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Um modelo baseado em blockchain para ofertas de certificados token de energia renovável

RESUMO

Este artigo propõe um modelo de investimento para uma geradora de energia renovável que lhe permite ganhar o direito de emitir Certificados de Energia Renovável (CERs) e vendê-los por meio de leilões de vendas trimestrais promovidos por blockchain. A tecnologia blockchain pode promover ainda mais o mercado de CERs, pois permite a tokenização e distribuição de certificados. Não identificamos artigos na literatura que analisem a decisão de investir em organizações autônomas descentralizadas (OADs) que possuem regras para emissão e negociação de CERs especificadas em contratos inteligentes, que são executados e validados por blockchain. Este artigo contribui com a literatura sobre aplicações da tecnologia blockchain no mercado de energia renovável ao propor a emissão e venda de CERs do tipo token por meio de uma OAD. A relevância desta pesquisa recai sobre o fato de que ela mostra que métodos simples de precificação de opções reais podem ajudar os tomadores de decisão a avaliar oportunidades de investimento com incerteza e flexibilidade. A tokenização e distribuição de CERs via blockchain podem conferir agilidade às transações, reduzir ou eliminar a burocracia nos meios de pagamento e aumentar a segurança e transparência das transações. Propomos um modelo para emissão e venda de CERs em contratos inteligentes. Pressupomos que a geradora tem flexibilidade para investir agora ou dentro de um ano para adentrar a plataforma, considerando a energia gerada em um ano por uma única turbina eólica típica de 4 MW. Nosso modelo pressupõe que o preço do CER do tipo token adota uma função de demanda inversa sujeita a choques estocásticos. Os resultados contribuem para a compreensão da dinâmica de desempenho de produtos digitais com incerteza e flexibilidade e mostram que a tecnologia de ledger distribuído (TLD) pode ser uma alternativa viável para incentivos de energia renovável.

Palavras-chave:
blockchain ; certificados de energia renovável; abordagem de opções reais; incerteza de mercado; setor de energia

ABSTRACT

This article proposes an investment model for a renewable energy generator that allows it to earn the right to issue Renewable Energy Certificates (RECs) and sell them through quarterly sales auctions promoted by the blockchain. Blockchain technology can further promote the RECs market, as it enables tokenization and distribution of certificates. We did not find articles in the literature that analyze the decision to invest in decentralized autonomous organizations (DAOs) that have rules for issuing and trading RECs specified in smart contracts, which are executed and validated by the blockchain. This article contributes to the literature on blockchain technology applications in the renewable energy market by proposing issuing and selling RECs tokens through a DAO. The relevance of this research is that it shows that simple real option pricing methods can help decision-makers evaluate investment opportunities under uncertainty and flexibility. The tokenization and distribution of RECs via blockchain can promote transaction agility, reduce or eliminate bureaucracy in the means of payment, and increase the security and transparency of transactions. We propose a model for issuing and selling RECs in smart contracts. We assume that the generator has the flexibility to invest now or in one year to enter the platform, considering the energy generated in one year by a single typical 4MW wind turbine. Our model assumes that the price of the REC token follows an inverse demand function subject to stochastic shocks. The results contribute to the understanding of the performance dynamics of digital products under uncertainty and flexibility and show that distributed ledger technology (DLT) may be a viable alternative for renewable energy incentives.

Keywords:
blockchain ; renewable energy certificates; real options approach; market uncertainty; energy sector

1. INTRODUÇÃO

A emissão de gases de efeito estufa tem sido um dos principais fatores que contribuem com o aquecimento global e constitui foco de preocupação global (Radhi, 2009Radhi, H. (2009). Evaluating the potential impact of global warming on the UAE residential buildings - A contribution to reduce the CO2 emissions. Building and Environment, 44(12), 2451-2462.). Para reduzir as emissões de CO2 geradas pela produção de eletricidade, uma das principais fontes de gases de efeito estufa, os produtores de energia vêm investindo cada vez mais em fontes de energia limpa. No entanto, tais iniciativas exigem significativos investimentos de capital em fontes de energia renovável, muitas vezes fora do alcance de diversas empresas. Uma solução para esse problema é a venda de Certificados de Energia Renovável (CERs) destinados a fomentar a produção de energia renovável, fornecendo uma fonte de receita adicional para essas geradoras.

Os CERs foram propostos pela primeira vez em 1996 como um instrumento baseado no mercado que é emitido quando um megawatt-hora (MWh) de eletricidade é gerado a partir de uma fonte de energia renovável e entregue à rede (Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa, 2018Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa. (2018). Certificado de energia renovável. http://www.abragel.org.br/energia-renovavel/
http://www.abragel.org.br/energia-renova...
). Esses certificados podem ser transferidos, comprados, vendidos, retirados ou usados ​​por quem o detém para alegar que usou energia renovável. Nesse sentido, os CERs ajudam a superar várias barreiras à compra e venda de atributos de energia renovável relativos à eletricidade (Wingate & Holt, 2004Wingate, M., & Holt, E. (2004). Design guide for renewable energy certificate tracking systems. National Wind Coordinating Committee.).

Os mercados de CERs se expandiram rapidamente e já possuem significativa liquidez no mundo inteiro, fomentando o investimento em fontes de energia renovável. Apesar disso, persiste a questão: como esse mercado pode ser ainda mais fomentado de maneira prática para todas as partes interessadas? Um pouco dessa resposta pode ser encontrado em inovações tecnológicas, como a tecnologia de ledger distribuído (TLD), que possibilita a tokenização e a distribuição barata de CERs no mundo inteiro (Ølnes et al., 2017Ølnes, S., Ubacht, J., & Janssen, M. (2017). Blockchain in government: Benefits and implications of distributed ledger technology for information sharing. Government Information Quarterly, 34(3), 355-364.).

