INTRODUÇÃO
O tambaqui Colossoma macropomum (Cuvier, 1818) é um Characiformes da família Characidae, que alcança cerca de 1 m e 30kg, que até a década de 1980 era a espécie mais abundante na pesca na bacia amazônica. com destacado consumo, atingindo altos valores no mercado de Manaus (SANTOS & SANTOS, 2005). Atualmente esta espécie vem sendo produzida devido as características favoráveis ao cultivo como a sua capacidade de reprodução em cativeiro (MENEZES et al., 2008; MUNIZ et al., 2008) e de assimilação e crescimento por se alimentar com rações com proteína a base de vegetal (LOPES et al., 2010; PEREIRA et al., 2013; PEREIRA JUNIOR et al., 2013), o que torna os custos com alimentação mais baixos.
Existe uma constante preocupação em se aprimorar a tecnologia de produção de larvas e alevinos de peixes nativos brasileiros. Contudo, freqüentes insucessos na criação de larvas de espécies nativas, têm sido observados nas fases iniciais, contribuindo com a baixa sobrevivência (BARCELLOS et al., 2004).
Nesta fase as larvas de peixes apresentam seu sistema digestório imaturo (PORTELLA & DABROWSKI 2008) e não assimilam adequadamente as rações nos primeiros dias de vida (PEDREIRA et al., 2008; DIEMER et al., 2012), sendo portanto, o emprego de alimentos vivos uma prática comum na larvicultura de peixes (DIEMER et al., 2012).
Larvas de peixes tropicais dulcícolas, nos primeiros dias de alimentação exógena, capturam organismos menores, devido a sua pequena abertura de boca (MARQUES et al., 2007; DIEMER et al., 2012) e no decorrer do seu desenvolvimento apresentam eficiência de captura e selecionam suas presas (GRAEB et al., 2004; MARQUES et al., 2007; BRANDÃO–GONÇALVES & SEBASTIEN, 2013). Essa maior competência é devido a rápidas alterações de características funcionais, anatômicas, fisiológicas e comportamentais conduzindo a uma melhor eficiência alimentar (YÚFERA & DARIAS 2005; PORTELLA & DABROWSKI 2008).
Pelo fato de ao longo do desenvolvimento das larvas ocorrerem modificações morfo-fisiológicas e em seu hábito alimentar, este trabalho visa avaliar a utilização de alimento vivo, e sua associação com a ração na primeira alimentação do tambaqui.
MATERIAL E MÉTODOS
As larvas de tambaqui foram obtidas de desova induzida, e fornecidas pelas Centrais Elétricas de Minas Gerais (CEMIG). As larvas de três dias de idade apresentaram comprimento total médio de 6,63 mm e peso médio de 0,82 mg. O comprimento e peso inicial das larvas foram mensurados através do uso de uma ocular micrométrica, em um microscópio estereoscópico (Carl Zeiss Jena Dv4) e balança analítica 0,1 (Scientch AS 210, China), respectivamente. Estas foram mantidas em 15 aquários com capacidade de 10L de água, numa densidade de 10 larvas L-1 (100 indivíduos tanque-1), com aeração constante e condições ambientais de fotoperíodo, luminosidade (1272 ± 427 lux) e temperatura do ar (entre 24,5 a 33,0°C), sendo cultivadas em laboratório durante 20 dias.
As larvas de tambaqui foram submetidas a cinco tratamentos alimentares, com três repetições cada, distribuídas aleatoriamente. Os tratamentos foram distribuídos da seguinte maneira: P (100% plâncton, que foi selecionado com peneira de 1000µm); PR (50% plâncton + 50% ração – plâncton foi selecionado com peneira de 1000µm e ração foi dada as larvas a partir do 3° de vida das larvas); PS (100% plâncton selecionado com peneira de 350µm); PSR (50% plâncton selecionado + 50% ração – plâncton foi selecionado com peneira de 350 µm e ração foi dada as larvas a partir do 3° de vida das larvas); R (100% ração a partir do 3° dia de vida das larvas).
O alimento foi oferecido duas vezes ao dia, às 8 e 14h, "ad libitum". Os tratamentos a base de alimentos vivos, ou seja, plâncton (Protozooa, Rotifera, Copepoda, náuplios de Copepoda, Cladocera, Ostracoda, Insecta, ovos de invertebrados e não identificados) foram coletados em tanques adubados, concentrado e posteriormente fracionado em peneiras de 1000mm e 350mm. O tanque fornecedor de alimento vivo foi previamente adubado e posteriormente, os zooplânctons foram peneirados em uma rede conforme tratamento, e concentrado em béquer de 4,0L e triado em peneira de malha com 1.000µm de abertura. Metade desse volume (2,0L) foi transferida para outro frasco e triada em peneira de malha com 350µm de abertura. Em seguida, o zooplâncton foi homogeneizado e distribuído entre os aquários (200mL para cada aquário). Foi ofertado 450 presas por larva. As larvas alimentadas com ração receberam a proporção de 5% da biomassa total do aquário.
