Acessibilidade / Reportar erro

A relação entre o nível de especialização da dívida e a restrição financeira de empresas brasileiras no decorrer do tempo

RESUMO

Este artigo buscou analisar a evolução histórica, a composição e os determinantes da especialização de dívida de empresas brasileiras negociadas na Brasil, Bolsa, Balcão (B3), de 2004 a 2019, em termos agregados e de acordo com suas restrições financeiras. Este artigo difere-se dos poucos estudos neste tópico desenvolvidos no Brasil e em outros países por promover uma discussão acerca da especialização da estrutura de dívida em um contexto de restrições financeiras, uma vez que são uma característica relevante de mercados emergentes, como o brasileiro. A relevância deste estudo está em identificar que a especialização da dívida é um atributo apenas de empresas com restrição financeira, e não de empresas sem essas restrições. O impacto deste estudo está no melhor entendimento do motivo de empresas brasileiras estarem reduzindo sua especialização de dívida, diferente de outras evidências internacionais, como as estadunidenses. Foram estimadas estatísticas descritivas e regressões usando o método de probit e de tobit para 246 empresas brasileiras entre 2004 e 2019. O resultado principal é de que empresas com restrições financeiras são mais propensas a especializar sua estrutura de dívida. Apesar dessa propensão, essas empresas foram as que mais diminuíram sua especialização de dívida entre 2004 e 2019 (-27,77%), comparado ao restante da amostra (27,5%) e a empresas sem restrições (-19,48%), revelando um comportamento contrário ao do cenário estadunidense, no qual as empresas são cada vez mais especializadas.

Palavras-chave:
estrutura de dívida; especialização; restrição financeira; mercados emergentes

ABSTRACT

This article sought to analyze the historical evolution, the composition, and the determinants of debt specialization of Brazilian firms traded on Brasil, Bolsa, Balcão (B3) from 2004 to 2019 in aggregate terms and in accordance with their financial constraints. This paper differs from the few studies on this topic carried out in Brazil and in other countries by promoting a discussion on the specialization of the debt structure in a context of financial constraints, as they are a relevant idiosyncrasy of emerging markets, such as in Brazil. The relevance of the study is to identify that debt specialization is a feature of only of financially constrained firms and not of the financially unconstrained ones. The impact of the study lies in a better understanding of why Brazilian firms are reducing their debt specialization, unlike other international evidences, such as the U.S. Descriptive statistics and regressions were estimated using the probit and tobit methods for 246 Brazilian firms between 2004 and 2019. The main result is that financial constrained firms are more likely to specialize their debt structure. Despite this propensity, these companies were the ones that most decreased their debt specialization between 2004 and 2019 (-27.77%), compared to the general sample (-27.5%) and unconstrained firms (-19.48%), revealing a behavior contrary to the U.S. scenario in which companies are increasingly specialists.

Keywords:
debt structure; specialization; financial constraint; emerging market

1. INTRODUÇÃO

A maioria dos estudos sobre estrutura de capital lidam com a escolha da empresa entre capital próprio ou de terceiros para financiar suas atividades, mas essa decisão também envolve a opção pelo tipo de recurso de dívida a ser usado, ou seja, sua estrutura de dívida. Nesse sentido, ao analisar apenas os recursos de dívidas, a maioria dos estudos sobre estrutura de capital focam na construção de modelos teóricos, assim como no tratamento, considerando que essa fonte de capital é uniforme (formada por apenas um recurso) (Póvoa & Nakamura, 2014Póvoa, A. C. S., & Nakamura, W. T. (2014). Homogeneidade versus heterogeneidade da estrutura de dívida: um estudo com dados em painel. Revista Contabilidade & Finanças, 25(64), 19-32.; Rauh & Sufi, 2010Rauh, J. D., & Sufi, A. (2010). Capital structure and debt structure. The Review of Financial Studies, 23(12), 4242-4280.). Porém, de acordo com Colla et al. (2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141.), a estrutura de dívida não é uniforme, e, consequentemente, nenhuma estrutura de capital é adequada para explicar a hetergeneidade da dívida.

Dessa forma, Rauh e Sufi (2010Rauh, J. D., & Sufi, A. (2010). Capital structure and debt structure. The Review of Financial Studies, 23(12), 4242-4280.) demonstraram que os estudos tradicionais sobre estrutura de capital, que ignoram a estrutura de dívida, perdem uma variação substancial na estrutura de capital. Assim, ao tratar a dívida como uniforme, ignoram-se alguns aspectos, como fonte dos recursos, maturidade da dívida, custos de transação, incentivos gerenciais, assimetria da informação, entre outros; mas eles são potencialmente relevantes para entender como as empresas estruturam suas dívidas (Lou & Otto, 2020Lou, Y., & Otto, A. (2020). Debt heterogeneity and covenants. Management Science, 66(1), 70-92.; Póvoa & Nakamura, 2014Póvoa, A. C. S., & Nakamura, W. T. (2014). Homogeneidade versus heterogeneidade da estrutura de dívida: um estudo com dados em painel. Revista Contabilidade & Finanças, 25(64), 19-32.; Rauh & Suffi, 2010Rauh, J. D., & Sufi, A. (2010). Capital structure and debt structure. The Review of Financial Studies, 23(12), 4242-4280.).

Póvoa e Nakamura (2014Póvoa, A. C. S., & Nakamura, W. T. (2014). Homogeneidade versus heterogeneidade da estrutura de dívida: um estudo com dados em painel. Revista Contabilidade & Finanças, 25(64), 19-32.) e Tarantin e Valle (2015Tarantin, W., Jr., & Valle, M. R. (2015). Estrutura de capital: o papel das fontes de financiamento nas quais companhias abertas brasileiras se baseiam. Revista Contabilidade & Finanças, 26(69), 331-344.) são os pioneiros nos estudos de especialização da estrutura de dívida no Brasil. Todavia, não há estudos no Brasil, até onde foi identificado, que revelem a evolução da estrutura de dívida, assim como se há alguma tendência a respeito de maior ou menor especialização no decorrer do tempo. Ainda, os achados de Colla et al. (2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141.) de que empresas mais restritas tendem a se especializar (concentrando-se em uma ou duas fontes de dívida) não foram verificados na literatura brasileira. Entende-se que esse fator (restrição financeira) no Brasil pode influenciar significativamente o comportamento das empresas em relação à formação da estrutura de dívida corporativa, diferenciando este estudo de outros, como Eça e Albanez (2022Eça, J. P. A., & Albanez, T. (2022). A heterogeneidade da estrutura de dívida reduz o custo de capital? Revista Contabilidade & Finanças, 33(90), Article e1428.), Póvoa e Nakamura (2014Póvoa, A. C. S., & Nakamura, W. T. (2014). Homogeneidade versus heterogeneidade da estrutura de dívida: um estudo com dados em painel. Revista Contabilidade & Finanças, 25(64), 19-32.) e Tarantin e Valle (2015Tarantin, W., Jr., & Valle, M. R. (2015). Estrutura de capital: o papel das fontes de financiamento nas quais companhias abertas brasileiras se baseiam. Revista Contabilidade & Finanças, 26(69), 331-344.). Esse argumento baseia-se no fato de que uma economia emergente tem características institucionais diferentes, como altas taxas de interesse, menor proteção legal para investidores e alta concentração de controle, menor nível de desenvolvimento financeiro, entre outras, o que provavelmente diminui a vontade dos investidores de prover recursos e aumentar custos associados a financiamento externo e às garantias exigidas para tomada de empréstimos (Dyck & Zingales, 2004Dyck, A., & Zingales, L. (2004). Private benefits of control: An international comparison. Journal of Finance, 59(2), 537-600.; La Porta et al., 1998La Porta, R., Lopez-de-Silanes, F., Shleifer, A., & Vishny, R. W. (1998). Law and finance. Journal of Political Economy, 106(6), 1113-1155.).

Assim, este estudo justifica-se pela inovação ao associar restrições financeiras e estrutura de dívida em empresas brasileiras; é importante considerar as restrições na habilidade da empresa de alcançar sua estrutura de dívida desejada (Colla et al., 2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141., 2020Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2020). Debt structure. Annual Review of Financial Economics, 12, 193-215.). Nesse contexto, esta pesquisa tem por objetivo analisar a evolução histórica, a composição e os determinantes da especialização de dívida de empresas brasileiras em uma forma agregada e condicionada às suas restrições financeiras.

Com base na literatura referenciada, a principal hipótese deste estudo é a de que empresas brasileiras com restrição financeira (sem avaliação de crédito) têm um grau maior de especialização de dívida no decorrer do tempo, composto principalmente de empréstimos, já que elas não têm acesso à variedade de produtos disponíveis nos mercados financeiro e de capitais. Para esse propósito, foram estimados os modelos de regressão probit e tobit, nos quais a variável dependente é representada pelo índice Herfindahl-Hirschman (IHH), que mede a especialização de dívida de empresas brasileiras de sete tipos de dívida diferentes, como commercial papers, crédito rotativo, títulos de dívida sênior, títulos de dívida subordinada, dívida bancária, leasing financeiro e outros. Analisaram-se 246 empresas brasileiras de capital aberto presentes na base de dados do Capital IQ, de 2004 a 2019.

Resumindo, os resultados indicam alguns padrões: primeiro, identificou-se que empresas brasileiras com restrições estão mais propensas à especialização de dívida. Também foi identificado que empresas com restrições dependem mais exclusivamente de um único tipo de dívida, uma vez que ao menos 37% dessas empresas têm 99% de suas dívidas dependentes de um único tipo, enquanto apenas 5% das empresas sem restrições têm essa dependência. Tal resultado das empresas sem restrições apresenta um cenário completamente diferente para o contexto brasileiro, porque revela que a dependência de empresas estadunidenses é, ao menos, quatro vezes maior que a dependência de empresas brasileiras, considerando esse limite. Portanto, diferente do cenário estadunidense, empresas brasileiras sem restrições não são especializadas em dívida.

Em segundo lugar, ao analisar a evolução histórica (ao longo do tempo) da estrutura de dívida, assim como dos tipos de dívida, podem-se identificar tendências e assuntos não revelados na literatura em empresas brasileiras. Entre 2004 e 2018, empresas brasileiras, em geral e financeiramente restritas e não restritas, diminuíram sua especialização de dívida em 27,5%, 27,77% e 19,48%, respectivamente. Esse resultado diverge daquele exposto recentemente por Colla et al. (2020Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2020). Debt structure. Annual Review of Financial Economics, 12, 193-215.), no qual revelam que empresas estadunidenses aumentaram sua especialização de dívida no decorrer do tempo (9,85%).