A TLD, que também viabilizou a criação de moedas digitais, pode conferir agilidade às transações, reduzir ou eliminar a burocracia nos meios de pagamento e aumentar a segurança e transparência das transações (Priem, 2020Priem, R. (2020). Distributed ledger technology for securities clearing and settlement: Benefits, risks, and regulatory implications. Financial Innovation, 6(1), 1-25.). Especificamente, as blockchains, um tipo de TLD, dependem de um sistema de contabilidade pública distribuída que se divide em blocos. Cada bloco é conectado criptograficamente ao bloco anterior, formando uma cadeia de blocos, ou uma blockchain. O fato de que as informações em cada bloco são públicas e imutáveis ​​possibilita inúmeras novas aplicações na indústria baseadas no protocolo blockchain. Programas, também conhecidos como contratos inteligentes, podem ser desenvolvidos para rodar em blockchains, com todos os benefícios que essa tecnologia oferece, como a transparência e a segurança.

Este estudo propõe um modelo para desenvolvimento de tokens baseados em CERs, que podem ser automatizados e incluídos em um contrato inteligente para rodar em blockchain. Em nosso modelo, a geradora de energia renovável interessada em oferecer CERs tem a opção de investir agora ou dentro de um ano para ter o direito de emitir CERs e vendê-los posteriormente mediante leilões de vendas trimestrais promovidos automaticamente pelo próprio protocolo. Consideramos que a demanda de CERs é determinística e aumenta a cada trimestre. No entanto, o preço unitário do CER do tipo token varia trimestralmente e é uma função da demanda inversa sujeita a choques estocásticos contínuos.

Este estudo contribui com a literatura sobre as aplicações da tecnologia blockchain no mercado de energias renováveis. Ele se mostra relevante, pois propõe a emissão e venda de CERs do tipo token por uma organização autônoma descentralizada (OAD). Este estudo adota a teoria de opções reais (TOR) para precificar a opção de adiamento contida no modelo e analisa a tomada de decisão com incerteza por parte da geradora. Assim, esta pesquisa mostra que métodos simples de precificação de opções reais podem auxiliar os tomadores de decisão na estimação de oportunidades de investimento com incerteza e flexibilidade.

Este artigo está estruturado da seguinte forma: após esta introdução, discutimos como funcionam os CERs. Na seção 3, revisamos a literatura pertinente e, na seção 4, propomos um modelo para o desenvolvimento de CERs baseados em token. Em seguida, apresentamos um exemplo numérico e discutimos os resultados. Por fim, na seção 6, apresentamos as conclusões.

2. CERs

Em muitos países, a estrutura de geração, transmissão e distribuição de energia impossibilita o rastreamento físico da fonte de energia até seu ponto de consumo. Nesses casos, a eletricidade oriunda de fonte renovável é injetada no sistema de distribuição, misturada com elétrons de outras fontes (renováveis ​​ou não) e entregue pela distribuidora local a empresas ou residências por meio de postes e fios. Assim, nesse esquema, a distribuidora local de energia desconhece a origem desses elétrons.

Os CERs, ou “garantias de origem” (GdOs), surgiram como uma solução do problema de rastreabilidade dos atributos energéticos ambientais (Aldrich & Koerner, 2018aAldrich, E. L., & Koerner, C. L. (2018a). White certificate trading: A dying concept or just making its debut? Part I: Market status and trends. The Electricity Journal, 31(3), 52-63.). Os CERs se originaram mediante um sistema de certificação global, o International REC Standard (I-REC), que permite, de maneira prática e confiável, a verificação da origem da energia consumida, bem como a comercialização dos certificados. A plataforma I-REC permite que os consumidores escolham o tipo de energia renovável que desejam por meio de CERs gerados por usinas eólicas, de biomassa e solares. Ao adquirir um CER, que comprova que 1 MWh foi injetado no sistema a partir de uma fonte de energia renovável, o consumidor se apropria dessa energia e a plataforma garante que determinado CER não será usado novamente.

De acordo com Wingate e Holt (2004Wingate, M., & Holt, E. (2004). Design guide for renewable energy certificate tracking systems. National Wind Coordinating Committee.), os CERs, também conhecidos como rótulos verdes, certificados verdes, créditos de energia renovável e certificados verdes comercializáveis ​​(CVCs), representam o conjunto separável de atributos não energéticos (ambientais, econômicos e sociais) associados com a geração de eletricidade renovável. Os autores acreditam que o CER é a moeda dos mercados de energia renovável (mercados de compliance e voluntários) que viabiliza o acesso, a alocação e a reivindicação do uso da geração renovável em uma rede compartilhada. Nessa perspectiva, esse mecanismo serve como uma ferramenta para atingir as metas corporativas de relatórios de gases de efeito estufa e as obrigações relativas às políticas estaduais no âmbito dos padrões do portfólio de energia renovável.

Inúmeros são os benefícios dos CERs. Para as certificadoras, sua principal vantagem é que o registro no I-REC se torna uma maneira de obter receita adicional, o que é um incentivo direto para que o produtor continue investindo na geração de energia renovável. Por outro lado, para quem adquire os CERs, o principal benefício é a comprovação da origem da eletricidade consumida e a correspondente redução da emissão de gases de efeito estufa. Atualmente, alguns mercados aceitam apenas esse tipo de crédito, como os projetos que almejam a certificação Leadership in Energy and Environmental Design (LEED), cuja finalidade é a construção de edifícios verdes. Outra vantagem da obtenção dos CERs é que eles podem relatar as emissões indiretas por meio do consumo de energia no Programa Brasileiro do GHG Protocol, que visa a registrar e publicar inventários de emissões de gases de efeito estufa.

Portanto, os CERs conferem reconhecimento aos usuários de energia limpa e apoiam a preservação dos recursos naturais, a sustentabilidade e o desenvolvimento de energia renovável. Os certificados também possibilitam que as metas de sustentabilidade de muitas organizações sejam atingidas e melhoram os indicadores para programas de relatórios como o Programa de Divulgação de Carbono (PDC), o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) e o Índice Dow Jones de Sustentabilidade (IDJS).

