina de mercado na acumulação do buffer de capital, é formulada a seguinte hipótese, a ser testada empiricamente:

  • H1: o buffer de capital dos bancos brasileiros é positivamente relacionado com a disciplina de mercado, configurando o efeito disciplinar direto (ex ante) sobre o comportamento de assunção de risco pelos bancos.

3. METODOLOGIA

Para realização dos testes empíricos da hipótese de pesquisa H1, esta seção define o modelo econométrico a ser aplicado, incluindo a definição e o detalhamento dos efeitos das proxies de disciplina de mercado.

3.1 Definição do Modelo

Para estruturação do modelo que possibilite testar a hipótese de pesquisa, o primeiro passo consiste em definir a variável buffer de capital. Seguindo Distinguin e Rugemintwari (2012Distinguin, I., & Rugemintwari, C. (2012). The role of market discipline on bank capital buffer: Evidence from a sample of European banks [Working Paper]. Social Science Research Network. https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1739690
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?...
), o excesso de capital é representado pela diferença entre capital apurado pela instituição e o requerimento mínimo regulamentar, conforme equação 1.

C A P b u f i , t = C A P t o t i , t - C A P r e g i , t (1)

em que CAPbufi,t é o buffer de capital apurado para a instituição i, no momento t, traduzindo o “excesso” de capital em relação ao mínimo regulamentar, CAPtoti,t corresponde ao Índice de Basileia apurado pela instituição i, no momento t, com dados obtidos da série de informações de capital constantes do banco de dados IF.data do BC, e CAPregi,t é o valor correspondente ao requerimento mínimo de capital da instituição i, no momento t, mediante aplicação do fator “F” ao montante dos ativos ponderados pelo risco (risk weighted assets - RWA), conforme previsto na Resolução CMN n. 2.099/1994 Resolução CMN n. 2,099/1994. (1994). Approves regulations that describe the conditions relating to access to the National Financial System, to minimum capital requirements and adjusted net capital, to the installation of dependences and to the obligation to maintain adjusted net equity at a value compatible with the degree of risk of the asset operations of the financial institutions and other institutions authorized to operate by the Central Bank. https://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/1994/pdf/res_2099_v1_O.pdf
https://www.bcb.gov.br/pre/normativos/re...
e alterações posteriores.

Definida a variável dependente de interesse, é especificado o modelo 2 para testar a relação prevista na hipótese H1, com uso de dados em painel, tendo por base o modelo estrutural de capital de Nier e Baumann (2006Nier, E., & Baumann, U. (2006). Market discipline, disclosure and moral hazard in banking. Journal of Financial Intermediation, 15(3), 332-361.), fundamentado em Ayuso et al., (2004Ayuso, J.>, Pérez, D., & Saurina, J. (2004). Are capital buffers pro-cyclical? Evidence from Spanish panel data. Journal of Financial Intermediation, 13(2), 249-264.) e Flannery e Rangan (2004Flannery, M. J., & Rangan, K. P. (2004). What caused the bank capital build-up of the 1990s? [Working Paper]. Deposit Insurance Corporation Center for Financial Research. https://www.fdic.gov/bank/analytical/cfr/2004/wp2004/2004-03.pdf
https://www.fdic.gov/bank/analytical/cfr...
).

C A P b u f i , t = β 0 + β i + β 1 M D i , t + β 2 S I Z E i , t + β 3 R O E i , t + β 4 R I S K c r e d i , t + β 5 R I S K a s s i , t + β 6 G A P t + β 7 C R I S I S t + β 8 B A S E L t + β 9 T C i + ε i , t (2)

em que CAPbufi,t é buffer de capital apurado para a instituição i, no momento t, mensurado conforme equação 1, DMi,t representa a disciplina de mercado da instituição i, no período t, mensurada alternadamente pelas proxies definidas na seção 3.2, β0 e βi são a constante e os efeitos fixos (EF) seccionais do modelo, respectivamente, SIZEi,t é tamanho da instituição i, no período t, definido como o logaritmo natural dos ativos totais, com dados da série de ativos do IF.data do BC, ROEi,t é o return on equity da instituição i, no período t, calculado trimestralmente com base no lucro líquido sobre o patrimônio líquido médio, RISCcredi,t corresponde ao risco da carteira de crédito da instituição i, no período t, definido como a provisão para créditos de liquidação duvidosa (PCLD) sobre a carteira de empréstimos, com dados da série de ativos do IF.data do BC, RISCatvi,t é o risco dos ativos do banco, da instituição i, no período t, definido como a razão entre os RWA e o ativo total, com dados da série de ativos do IF.data do BC, HIATOt é o hiato do produto, correspondente à diferença entre o produto interno bruto (PIB) e o PIB potencial, mensurado pela média trimestral do PIB real a preços de mercado, no período t, com dados obtidos do BC, com a aplicação do filtro de Hodrick-Prescott, CRISEt é uma variável dummy que caracteriza a crise brasileira, assumindo 1 para os trimestres de 2014 a 2017 e 0 para os demais, BASELt é uma variável dummy que representa o período de implementação dos Acordos de Basileia II e III no Brasil, assumindo 1 do 3º trimestre de 2008 ao 4º trimestre de 2017 e 0 para os demais, TCt é uma variável dummy, assumindo 1 para as instituições com capital de controle governamental e 0 para as demais, e εi,t é o termo de erro da regressão, assumindo a normalidade dos resíduos, ou seja, ~ N(0, σ2).