Assim, enquanto empresas estadunidenses tendem a aumentar sua especialização de dívida, empresas brasileiras diminuíram sua especialização. Então, as empresas brasileiras que mais reduziram sua especialização eram restritas financeiramente, mas, apesar dessa queda significante, empresas brasileiras restritas continuam a ser mais especializadas que seus pares não restritos. Esse resultado justifica-se porque a busca por fontes de crédito diferentes por empresas restritas beneficia seu custo de capital, assim como as torna menos dependente das condições estabelecidas por seus credores (Eça & Albanez, 2022Eça, J. P. A., & Albanez, T. (2022). A heterogeneidade da estrutura de dívida reduz o custo de capital? Revista Contabilidade & Finanças, 33(90), Article e1428.; Platikanova & Soonawalla, 2020Platikanova, P., & Soonawalla, K. (2020). Who monitors opaque borrowers? Debt specialisation, institutional ownership, and information opacity. Accounting & Finance, 60(2), 1867-1904.). Assim, procurar fontes de crédito diferentes pode ser uma maneira de afrouxar as restrições financeiras enfrentadas no mercado brasileiro, como altas taxas de interesse.

Em terceiro lugar, a respeito da composição de dívida de empresas brasileiras, em média, foi identificado que a estrutura de dívida é voltada principalmente pela alta representação da dívida bancária (69%), por títulos de dívida sênior (22%) e por leasing financeiro (7%). Em 2004, tanto empresas restritas quanto não restritas dependiam primariamente de dívida bancária (92% e 87%) com um complemento de títulos de dívida sênior (7% e 13%). Em 2019, pelo contrário, empresas com restrição financeira dependiam muito menos de dívidas bancárias, contabilizadas para apenas 42% delas, seguidas por títulos de dívida sênior (33%) e leasing financeiro (23%). Títulos de dívida sênior tornaram-se mais relevantes apenas em 2018, enquanto o leasing financeiro provou-se uma fonte alternativa de dívida durante a crise financeira de 2008.

Resumindo, as regressões confirmam que empresas brasileiras restritas financeiramente (sem avaliação de crédito) são mais propensas à especialização de dívida. Da mesma forma, as empresas brasileiras que têm assimetria informacional [gastos menores no Research and Development (R&D) - gastos em R&D eram usados como uma proxy para assimetrias informacionais, como sugerido por Colla et al. (2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141.)], maiores custos de falência esperada [mais volátil em termos de fluxo de caixa - fluxo de caixa volátil foi uma proxy usada para custos de falência, como sugerido por Colla et al. (2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141.)], poucas oportunidades de investimento e aquelas que não pagam dividendos tendem a especializar a sua composição de dívida. Outros determinantes (tangibilidade e rentabilidade) não demostraram significância estatística.

Além disso, testaram-se duas outras hipóteses para os determinantes da estrutura de dívida, relacionando-os à restrição financeira. A primeira hipótese testada era se empresas brasileiras com restrição financeira são mais suscetíveis a ter uma alta especialização de dívida quando a assimetria da informação é alta. Não foi encontrado nenhum resultado que corroborasse essa hipótese, já que empresas brasileiras com restrições financeiras são mais suscetíveis a ter uma alta especialização de dívida quando a assimetria da informação é baixa. A segunda hipótese testou se empresas brasileiras com restrição financeira são mais suscetíveis a ter uma alta especialização de dívida quando os custos de falência esperada são altos. Foram encontrados resultados que corroboram essa hipótese.

Para melhor desenvolvimento deste estudo, este artigo está dividido em cinco seções, incluindo esta introdução. A seção 2 apresenta a estrutura de dívida e a restrição financeira, a seção 3 traz os aspectos metodológicos, a seção 4 traz a análise dos resultados e, finalmente, a seção 5 apresenta as conclusões, assim como as considerações e limitações principais desta pesquisa.

2. ESTRUTURA DE DÍVIDA E RESTRIÇÃO FINANCEIRA

A maioria dos estudos que lidam com estrutura de capital ainda consideram a estrutura de dívida uma fonte uniforme de recursos, mas há um grupo internacional (Colla et al., 2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141., 2020Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2020). Debt structure. Annual Review of Financial Economics, 12, 193-215.; Khan et al., 2021Khan, K. I., Qadeer, F., Mata, M. N., Chavaglia, J. A., Neto, Sbir, Q.U.A., Martins, J. N., & Filipe, J. A. (2021). Core predictors of debt specialization: A new insight to optimal capital structure. Mathematics, 9(9), 975.; Platikanova & Soonawalla, 2020Platikanova, P., & Soonawalla, K. (2020). Who monitors opaque borrowers? Debt specialisation, institutional ownership, and information opacity. Accounting & Finance, 60(2), 1867-1904.; Rauh & Sufi, 2010Rauh, J. D., & Sufi, A. (2010). Capital structure and debt structure. The Review of Financial Studies, 23(12), 4242-4280.) e um (restrito) grupo brasileiro de pesquisa teórica que reconhece a heterogeneidade da dívida e procura entender as razões para isso (Eça & Albanez, 2022Eça, J. P. A., & Albanez, T. (2022). A heterogeneidade da estrutura de dívida reduz o custo de capital? Revista Contabilidade & Finanças, 33(90), Article e1428.; Lucinda & Saito, 2005Lucinda, C. R., & Saito, R. (2005). A composição do endividamento das empresas brasileiras de capital aberto: um estudo empírico. Revista Brasileira de Finanças, 3(2), 173-193.; Póvoa & Nakamura, 2014Póvoa, A. C. S., & Nakamura, W. T. (2014). Homogeneidade versus heterogeneidade da estrutura de dívida: um estudo com dados em painel. Revista Contabilidade & Finanças, 25(64), 19-32.).

Rauh e Sufi (2010Rauh, J. D., & Sufi, A. (2010). Capital structure and debt structure. The Review of Financial Studies, 23(12), 4242-4280.) são os primeiros a identificar a estrutura de dívida como uma dimensão importante da escolha geral de estrutura de capital. Esses autores forneceram um número de novos insights às decisões de estrutura de capital, reconhecendo que as empresas usam simultaneamente diferentes tipos, fontes e prioridades de dívida. Para isso, Rauh e Sufi (2010) montaram uma amostra de 305 empresas no período de 1996 a 2006 e usaram a motivação teórica de que quase 70% das observações de sua amostra englobaram uma estrutura de dívida de, pelo menos, dois tipos.

De qualquer modo, Rauh e Sufi (2010Rauh, J. D., & Sufi, A. (2010). Capital structure and debt structure. The Review of Financial Studies, 23(12), 4242-4280.) foram criticados por Colla et al. (2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141.) por apresentarem resultados enviesados, porque a amostra utilizada não era representativa da população de empresas estadunidenses [Rauh e Sufi (2010Rauh, J. D., & Sufi, A. (2010). Capital structure and debt structure. The Review of Financial Studies, 23(12), 4242-4280.) não consideraram empresas não avaliadas]. Nesse sentido, seguindo a proposta de Colla et al. (2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2020). Debt structure. Annual Review of Financial Economics, 12, 193-215.) e de Rauh e Sufi (2010Rauh, J. D., & Sufi, A. (2010). Capital structure and debt structure. The Review of Financial Studies, 23(12), 4242-4280.), buscou-se examinar a estrutura de dívida empregada por empresas de capital aberto nos Estados Unidos da América, usando uma base de dados ampla, totalizando 3.296 empresas para o período de 2002 a 2009.

Por meio do IHH, os autores descobriram que 85% das empresas da amostra têm sua estrutura composta predominantemente por um tipo de dívida, mostrando, assim, uma tendência notável para a especialização. Além disso, os autores identificaram que a heterogeneidade da dívida, ou seja, o uso paralelo de diferentes tipos de financiamento, é uma característica presente em empresas com alta classificação de crédito (não restritas).

Recentemente, Colla et al. (2020Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2020). Debt structure. Annual Review of Financial Economics, 12, 193-215.) atualizaram sua pesquisa e estenderam-na para um período mais longo, para identificar como a estrutura de dívida evoluiu no decorrer do tempo. Além de confirmarem os resultados observados em Colla et al. (2013), os autores mostraram que, nos últimos 20 anos, mais de 75% das empresas estadunidenses tomaram empréstimos exclusivamente por meio de um instrumento de dívida. Analisando a especialização de dívida por meio do IHH, Colla et al. (2020Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2020). Debt structure. Annual Review of Financial Economics, 12, 193-215.) encontraram indícios de que o índice subiu de 0,71 em 2002 para 0,75 em 2018, sendo que esse crescimento ocorreu principalmente após a crise do subprime.

No cenário brasileiro, buscando trazer luz à composição de dívida, Póvoa e Nakamura (2014Póvoa, A. C. S., & Nakamura, W. T. (2014). Homogeneidade versus heterogeneidade da estrutura de dívida: um estudo com dados em painel. Revista Contabilidade & Finanças, 25(64), 19-32.) mostraram que seus resultados corroboraram os de Colla et al. (2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141.), isto é, de que ambos os padrões de dívida (especialização e diversificação) podem ser encontrados entre empresas que operam no Brasil. Porém, quando comparando os estudos, resultados diferentes podem ser observados, o que destaca as diferenças e peculiaridades entre os países. Colla et al. (2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141.) identificaram que aproximadamente 85% das empresas buscam se especializar em um tipo de dívida. Todavia, Póvoa e Nakamura (2014Póvoa, A. C. S., & Nakamura, W. T. (2014). Homogeneidade versus heterogeneidade da estrutura de dívida: um estudo com dados em painel. Revista Contabilidade & Finanças, 25(64), 19-32.) mostraram que, para as empresas brasileiras, apenas 33,33% (IHH > 0,7) procuram especializar sua estrutura de dívida.

Por outro lado, empresas que têm uma estrutura de dívida heterogênea (66,67% da amostra) foram divididas entre fortemente diversificadas, as quais usam, em média, 3,8 fontes de fundos simultaneamente (0 < IHH < 0,4), e debilmente diversificadas, usando, em média, 1,2 recurso de fundos (0,4 < IHH < 0,7). Esse padrão se confirmou posteriormente pelos estudos de Eça e Albanez (2022Eça, J. P. A., & Albanez, T. (2022). A heterogeneidade da estrutura de dívida reduz o custo de capital? Revista Contabilidade & Finanças, 33(90), Article e1428.), que encontraram uma média IHH de 0,65 para empresas brasileiras (< 0,70).