3. REVISÃO DA LITERATURA

3.1 Tecnologia Blockchain

Os recentes avanços nas tecnologias de informação e comunicação, como a internet e a aferição inteligente, trouxeram novas oportunidades para aumentar a eficiência energética e o uso de fontes de energia renováveis. Isso permitiu o aumento das emissões e das transações de CER (Bertoldi & Huld, 2006Bertoldi, P., & Huld, T. (2006). Tradable certificates for renewable electricity and energy savings. Energy Policy, 34(2), 212-222.). Nesse sentido, novas tecnologias, como a blockchain, também apresentam potencial de trazer benefícios para esse campo.

A transparência é fundamental nos mercados de energia renovável, uma vez que a compra de energia verde, tanto do próprio quilowatt-hora (kWh) quanto de seus atributos limpos, ocorre de maneira diferente de outros produtos. Os compradores se mostram incapazes de controlar ou observar como suas instalações são alimentadas. Desse modo, quem almeja alimentar suas instalações com energias renováveis ​​depende de uma ferramenta de contabilidade (CERs), com a qual pode comprovar as compras ecológicas, possibilitando uma verificação fiável. Atualmente, os operadores e reguladores do sistema usam um registro em seu sistema elétrico para rastrear os detalhes, a propriedade e o status de cada CER.

Embora as CERs tenham ajudado a aumentar a transparência nos mercados de energia renovável, tais melhorias ainda são insuficientes para atender às crescentes demandas das geradoras e dos compradores de energia renovável (Aldrich & Koerner, 2018bAldrich, E. L., & Koerner, C. L. (2018b). White certificate trading: A dying concept or just making its debut? Part II: Challenges to trading white certificates. The Electricity Journal, 31(4), 41-47.). Por exemplo, os desenvolvedores e compradores precisam passar por um dispendioso processo que difere de mercado para mercado e depende de plataformas tecnológicas obsoletas para obter a comprovação da geração e compra de energia verde. Como resultado, a participação no mercado geralmente se limita a empresas com equipes sofisticadas e empresas de energia com metas de portfólio de energia renovável exigidas pela regulamentação. A compra e venda de energia renovável precisa ser menos burocrática para desbloquear o acesso e aumentar a participação no mercado. Nessa perspectiva, acredita-se que uma forma de eliminar as atuais barreiras desse mercado é apostar em uma nova tecnologia global disruptiva e rápida, como o blockchain, que pode conferir agilidade às transações e reduzir ou eliminar a burocracia nos meios de pagamento, aumentando a segurança e transparência das operações (Boff & Ferreira, 2016Boff, S. O., & Ferreira, N. A. (2016). Análise dos benefícios sociais da bitcoin como moeda. Anuario Mexicano de Derecho Internacional, 16, 499-523.).

O protocolo blockchain foi proposto pela primeira vez por Nakamoto (2008Nakamoto, S. (2008). Bitcoin: A peer-to-peer electronic cash system. https://bitcoin.org/bitcoin.pdf
https://bitcoin.org/bitcoin.pdf ...
) e é a base sobre a qual a bitcoin foi criada. Esse protocolo é um tipo de TLD, onde as transações são agrupadas em blocos. Nesse protocolo, os usuários assinam criptograficamente suas transações e as enviam para a rede, onde os mineradores validam todas as transações, confirmando tanto que o usuário que gastou o dinheiro tem dinheiro para gastar quanto a autenticidade do usuário (Jamison & Tariq, 2018Jamison, M. A., & Tariq, P. (2018). Five things regulators should know about blockchain (and three myths to forget). The Electricity Journal, 31(9), 20-23.). Então, os mineradores escolhem as transações a incluir em seu bloco e a ordem na qual são incluídas. Como apenas um bloco pode ser adicionado por vez, um mecanismo computacional e de uso intensivo de energia conhecido como prova de trabalho deve ser concluído antes que um minerador possa adicionar seu bloco ao blockchain. O primeiro minerador a fazer isso com sucesso e ter seu bloco validado pelos usuários, conhecido como nós, recebe uma série de bitcoins recém-cunhadas como recompensa. Esse procedimento permite que o blockchain funcione sem qualquer confiança entre as partes envolvidas (Pelucio-Grecco et al., 2020Pelucio-Grecco, M. C., Santos, J. P. dos, Neto, & Constancio, D. (2020). Contabilização de bitcoins à luz das IFRS e aspectos tributários. Revista Contabilidade & Finanças, 31(83), 275-282. https://doi.org/10.1590/1808-057x201909110
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).

Alguns estudos já propõem a aplicação dessa tecnologia aos mercados de energia renovável. Mihaylov et al. (2014Mihaylov, M., Jurado, S., Avellana, N., Van Moffaert, K., Abril, I. M., & Nowé, A. (2014). NRGcoin: Virtual currency for trading of renewable energy in smart grids. In Proceedings of the 11th International Conference on the European Energy Market (1-6). https://doi.org/10.1109/EEM.2014.6861213.
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), por exemplo, desenvolvem uma nova moeda digital descentralizada chamada NRGcoin. Os autores acreditam que a principal contribuição desse novo mecanismo é converter a energia renovável produzida de maneira local diretamente em NRGcoins, independentemente de seu valor de mercado. Além disso, os autores propõem um novo paradigma comercial para compra e venda de energia verde na rede blockchain, criando um ecossistema microeconômico que possibilita a negociação de energia renovável produzida localmente a preços competitivos. Por outro lado, Mengelkamp et al. (2018Mengelkamp, E., Notheisen, B., Beer, C., Dauer, D., & Weinhardt, C. (2018). A blockchain-based smart grid: Towards sustainable local energy markets. Computer Science-Research and Development, 33(1-2), 207-214.) contam com uma blockchain privada para desenvolver uma plataforma de mercado descentralizada, visando a negociar a geração de energia renovável local sem intermediário. Como os mercados locais de energia renovável permitem que os consumidores negociem a geração produzida de maneira local diretamente em sua comunidade, os autores acreditam que a blockchain é a principal tecnologia de informação e comunicação nesse mercado.