Sobre a especificação do modelo, há que se ressaltar que se optou por não usar painel dinâmico para avaliar o efeito da persistência, tendo em vista que: (i) algumas variáveis de disciplina de mercado variam pouco ou não variam ao longo do tempo, o que compromete o uso de uma estrutura dinâmica que ocasionaria perda de poder explicativo do estudo; e (ii) o estudo segue o caminho metodológico de Nier e Baumann (2006Nier, E., & Baumann, U. (2006). Market discipline, disclosure and moral hazard in banking. Journal of Financial Intermediation, 15(3), 332-361.), utilizando a dimensão temporal do conjunto de dados para analisar as relações esperadas e eliminando a endogeneidade - as variáveis defasadas são usadas como instrumentos na estimação por mínimos quadrados em dois estágios (two stage least squares - TSLS) para mitigar esse risco - enquanto captura a correlação potencial entre o tempo e os bancos na estrutura de erros.

3.2 Definição das Variáveis de Disciplina de Mercado

Dentre as formas de mensuração da disciplina de mercado discutidas na literatura, no presente estudo são consideradas as proxies descritas na Tabela 1.

Tabela 1
Variáveis representativas de disciplina de mercado e sinais esperados na estimação do modelo 2,

Partindo do pressuposto de que o requerimento de capital funciona como seguro de depósito, incentivando os gestores a assumirem maiores riscos na tentativa de atingir determinada meta de retorno, pode-se inferir que os investidores externos acabem exigindo maior remuneração dos bancos mais capitalizados (Dewatripont & Tirole, 1994Dewatripont, M., & Tirole, J. (1994). The prudential regulation of banks. Massachusetts Institute of Technology Press.). Para caracterizar o comportamento dos gestores na minimização do aumento de custo do capital, seguindo Demirgüc-Kunt e Huizinga (2004Demirgüc-Kunt, A., Huizinga, H. (2004). Market discipline and deposit insurance. Journal of Monetary Economics, 51(2), 375-399. ) e Fonseca e González (2010Fonseca, A. R., & González, F. (2010). How bank capital buffers vary across countries: The influence of cost of deposits, market power and bank regulation. Journal of Banking & Finance, 34(4), 892-902.), foi criada a proxy custo de captação (CUSTO), que representa o custo médio de captação dos depósitos, descontada da taxa de juros Selic.

Considerando esses fundamentos e a previsão de H1, é esperada uma relação positiva entre o buffer de capital dos bancos brasileiros e a proxy de disciplina de mercado.

Na mesma linha, a literatura reporta que os investidores ou depositantes exercem a disciplina de mercado reduzindo o volume de novos investimentos (Martinez Peria & Schmukler, 2001Martinez Peria, M. S., & Schmukler, S. L. (2001). Do depositors punish banks for bad behavior? Market discipline, deposit insurance, and banking crises. The Journal of Finance, 56(3), 1029-1051.). Para Evanoff e Wall (2000Evanoff, D. D., & Wall L. D. (2000). Subordinated debt as bank capital: A proposal for regulatory reform. Economic Perspectives, 24(2), 40-53.), a variação dos depósitos não segurados pode sinalizar a elevação do risco de uma entidade. Dadas as peculiaridades do setor bancário brasileiro, em que parcela significativa do passivo dos bancos é financiada por meio de operações compromissadas lastreadas em títulos públicos, depósitos interfinanceiros e letras financeiras com cláusula de subordinação (LFS), foram criadas duas proxies de disciplina de mercado (NSECrest e NSECamp) representativas de participação de passivos não segurados na composição das fontes de financiamento dos bancos.

A premissa subjacente é a de que a maior participação de depósitos não segurados no financiamento dos ativos implica melhor nível de capitalização dos bancos. Portanto, com base na literatura analisada e na previsão de H1, é prevista a relação positiva entre o buffer de capital e a disciplina de mercado, medida pelos passivos não segurados.

A literatura também aponta que o spread dos instrumentos de dívida é o mais correlacionado com o risco do banco, sendo os detentores desses instrumentos os primeiros a incorrer em perdas em caso de descontinuidade ou default que consequentemente exercem forte pressão para que os bancos mantenham buffer de capital (Distinguin & Rugemintwari, 2012Distinguin, I., & Rugemintwari, C. (2012). The role of market discipline on bank capital buffer: Evidence from a sample of European banks [Working Paper]. Social Science Research Network. https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1739690
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?...
; Scott, 2014Scott, H. S. (2014). Capital study report: Use of market discipline [Working Paper]. Social Science Research Network. https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2377036
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?...
). Para Silva e Divino (2012Silva, M. S., & Divino, J. A. (2012). Determinantes do capital excedente na indústria bancária brasileira. Revista Pesquisa e Planejamento Econômico, 42(2), 261-293.), os detentores de títulos têm poder de monitoramento e influência sobre os bancos, uma vez que detêm informações acima da média do mercado, permitindo correr risco em papéis de longo prazo, com custo de monitoramento relativamente baixo, além de terem permissão contratual para o exercício de influência sobre a administração da instituição em situações especiais.

Embora não sejam considerados capital próprio dos bancos, a Resolução CMN n. 4.192/2013 Resolução CMN n. 4,192/2013. (2013). Describes the methodology for calculating the Reference Equity (RE) https://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/2013/pdf/res_4192_v2_P.pdf
https://www.bcb.gov.br/pre/normativos/re...
admite que instrumentos de dívida sejam elegíveis a capital sob algumas condições, como requisitos de absorção de perdas, cláusulas de subordinação, perpetuidade e não cumulatividade de dividendos. Nesse sentido, foi criada a proxy DEBT, que representa a participação de capital elegível no financiamento dos ativos dos bancos, sendo esperada a associação positiva com o buffer de capital, tendo em vista os termos da hipótese H1.