Outra diferença entre os cenários brasileiro e estadunidense pode estar relacionada à especificação de tipologias de dívida. Por muitos anos, empréstimos bancários foram vistos como a única alternativa aos títulos de dívida. A principal diferença entre esses dois instrumentos é a capacidade superior dos bancos, em relação aos investidores de títulos, em proteger os tomadores de empréstimo e em lidar com renegociações de dívidas (Colla et al., 2020Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2020). Debt structure. Annual Review of Financial Economics, 12, 193-215.).

Da perspectiva de um tomador de empréstimo, o conflito na escolha entre dívida bancária e financiamento por título de dívida é o fato de que intermediários reorganizam empresas mais eficientemente do que investidores sem interferência, mas esses têm um menor custo de capital oportuno do que os primeiros. Logo, diferentes credores dominam em diferentes nichos. Um tomador de alta qualidade prefere tocar diretamente o mercado de créditos, já que é improvável que o tomador fique inadimplente, desejando apenas evitar um intermediário custoso; entretanto, um tomador com prospecções mais pobres tem mais chances de se beneficiar das habilidades de reorganização de intermediários e, por isso, toma emprestado de bancos (Colla et al., 2020Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2020). Debt structure. Annual Review of Financial Economics, 12, 193-215.).

Nos Estados Unidos da América, no decorrer do tempo, aproximadamente 60% das empresas contam com títulos de dívidas para o financiamento, e a razão media da amostra de títulos de dívidas em relação à dívida total, em 2002, foi 35%, enquanto em 2018 foi 38% (Colla et al., 2020Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2020). Debt structure. Annual Review of Financial Economics, 12, 193-215.). A respeito dos empréstimos bancários, em 2002 era 17% e, em 2018, era 18,68% (Colla et al., 2020Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2020). Debt structure. Annual Review of Financial Economics, 12, 193-215.).

De todo modo, a realidade brasileira evidenciada por Eça e Albanez (2022Eça, J. P. A., & Albanez, T. (2022). A heterogeneidade da estrutura de dívida reduz o custo de capital? Revista Contabilidade & Finanças, 33(90), Article e1428.) e Póvoa e Nakamura (2014Póvoa, A. C. S., & Nakamura, W. T. (2014). Homogeneidade versus heterogeneidade da estrutura de dívida: um estudo com dados em painel. Revista Contabilidade & Finanças, 25(64), 19-32.) aponta que a principal fonte de crédito vem de bancos, seguida de títulos corporativos e dívida subsidiada. Essa diferença pode ser considerada esperada, dado que o Brasil é um país com baixo desenvolvimento no mercado de capitais, com dependência bancária, opções de crédito limitadas e altas taxas de interesse (Boot & Thakor, 1997Boot, A. W. A., & Thakor, A. (1997). Financial system architecture. Review of Financial Studies, 10(3), 693-733.).

De agora em diante, a maior parte desses estudos, ao explorarem a estrutura de dívida, não testam fatores candidatos ou modelos teóricos para explicar (determinantes) a especialização/diversificação da dívida. A respeito dos determinantes, de acordo com Lucinda e Saito (2005Lucinda, C. R., & Saito, R. (2005). A composição do endividamento das empresas brasileiras de capital aberto: um estudo empírico. Revista Brasileira de Finanças, 3(2), 173-193.), o reconhecimento teórico da heterogeneidade e os determinantes da formação de dívida desenrolaram-se em três linhas gerais.

A primeira delas enfatiza as restrições financeiras, a segunda enfatiza o papel da assimetria informacional e do risco moral, e a Terceira enfatiza o papel da eficiência no processo de liquidação em caso de insolvência. Este estudo foi desenvolvido em torno da influência da restrição financeira na estrutura de dívida, porque entende-se que esse fato no Brasil pode influenciar significativamente o comportamento de empresas a respeito da formação da estrutura de dívida corporativa.

Esse argumento baseia-se no fato de que uma economia emergente e com características institucionais diferentes - como altas taxas de interesse (agravando os problemas decorrentes da assimetria informacional entre agentes), menor proteção legal para investidores e alta concentração de controle, menor nível de desenvolvimento financeiro, entre outras, o que provavelmente diminui a disposição de investidores para prover recursos -, aumenta os custos associados a financiamento externo e as garantias requeridas para tomar empréstimos (Dyck & Zingales, 2004Dyck, A., & Zingales, L. (2004). Private benefits of control: An international comparison. Journal of Finance, 59(2), 537-600.; La Porta et al., 1998La Porta, R., Lopez-de-Silanes, F., Shleifer, A., & Vishny, R. W. (1998). Law and finance. Journal of Political Economy, 106(6), 1113-1155.).

A partir disso, restrições financeiras podem influenciar empresas a se especializar em tipos de dívidas menos onerosos. Para testar essa hipótese, Colla et al. (2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141.) apontaram que empresas com acesso sem restrição ao capital deveriam exibir um grau mais baixo de especialização de dívida, enquanto empresas com acesso restrito ao capital deveriam ter um grau maior de especialização de dívida. Quando testaram esse último fator, Colla et al. (2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141.) usaram a classificação de crédito de empresas como medida de restrição financeira, já que se as empresas tiverem essa classificação de crédito, isso alivia assimetrias informacionais, dados o monitoramento realizado pelas agências de classificação de crédito e a cobertura pelos analistas de mercado, o que divulga informações aos mercados de capitais.

Portanto, baseado no que já foi discutido até aqui, empresas brasileiras com restrições financeiras tendem a especializar sua estrutura de dívida (Colla et al., 2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141.), cuja dívida de banco é a principal opção para sua composição, dado seu histórico (Eça & Albanez, 2022Eça, J. P. A., & Albanez, T. (2022). A heterogeneidade da estrutura de dívida reduz o custo de capital? Revista Contabilidade & Finanças, 33(90), Article e1428.; Póvoa & Nakamura, 2014Póvoa, A. C. S., & Nakamura, W. T. (2014). Homogeneidade versus heterogeneidade da estrutura de dívida: um estudo com dados em painel. Revista Contabilidade & Finanças, 25(64), 19-32.), assim como sua propensão a precisar de monitoramento (Boot & Thakor, 1997Boot, A. W. A., & Thakor, A. (1997). Financial system architecture. Review of Financial Studies, 10(3), 693-733.; Diamond, 1991Diamond, D. W. (1991). Monitoring and reputation: The choice between bank loans and directly placed debt. Journal of Political Economy, 99(4), 689-621.). Baseado nisso, a primeira hipótese foi formulada, a qual será testada nesta pesquisa.

H1: empresas brasileiras com restrições financeiras têm um maior grau de especialização de dívida no decorrer do tempo - elas são especializadas e compõem sua estrutura de dívida em alguns tipos, especialmente empréstimos - já que elas não têm acesso à multiplicidade de produtos disponíveis nos mercados financeiro e de capitais.

Além da restrição financeira, a literatura aponta para outros determinantes como possíveis fatores que podem influenciar a especialização de dívida de empresas. O segundo refere-se ao papel da assimetria informacional. Esse fator é baseado nos achados de Diamond (1991Diamond, D. W. (1991). Monitoring and reputation: The choice between bank loans and directly placed debt. Journal of Political Economy, 99(4), 689-621.), que argumenta que quanto maior a assimetria informacional, maiores as tendências de especialização do endividamento, principalmente por alocações privadas de dívida. Recentemente, esse resultado também foi evidenciado por Platikanova e Soonawalla (2020Platikanova, P., & Soonawalla, K. (2020). Who monitors opaque borrowers? Debt specialisation, institutional ownership, and information opacity. Accounting & Finance, 60(2), 1867-1904.).

De acordo com Diamond (1991Diamond, D. W. (1991). Monitoring and reputation: The choice between bank loans and directly placed debt. Journal of Political Economy, 99(4), 689-621.), tomadores de empréstimo inicialmente procuram empréstimos de bancos, mas depois podem tomar diretamente, sem usar um intermediário, no qual o registro de crédito adquirido, quando monitorado por um banco, serve para prever o comportamento futuro do tomador de empréstimo quando não for monitorado. Portanto, se o risco moral for suficientemente dominante (alta assimetria informacional), novos tomadores de empréstimo começarão a adquirir sua reputação sendo monitorados por bancos e, depois, começarão a tomar empréstimo diretamente (dívida pública) (Lucinda & Saito, 2005Lucinda, C. R., & Saito, R. (2005). A composição do endividamento das empresas brasileiras de capital aberto: um estudo empírico. Revista Brasileira de Finanças, 3(2), 173-193.).

Platikanova e Soonawalla (2020Platikanova, P., & Soonawalla, K. (2020). Who monitors opaque borrowers? Debt specialisation, institutional ownership, and information opacity. Accounting & Finance, 60(2), 1867-1904.) reforçam que empresas com baixa qualidade de contrair informações financeiras aumentam sua assimetria informacional para contrair dívidas, justificando, portanto, o acesso restrito aos mercados de dívida, aos maiores prêmios de risco, aos termos de contrato mais restritivos e à especialização de dívida. Como mencionado anteriormente, e de acordo com Stiglitz e Weiss (1981Stiglitz, J, E. , & Weiss, A. (1981). Credit rationing in markets with imperfect information. The American Economic Review, 71(3), 393-410.), a existência de assimetrias informacionais entre indivíduos pode causar e intensificar as restrições financeiras; uma vez que credores colocam sua taxa de interesse em empréstimos, uma possível demanda excessiva não será corrigida por uma mudança positive no preço (aumento da taxa de interesse), tornando tomadores de empréstimo inaptos a obterem o volume de crédito desejado.

Então, explorou-se a relação entre restrições financeiras e o grau de especialização de dívida quando isso é condicionado pela presença de assimetria informacional, i.e., empresas brasileiras com restrições financeiras são mais propensas a ter alta especialização de dívida quando sua assimetria informacional for maior. Apresenta-se a hipótese a seguir.

H2: empresas brasileiras com restrições financeiras e com grande assimetria informacional tendem a especializar sua estrutura de dívida.