Li et al. (2019Li, Z., Bahramirad, S., Paaso, A., Yan, M., & Shahidehpour, M. (2019). Blockchain for decentralized transactive energy management system in networked microgrids. The Electricity Journal, 32(4), 58-72.) usam tecnologias blockchain para otimizar as operações financeiras e físicas dos sistemas de distribuição de energia. Os autores propõem um conjunto de blockchains embutidas em contratos inteligentes para administrar fluxos de energia e financeiros entre microredes operacionais, descentralizando o gerenciamento de energia transacional. Seus resultados mostram que essa tecnologia promove uma significativa evolução dos sistemas tradicionais de distribuição de energia para redes de distribuição ativas.

Uma abordagem interessante é proposta por Castellanos et al. (2017Castellanos, J. A. F., Coll-Mayor, D., & Notholt, J. A. (2017). Cryptocurrency as guarantees of origin: Simulating a green certificate market with the Ethereum blockchain. In Proceedings of the 2017 IEEE International Conference on Smart Energy Grid Engineering(p. 367-372). ). A blockchain e os contratos inteligentes de Ethereum permitem que consumidores proativos com recursos de energia distribuídos, conhecidos como prosumidores, vendam GdOs para subsidiar produtores de energia renovável. Os autores propõem duas estratégias para isso: a primeira é baseada no preço médio das GdOs em 2014, e a segunda é baseada na diferença de preço entre energia cinza e verde. Este estudo mostra que seguir a segunda estratégia é mais vantajoso para os prosumidores.

3.2 TOR

A TOR emergiu da necessidade de considerar a flexibilidade administrativa na estimação de ativos reais, que não é capturada por técnicas tradicionais, como o método de fluxo de caixa descontado (FCD) (Copeland & Tufano, 2004Copeland, T., & Tufano, P. (2004). A real-world way to manage real options. Harvard Business Review, 82(3), 90-99. ). Essa abordagem adapta os modelos de precificação de opções financeiras desenvolvidos por Black e Scholes (1973Black, F., & Scholes, M. (1973). The pricing of options and corporate liabilities. Journal of Political Economy, 81(3), 637-654. https://doi.org/10.1086/260062
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) e Merton (1973Merton, R. C. (1973). Theory of rational option pricing. Bell Journal of Economics and Management Science, 4(1), 141-183. https://doi.org/10.2307/3003143
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), possibilitando o tratamento do investimento em ativos reais com incerteza e flexibilidade.

Myers (1977Myers, S. (1977). Determinants of corporate borrowing. Journal of Financial Economics, 5(2), 147-175. ) é creditado como um dos primeiros autores a usar a TOR para determinar o valor de ter flexibilidade e capacidade de investimento no futuro e mostrou que empresas com alto risco de endividamento perderão valiosas oportunidades de investimento. Por outro lado, empresas com baixo risco de endividamento aproveitarão futuras oportunidades de investimento. Dixit e Pindyck (1994Dixit, A. K., & Pindyck, R. S. (1994). Investment under uncertainty. Princeton University.) e Trigeorgis (1996Trigeorgis, L. (1996). Real options, managerial flexibility and strategy in resources allocation. Massachusetts Institute of Technology.) sintetizaram os principais conceitos e possíveis aplicações dessa metodologia alguns anos depois.

Uma vez que o setor elétrico começou a desregulamentar, o que resultou em maior competitividade e maior incerteza de mercado, as técnicas tradicionais de avaliação de projetos se tornaram insuficientes para lidar adequadamente com esses fatores adicionais de risco e incerteza (Fernandes et al., 2011Fernandes, B., Cunha, J., & Ferreira, P. (2011). The use of real options approach in energy sector investments. Renewable and Sustainable Energy Reviews, 15(9), 4491-4497. ). Nesse sentido, técnicas de avaliação mais sofisticadas, como a TOR, fazem-se necessárias para avaliar projetos de investimento no setor de energia.

Embora a literatura apresente diversas aplicações de opções reais na avaliação de tecnologias e políticas de geração de energia elétrica, o uso dessa metodologia em problemas relativos a energias renováveis ​​é recente. Do ponto de vista da análise de opções reais, Lee (2011Lee, S.-C. (2011). Using real option analysis for highly uncertain technology investments: The case of wind energy technology. Renewable and Sustainable Energy Reviews, 15(9), 4443-4450. ) avalia as oportunidades de investimento em energia renovável, mostrando que esse método quantifica efetivamente como a incerteza no planejamento de investimentos influencia o desenvolvimento de energia renovável. Os resultados reafirmam que o valor do desenvolvimento de energia renovável aumenta quando aumenta o preço do ativo subjacente, o prazo de vencimento, a taxa livre de risco e a volatilidade, mas diminui à medida que aumenta o preço do exercício.

Delapedra-Silva (2021Delapedra-Silva, V. A. (2021). As diferentes características de opções reais em contratos de energia eólica no Brasil. Gestão & Produção, 28(4).) analisa os contratos de comercialização de energia eólica celebrados no período de 2009 a 2018 e determina as incertezas e opções reais embutidas nesses projetos. Gonçalves e Ferreira (2008Gonçalves, E. D. L., & Ferreira, L. L. (2008). Flexibilidade na utilização de diesel ou biodiesel: uma abordagem via opções reais. BBR-Brazilian Business Review, 5(3), 229-243.) desenvolvem um modelo de opções reais para determinar o valor criado para um agente no mercado de energia elétrica quando se introduz na análise a flexibilidade de alternar os insumos entre o diesel e o biodiesel. Os autores usam simulação de Monte Carlo para modelar a escolha do combustível como uma sequência de opções europeias. Os resultados mostram que a inserção do biodiesel em larga escala no mercado gera significativo valor para os agentes que detêm equipamentos movidos a diesel como ativos reais.