Por último, a literatura destaca o exercício da disciplina de mercado por meio do disclosure. Nier e Baumann (2006Nier, E., & Baumann, U. (2006). Market discipline, disclosure and moral hazard in banking. Journal of Financial Intermediation, 15(3), 332-361.) associam a qualidade e a quantidade de disclosure de uma instituição ao fato de estar listada em bolsa primária, que garante maior grau de exigência na divulgação ao mercado. Adicionalmente, relatam a maior quantidade de informação ao mercado se o banco tiver rating de agências de classificação de risco, uma vez que essas detêm informação que não estão disponíveis, mas implicitamente capturadas pelo rating. Neste estudo, foram estabelecidas como proxies de disclosure as variáveis RATING e LISTING para representar a atuação da disciplina de mercado. Considerando esses fundamentos e o previsto em H1, é esperada a associação positiva entre o buffer de capital e a disciplina de mercado medida pelas proxies de disclosure RATING e LISTING.

3.3 Definição das Variáveis de Controle

Com objetivo de garantir a robustez dos achados, além das variáveis explicativas de interesse, descritas anteriormente, foram acrescentadas variáveis de controle ao modelo 2. Outro aspecto que justifica e reforça a inclusão dessas variáveis de controle é a necessidade de controlar os diferentes níveis de buffer de capital entre as entidades, que podem ser resultado de incentivos distintos, como o porte, o nível de rentabilidade, a política de risco, a pressão regulatória, entre outros fatores.

A literatura destaca que grandes bancos podem ter de capital buffers de capital, de acordo com a premissa too-big-to-fail, que pressupõe o recebimento de apoio do regulador em caso de dificuldades (Bouther & Francis, 2017Bouther, R., & Francis, B. W. (2017). Accounting discretion, market discipline and bank behaviour: Some insights from fair value accounting [Working Paper]. Bank of England. https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2920491
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?...
; Fonseca & González, 2010Fonseca, A. R., & González, F. (2010). How bank capital buffers vary across countries: The influence of cost of deposits, market power and bank regulation. Journal of Banking & Finance, 34(4), 892-902.). Em consequência, bancos menores precisam oferecer retornos mais altos para atrair depositantes (Afzal, 2015Afzal, A. (2015). Impact of market discipline on the capital adequacy of banks: Evidence from an emerging economy. The Lahore Journal of Business, 4(1), 61-73. ). Levando em conta esses aspectos, foi introduzida a variável SIZE, sendo esperada relação negativa com o buffer de capital.

Na mesma linha, a rentabilidade do patrimônio líquido (return on equity - ROE) guarda relação com o buffer de capital. Para Nier e Baumann (2006Nier, E., & Baumann, U. (2006). Market discipline, disclosure and moral hazard in banking. Journal of Financial Intermediation, 15(3), 332-361.), a injeção de capital novo é mais dispendiosa e a acumulação de capital depende de recursos gerados internamente, consistente com a teoria da hierarquização das fontes de capital (pecking order), segundo a qual os bancos rentáveis terão mais facilidade em aumentar capital por meio da retenção de lucros. Partindo do pressuposto de que a maximização do lucro é meta de todo banco, é esperada relação positiva entre as variáveis ROE e o CAPbuf.

Outro aspecto destacado na literatura é que o capital dos bancos está relacionado com o nível dos riscos assumidos. Para Flannery e Rangan (2004Flannery, M. J., & Rangan, K. P. (2004). What caused the bank capital build-up of the 1990s? [Working Paper]. Deposit Insurance Corporation Center for Financial Research. https://www.fdic.gov/bank/analytical/cfr/2004/wp2004/2004-03.pdf
https://www.fdic.gov/bank/analytical/cfr...
), uma medida de risco ex ante tende a estar associada a maiores buffers de capital, enquanto, para Ayuso et al. (2004Ayuso, J.>, Pérez, D., & Saurina, J. (2004). Are capital buffers pro-cyclical? Evidence from Spanish panel data. Journal of Financial Intermediation, 13(2), 249-264.) e Nier e Baumann (2006Nier, E., & Baumann, U. (2006). Market discipline, disclosure and moral hazard in banking. Journal of Financial Intermediation, 15(3), 332-361.), uma medida do risco ex post tende a diminuir o capital. Nesse sentido, foram adicionadas as variáveis RISCcred e RISCatv, que representam o risco da carteira de crédito e o risco total do banco para caracterizar os efeitos ex ante e ex post, respectivamente. A primeira guarda relação com a atividade principal dos bancos, revelando que quanto melhor a qualidade dos créditos concedidos, maior será o capital (Afzal, 2015Afzal, A. (2015). Impact of market discipline on the capital adequacy of banks: Evidence from an emerging economy. The Lahore Journal of Business, 4(1), 61-73. ). A segunda representa todos os riscos incorridos pela instituição, refletidos no RWA sobre os ativos totais, indicando que quando essa proporção aumenta, o capital reduz. Com base nesses trabalhos, é esperada relação positiva e negativa entre o CAPbuf e as variáveis RISCcred e RISCatv, respectivamente.

Dada a necessidade de avaliar se o ciclo econômico exerce algum efeito no capital mantido pelas entidades, foram introduzidas as variáveis HIATO e CRISE. Para Ayuso et al. (2004Ayuso, J.>, Pérez, D., & Saurina, J. (2004). Are capital buffers pro-cyclical? Evidence from Spanish panel data. Journal of Financial Intermediation, 13(2), 249-264.), o buffer de capital e o ciclo econômico tendem a ser negativamente relacionados. Distinguin e Rugemintwari (2012Distinguin, I., & Rugemintwari, C. (2012). The role of market discipline on bank capital buffer: Evidence from a sample of European banks [Working Paper]. Social Science Research Network. https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1739690
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?...
) relatam que os bancos tendem a apresentar redução do capital em períodos de crescimento econômico e aumento nos períodos de recessão. Neste estudo, com base na literatura analisada, é esperada relação negativa da proxy de HIATO com o CAPbuf. Quanto à variável CRISE, Bertay et al. (2013Bertay A. C., Demirgüç-Kunt A., & Huizinga, H. (2013). Do we need big banks? Evidence on performance, strategy and market discipline. Journal of Financial Intermediation, 22(4), 532-558.) e Elyasiani & Keegan (2017Elyasiani, E., & Keegan J. M. (2017). Market discipline in the secondary bond market: The case of systemically important banks [Working Paper]. Social Science Research Network. https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2934817
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?...
) analisaram se a disciplina de mercado dos grandes bancos foi impactada pela crise financeira do subprime. Oliveira et al. (2011Oliveira, R. F., Schiozer, R. F., & Barros, L. A. B. C. (2011). Too big to fail perception by depositors: An empirical investigation [Working Paper]. Departamento de Pesquisa do Banco Central do Brasil.) relatam que durante as crises os bancos sofrem com a fuga de investidores institucionais. Neste trabalho, seguindo os estudos empíricos, e definindo o foco na crise brasileira de 2014 a 2017, é examinado se o buffer de capital se altera em tempos de crise, sendo esperada relação negativa entre as variáveis CRISE e CAPbuf.