Enfim, o último determinante refere-se ao papel da liquidação baseado nos resultados de Hart (1995Hart, O. (1995). Firms, contracts, and financial structure. Clarendon Press.). O autor analisou os altos custos associados a uma eventual liquidação, decorrente da escolha entre alocamentos privados de dívida em relação a ofertas públicas. De acordo com Myers e Rajan (1998Myers, J., & Rajan, R. G. (1998). The paradox of liquidity. The Quarterly Journal of Economics, 113(3), 733-771.), os bancos têm uma habilidade melhor de lidar com empresas em estresse financeiro, assim como com a necessidade de tomar decisões entre forçar a liquidação da empresa ou a renegociação de suas dívidas. Assim, há uma relação direta entre a propensão à liquidação da empresa (com maiores custos de falência esperados) e a especialização da dívida para reduzir os custos de renegociação associados com credores múltiplos (Colla et al., 2020Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2020). Debt structure. Annual Review of Financial Economics, 12, 193-215.; Khan et al., 2021Khan, K. I., Qadeer, F., Mata, M. N., Chavaglia, J. A., Neto, Sbir, Q.U.A., Martins, J. N., & Filipe, J. A. (2021). Core predictors of debt specialization: A new insight to optimal capital structure. Mathematics, 9(9), 975.), assim como para maximizar o valor de sua liquidação.

Então, explorou-se a relação entre restrições financeiras e o grau de especialização de dívida quando está condicionado aos custos de falência esperados, i.e., empresas brasileiras com restrição financeira são mais suscetíveis a terem alta especialização de dívida quando os custos de falência esperados são altos. Apresenta-se a hipótese a seguir.

H3: empresas brasileiras com restrição financeira e altos custos de falência tendem a especializar sua estrutura de dívida.

Por fim, na evidência empírica sobre especialização de dívida das empresas, as variáveis idade, tamanho, market-to-book, alavancagem, dividendos e rentabilidade são geralmente incluídas como determinantes (variáveis de controle) (Colla et al., 2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141.; Khan et al., 2021Khan, K. I., Qadeer, F., Mata, M. N., Chavaglia, J. A., Neto, Sbir, Q.U.A., Martins, J. N., & Filipe, J. A. (2021). Core predictors of debt specialization: A new insight to optimal capital structure. Mathematics, 9(9), 975.; Póvoa & Nakamura, 2014Póvoa, A. C. S., & Nakamura, W. T. (2014). Homogeneidade versus heterogeneidade da estrutura de dívida: um estudo com dados em painel. Revista Contabilidade & Finanças, 25(64), 19-32.). De acordo com Khan et al. (2021Khan, K. I., Qadeer, F., Mata, M. N., Chavaglia, J. A., Neto, Sbir, Q.U.A., Martins, J. N., & Filipe, J. A. (2021). Core predictors of debt specialization: A new insight to optimal capital structure. Mathematics, 9(9), 975.) e Póvoa e Nakamura (2014Póvoa, A. C. S., & Nakamura, W. T. (2014). Homogeneidade versus heterogeneidade da estrutura de dívida: um estudo com dados em painel. Revista Contabilidade & Finanças, 25(64), 19-32.), idade é considerada um sinal de reputação significativo no mercado e pode reduzir alguns problemas de agência, assimetrias informacionais e custos de estresse financeiro (Khan et al., 2021Khan, K. I., Qadeer, F., Mata, M. N., Chavaglia, J. A., Neto, Sbir, Q.U.A., Martins, J. N., & Filipe, J. A. (2021). Core predictors of debt specialization: A new insight to optimal capital structure. Mathematics, 9(9), 975.). Como resultado, essas empresas podem acessar diferentes tipos de dívida, aumentando sua diversificação.

Outro determinante é o tamanho, sendo esperado que empresas de maior porte diversifiquem sua estrutura de dívida, dado que elas têm acesso maior a diferentes tipos (como títulos de dívidas), resultando em menor propensão à inadimplência (Colla et al., 2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141.; Khan et al., 2021Khan, K. I., Qadeer, F., Mata, M. N., Chavaglia, J. A., Neto, Sbir, Q.U.A., Martins, J. N., & Filipe, J. A. (2021). Core predictors of debt specialization: A new insight to optimal capital structure. Mathematics, 9(9), 975.). A estrutura de dívida também pode ser determinada por suas oportunidades de investimento (market-to-book); porém, não há consenso na literatura a respeito desse tópico. De acordo com Colla et al. (2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141.) e Khan et al. (2021Khan, K. I., Qadeer, F., Mata, M. N., Chavaglia, J. A., Neto, Sbir, Q.U.A., Martins, J. N., & Filipe, J. A. (2021). Core predictors of debt specialization: A new insight to optimal capital structure. Mathematics, 9(9), 975.), empresas com melhores oportunidades de crescimento podem especializar as fontes de dívidas tendo por justificativa a alta percepção de risco, tornando difícil o acesso a fontes de financiamento diversificadas. Por outro lado, Póvoa e Nakamura (2014Póvoa, A. C. S., & Nakamura, W. T. (2014). Homogeneidade versus heterogeneidade da estrutura de dívida: um estudo com dados em painel. Revista Contabilidade & Finanças, 25(64), 19-32.) apontam que empresas brasileiras (mercado emergente), as quais têm melhores oportunidades de crescimento, precisam de maiores níveis de endividamento, favorecendo a heterogeneidade na estrutura de dívida.

O outro determinante são os dividendos. De acordo com Colla et al. (2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141.) e Khan et al. (2021Khan, K. I., Qadeer, F., Mata, M. N., Chavaglia, J. A., Neto, Sbir, Q.U.A., Martins, J. N., & Filipe, J. A. (2021). Core predictors of debt specialization: A new insight to optimal capital structure. Mathematics, 9(9), 975.), eles têm impacto positive na especialização de dívida, porque as empresas que pagam mais dividendos sinalizam solvência ao mercado, assim como menores conflitos de agência, assim reduzindo assimetrias informacionais, o que permite maior diversificação de suas fontes de dívida. Por fim, estudos anteriores evidenciaram resultados ambíguos sobre rentabilidade. Enquanto Khan et al. (2021) identificaram que empresas rentáveis geralmente usam estruturas de dívida diversificadas, Colla et al. (2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141.) e Póvoa e Nakamura (2014Póvoa, A. C. S., & Nakamura, W. T. (2014). Homogeneidade versus heterogeneidade da estrutura de dívida: um estudo com dados em painel. Revista Contabilidade & Finanças, 25(64), 19-32.) mostraram que elas são mais suscetíveis a usar estruturas de dívida especializadas.

Todos esses determinantes, os principais (restrições financeiras, assimetria informacional e custos de falência esperados) e os de controle (idade, tamanho, market-to-book, alavancagem, dividendos e rentabilidade), vêm da inter-relação de modelos teóricos de Diamond (1991Diamond, D. W. (1991). Monitoring and reputation: The choice between bank loans and directly placed debt. Journal of Political Economy, 99(4), 689-621.) e Hart (1995Hart, O. (1995). Firms, contracts, and financial structure. Clarendon Press.) e da evidência empírica de Colla et al. (2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141., 2020Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2020). Debt structure. Annual Review of Financial Economics, 12, 193-215.), Eça e Albanez (2022Eça, J. P. A., & Albanez, T. (2022). A heterogeneidade da estrutura de dívida reduz o custo de capital? Revista Contabilidade & Finanças, 33(90), Article e1428.), Khan et al. (2021Khan, K. I., Qadeer, F., Mata, M. N., Chavaglia, J. A., Neto, Sbir, Q.U.A., Martins, J. N., & Filipe, J. A. (2021). Core predictors of debt specialization: A new insight to optimal capital structure. Mathematics, 9(9), 975.), Platikanova e Soonawalla (2020Platikanova, P., & Soonawalla, K. (2020). Who monitors opaque borrowers? Debt specialisation, institutional ownership, and information opacity. Accounting & Finance, 60(2), 1867-1904.) e Póvoa e Nakamura (2014Póvoa, A. C. S., & Nakamura, W. T. (2014). Homogeneidade versus heterogeneidade da estrutura de dívida: um estudo com dados em painel. Revista Contabilidade & Finanças, 25(64), 19-32.).

3. ASPECTOS METODOLÓGICOS

Para analisar a evolução histórica, a composição e os determinantes da especialização de dívida das empresas brasileiras negociadas na B3 de acordo com suas restrições financeiras, foi feita uma pesquisa descritiva baseada em métodos quantitativos. Dados básicos relacionados ao balanço patrimonial, às demonstrações de resultado e à estrutura de dívida foram tirados do Capital IQ, e os dados referentes à oferta pública inicial (Initial Public Offering - IPO) e à classificação de crédito foram fornecidos pelo Laboratório de Finanças e Risco (RiskFinLab) da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária, da Universidade de São Paulo.

O Capital IQ divide a dívida total em sete tipos mutuamente excludentes, como se segue: (i) papéis comerciais (PC - emissão de curto prazo por empresas de grande porte); (ii) crédito rotativo (CR - dívida de curto prazo para gerenciamento de carência de liquidez corporativa) (Colla et al., 2020Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2020). Debt structure. Annual Review of Financial Economics, 12, 193-215.); (iii) títulos de dívida sênior (TDSe - levantar fundos por meio de emissão de dívidas corporativas seniores, com alocamento público e privado) (Póvoa & Nakamura, 2014Póvoa, A. C. S., & Nakamura, W. T. (2014). Homogeneidade versus heterogeneidade da estrutura de dívida: um estudo com dados em painel. Revista Contabilidade & Finanças, 25(64), 19-32.; Rauh & Sufi, 2010Rauh, J. D., & Sufi, A. (2010). Capital structure and debt structure. The Review of Financial Studies, 23(12), 4242-4280.); (iv) títulos de dívida subordinada (TDSu - levantar fundos por meio de emissão de dívidas, com alocamento público e privado) (Póvoa & Nakamura, 2014Póvoa, A. C. S., & Nakamura, W. T. (2014). Homogeneidade versus heterogeneidade da estrutura de dívida: um estudo com dados em painel. Revista Contabilidade & Finanças, 25(64), 19-32.; Rauh & Sufi, 2010Rauh, J. D., & Sufi, A. (2010). Capital structure and debt structure. The Review of Financial Studies, 23(12), 4242-4280.); (v) dívida bancária (DB - fundos levantados por meio dessa fonte vêm dos bancos) (Colla et al., 2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141.; Póvoa & Nakamura, 2014Póvoa, A. C. S., & Nakamura, W. T. (2014). Homogeneidade versus heterogeneidade da estrutura de dívida: um estudo com dados em painel. Revista Contabilidade & Finanças, 25(64), 19-32.); (vi) leasing financeiro (LF - inclui todas as formas de contratos de leasing, os quais tomam o ativo financiado como garantia para o negócio (Póvoa & Nakamura, 2014Póvoa, A. C. S., & Nakamura, W. T. (2014). Homogeneidade versus heterogeneidade da estrutura de dívida: um estudo com dados em painel. Revista Contabilidade & Finanças, 25(64), 19-32.); e (vii) outros (O - fontes não classificáveis entre as expostas pelo Capital IQ (Colla et al., 2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141.).