Fontoura et al. (2015Fontoura, C. F., Brandão, L. E., & Gomes, L. L. (2015). Elephant grass biorefineries: Towards a cleaner Brazilian energy matrix? Journal of Cleaner Production, 96, 85-93.) avaliam a viabilidade de converter um projeto de usina de biomassa à base de capim-elefante em uma biorrefinaria, investindo em unidades de produção de carvão vegetal e etanol de segunda geração. Isso possibilita que a planta alterne de maneira ideal a produção entre essas três saídas, dependendo de seus preços relativos. Os autores concluem que essa flexibilidade agrega valor ao projeto e contribui para a diversificação sustentável da matriz energética. Detert e Kotani (2013Detert, N., & Kotani, K. (2013). Real options approach to renewable energy investments in Mongolia. Energy Policy, 56, 136-150. ) investigam o tempo ideal de decisão para investimentos em fontes alternativas de energia em situações incertas usando a TOR. Os autores analisam um estudo de caso na Mongólia em que a incerteza é o preço do carvão e comparam a atratividade de continuar usando infraestruturas baseadas em carvão ou mudar para fontes de energia renováveis.

Kim et al. (2017Kim, K., Park, H., & Kim, H. (2017). Real options analysis for renewable energy investment decisions in developing countries. Renewable and Sustainable Energy Reviews, 75, 918-926. ) propõem um modelo de opções reais para avaliar o investimento em energia renovável nos países em desenvolvimento. A principal preocupação dos autores é lidar com incertezas, como a rápida mudança de tecnologias e as condições do governo de acolhida. Os autores concluem que a ferramenta proposta pode ajudar os países de acolhida e os investidores a avaliar projetos de energia renovável de alto risco. Oliveira et al. (2014Oliveira, D. L., Brandão, L. E. T., Igrejas, R., & Gomes, L. L. (2014). Switching outputs in a bioenergy cogeneration project: A real options approach. Renewable and Sustainable Energy Reviews, 36 74-82.) analisam a viabilidade de investir em uma unidade de cogeração de biomassa e gás natural em uma planta industrial no Brasil que tenha flexibilidade de escolha entre o aumento da produção ou a geração de energia excedente para venda no mercado de curto prazo. Os autores concluem que o investimento é viável e que a opção agrega significativo valor ao projeto, o que sugere que os resíduos de biomassa podem ser uma alternativa energética sustentável.

Boomsma et al. (2012Boomsma, T. K., Meade, N., & Fleten, S.-E. (2012). Renewable energy investments under different support schemes: A real options approach. European Journal of Operational Research, 220(1), 225-237. ) também usam a TOR para determinar o momento do investimento e a escolha da capacidade dos projetos de energia renovável a partir de diferentes esquemas de apoio, como tarifas de alimentação (TdAs) e negociação de certificados de energia renovável. Para testar seu modelo, os autores o aplicam em um estudo de caso nórdico baseado em energia eólica e concluem que as TdAs incentivam investimentos prévios. Ainda assim, o comércio de CERs cria incentivos para projetos assim que o investimento é realizado. De acordo com Fleten et al. (2016Fleten, S.-E., Linnerud, K., Molnár, P., & Nygaard, M. T. (2016). Green electricity investment timing in practice: Real options or net present value? Energy, 116, 498-506. ), um estudo com 214 investidores em projetos hidrelétricos na Noruega mostrou que eles não contam com modelos de opções reais. No entanto, ao comparar os subsídios esperados com os subsídios observados em um mercado intimamente relacionado, eles mostram que a TOR é um descritor significativo do comportamento do investimento gerencial, mesmo que não tenham usado formalmente um modelo de opções reais em sua análise.

Ritzenhofen e Spinler (2016Ritzenhofen, I., & Spinler, S. (2016). Optimal design of feed-in-tariffs to stimulate renewable energy investments under regulatory uncertainty - A real options analysis. Energy Economics, 53, 76-89. ) avaliam o impacto dos ajustes nos esquemas TdA, que são amplamente usados como instrumentos de política para promover investimentos em fontes de energia renováveis ​​e verificam a relação entre o valor garantido pago pela eletricidade produzida e a propensão a investir em fontes de energia renováveis. Os autores propõem um modelo de mudança de regime para quantificar o impacto da incerteza regulatória induzida pelos reguladores considerando mudanças de um esquema de TdA para um regime regulatório mais orientado para o mercado.

Kitzing et al. (2017Kitzing, L., Juul, N., Drud, M., & Boomsma, T. K. (2017). A real options approach to analyse wind energy investments under different support schemes. Applied Energy, 188, 83-96. ) desenvolvem um modelo de opções reais para avaliar os investimentos em energia eólica, considerando o tempo ideal e as restrições de capacidade como parte da otimização. Os autores acreditam que essa abordagem é adequada para comparar diferentes esquemas de suporte, como TdA, prêmios de alimentação e CVCs. Os resultados indicam que os esquemas de CVC podem exigir margens de lucro até 3% maiores do que os esquemas de TdA devido a maior variação nos lucros. Por outro lado, esquemas de TdA podem considerar tamanhos de projeto 15% menores. A análise dessa troca deve ser considerada para que haja melhores projeções estratégicas de apoio renovável. Bastian-Pinto et al. (2021Bastian-Pinto, C. L., Araujo, F. V. D. S., Brandão, L. E., & Gomes, L. L. (2021). Hedging renewable energy investments with Bitcoin mining. Renewable and Sustainable Energy Reviews, 138, Article 110520.) propõem um mecanismo de cobertura que possibilita que um empreendimento eólico reduza o risco investindo simultaneamente em uma instalação de mineração de bitcoin. Os autores usam a TOR para avaliar a opção de alternar as saídas entre eletricidade e bitcoins, dependendo dos valores relativos de cada um deles. Seus resultados mostram que os produtores de energia intermitentes podem beneficiar-se desse mecanismo de cobertura, pois essa opção de troca pode aumentar a lucratividade e reduzir o risco, promovendo o crescimento da construção de novos locais de energia renovável.