Para capturar os efeitos regulatórios sobre o buffer de capital, seguindo sugestão de Silva e Divino (2012Silva, M. S., & Divino, J. A. (2012). Determinantes do capital excedente na indústria bancária brasileira. Revista Pesquisa e Planejamento Econômico, 42(2), 261-293.), foi incorporada a variável BASEL para capturar os efeitos de Basileia II e III no Brasil, caracterizados pelo período de 3º trimestre de 2008 ao 4º trimestre de 2017. De acordo com a literatura analisada e tendo em vista o foco de aprimoramento dos riscos e a manutenção dos níveis de capital propostos por Basileia II e III, é esperada relação positiva entre a variável BASEL e o buffer de capital.

Por último, Barth et al. (2001Barth, J. R., Caprio, G., Jr., & Levine, R. (2001). The regulation and supervision of banks around the world: A new database [Working Paper]. The World Bank. ) destacam que o controle do governo está negativamente relacionado com o desempenho e a estabilidade do banco. Silva e Divino (2012Silva, M. S., & Divino, J. A. (2012). Determinantes do capital excedente na indústria bancária brasileira. Revista Pesquisa e Planejamento Econômico, 42(2), 261-293.) encontraram que os bancos públicos têm menor proporção de buffer de capital em relação aos pares privados, dada a facilidade de obter assistência na ausência de liquidez ou de aporte de capital quando necessário. Nesse contexto, é esperada relação negativa entre a variável TC, representativa dos bancos sob controle estatal e o buffer de capital.

3.4 Seleção da Amostra

Para realização dos testes empíricos, são utilizados dados trimestrais de 2001 a 2017, de 193 conglomerados financeiros e instituições independentes com atuação no Sistema Financeiro Nacional (SFN), constantes da série IF.data do BC. A identificação dos bancos de capital aberto foi obtida da base de dados da Economatica®. Os ratings dos bancos foram extraídos das páginas das agências de classificação de risco Moody's, Standard & Poor’s e Fitch Ratings. Os dados de PIB considerados na pesquisa foram aqueles constantes da série 22109 do BC, que representa o PIB trimestral a preço de mercado dessazonalizado, com frequência trimestral, de 2001 a 2017.

4. ANÁLISE DOS RESULTADOS

4.1 Estatísticas Descritivas

Inicialmente, dada a presença de outliers relevantes na amostra, foi realizada winsorização das variáveis em 1 e 99%, seguindo Brooks (2014Brooks, C. (2014). Introductory econometrics for finance. Cambridge University Press.) e Kothari et al. (2005Kothari, S. P., Leone, A. J., & Wasley, C. E. (2005). Performance matched discretionary accrual measures. Journal of Accounting and Economics, 39(1), 163-197.). Esse tratamento se justifica, principalmente, pelo fato de os valores extremos serem associados, muitas vezes, a períodos de início ou de encerramento das operações ou a características específicas das instituições, o que provoca distorções em relação ao conjunto dos dados, nas variáveis contábeis e de capital utilizadas no modelo. Os resultados das estatísticas descritivas são apresentados na Tabela 2.

Tabela 2
Estatísticas descritivas das variáveis do modelo 2

As estatísticas descritivas revelam, inicialmente, que os bancos brasileiros estão, em média, bem capitalizados com a mediana do buffer de capital (CAPbuf) - excesso em relação ao requerimento mínimo - no período superior a 9%, com destaque para sua alta variabilidade, o que aumenta a relevância do uso das variáveis de controle para isolar os efeitos da relação entre a disciplina de mercado e o buffer de capital. Há que se destacar que, não obstante a volatilidade da métrica, não foram apurados valores negativos para a variável, o que significaria que o banco em questão teria apresentado índice de capital abaixo do mínimo regulatório.

Com relação às variáveis representativas da disciplina de mercado, a proxy CUSTO apresenta elevada variabilidade, sugerindo que os bancos brasileiros assumem diferentes níveis de custo de captação, dependendo dos riscos e do mix de captação. As proxies representativas de depósitos não segurados NSECrest e NSECamp demonstram que, em termos mais restritos, as captações representadas pelas operações compromissadas, depósitos interfinanceiros e letras financeiras representam, em média, 23% das captações do mercado bancário brasileiro, e, em contexto mais amplo, os depósitos não segurados mensurados pelo total de captações menos os depósitos bancários respondem por cerca de 67% das captações do sistema.

No tocante à proxy mensurada pela variável DEBT, constatou-se que a soma do capital complementar com o capital de nível 2, que representa os instrumentos de dívida considerados capital, responde, em média, por 1,7% dos RWA. Quanto às duas últimas proxies de disciplina de mercado RATING e LISTING, representativas do nível de disclosure, os bancos classificados por agências de rating e listados na Brasil, Bolsa, Balcão [B3] representaram, em média, 48,2 e 19,7% da amostra, respectivamente.