A amostra refere-se a empresas com ações negociadas na B3, cobrindo o período entre 2004 e 2019 (16 anos), totalizando 246 empresas ou 2.081 observações. Para atingir esse objetivo, primeiro, mediu-se o grau de especialização de dívida entre empresas, considerando as dívidas supracitadas. Para esse propósito, a metodologia de Colla et al. (2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141., 2020Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2020). Debt structure. Annual Review of Financial Economics, 12, 193-215.) foi aplicada, baseada no IHH, que é normalizado pelo tipo de dívida. Então, o cálculo basicamente seguiu duas etapas, como demonstrado nas equações 1 e 2.

S Q I i , t = P C i , t D T i , t + C R i , t D T i , t + T D S e i , t D T i , t + T D S u i , t D T i , t + D B i , t D T i , t + L F i , t D T i , t + O u t r o s i , t D T i , t (1)

em que SQIi,t é a soma do quadrado dos índices do tipo de dívida para a empresa i no ano t, PCi,t , CRi,t , TDSei,t , TDSui,t , DBi,t , LFi,t , e Outrosi,t referem-se, respectivamente, a papéis comerciais, crédito rotativo, títulos de dívida sênior, títulos de dívida subordinada, dívida bancária, leasing financeiro e outras dívidas, e, finalmente, DTi,t refere-se à dívida total. Depois, o cálculo IHHi,t é apresentado na equação 2.

I H H i , t = S Q I i , t - 1 7 1 - 1 7 (2)

IHH é igual a 0 (Colla et al., 2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141., 2020). Consequentemente, altos valores de IHH indicam tendência das empresas a se especializarem em poucos tipos de dívida (Colla et al., 2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141., 2020Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2020). Debt structure. Annual Review of Financial Economics, 12, 193-215.).

Após medir o nível de especialização de dívida de empresas brasileiras, a amostra foi separada entre empresas com restrição e sem restrição, de acordo com a presenta de avaliação de crédito. Há um número de abordagens plausíveis para classificar as empresas em restritas financeiramente ou não restritas financeiramente. A medida de avaliação de crédito (Tabela 1) foi escolhida pelo fato de as principais referências estadunidenses (Colla et al., 2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141., 2020Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2020). Debt structure. Annual Review of Financial Economics, 12, 193-215.; Rauh & Sufi, 2010Rauh, J. D., & Sufi, A. (2010). Capital structure and debt structure. The Review of Financial Studies, 23(12), 4242-4280.) e brasileiras (Póvoa & Nakamura, 2014Póvoa, A. C. S., & Nakamura, W. T. (2014). Homogeneidade versus heterogeneidade da estrutura de dívida: um estudo com dados em painel. Revista Contabilidade & Finanças, 25(64), 19-32., 2015) em especialização de dívida usarem essa métrica para captar potenciais restrições financeiras.

Tabela 1
Definição das variáveis

Assim, buscou-se identificar a tendência das empresas brasileiras em relação à especialização de dívida no decorrer do tempo, uma vez que já não há evidências, no contexto brasileiro, de estudos que tenham analisado um período tão longo. Além disso, a análise proposta por este estudo pode ser considerada inédita, levando em conta a comparação entre níveis de especialização de dívida por meio da classificação de empresas como restritas e não restritas financeiramente.

Por fim, buscou-se identificar os determinantes da especialização de dívida para empresas brasileiras. Para isso, as análises basearam-se em clássicos estudos estadunidenses (Colla et al., 2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141., 2020Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2020). Debt structure. Annual Review of Financial Economics, 12, 193-215.), cuja regressão é descrita na equação 3.

I H H i , t = β 0 + β 1 A C i , t + β 2 P & D i , t + β 3 T A N G i , t + β 4 V o l F C i , t + β 5 T a m i , t + β 6 M B i , t + β 7 R O A i , t + β 8 D I V i , t + ε i t (3)

em que IHHi,t é a especialização de dívida para a empresa i no período t, os coeficientes na ordem sequencial representam coeficiente linear (β0), avaliação de crédito (β1), pesquisa e desenvolvimento (β2), tangibilidade (β3), volatilidade do fluxo de caixa (β4), tamanho (β5), market-to-book (β6), ROA (β7) e dividendos (β8), e (it representa o termo de erro estocástico. Ainda, baseado em estudos brasileiros (Póvoa & Nakamura, 2014Póvoa, A. C. S., & Nakamura, W. T. (2014). Homogeneidade versus heterogeneidade da estrutura de dívida: um estudo com dados em painel. Revista Contabilidade & Finanças, 25(64), 19-32.), foi desenvolvida a equação 4.

I H H i , t = β 0 + β 1 A C i , t + β 2 T A N G i , t + β 3 V o l E B I T i , t + β 4 I P O i , t + β 5 S i z e i , t + β 6 M B i , t + β 7 R O A i , t + β 8 L E V i , t + ε i t (4)

em que IHHi,t é a especialização de dívida para a empresa i no período t, os coeficientes na ordem sequencial representam coeficiente linear (β0), avaliação de crédito (β1), tangibilidade (β2), volatilidade do EBIT (β3), IPO (idade) (β4), tamanho (β5), market-to-book (β6), ROA (β7) e alavancagem (β8), e (it representa o termo de erro estocástico. Todas as definições dessas variáveis foram mostradas na Tabela 1.

Por meio das equações 3 e 4, procurou-se identificar os principais determinantes da especialização de dívida, na qual, por meio do coeficiente β1 de ambas as regressões, foi testada a relação agregada entre restrições financeiras e especialização de dívida. Para contemplar os modelos de Colla et al. (2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141.) e Póvoa e Nakamura (2014Póvoa, A. C. S., & Nakamura, W. T. (2014). Homogeneidade versus heterogeneidade da estrutura de dívida: um estudo com dados em painel. Revista Contabilidade & Finanças, 25(64), 19-32.) e suas variações (i.e., diferenças em variáveis explanatórias), inicialmente foram estimados esses dois modelos, considerando a proxy para restrição financeira (avaliação de crédito).

Adicionalmente, ambos os modelos foram reestimados, com a amostra separada entre empresas por avaliação de crédito. Essa estimação permitiu verificar se os determinantes considerados pelos autores mencionados mudam de acordo com a restrição financeira. Do ponto de vista da empresa, o contexto de restrições financeiras pode constituir um incentivo adicional para procurar a estrutura de dívida ótima (diversificada ou especializada), influenciando a relação que a determina.

Para estimar as equações 3 e 4, aplicou-se o probit e o tobit em dados de painel desbalanceados, já que esses modelos são comumente usados para regressões nas quais a variável dependente esteja ligada (Woodridge, 2002Woodridge, J. M. (2002). Econometric analysis of cross sectional data and panel data. MIT press.). Como a variável dependente é o IHH, optou-se por aplicar essas metodologias. Buscou-se estimar ambas as regressões tobit e probit por dois motivos: (i) robustez dos resultados, i.e., reportando e analisando os resultados por dois métodos diferentes; e (ii) comparar os resultados com Colla et al. (2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141., pp. 18, 19, 2020), uma vez que os autores usam ambas as metodologias.

Por fim, foram feitos testes adicionais. O resultado apresentado pela correlação e pelo teste do fator de inflação de variância (variance inflation factor [VIF]) não indicou multicolinearidade entre as variáveis do modelo, já que os valores apresentados foram abaixo de 2 para todas as variáveis explanatórias. Da mesma forma, o teste de Breusch-Pagan e Cook-Weisberg para heteroscedasticidade não rejeitou a hipótese nula de que a variação é homocedástica (0,88). Portanto, essas hipóteses foram afrouxadas.

Depois, a presença de normalidade e de autocorrelação em série foi testada. O resultado obtido pelo teste de Doornik-Hansen foi de normalidade bivariável (0,00), e o teste de W Shapiro-Wilk (0,00) indicou a rejeição da hipótese nula de que os dados têm distribuição normal. Do mesmo modo, o teste de Woodridge (0,00) indicou a rejeição da hipótese nula de que os dados não têm autocorrelação de primeira ordem. Essas suposições não foram afrouxadas, e, para evitar possíveis vieses nos dados, os modelos foram estimados com erros padrão robustos e clusterizados por empresa. Enfim, dummies de tempo e de indústria também foram inseridas para considerar a influência de fatores macroeconômicos que poderiam afetar os modelos. Adicionalmente, todas as medidas variáveis foram winsorizados a 1 e 99% percentis, para mitigar o efeito dos outliers.

4. ANÁLISE DOS RESULTADOS

Esta seção é dividida em duas partes, como segue: 4.1) Evolução histórica e composição da especialização de dívida; e 4.2) Determinantes da especialização de dívida e da restrição financeira.

4.1 Evolução Histórica e Composição da Especialização de Dívida

Antes de iniciar a análise, foram estimadas estatísticas descritivas para demonstrar a consistência dos dados e apresentar algumas medidas importantes para a pesquisa. Como mostrado na Tabela 2, as médias de IHH podem ser observadas, assim como as médias de cada tipo de dívida, ambas para a amostra geral e para as empresas brasileiras com e sem restrição financeira de 2004 a 2019. Como se pode ver, empresas brasileiras têm uma média de IHH de 0,76 (valores de IHH maiores indicam uma tendência para a especialização) para a amostra geral, 0,82 para empresas com restrição e 0,62 para empresas sem restrição, revelando que empresas com restrição são mais propensas à especialização de dívida.

Tabela 2
Estrutura de dívida e tipos de dívida de empresas brasileiras no decorrer do tempo (2004 a 2019)

Especificamente, a estrutura de dívida de empresas que têm um IHH médio de 0,76 é orientada principalmente para alta representação de dívida bancária (69%), títulos de dívida sênior (22%) e leasing financeiro (7%) da dívida total. Esses três tipos de dívida são responsáveis pela formação de, pelo menos, 98% de todo o financiamento levantado externamente. Similarmente, a estrutura de dívida de empresas com e sem restrição financeira segue essa tendência de composição de dívida, formado a partir de bancos, dívidas seniores e leasing financeiro, mudando apenas a relevância de cada dívida.