Eryilmaz e Homans (2016Eryilmaz, D., & Homans, F. R. (2016). How does uncertainty in renewable energy policy affect decisions to invest in wind energy? The Electricity Journal, 29(3), 64-71.) usam a TOR para modelar decisões de investimento em energia eólica com incerteza política. Os autores desenvolvem um modelo de otimização dinâmica para examinar os limites de investimento das empresas privadas de geração de energia, dada a incerta decisão do governo federal acerca da continuidade da política de crédito tributário de produção (CTP) e a estocasticidade dos preços no mercado de CERs. Seus resultados mostram que a relação entre o limite de rentabilidade do investimento e a política depende dos preços dos CERs e da volatilidade dos preços dos CERs, uma vez que esses parâmetros afetam o limite de rentabilidade exigido pelos investidores.

Embora existam algumas aplicações de opções reais em energia renovável, não identificamos na literatura estudos que analisem a decisão da geradora de energia renovável em investir em OADs que possuem regras de emissão e comercialização de CERs especificadas em contratos inteligentes, que são executados e validados por blockchain.

4. MODELO

Propomos uma OAD que exige um investimento inicial para permitir a entrada da geradora de energia renovável na plataforma, que cria novos tokens e promove leilões de vendas trimestrais que disponibilizarão uma série de tokens ao mercado, como mostra a Figura 1.

Figura 1
Esquema geral de leilões de venda

Pressupomos que o investimento em geradora de energia renovável ocorre no tempo 0 e que o fornecimento de CERs ao mercado (St ) ocorrerá por 8 trimestres (ou 2 anos). Nosso modelo também pressupõe que a geradora tenha flexibilidade para investir agora ou dentro de um ano para adentrar a plataforma, considerando a energia gerada em um ano por uma única turbina eólica típica de 4 MW. Isso equivale à geradora ter uma opção europeia de adiar seu investimento por um ano.

Para entender a lógica de uma opção de compra europeia, que é representada nesta pesquisa pela opção de adiar o investimento, apresentamos na Figura 2 um exemplo simples de como tal opção pode ser calculada com uma árvore binomial. Nesse exemplo, pressupomos que o investimento (US$ 3.000) em um projeto pode ser adiado. Com isso, podemos esperar que a incerteza sobre seu valor futuro (alta = US$ 5.500 e baixa = US$ 2.200) seja resolvida antes da decisão de investir ou não. Nesse sentido, a decisão seria investir no projeto no cenário de alta. No entanto, no cenário de baixa, o segmento é não investir no projeto.

Figura 2
Exemplo simples de uma opção de compra europeia

Observe-se que a opção de adiar afeta o risco do projeto, impedindo que ele tenha um desfecho negativo. Assim, o risco do projeto com essa flexibilidade é menor. Portanto, o cálculo do valor da opção requer métodos específicos e não pode ser determinado pelo método FCD. Esse exemplo se mostra próximo ao modelo que propomos na seção seguinte.

4.1 Modelo Proposto

Primeiro, consideramos que a quantidade de CERs ofertada (St ) em leilões de venda é estritamente igual à demanda esperada de CERs para o mesmo período (Dt ). Além disso, pressupomos que a demanda de CERs é determinística e tem um crescimento percentual a cada trimestre, como mostra a equação 1,

D T = D 0 e α t (1)

onde Dt é a demanda em cada trimestre t, D0 é a demanda inicial e α é a taxa de crescimento da demanda a cada trimestre.

Embora a demanda seja determinística, o preço unitário do CER muda a cada trimestre. Ela é definida como uma função da demanda inversa sujeita a choques estocásticos contínuos, como mostra a equação 2. Observe-se que estamos usando exatamente o modelo proposto por Grenadier (1996Grenadier, S. R. (1996). The strategic exercise of options: Development cascades and overbuilding in real estate markets. The Journal of Finance, 51(5), 1653-1679. ),

P t = 3 - D t D 0 C t (2)

onde Pt é o preço unitário do CER em cada trimestre t, e Ct representa um choque multiplicativo de demanda, que segue um movimento browniano geométrico (MBG), como mostra a equação 3,

d C t = μ C t d t + σ C t d z t (3)

onde dCt é a variação incremental do choque no intervalo de tempo dt, μ representa a deriva, ou seja, a taxa de crescimento esperada da demanda de CERs, σ é a volatilidade da demanda de CERs e dztdt representa o incremento padrão de Wiener onde ε ≈ N(0,1).

A partir disso, verificamos que o investimento que a geradora de energia renovável deve fazer para adentrar essa plataforma é definido pela equação 4,

I = λ × t = 1 8 D t (4)

onde I é o investimento e λ é o custo fixo marginal unitário de entrada na plataforma em US$/CER. A receita da geradora (Rt ) é determinada pela equação 5,

R t = R t × S t (5)

onde Dt é a demanda de CERs em cada trimestre t, que é igual à oferta de CERs (St ) para o mesmo período. Assim, podemos determinar o valor presente líquido (VPL) da geradora por meio da equação 6,

N P V = - I + t = 1 n E R t e - k t d t (6)

onde E[Rt ] é o valor esperado das receitas futuras, n representa o número total de trimestres, e k é o custo médio ponderado de capital (CMPC).

Como o método tradicional FCD não captura a incerteza e flexibilidade administrativa contidas no modelo, adotamos a TOR usando o modelo de árvore binomial discreta proposto por Cox et al. (1979Cox, J. C., Ross, S. A., & Rubinstein, M. (1979). Option pricing: A simplified approach. Journal of Financial Economics, 7(3), 229-263. https://doi.org/10.1016/0304-405X(79)90015-1
https://doi.org/10.1016/0304-405X(79)900...
) [modelo de mercado de Cox-Ross-Rubinstein (modelo CRR)]. Esse modelo de precificação de opções requer o uso da medida neutra ao risco. Para determinar essa medida, deduzimos o prêmio de risco da taxa de retorno do ativo e, em seguida, descontamos os fluxos de caixa à taxa livre de risco. Assim, o processo neutro ao risco é definido pela equação 7,

d C t R = μ - ζ C C t R d t + σ C t R d z t (7)

onde dCR t é a variação incremental do choque neutro CR ao risco no intervalo de tempo dt, (C representa o prêmio de risco do choque e µ é a taxa de retorno do choque.