Para as variáveis de controle utilizadas, chama a atenção o fato de a variável ROE, que traduz o principal indicador de performance dos bancos, registrar dispersão acentuada, com retorno médio trimestral superior à taxa básica de juros da economia em cerca de 3%, em média, revelando o nível de rentabilidade do sistema. Quanto às variáveis representativas de risco ex ante e ex post, RISCcred e RISCatv, que traduzem o risco da carteira de crédito e o risco dos ativos da entidade, respectivamente, as estatísticas revelam que a provisão para perdas na carteira de crédito representa, em média, 6,2%, e a relação entre o RWA (que contempla os riscos de crédito, operacional e de mercado) e os ativos totais alcança, em média, 75,2%, revelando que a ponderação de risco reduz a exposição em cerca de 25% dos ativos.

A variável HIATO apresentou média negativa de 6,8%, significando que a economia apresentou sinais de desaquecimento (PIB real menor que o PIB potencial), com destaque para o fato de que essa é a variável com o maior coeficiente de variação. Com relação às três variáveis de controle representadas por dummies, constata-se que os períodos identificados por CRISE representam 23% dos trimestres considerados no estudo; 56% do período examinado se deu sob os preceitos regulatórios de Basileia II e III (BASEL) e 9% dos bancos da amostra têm controle estatal (TC), cerca de 17 bancos.

4.2 Testes de Robustez

Preliminarmente à estimação do modelo 2, foram aplicados os testes Im, Pesaran e Shin (I.P.S.), ADF-Fisher e PPFisher para identificar a presença de raízes unitárias nas séries não dicotômicas e verificar o atendimento da premissa de estacionariedade das séries, sendo rejeitada a hipótese nula da presença de raiz unitária em nove das 10 variáveis testadas. Para a variável SIZE, essa hipótese foi rejeitada em um dos três testes. Contudo, o risco de regressões espúrias é afastado tanto pelos resultados dos dois outros testes quanto pelo fato de a existência de raiz unitária em apenas uma variável não comprometer o rigor da estimação (Baltagi, 2008Baltagi, B. H. (2008). Econometric analysis of panel data (4th ed.). John Wiley. ).

Em seguida, com o propósito de verificar a existência de correlação entre as variáveis explicativas que poderiam configurar problemas de alto grau de multicolinearidade, realizou-se o teste variance inflation factor (VIF), afastando completamente o risco de multicolinearidade entre as séries, com os indicadores inferiores a 10, conforme sugerido por Gujarati (2006Gujarati, D. N. (2006). Econometria básica (4a. ed.). Campus.), cujos resultados constam da Tabela 3.

Tabela 3
Resultados do teste variance inflation factor (VIF) para as variáveis do modelo

Na sequência, visando avaliar se a presença de efeitos individuais dos bancos justifica a utilização de dados em painel, realizou-se o teste de Chow, conforme sugerido por Baltagi (2008Baltagi, B. H. (2008). Econometric analysis of panel data (4th ed.). John Wiley. ), indicando que a utilização de dados em painel traz maior valor informacional ao modelo objeto de estudo. Com base nisso, realizou-se o teste de Hausman, visando definir qual seria o modelo mais indicado nas regressões, se EF ou efeitos aleatórios (EA), sendo indicado o modelo com EF, dada a rejeição da hipótese nula pela presença de baixo p-valor em todos os testes, conforme dados da Tabela 4.

Tabela 4
Estatísticas do teste de Chow e do teste de Hausman

Por último, considerando as evidências de autocorrelação nos resíduos identificadas nos testes Durbin-Watson e Lagrange multiplier (LM) de Breusch-Godfrey, conforme a Tabela 5, e com intuito de afastar o eventual problema de heterocedasticidade nos resíduos, realizaram-se testes preliminares com a estimação do modelo 2, utilizando quatro métodos distintos para lidar com essas restrições: (i) TSLS com erros padrões seemingly unrelated regression (SUR) (pool cross-section weights - PCSE); (ii) TSLS com erros padrões da matriz de covariância de White; (iii) método dos momentos generalizados (generalized method of moments - GMM) com erros padrões seccionais SUR (PCSE); e (iv) método dos mínimos quadrados generalizados em dois estágios (estimated generalized least squares - EGLS) com matriz ponderada. Como essas estimações geraram resultados equivalentes, para evitar a repetição de dados e informações similares, optou-se por apresentar, a partir de então, as estimações TSLS com erros padrões SUR (PCSE), que geram parâmetros robustos, assumindo a presença de heterocedasticidade e autocorrelação nos resíduos.

Tabela 5
Estatísticas dos testes de autocorrelação e heterocedasticidade dos resíduos

4.3 Estimação do Modelo

Na realização dos testes empíricos para se concluir sobre a hipótese de pesquisa H1, estimou-se o modelo 2 com o uso alternado das seis variáveis proxies representativas da disciplina de mercado destacadas na Tabela 1, que são as variáveis de interesse do estudo. Seguindo os testes de robustez destacados na Seção 4.2, as estimações são realizadas com o uso de dados em painel, com EF seccionais ou no período, conforme o caso, e utilização do método de erros padrões SUR (PCSE). Além disso, para lidar com os problemas de endogeneidade das variáveis, utilizou-se o estimador de TSLS, tendo as próprias variáveis defasadas como instrumentos, seguindo Distinguin e Rugemintwari (2012Distinguin, I., & Rugemintwari, C. (2012). The role of market discipline on bank capital buffer: Evidence from a sample of European banks [Working Paper]. Social Science Research Network. https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1739690
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?...
). Os resultados das estimações são sintetizados na Tabela 6.