De todo modo, ao analisar a estrutura de dívida no decorrer dos anos, assim como os tipos de dívida, pode-se identificar tendências e assuntos não revelados na literatura sobre empresas brasileiras. Primeiro, empresas que têm um IHH geral médio de 0,88 em 2004 e, depois de 16 anos, IHH apresentando redução para 0,64 (627,27%), demonstrando uma queda expressiva na especialização de fontes de dívidas. Esse resultado diverge do exposto recentemente por Colla et al. (2020Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2020). Debt structure. Annual Review of Financial Economics, 12, 193-215.), no qual revelaram que empresas estadunidenses aumentaram sua especialização de dívida no decorrer do tempo, pois tiveram um IHH de 0,71 em 2002 e de 0,78 em 2018 (9,85%). Assim, enquanto empresas estadunidenses tenderam a amentar sua especialização de dívida, empresas brasileiras reduziram a delas. Portanto, esse resultado sugere que, no decorrer dos últimos 16 anos, a despeito de manter sua dívida estável (média de 28%), empresas brasileiras estão usando mais tipos de dívida, o que reflete padrões empíricos não reportados na literatura brasileira até então.

Uma possível explicação para esse decréscimo na especialização de empresas brasileiras pode ser encontrada em Eça e Albanez (2022Eça, J. P. A., & Albanez, T. (2022). A heterogeneidade da estrutura de dívida reduz o custo de capital? Revista Contabilidade & Finanças, 33(90), Article e1428.). O contexto macroeconômico brasileiro leva os autores a teorizarem e identificarem que estruturas de dívida mais diversificadas são benéficas, porque, ao acessar diferentes fontes de crédito, as empresas brasileiras estão aptas a reduzir seu custo de dívida, dado o aumento no poder de barganha, assim como a redução da dependência de um único credor.

Especificamente, a hipótese de que empresas com restrição financeira têm maior nível de especialização de dívida do que seus pares sem restrição é observada para o cenário brasileiro, ambas em termos médios e no decorrer dos anos. Todavia, as empresas brasileiras com restrição reduziram seu IHH de 0,90 em 2004 para 0,65 em 2019 (-27,77%) e as sem restrição reduziram o seu de 0,77 em 2004 para 0,62 em 2019 (-19,48%). Portanto, no período de 2004 a 2018, as empresas brasileiras que mais reduziram sua especialização eram as com restrição financeira. Apesar dessa queda mais significante, empresas brasileiras com restrição financeira continuaram sendo mais especializadas do que seus pares sem restrição financeira.

Esse resultado é justificado baseado no fato de que a procura por diferentes tipos de crédito por empresas com restrição beneficia seu custo de capital, assim como torna-as menos dependentes das condições estabelecidas pelos seus credores (Eça & Albanez, 2022Eça, J. P. A., & Albanez, T. (2022). A heterogeneidade da estrutura de dívida reduz o custo de capital? Revista Contabilidade & Finanças, 33(90), Article e1428.; Platikanova & Soonawalla, 2020Platikanova, P., & Soonawalla, K. (2020). Who monitors opaque borrowers? Debt specialisation, institutional ownership, and information opacity. Accounting & Finance, 60(2), 1867-1904.). Assim, procurar diferentes fontes de crédito pode ser um jeito de afrouxar as restrições financeiras diante do mercado brasileiro, como as altas taxas de interesse. Outra maneira de verificar o nível de especialização de dívida é calcular a fração de observações na amostra e obter o montante significante de sua dívida oriunda de um único tipo (Colla et al., 2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141.). Dessa forma, foi empregado um amplo espectro de limites variando de 10 a 99% para identificar o uso significante de certo(s) tipo(s) de dívida(s). Essa análise foi feita tanto com a amostra geral quanto com a amostra de empresas com restrição financeira. A Tabela 3 apresenta esses resultados.

Tabela 3
Dependência de empresas brasileiras em um tipo de dívida

Como se pode notar na Tabela 3, para cada tipo de dívida e limite, foi reportada uma representatividade de observações que usam um tipo particular de dívida a um certo limite ou acima (Colla et al., 2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141.). Por exemplo, a coluna de 50% mostra uma parcela de observações com mais de 50% de sua dívida oriunda a partir de um tipo. Assim como em Colla et al. (2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141.), a linha Total apresenta a soma de todos os tipos de dívida de uso significante, no qual se a empresa tem sete tipos de dívida equivalentemente, o total da coluna de 10% acrescentaria sete. De modo similar, se as empresas se especializaram em apenas um tipo de dívida, o total de todos os limites seria um.

A análise revela que empresas restritas dependem mais exclusivamente de um tipo de dívida, já que ao menos 37% dessas empresas têm 99% de sua dívida dependendo de apenas um tipo, enquanto apenas 5% das empresas sem restrição têm essa mesma dependência. Além disso, mais da metade das empresas com restrição (52%) obtêm por volta de 80% de seus empréstimos de um único tipo de dívida, enquanto apenas 12% de empresas sem restrição têm essa dependência.

Esses resultados estão de acordo com aqueles apresentados por Colla et al. (2020Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2020). Debt structure. Annual Review of Financial Economics, 12, 193-215.), que identificaram que aproximadamente 45% das empresas com restrição dependem exclusivamente de um único tipo de dívida, enquanto por volta de 68% das empresas com restrição obtêm 80% de seus empréstimos de um único tipo de dívida. De qualquer forma, os resultados para empresas sem restrição apresentam um cenário completamente diferente para o contexto brasileiro. Comparativamente, Colla et al. (2020Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2020). Debt structure. Annual Review of Financial Economics, 12, 193-215.) demonstram que ao menos 20% de empresas sem restrição dependem exclusivamente de um único tipo de dívida. Esse resultado revela que essa dependência de empresas estadunidenses é, ao menos, quatro vezes maior do que a dependência de empresas brasileiras, considerando o ultimo limite. Essa relação permanece maior se forem considerados os outros limites (exceto 50, 30 e 10%). Portanto, diferente do cenário estadunidense, empresas brasileiras sem restrição não se especializam em dívidas, revelando diferenças significativas.

Para identificar qual fonte de dívida justifica esse comportamento, é necessário analisar a estrutura de dívida de empresas brasileiras. Em 2004, tanto empresas com restrição quanto empresas sem restrição dependeram primariamente de dívida bancária (92 e 87%) com um complemento de títulos de dívida sênior (7 e 13%). Em 2019, pelo contrário, empresas com restrição financeira dependeram muito menos de dívida bancária, contabilizados apenas 42%, seguido de títulos de dívida sênior (33%) e leasing financeiro (23%). Títulos de dívida sênior apenas se tornaram mais relevantes em 2018, enquanto leasing financeiro provou-se uma fonte de dívida alternativa durante a crise financeira de 2008.

Esse resultado parece seguir o que foi exposto por Diamond (1991Diamond, D. W. (1991). Monitoring and reputation: The choice between bank loans and directly placed debt. Journal of Political Economy, 99(4), 689-621.) em relação ao papel da assimetria informacional, na qual tomadores de empréstimo procuram inicialmente empréstimos bancários para, posteriormente, emitir dívidas diretamente. Nesse caso, o registro de crédito adquirido quando monitorado por banco serve para prever o comportamento futuro do tomador quando não monitorado. Portanto, em 2004, as empresas brasileiras dependeram principalmente de dívida bancária e, 16 anos depois, balancearam seu financiamento com outros tipos de dívida, como dívida de Mercado, sendo justificado pela aquisição de reputação oriunda a partir do monitoramento bancário.

Outro resultado interessante pode ser observado em 2007, quando empresas brasileiras com restrição usaram somente 2% do leasing financeiro, enquanto em 2008, 2009 e 2010 esse uso cresceu para 11, 14 e 15%, respectivamente. Esse resultado está em consonância com Eisfeldt e Rampini (2009Eisfeldt, A. L., & Rampini, A. A. (2009). Leasing, ability to repossess, and debt capacity. Review of Financial Studies, 22(4), 1621-1657.), que apontaram que o leasing é valioso para empresas com restrições financeiras, dado que o locador estende implicitamente mais crédito que o credor cujo direito é garantido pelo mesmo ativo. Assim, a habilidade de um locador de retomar um ativo é o grande benefício do leasing, permitindo um novo acesso por empresas com restrição. Além do aumento de leasing em 2019, notou-se que, naquele ano, o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC, 2017) ganhou força. O CPC 06 solicitou às empresas que reorganizassem nos balanços patrimoniais os contratos de leasing. Dessa forma, parte da variação no leasing financeiro em 2019 é devido a uma questão puramente contábil e burocrática, não relacionada a um grande uso desse instrumento.

Alternativamente, empresas sem restrição, em 2019, demonstraram maior dependência de títulos de dívida sênior, com representação de 50%, enquanto, em 2004, essa dívida representava apenas 13%. Além disso, empresas sem restrição representavam 46% das dívidas bancárias, seguido de títulos de dívida subordinada com 2% e apenas 1% de leasing financeiro. No geral, a composição da dívida de empresas brasileiras segue Hackbarth et al. (2007Hackbarth. D., Hennessy, C. A., & Leland H. E. (2007). Can the trade-off theory explain debt structure? Review of Financial Studies, 20(5), 1389-1428.), que revelaram que empresas (com restrições financeiras) fracas têm maior capacidade de dívida bancária, enquanto empresas (sem restrições financeiras) fortes usam uma combinação de dívida bancária e de mercado, com a primeira sendo sênior. Adicionalmente, podem ser observadas tendências de não especialização de dívidas em empresas brasileiras, um resultado que era desconhecido e não reportado anteriormente.

4.2 Determinantes da Especialização de Dívida e Restrição Financeira

Como apontado nos procedimentos metodológicos, para identificar determinantes de especialização de dívida empresas com restrição comparados a empresas sem restrição negociadas na B3, os métodos probit e tobit foram aplicados. Na parte superior da Tabela 4 são apresentadas as regressões de modelos por Colla et al. (2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141., 2020Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2020). Debt structure. Annual Review of Financial Economics, 12, 193-215.) e Póvoa e Nakamura (2014Póvoa, A. C. S., & Nakamura, W. T. (2014). Homogeneidade versus heterogeneidade da estrutura de dívida: um estudo com dados em painel. Revista Contabilidade & Finanças, 25(64), 19-32.), assim como as regressões segregadas dos modelos em empresas com e sem restrições financeiras por avaliação de crédito.