Freitas e Brandão (2010Freitas, A., & Brandão, L. E. T. (2010). Real options valuation of e-learning projects. International Journal on E-learning, 9(3), 363-383.) discutiram que o prêmio de risco de mercado pode ser observado diretamente ou determinado por meio do modelo de precificação de ativos de capital (MPAC), onde µ = rf + ( e ( = β(E[RM ] - rf ). Por outro lado, o prêmio de risco de ativos de mercado incompletos, como a incerteza contida nesse modelo (Ct ), só pode ser calculado por métodos indiretos.

Portanto, para avaliar o prêmio de risco de choque, consideramos que o valor esperado dos ganhos na avaliação neutra ao risco, independentemente das opções possíveis, deve ser estritamente igual ao valor esperado dos ganhos na estimação estática tradicional, como mostra a equação 8. Então, se as outras variáveis da equação 8 forem conhecidas, o valor do prêmio de risco pode ser determinado por equivalência,

t = 1 n f C t e - μ t d t = t = 1 n f C t R e - μ - ζ C t d t (8)

onde f (.) representa os fluxos de caixa da geradora.

Após determinar o prêmio de risco de choque, usamos a equação 9 para calcular os parâmetros da árvore binomial do CRR,

u = e σ d t , d = 1 u e p = e μ - ζ C - d u - d (9)

onde σ é a volatilidade adotada no processo estocástico de incerteza, que nesse caso é o choque (Ct ).

Até esse ponto, definimos apenas como a incerteza deve ser tratada nesse modelo. Para incorporar a flexibilidade, adotamos algumas premissas: caso a geradora opte por não adiar, ela seguirá o esquema padrão de leilões mostrado na Figura 1; por outro lado, se a geradora optar pelo adiamento, seu investimento ocorre no quarto trimestre (IA ) e passa a assumir o valor definido na equação 10:

I A = λ × t = 1 8 D t e 4 r (10)

Como a demanda de CERs nos quatro primeiros trimestres não se concretizou, acreditamos que se repetirá nos próximos quatro trimestres, promovendo o deslocamento de um ano no modelo, como mostra a Figura 3. No entanto, a incerteza, definida pelo choque multiplicativo de demanda (Ct ), continuará a seguir um MBG desde o primeiro trimestre. Assim, a geradora maximizará sua escolha com base na equação 11,

V o p ç ã o = m a x N P V ; t = 5 12 E R t / e r f t - I A ; 0 (11)

onde VOpção é o VPL da geradora considerando a opção de postergar o investimento.

Figura 3
Esquema de adiamento do investimento

4.2 Exemplo Numérico

Nosso exemplo numérico considera a energia gerada em um ano por uma única turbina eólica típica de 4 MW e os parâmetros mostrados na Tabela 1. Observe-se que a demanda inicial de CERs, taxa de crescimento, volatilidade e deriva foram determinadas com base no histórico de transações diárias de CERs no período de 2014 a 2018, cedido pelo Instituto Totum (2018Instituto Totum. (2018).I-REC. https://www.institutototum.com.br/index.php/servicos/273-i-rec
https://www.institutototum.com.br/index....
).

Tabela 1
Parâmetros

5. RESULTADOS E ANÁLISE

A partir da definição da demanda inicial e sua taxa de crescimento na Tabela 1, determinamos a demanda total de CERs para os próximos dois anos (DT = 151.267 MWh) usando a equação 1. Depois disso, calculamos o investimento da geradora (I = US$ 226.900,25) usando a equação 4. Em seguida, para definir a receita da geradora, modelamos o choque multiplicativo de demanda (Ct ). Para isso, calculamos mediante métodos numéricos o valor do prêmio de risco ((C = 4,70% ao trimestre ou 20,68% ao ano) considerando a equivalência matemática entre os VPs mostrados na equação 8. Em seguida, determinamos os valores ascendentes e descendentes da árvore binomial (u = 1,35 e d = 0,74) e as probabilidades neutras ao risco (p = 43,05% e 1 - p = 56,95%) usando a equação 9.

Usando o software DPL, modelamos a incerteza para os próximos oito trimestres, incorporando a receita da geradora como o fluxo de caixa do modelo, como mostra a Figura A.1 (Apêndice Apêndice Figura A.1 Árvore binomial @sum(D1, D2, D3, D4, D5, D6, D7, D8) é a soma da demanda esperada de t =1 a t = 8 (151.267 MWh); C (C1, C2, …, C8) é o choque multiplicativo da demanda; D0 é a demanda inicial (15.000 MWh); l é o custo fixo unitário marginal de entrada na plataforma [US$ 1,50/Certificado de Energia Renovável (CER)]; r é a taxa livre de risco (1,30%). Fonte: Elaborada pelos autores. Figura A.2 Árvore binomial com opção de adiamento @sum(D1, D2, D3, D4, D5, D6, D7, D8) é a soma da demanda esperada de t =1 a t = 8 (151.267 MWh); C (C1, C2, …, C12) é o choque multiplicativo da demanda; D0 é a demanda inicial (15.000 MWh); l é o custo fixo unitário marginal de entrada na plataforma [US$ 1,50/Certificado de Energia Renovável (CER)]; r é a taxa livre de risco (1,30%). Fonte: Elaborada pelos autores. ). Por meio dessa árvore binomial, verificamos que o VPL da geradora é igual a US$ 22.144,70. Nesse cálculo, não consideramos a opção da geradora de adiar por um ano seu investimento, portanto esse é o VPL determinístico, que também pode ser determinado pelo método FCD e pela equação 6.