Tabela 6
Resultados das estimações do modelo 2, de acordo com as proxies de disciplina de mercado

O coeficiente associado à proxy CUSTO apresentou sinal positivo e estatisticamente significativo a 1%, em linha com os achados anteriores da literatura empírica, indicando que os detentores de títulos punem os bancos mais arriscados, exigindo taxas de juros mais elevadas em novos investimentos (Fonseca & González, 2010Fonseca, A. R., & González, F. (2010). How bank capital buffers vary across countries: The influence of cost of deposits, market power and bank regulation. Journal of Banking & Finance, 34(4), 892-902.; Nier & Baumann, 2006Nier, E., & Baumann, U. (2006). Market discipline, disclosure and moral hazard in banking. Journal of Financial Intermediation, 15(3), 332-361.). No entanto, o resultado contraria os achados de Afzal (2015Afzal, A. (2015). Impact of market discipline on the capital adequacy of banks: Evidence from an emerging economy. The Lahore Journal of Business, 4(1), 61-73. ), que encontrou associação negativa e significativa entre adequação de capital e custo de depósitos para a indústria bancária paquistanesa. Conforme destacado por Fonseca e González (2010Fonseca, A. R., & González, F. (2010). How bank capital buffers vary across countries: The influence of cost of deposits, market power and bank regulation. Journal of Banking & Finance, 34(4), 892-902.), percebe-se que a relação entre a disciplina de mercado e o buffer de capital depende do local e do contexto, tendo variações de acordo com as características específicas dos países, tais como a regulamentação local e a força da supervisão.

Quanto à proxy NSECRest , o resultado estimado foi diverso do esperado, embora tenha registrado sinal positivo; não apresentou relevância na estimação com EF seccionais, o que indicaria a rejeição da hipótese H1. A relevância das operações compromissadas no indicador pode ser apontada como justificativa para o resultado apurado, uma vez que esses passivos, lastreados na sua maioria por títulos públicos, funcionam como depósitos segurados, caracterizando o risco moral, de acordo com a literatura empírica estudada.

Diferentemente da variável NSECRest , a proxy NSECAmp , como medida de passivo não segurado mais ampla, representada pela participação dos passivos financiados pelo mercado no funding total dos bancos, apresentou coeficiente positivo e estatisticamente significativo a 1% com a variável dependente CAPBuf , confirmando a presença da disciplina de mercado nos bancos brasileiros e ratificando os achados de Distinguin e Rugemintwari (2012Distinguin, I., & Rugemintwari, C. (2012). The role of market discipline on bank capital buffer: Evidence from a sample of European banks [Working Paper]. Social Science Research Network. https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1739690
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?...
) e Nier e Baumann (2006Nier, E., & Baumann, U. (2006). Market discipline, disclosure and moral hazard in banking. Journal of Financial Intermediation, 15(3), 332-361.).

Com relação à proxy DEBT, verificou-se relação positiva e estatisticamente relevante com a variável dependente CAPBuf , configurando a presença da disciplina de mercado nos bancos brasileiros por meio da proxy de dívida subordinada, confirmando os achados de Nier e Baumann (2006Nier, E., & Baumann, U. (2006). Market discipline, disclosure and moral hazard in banking. Journal of Financial Intermediation, 15(3), 332-361.). Esse resultado ratifica o entendimento da literatura relevante de que os detentores de instrumentos de dívida elegíveis a capital são os primeiros a incorrer em perdas em caso de default de um banco (Scott, 2014Scott, H. S. (2014). Capital study report: Use of market discipline [Working Paper]. Social Science Research Network. https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2377036
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?...
). Porém, os achados contrariam os resultados apurados por Silva e Divino (2012Silva, M. S., & Divino, J. A. (2012). Determinantes do capital excedente na indústria bancária brasileira. Revista Pesquisa e Planejamento Econômico, 42(2), 261-293.), que para indicador similar, o coeficiente estimado foi negativo e significativo a 10%, indicando que bancos que têm acesso a instrumentos elegíveis a capital mantêm menor razão de capital excedente. Esse aspecto pode ser explicado em parte pelo objetivo da pesquisa de Silva e Divino (2012Silva, M. S., & Divino, J. A. (2012). Determinantes do capital excedente na indústria bancária brasileira. Revista Pesquisa e Planejamento Econômico, 42(2), 261-293.), cujo foco foi a análise da persistência do capital excedente do sistema financeiro brasileiro, por meio da variável de capital defasada, diferentemente do objeto deste estudo.

Por último, quanto às variáveis de disclosure, representadas pelas proxies de disciplina de mercado RATING e LISTING, observou-se relação positiva e estatisticamente relevantes com o buffer de capital para ambas as variáveis. Os achados confirmam estudos empíricos anteriores que associam a existência do buffer de capital como resultado da exposição a uma disciplina de mercado mais rigorosa, como Barth et al. (2004Barth, J. R., Caprio, G., Jr., & Levine, R. (2004). Bank regulation and supervision. What works best? Journal of Financial Intermediation, 13(2), 25-248.), Bouther e Francis (2017Bouther, R., & Francis, B. W. (2017). Accounting discretion, market discipline and bank behaviour: Some insights from fair value accounting [Working Paper]. Bank of England. https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2920491
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?...
) e Nier e Baumann (2006Nier, E., & Baumann, U. (2006). Market discipline, disclosure and moral hazard in banking. Journal of Financial Intermediation, 15(3), 332-361.).

Em síntese, os resultados corroboram a hipótese central da pesquisa (H1) e identificam os canais pelos quais a disciplina de mercado se estabelece no sistema bancário brasileiro: custo de captação, depósitos não segurados, dívida subordinada e disclosure.

Dentre as variáveis de controle relativas às características dos bancos, a proxy SIZE, referente ao porte dos bancos, mostrou-se negativa e significativa a 1% em todos os testes, confirmando que bancos maiores têm menores buffers de capital. O resultado é consistente com a cultura too-big-to-fail, dada a experiência de economias de escala e diversificação de ativos, com alcance mais amplo, suavizando o risco percebido pelos debtholders, conforme previsto em pesquisas anteriores (Afzal, 2015Afzal, A. (2015). Impact of market discipline on the capital adequacy of banks: Evidence from an emerging economy. The Lahore Journal of Business, 4(1), 61-73. ; Fonseca & González, 2010Fonseca, A. R., & González, F. (2010). How bank capital buffers vary across countries: The influence of cost of deposits, market power and bank regulation. Journal of Banking & Finance, 34(4), 892-902.).