Tabela 4
Análise de regressão - Estrutura de dívida e restrição financeira

Inicialmente, testaram-se os modelos desses autores para contemplar as principais referências na literatura, assim como para testar os impactos agregados e diretos de empresas com restrição na especialização de dívida. Porém, os modelos 1, 2, 7 e 8 não permitem a verificação de como os determinantes da especialização de dívida são (ou não) modificados se condicionados ao estado de restrição financeira. Assim, para tratar desse assunto, os outros modelos foram adicionados. Em geral, ambos os modelos pelos autores indicam que empresas brasileiras que estão restritas financeiramente (sem avaliação de crédito) com menores assimetrias informacionais (menores despesas em P&D), com maiores custos de falência esperada (mais volatilidade em termos de fluxo de caixa ou menos tangibilidade), poucas oportunidades de investimento, e que não pagam dividendos tendem a especializar sua composição de dívida. A rentabilidade não mostrou significância estatística.

Como revisto na seção 2, Colla et al. (2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141., 2020Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2020). Debt structure. Annual Review of Financial Economics, 12, 193-215.) apontam que a classificação de avaliação de crédito representa o estado de restrições financeiras. Assim, especificamente, pelos modelos 1, 2, 7 e 8, pode-se inferior que a especialização de dívida está negativamente e significativamente impactada pela avaliação de crédito corporativo, ou seja, empresas sem restrição reduzem sua especialização de dívida. Similarmente, empresas com restrição tendem a aumentar sua especialização.

Ademais, Colla et al. (2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141., 2020Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2020). Debt structure. Annual Review of Financial Economics, 12, 193-215.) apontam que a tangibilidade e a volatilidade do fluxo de caixa são proxies para custos de falência esperada, uma vez que empresas menos tangíveis e mais voláteis tendem a aumentar esses custos. Baseado nesse fator, a alta propensão aos custos de falência faz com que empresas especializem sua estrutura de dívida. Essa suposição é observada nos modelos 1 e 2 ou nos modelos 7 e 8.

Além disso, foi identificado que a proxy para assimetria informacional (P&D) também influencia a especialização de dívida de empresas brasileiras. Assim, quanto menores gastos de P&D, maior a especialização de dívida. Esse resultado difere do observado por Colla et al. (2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141., 2020Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2020). Debt structure. Annual Review of Financial Economics, 12, 193-215.), revelando diferenças entre a influência da opacidade da informação entre países. Uma justificativa possível para essa relação é a de que empresas brasileiras que têm maior gastos de P&D podem sinalizar ao Mercado maiores oportunidades de investimento e, portanto, precisar tornar sua estrutura de dívida mais diversificada.

Ademais, a outra variável que diverge da hipótese de Colla et al. (2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141., 2020Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2020). Debt structure. Annual Review of Financial Economics, 12, 193-215.) refere-se às oportunidades de investimento, em que quanto maiores as oportunidades de crescimento, mais diversificadas tendem a ser as fontes de dívida. Esse resultado difere daquele encontrado por Colla et al. (2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141., 2020Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2020). Debt structure. Annual Review of Financial Economics, 12, 193-215.), já que os autores apontaram que essas grandes oportunidades de crescimento geram maiores percepções de risco, tornando mais difícil o acesso a fontes de financiamento diversificadas. Todavia, isso converge com os achados de Póvoa e Nakamura (2014Póvoa, A. C. S., & Nakamura, W. T. (2014). Homogeneidade versus heterogeneidade da estrutura de dívida: um estudo com dados em painel. Revista Contabilidade & Finanças, 25(64), 19-32.), que apontam que empresas brasileiras que têm grande oportunidade de crescimento precisam de recursos que geralmente não são suficientemente gerados na retenção de lucros.

Em termos de pagamentos de dividendos, foi identificado que isso influencia negativamente a especialização de dívida (IHH). Esse resultado está alinhado ao de Colla et al. (2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141., 2020Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2020). Debt structure. Annual Review of Financial Economics, 12, 193-215.) e Khan et al. (2021Khan, K. I., Qadeer, F., Mata, M. N., Chavaglia, J. A., Neto, Sbir, Q.U.A., Martins, J. N., & Filipe, J. A. (2021). Core predictors of debt specialization: A new insight to optimal capital structure. Mathematics, 9(9), 975.), que apontaram que empresas que pagam mais dividendos sinalizam solvência ao Mercado, assim como conflitos de agência menores, reduzindo, então, assimetrias informacionais, o que permite maior diversificação de suas fontes de dívida. Em relação ao tamanho da empresa, identificou-se uma relação negative com a especialização de dívida, o que corrobora os resultados de Colla et al. (2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141., 2020Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2020). Debt structure. Annual Review of Financial Economics, 12, 193-215.) e Póvoa e Nakamura (2014Póvoa, A. C. S., & Nakamura, W. T. (2014). Homogeneidade versus heterogeneidade da estrutura de dívida: um estudo com dados em painel. Revista Contabilidade & Finanças, 25(64), 19-32.), que apontaram que empresas maiores obtêm economias de escala ao emitirem dívidas corporativas e, portanto, acessarem o mercado de capitais mais frequentemente, assim como encontrando investidores mais facilmente, porque têm assimetrias informacionais menores.

Em relação ao modelo agregado de Póvoa e Nakamura (modelos 7 e 8), pode-se observar resultados muito próximos aos do modelo de Colla et al. (2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141., 2020Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2020). Debt structure. Annual Review of Financial Economics, 12, 193-215.); entretanto, diferente desses, os autores usaram a volatilidade do EBIT em vez da volatilidade do fluxo de caixa, assim como usaram as variáveis IPO e alavancagem em vez do dummy para pagadoras de dividendos e despesas de P&D. Em relação a essa última, da mesma forma como Póvoa e Nakamura (2014Póvoa, A. C. S., & Nakamura, W. T. (2014). Homogeneidade versus heterogeneidade da estrutura de dívida: um estudo com dados em painel. Revista Contabilidade & Finanças, 25(64), 19-32.), não foi identificada influência da abertura de capital na especialização de dívidas.

Em relação à alavancagem, identificou-se que a variável influencia negativamente o IHH, ou seja, quanto maior a alavancagem, mais diversas são as composições de dívida, de acordo com Khan et al. (2021Khan, K. I., Qadeer, F., Mata, M. N., Chavaglia, J. A., Neto, Sbir, Q.U.A., Martins, J. N., & Filipe, J. A. (2021). Core predictors of debt specialization: A new insight to optimal capital structure. Mathematics, 9(9), 975.). Assim como em Póvoa e Nakamura (2014Póvoa, A. C. S., & Nakamura, W. T. (2014). Homogeneidade versus heterogeneidade da estrutura de dívida: um estudo com dados em painel. Revista Contabilidade & Finanças, 25(64), 19-32.), é válido destacar que a proxy para alavancagem é provavelmente endógena, ou seja, decisões de alavancagem, assim como sua composição, são determinadas conjuntamente, mas uma vez que a variável foi usada por Póvoa e Nakamura (2014Póvoa, A. C. S., & Nakamura, W. T. (2014). Homogeneidade versus heterogeneidade da estrutura de dívida: um estudo com dados em painel. Revista Contabilidade & Finanças, 25(64), 19-32.), ela foi mantida neste trabalho também. Por robustez, foram reestimados todos os demais modelos que continham alavancagem como uma variável explanatória e não foram identificados vieses gerados por sua inclusão.

Esses modelos agregados não permitem identificar os determinantes de especialização de dívida de empresas com e sem restrição financeira. Por isso, a amostra foi separada em dois grupos: empresas com avaliação de crédito em pelo menos um ano dentro do período de tempo estipulado (classificadas como sem restrição) e empresas sem avaliação de crédito (classificadas como com restrição) (ver Tabela 1 para definição das variáveis). Portanto, os mesmos modelos de Colla et al. (2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141.) e Póvoa e Nakamura (2014Póvoa, A. C. S., & Nakamura, W. T. (2014). Homogeneidade versus heterogeneidade da estrutura de dívida: um estudo com dados em painel. Revista Contabilidade & Finanças, 25(64), 19-32.), mas agora para grupos de empresas sem restrição e com restrição.

Baseado nesse fator, foram identificadas algumas peculiaridades que não poderiam ser observadas na análise conjunta. Um desses resultados é de que a assimetria informacional (P&D) influencia a especialização de dívida para empresas brasileiras, mas apenas aquelas com restrição. Esse resultado é importante, já que mostra que a relação entre assimetria informacional e especialização de dívida é única para empresas brasileiras com restrição financeira. Portanto, identificou-se que empresas brasileiras com restrição financeira são mais suscetíveis a ter alta diversificação de dívida quando a assimetria informacional é alta. Então, rejeitou-se a H2.

Esse resultado difere-se do observado por Colla et al. (2013Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141., 2020Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2020). Debt structure. Annual Review of Financial Economics, 12, 193-215.), revelando diferenças entre a influência da opacidade da informação entre países. É observada apenas para empresas com restrição financeira a justificativa de Póvoa e Nakamura (2014Póvoa, A. C. S., & Nakamura, W. T. (2014). Homogeneidade versus heterogeneidade da estrutura de dívida: um estudo com dados em painel. Revista Contabilidade & Finanças, 25(64), 19-32.) de que maiores gastos com P&D podem sinalizar ao mercado maiores oportunidades de investimento e, por consequência, que elas precisem criar uma estrutura de dívida mais diversificada. Além disso, alguns credores podem ser relutantes em prover a quantia necessária para viabilizar projetos de pesquisa e desenvolvimento, dado seu estado de restrição financeira (sem avaliação de crédito).

Outra variável que mostrou uma diferença entre empresas com e sem restrição foi a proxy para custos de falência esperada (fluxo de caixa ou volatilidade e tangibilidade do EBIT). Como serviu de hipótese na revisão de literatura, o aumento de custos de falência esperada para empresas com restrição produz um ajuste mais forte e significante na especialização de suas dívidas, se comparado a empresas sem restrição. Então, identificou-se que empresas brasileiras com restrição financeira tendem a ter uma alta especialização de dívida quando os custos de falência esperada são altos. Esse resultado não permite rejeitar a H3.