Para incluir essa flexibilidade administrativa no modelo, devemos redesenhar a árvore binomial, como mostra a Figura A.2 (Apêndice Apêndice Figura A.1 Árvore binomial @sum(D1, D2, D3, D4, D5, D6, D7, D8) é a soma da demanda esperada de t =1 a t = 8 (151.267 MWh); C (C1, C2, …, C8) é o choque multiplicativo da demanda; D0 é a demanda inicial (15.000 MWh); l é o custo fixo unitário marginal de entrada na plataforma [US$ 1,50/Certificado de Energia Renovável (CER)]; r é a taxa livre de risco (1,30%). Fonte: Elaborada pelos autores. Figura A.2 Árvore binomial com opção de adiamento @sum(D1, D2, D3, D4, D5, D6, D7, D8) é a soma da demanda esperada de t =1 a t = 8 (151.267 MWh); C (C1, C2, …, C12) é o choque multiplicativo da demanda; D0 é a demanda inicial (15.000 MWh); l é o custo fixo unitário marginal de entrada na plataforma [US$ 1,50/Certificado de Energia Renovável (CER)]; r é a taxa livre de risco (1,30%). Fonte: Elaborada pelos autores. ), e considerar que o investimento da geradora se torna igual a IA = US$ 239.011,22 (equação 10). Considerando a opção de postergar o investimento e a equação 11, encontramos que o VPL da geradora é igual a US$ 59.657,50. Observe-se que a opção de adiamento é extremamente valiosa, pois promoveu um crescimento de aproximadamente 169,40% no VPL da geradora.

5.1 Análise de Sensibilidade

Procedemos a uma análise de sensibilidade sobre a volatilidade. Pressupomos valores de volatilidade entre 5 e 50%, e determinamos o impacto disso no VPL da geradora, como mostra a Figura 4.

Figura 4
Análise de sensibilidade da volatilidade

Observa-se que o VPL da geradora pode assumir valores entre US$ 22.144,70 e US$ 91.741,78. Portanto, o VPL da geradora aumenta com a volatilidade, algo consistente com o fato de que o VPL é uma função convexa.

6. CONCLUSÃO

Este estudo analisa o investimento com incerteza da geradora de energia renovável interessada em oferecer CERs em um modelo autônomo de emissão e venda de tokens baseado em CERs. Nesse modelo proposto, a geradora tem a opção de investir agora ou dentro de um ano para ter o direito de emitir CERs e oferecê-los por meio de leilões de vendas trimestrais, que são promovidos automaticamente mediante protocolo inteligente desenvolvido em blockchain. Para avaliar esse investimento, usamos a TOR que possibilita calcular o VPL da geradora, considerando tanto a incerteza quanto a flexibilidade administrativa relativa à opção de adiamento.

Considerando os parâmetros adotados e que o preço do CER do tipo token é uma função da demanda inversa sujeita a choques estocásticos, verificamos que o VPL da geradora é igual a US$ 22.144,70 caso não haja flexibilidade para postergar o investimento. Ao incluir a flexibilidade para adiar o investimento, verificamos que o VPL da geradora é igual a US$ 59.657,50. Portanto, a opção promoveu um crescimento de aproximadamente 169,40% em seu VPL.

Este estudo contribui com a compreensão da dinâmica do desempenho de produtos digitais com incerteza e com a ampliação da literatura sobre aplicações da tecnologia blockchain no mercado de energia renovável. Além disso, este estudo se mostra relevante e original, pois analisa investimentos com incerteza e flexibilidade da geradora de energia renovável em duas OADs diferentes. Esta pesquisa destaca, ainda, que métodos simples de precificação de opções podem auxiliar a tomada de decisão quando há incerteza e flexibilidade, possibilitando uma melhor estimação dessas oportunidades de investimento.

As trocas de mercado baseadas em TLD apresentam muitas vantagens em comparação com as trocas tradicionais, como total transparência, baixos custos de transação e acesso universal. O modelo proposto neste artigo mostra que a tecnologia TLD pode ser uma alternativa viável para basear incentivos para o crescimento de fontes renováveis ​​de energia.

As limitações desta pesquisa incluem o fato de ainda não haver dados suficientes disponíveis sobre transações de CERs no mercado, pois a série temporal do Instituto Totum (2018Instituto Totum. (2018).I-REC. https://www.institutototum.com.br/index.php/servicos/273-i-rec
https://www.institutototum.com.br/index....
) possui informações apenas para o período de 2014 a 2018. Além disso, neste estudo, consideramos uma única incerteza e apenas uma flexibilidade administrativa para adiar o investimento. As sugestões para futuros estudos incluem adicionar mais fontes de incerteza e analisar diferentes tipos de opções, como abandonar a plataforma.

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    Este é um texto bilíngue. Este artigo foi escrito originalmente no idioma inglês, publicado sob o DOI https://doi.org/10.1590/1808-057x20221582.en
  • Trabalho apresentado no 7º Encontro Latino-Americano de Economia da Energia, Buenos Aires, Argentina, março de 2019; na 23ª Conferência Internacional Anual sobre Opções Reais, Londres, Inglaterra, junho de 2019; e no XLIII Encontro da Anpad, São Paulo, SP, Brasil, outubro de 2019.
  • FINANCIAMENTO

    Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (bolsas 303908/2018-1, 406198/2018-7 e 131152/2018-1), à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) (bolsa E-26/202.868/2018) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) (bolsa PROJ - CAPES PRINT 1033427P) pelo apoio concedido para a realização desta pesquisa.

Apêndice

Figura A.1
Árvore binomial

Figura A.2
Árvore binomial com opção de adiamento

Editado por

Editor-Chefe:

Fábio Frezatti

Editora Associada:

Andrea Maria Accioly Fonseca Minardi

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    23 Nov 2021
  • Aceito
    23 Dez 2021
  • Aceito
    16 Ago 2022
Universidade de São Paulo, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Departamento de Contabilidade e Atuária Av. Prof. Luciano Gualberto, 908 - prédio 3 - sala 118, 05508 - 010 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (55 11) 2648-6320, Tel.: (55 11) 2648-6321, Fax: (55 11) 3813-0120 - São Paulo - SP - Brazil
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