No tocante à variável ROE, esta se apresentou positiva e relacionada com o buffer de capital em todas as estimações, ratificando os achados de Bouther e Francis (2017Bouther, R., & Francis, B. W. (2017). Accounting discretion, market discipline and bank behaviour: Some insights from fair value accounting [Working Paper]. Bank of England. https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2920491
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?...
) e Nier e Baumann (2006Nier, E., & Baumann, U. (2006). Market discipline, disclosure and moral hazard in banking. Journal of Financial Intermediation, 15(3), 332-361.), de que os bancos mais rentáveis têm facilidade em aumentar capital gerado internamente por meio da retenção de lucros, com reflexos diretos no buffer de capital. Em contrapartida, bancos menos lucrativos podem não conseguir aumentar o capital, como seus pares mais lucrativos, e apresentarem menores buffers de capital.

As variáveis de controle RISCCred e RISCAtv apresentaram relações positiva e negativa, respectivamente, e estatisticamente significativas, conforme previsto nos trabalhos de Ayuso et al. (2004Ayuso, J.>, Pérez, D., & Saurina, J. (2004). Are capital buffers pro-cyclical? Evidence from Spanish panel data. Journal of Financial Intermediation, 13(2), 249-264.), Flannery e Rangan (2004Flannery, M. J., & Rangan, K. P. (2004). What caused the bank capital build-up of the 1990s? [Working Paper]. Deposit Insurance Corporation Center for Financial Research. https://www.fdic.gov/bank/analytical/cfr/2004/wp2004/2004-03.pdf
https://www.fdic.gov/bank/analytical/cfr...
) e Nier e Baumann (2006Nier, E., & Baumann, U. (2006). Market discipline, disclosure and moral hazard in banking. Journal of Financial Intermediation, 15(3), 332-361.). A variável HIATO, caracterizada pela diferença entre o PIB real e o PIB potencial, foi positiva e significativa estatisticamente nas quatro estimações realizadas, contrariando os achados de Distinguin e Rugemintwari (2012Distinguin, I., & Rugemintwari, C. (2012). The role of market discipline on bank capital buffer: Evidence from a sample of European banks [Working Paper]. Social Science Research Network. https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1739690
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?...
) e Silva e Divino (2012Silva, M. S., & Divino, J. A. (2012). Determinantes do capital excedente na indústria bancária brasileira. Revista Pesquisa e Planejamento Econômico, 42(2), 261-293.), que encontraram associação negativa entre o hiato e o buffer de capital. Esse resultado pode ser justificado pelo fato de a economia brasileira ter apresentado crescimento do PIB em grande parte do período analisado, conforme verificado na mediana do indicador, sinalizando que os bancos guardam capital em períodos de crescimento econômico para cobrir as perdas inesperadas em tempos de recessão econômica.

Ainda com relação aos efeitos macroeconômicos, observou-se que a variável CRISE tem relação negativa e significativa na constituição do buffer de capital, consistente com os trabalhos de Bertay et al. (2013Bertay A. C., Demirgüç-Kunt A., & Huizinga, H. (2013). Do we need big banks? Evidence on performance, strategy and market discipline. Journal of Financial Intermediation, 22(4), 532-558.) e Elyasiani e Keegan (2017Elyasiani, E., & Keegan J. M. (2017). Market discipline in the secondary bond market: The case of systemically important banks [Working Paper]. Social Science Research Network. https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2934817
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?...
). Quanto aos aspectos regulatórios, a variável dummy BASEL foi positiva e significativa estatisticamente nos quatro testes aplicados, revelando que a entrada em vigor de Basileia II e III trouxe certa melhora no buffer de capital, corroborando os achados de Silva e Divino (2012Silva, M. S., & Divino, J. A. (2012). Determinantes do capital excedente na indústria bancária brasileira. Revista Pesquisa e Planejamento Econômico, 42(2), 261-293.) quanto ao período de implementação de Basileia I (BCBS, 2006Basel Committee on Banking Supervision. (2006). Basel II: International Convergence of Capital Measurement and Capital Standards: A Revised Framework - Comprehensive Version. Bank for International Settlements. http://www.bis.org/publ/bcbs128.htm
http://www.bis.org/publ/bcbs128.htm...
).

Por último, os resultados da variável TC demonstraram relação negativa e estatisticamente significativa entre o tipo de controle e o buffer de capital em cinco das seis estimações realizadas. O resultado está em linha com os trabalhos de Barth et al. (2001Barth, J. R., Caprio, G., Jr., & Levine, R. (2001). The regulation and supervision of banks around the world: A new database [Working Paper]. The World Bank. ), Nier e Baumann (2006Nier, E., & Baumann, U. (2006). Market discipline, disclosure and moral hazard in banking. Journal of Financial Intermediation, 15(3), 332-361.) e de Silva e Divino (2012Silva, M. S., & Divino, J. A. (2012). Determinantes do capital excedente na indústria bancária brasileira. Revista Pesquisa e Planejamento Econômico, 42(2), 261-293.), ratificando que a gerência governamental faz com que esses bancos detenham menor buffer de capital em relação aos pares privados, dada a segurança advinda da facilidade de obtenção de assistência em caso de falta de liquidez ou na possibilidade de aporte de capital, quando necessário.

5. CONCLUSÃO

Dada a ausência de estudos sobre o tema na indústria bancária nacional, este trabalho teve por objetivo investigar a presença da disciplina de mercado e o buffer de capital nos bancos brasileiros, identificando os canais pelos quais essa supervisão privada se manifesta. Para tanto, foram coletados dados, de 2001 a 2017, de 193 conglomerados financeiros e instituições independentes com atuação no SFN, constantes da série IF.data do BC.