Outros sinais determinantes indicam que, em resumo, as empresas com restrição financeira mais jovens (tempo de listagem menor), menores, com menor alavancagem, menor rentabilidade (apenas na regressão 11) e com menos oportunidades de investimento (apenas na regressão 6) tendem a especializar sua composição de dívida, isto é, a homogeneizar sua estrutura. Por outro lado, empresas sem restrição que são mais rentáveis, têm maior alavancagem, têm mais oportunidades de investimento e que são maiores, tendem a diversificar sua composição de dívida, ou seja, a ter sua estrutura de dívida mais heterogênea.

Como principais diferenças, foram observados impactos divergentes na abertura de capital em relação a restrições financeiras. Assim, para empresas com restrição, mostrou-se que quanto mais jovens (menos tempo de listagem), maior o IHH tende a ser, fazendo com que elas se tornem mais especializadas na composição de sua estrutura de dívida. Esse resultado corrobora Khan et al. (2017Khan, K. I., Qadeer, F., Mahmood, S., Rizavi, S. S. (2017). Reasons for debt specialization: Understanding the perspectives of small and large organizations. The Lahore Journal of Business, 6(1), 93-110., 2021Khan, K. I., Qadeer, F., Mata, M. N., Chavaglia, J. A., Neto, Sbir, Q.U.A., Martins, J. N., & Filipe, J. A. (2021). Core predictors of debt specialization: A new insight to optimal capital structure. Mathematics, 9(9), 975.) e Póvoa e Nakamura (2014Póvoa, A. C. S., & Nakamura, W. T. (2014). Homogeneidade versus heterogeneidade da estrutura de dívida: um estudo com dados em painel. Revista Contabilidade & Finanças, 25(64), 19-32.), dado que a idade é considerada um sinal de reputação significante no mercado, e que isso pode reduzir alguns problemas de agência, assimetrias informacionais e custos de dificuldade financeira. Outra diferença significante está na variável rentabilidade. Essa, diferente dos modelos agregados, provou-se um determinante significante para empresas sem restrição, havendo influência negative na especialização de dívida. Essa relação, de acordo com Khan et al. (2021Khan, K. I., Qadeer, F., Mata, M. N., Chavaglia, J. A., Neto, Sbir, Q.U.A., Martins, J. N., & Filipe, J. A. (2021). Core predictors of debt specialization: A new insight to optimal capital structure. Mathematics, 9(9), 975.), reflete o acesso a níveis altos de dívida, já que essas empresas têm altos rendimentos para proteger suas taxas de imposto marginal (benefícios fiscais).

5. CONCLUSÕES

Este artigo buscou analisar a evolução histórica, a composição e os determinantes da especialização de dívida de empresas brasileiras de forma agregada e condicionada a suas restrições financeiras. A motivação teórica para esta pesquisa reside no fato de que a maioria dos estudos voltados para o tema da estrutura de capital ainda considera uniforme a estrutura de dívida.

Este estudo difere-se dos poucos conduzidos no Brasil sob esta temática por promover a discussão da evolução e da composição da estrutura de dívida, introduzindo uma característica do Brasil de ter um mercado de capitais ainda em desenvolvimento, com restrições financeiras e alta taxa de interesse. Essa característica brasileira foi ilustrada pelos resultados de que empresas com restrição financeira têm um maior grau de especialização de dívida e compõem sua estrutura de dívida em alguns tipos, principalmente por empréstimos, refletindo a falta de acesso a múltiplos produtos disponíveis nos mercados financeiro e de capital. Pautado nisso, não foi rejeitada a H1.

Embora empresas brasileiras com restrição financeira tendam a especializar sua estrutura de dívida, observou-se que essas firmas, no decorrer do tempo, diminuíram sua especialização. Esse resultado traz uma perspectiva diferente daquele abordado por Colla et al. (2020Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2020). Debt structure. Annual Review of Financial Economics, 12, 193-215.) para o cenário estadunidense, no qual foi revelado que as empresas aumentaram sua especialização de dívida no decorrer do tempo. Esse resultado foi encontrado principalmente porque empresas brasileiras acessam diferentes fontes de crédito, sendo possível reduzir seu custo de dívida. Por fim, outros determinantes importantes indicaram que empresas brasileiras com restrição financeira são mais suscetíveis a ter uma alta especialização de dívida quando a assimetria informacional é menor e quando os custos de falência esperada são maiores. Baseado nisso, foi rejeitada a H2, mas não a H3.

Este artigo apresenta contribuições teóricas e empíricas. Em termos teóricos, é um estudo pioneiro ao explorar a evolução e a composição da estrutura de dívida de empresas brasileiras condicionada às suas restrições financeiras. Em termos empíricos, fornece evidências de que as empresas, independentemente de suas restrições financeiras, são menos especializadas na formação de sua estrutura de dívida, revelando um cenário completamente diferente para o Brasil, quando comparado ao estadunidense.

Como limitações, a principal lacuna deste estudo refere-se aos tipos de dívida analisados, ou seja, as representações de cada fonte de crédito no total da dívida podem estar direcionados pelos tipos de dívida coletados diretamente pelo Capital IQ, isto é, a tendência a homogeneizar pode ser “disfarçada” por não considerar características brasileiras, como a ausência de discriminação de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES) e de crédito internacional, já que essas fontes não estão disponíveis no Capital IQ. De qualquer forma, através dessa estrutura de dívida, foi possível fazer comparações com os estudos estadunidenses. Por fim, como sugestão para pesquisas futuras, podem-se explorar outros fatores para além da restrição financeira, como custos de falência e assimetria informacional, com mais detalhes.

REFERENCES

  • Boot, A. W. A., & Thakor, A. (1997). Financial system architecture. Review of Financial Studies, 10(3), 693-733.
  • Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2013). Debt structure and debt specialization. The Journal of Finance, 68(5), 2117-2141.
  • Colla, P., Ippolito, F., & Li, K. (2020). Debt structure. Annual Review of Financial Economics, 12, 193-215.
  • Comitê de Pronunciamento Contábeis. (2017). Termo de aprovação. Pronunciamento técnico CPC 06 (R2). Operações de arrendamento mercantil. http://static.cpc.aatb.com.br/Documentos/532_CPC_06_R2_Termo_de_aprovacao.pdf
    » http://static.cpc.aatb.com.br/Documentos/532_CPC_06_R2_Termo_de_aprovacao.pdf
  • Diamond, D. W. (1991). Monitoring and reputation: The choice between bank loans and directly placed debt. Journal of Political Economy, 99(4), 689-621.
  • Dyck, A., & Zingales, L. (2004). Private benefits of control: An international comparison. Journal of Finance, 59(2), 537-600.
  • Eça, J. P. A., & Albanez, T. (2022). A heterogeneidade da estrutura de dívida reduz o custo de capital? Revista Contabilidade & Finanças, 33(90), Article e1428.
  • Eisfeldt, A. L., & Rampini, A. A. (2009). Leasing, ability to repossess, and debt capacity. Review of Financial Studies, 22(4), 1621-1657.
  • Hackbarth. D., Hennessy, C. A., & Leland H. E. (2007). Can the trade-off theory explain debt structure? Review of Financial Studies, 20(5), 1389-1428.
  • Hart, O. (1995). Firms, contracts, and financial structure. Clarendon Press.
  • Khan, K. I., Qadeer, F., Mahmood, S., Rizavi, S. S. (2017). Reasons for debt specialization: Understanding the perspectives of small and large organizations. The Lahore Journal of Business, 6(1), 93-110.
  • Khan, K. I., Qadeer, F., Mata, M. N., Chavaglia, J. A., Neto, Sbir, Q.U.A., Martins, J. N., & Filipe, J. A. (2021). Core predictors of debt specialization: A new insight to optimal capital structure. Mathematics, 9(9), 975.
  • La Porta, R., Lopez-de-Silanes, F., Shleifer, A., & Vishny, R. W. (1998). Law and finance. Journal of Political Economy, 106(6), 1113-1155.
  • Lou, Y., & Otto, A. (2020). Debt heterogeneity and covenants. Management Science, 66(1), 70-92.
  • Lucinda, C. R., & Saito, R. (2005). A composição do endividamento das empresas brasileiras de capital aberto: um estudo empírico. Revista Brasileira de Finanças, 3(2), 173-193.
  • Myers, J., & Rajan, R. G. (1998). The paradox of liquidity. The Quarterly Journal of Economics, 113(3), 733-771.
  • Platikanova, P., & Soonawalla, K. (2020). Who monitors opaque borrowers? Debt specialisation, institutional ownership, and information opacity. Accounting & Finance, 60(2), 1867-1904.
  • Póvoa, A. C. S., & Nakamura, W. T. (2014). Homogeneidade versus heterogeneidade da estrutura de dívida: um estudo com dados em painel. Revista Contabilidade & Finanças, 25(64), 19-32.
  • Rauh, J. D., & Sufi, A. (2010). Capital structure and debt structure. The Review of Financial Studies, 23(12), 4242-4280.
  • Stiglitz, J, E. , & Weiss, A. (1981). Credit rationing in markets with imperfect information. The American Economic Review, 71(3), 393-410.
  • Tarantin, W., Jr., & Valle, M. R. (2015). Estrutura de capital: o papel das fontes de financiamento nas quais companhias abertas brasileiras se baseiam. Revista Contabilidade & Finanças, 26(69), 331-344.
  • Woodridge, J. M. (2002). Econometric analysis of cross sectional data and panel data. MIT press.
  • Este é um texto bilíngue. Este artigo foi escrito originalmente no idioma inglês, publicado sob o DOI https://doi.org/10.1590/1808-057x20221701.en
  • Trabalho apresentado no XXII SemeAd (Seminários em Administração), São Paulo, SP, Brasil, novembro de 2019.
  • FINANCIAMENTO

    Esta pesquisa foi parcialmente financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) - Código de Financiamento 001.

Editado por

Editor-Chefe:

Fábio Frezatti

Editora Associada:

Andrea Maria Accioly Fonseca Minardi

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    28 Abr 2022
  • Revisado
    19 Maio 2022
  • Aceito
    17 Nov 2022
Universidade de São Paulo, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Departamento de Contabilidade e Atuária Av. Prof. Luciano Gualberto, 908 - prédio 3 - sala 118, 05508 - 010 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (55 11) 2648-6320, Tel.: (55 11) 2648-6321, Fax: (55 11) 3813-0120 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: recont@usp.br