Como o fenômeno da disciplina de mercado não é diretamente verificável por agentes externos, foram criadas proxies com base na literatura analisada e nas características do sistema bancário brasileiro, segregadas nas categorias custo de captação, depósitos não segurados, dívida subordinada e disclosure. Na tentativa de verificar a efetividade do mercado como disciplinador do risk taking dos bancos, materializado no buffer de capital, as medidas de disciplina de mercado foram correlacionadas com o requerimento de capital, representado pelo excesso de capital acima do mínimo regulamentar.

Observou-se, primeiramente, que, num ambiente altamente regulado, o capital regulatório funciona como seguro de depósito para os bancos, fazendo com que os debtholders os considerem mais arriscados e consequentemente requeiram maior remuneração. Os gestores, por sua vez, visando equilibrar de forma antecipada esse efeito de alta do custo, selecionam ativos que ofereçam melhor retorno associado ao nível de risco, aumentando o buffer de capital, confirmando as hipóteses de pesquisa.

Os resultados corroboram a hipótese de pesquisa, indicando que a disciplina de mercado se estabelece no sistema bancário brasileiro por meio do custo de captação, dos depósitos não segurados, da dívida subordinada e do disclosure. Esse estudo reforça estudos anteriores de que a disciplina de mercado complementa os requerimentos de capital mínimo, servindo de mecanismo auxiliar na supervisão bancária. Em face disso, recomenda-se a adoção de medidas no sentido de aumentar a abrangência da disciplina de mercado, em especial nas discussões envolvendo as reformas regulatórias no âmbito do Pilar 3 - Disciplina de Mercado.

Com relação às variáveis de controle, incorporadas com o propósito de aprimorar as evidências empíricas relacionadas às variáveis de interesse, foram encontradas evidências de que o tamanho, o aspecto peculiar à hipótese too-big-to-fail, o risco ex post representando o perfil de risco dos ativos e a dummy de crise influenciam negativamente o buffer de capital dos bancos. Em contrapartida, a rentabilidade, o risco da carteira de crédito como variável determinante do risco ex ante e a proxy HIATO influenciam positivamente o capital dos bancos. A proxy HIATO reforçou o entendimento de que o capital regulatório tem característica anticíclica, uma vez que os bancos guardam capital em períodos de crescimento econômico para cobrir as perdas inesperadas em tempos de recessão econômica.

Além disso, constatou-se que a implementação dos ajustes regulatórios propostos por Basileia II (BCBS, 2006Basel Committee on Banking Supervision. (2006). Basel II: International Convergence of Capital Measurement and Capital Standards: A Revised Framework - Comprehensive Version. Bank for International Settlements. http://www.bis.org/publ/bcbs128.htm
http://www.bis.org/publ/bcbs128.htm...
) e Basileia III (BCBS, 2011Basel Committee on Banking Supervision. (2011). Basel III: A global regulatory framework for more resilient banks and banking systems - revised version. Bank for International Settlements. http://www.bis.org/publ/bcbs189.htm
http://www.bis.org/publ/bcbs189.htm...
) influenciaram positivamente a constituição dos buffers de capital dos bancos, consistente com a melhora dos aspectos relacionados à gestão de riscos e de capital preconizados pela regulação prudencial. No tocante à variável tipo de controle, que caracteriza os bancos com controle governamental, encontrou-se relação negativa com o buffer de capital, em linha com os achados de pesquisas anteriores, dada a segurança que essas instituições têm, tais como a facilidade de obtenção de assistência em caso de falta de liquidez e a possibilidade de aporte de capital, quando necessário.

Este estudo contribui para melhorar a compreensão da dinâmica da disciplina de mercado na indústria bancária nacional e fomentar as discussões empíricas em torno do papel dessa supervisão privada na promoção da transparência e da solidez do sistema financeiro, fornecendo subsídios aos policymakers para formulações políticas, procedimentos e diretrizes que sustentem a regulamentação bancária. Além disso, reforça as premissas de Basileia II e III de que a disciplina de mercado cumpre papel relevante de supervisão privada sobre a atuação dos bancos.

Como limitações ao trabalho, destacam-se a não disponibilidade pública de algumas informações granulares dos bancos, que poderiam propiciar o aprimoramento da estimação dos modelos de disciplina de mercado, e o buffer de capital, tais como o montante de depósitos segurados e não segurados e informações dos instrumentos elegíveis a capital emitidos pelas instituições, dentre outros.

Por fim, convém ressaltar que os modelos e as variáveis desenvolvidos tomaram por base as especificidades da indústria bancária brasileira, não sendo aplicáveis de forma direta em outro contexto sem as devidas adaptações. Nesse sentido, sugerem-se novas pesquisas que testem a validade dos modelos desenvolvidos e das hipóteses de pesquisa em outros mercados bancários e testes com outras proxies de disciplina de mercado para validação das evidências aqui obtidas.

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  • *
    Artigo apresentado no XIX USP International Conference in Accounting, São Paulo, SP, Brasil, julho de 2019.
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    Os autores agradecem aos professores Dr. Jorge Katsumi Niyama e Dr. Joshua Onome Imoniana, que participaram da banca de qualificação de mestrado, aos avaliadores e participantes do XIX USP International Conference in Accounting e aos avaliadores blind review da Revista Contabilidade & Finanças (RC&F) que contribuíram com seus questionamentos para o aprimoramento do estudo.

Editado por

Editor-Chefe: Fábio Frezatti
Editora Associada: Fernanda Finotti Cordeiro

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Citações de dados

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    15 Ago 2019
  • Revisado
    10 Set 2019
  • Aceito
    11 Abr 2020
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