Diariamente, às 8h foi medida a temperatura e o oxigênio dissolvido da água por meio de um oxímetro YSI 55 (YSI Inc, USA), o pH, com o pHmetro digital Corning PS 15 e a condutividade elétrica, com o condutivímetro digital Corning PS 17 (Sigma-Aldrich Co, USA). A cada três dias, após a coleta dos dados limnológicos, os tanques foram sifonados para limpeza, sendo renovado 30% do volume de água.
Os valores de sobrevivência (%), peso médio (mg), biomassa (g) e comprimento total (mm) foram tomados ao término do experimento. Para obtenção de dados morfométricos, foram coletadas larvas aleatoriamente nos aquários, e estas foram sensibilizadas em gelo e fixadas em Bouin por 12h e em seguida preservadas em álcool 70%. Para cada repetição, o total de larvas foi pesado em balança Scientch (AS 210, China), precisão 0,1 mg, considerando-se este valor a biomassa que, dividida pelo número de indivíduos, resultou no peso médio da larva. O comprimento total das larvas foi determinado por meio de uma ocular micrométrica, em um microscópio estereoscópico (Carl Zeiss Jena Dv4), medindo-se 50 larvas dos tratamentos plâncton selecionado, plâncton selecionado + ração e plâncton + ração e todas as larvas dos tratamentos plâncton e ração. Ao final do experimento foi contabilizado o total de larvas sobreviventes.
Os resultados das análises tiveram inicialmente suas médias e desvios padrão determinados, para posteriormente serem submetidos aos testes de Lilliefors e Levene, a fim de serem verificadas a normalidade e homocedasticidade. Todos os dados apresentaram normalidade e homogeneidade e posteriormente aplicou-se ANOVA e teste de Tukey (p<0,05). As análises foram realizadas no programa SigmaStat 2.0.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os parâmetros físicos e químicos da água dos tratamentos não apresentaram diferenças estatísticas (P>0,05) (Tabela 1) durante o período experimental e apresentaram valores dentro das condições esperadas para espécies tropicais (ARANA 2004; SILVA & CARNEIRO, 2007).
Tabela 1 Valores médios e desvios padrões dos parâmetros físico-químicos no cultivo de larvas de Colossoma macropomum após 20 dias em distintos tratamentos alimentares: plâncton (P), plâncton + ração (PR), plâncton selecionado (PS), plâncton selecionado + ração (PSR) e ração (R)
Tipo de alimento | Temperatura (oC) | Oxigênio dissolvido (mg L-1) | pH | Condutividade elétrica (mS cm-1) |
---|---|---|---|---|
P | 27,1 ± 2,6 | 7,3 ± 0,5 | 7,5 ± 04 | 44,3 ± 12,9 |
PR | 27,0 ± 2,5 | 7,2 ± 0,6 | 7,2 ± 0,8 | 61,7 ± 29,0 |
PS | 27,1 ± 2,5 | 7,3 ± 0,4 | 7,6 ± 0,5 | 38,6 ± 7,8 |
PSR | 27,3 ± 2,7 | 7,3 ± 0,5 | 7,4 ± 0,6 | 50,6 ± 18,4 |
R | 27,1 ± 2,8 | 7,4 ± 0,6 | 7,6 ± 1,1 | 63,6 ± 30,8 |
Não apresentaram diferenças (P>0,05).
As larvas de tambaqui alimentadas com PR apresentaram melhor (P<0,05) ganho de peso e comprimento, e biomassa, em relação aos demais tratamentos (Tabela 2). As larvas alimentadas com PSR apresentaram maior (P>0,05) sobrevivência.
Tabela 2 Valores médios e desvios padrões do desempenho produtivo de larvas de tambaqui Colosoma macropomum após 20 dias de cultivo em distintos tratamentos alimentares: plâncton (P), plâncton + ração (PR), plâncton selecionado (PS), plâncton selecionado + ração (PSR) e ração (R)
Tipo de alimento | Sobrevivência (%) | Peso (mg) | Biomassa (g) | Comprimento total (mm) |
---|---|---|---|---|
P | 48,4 ± 25,2ab | 9,4 ± 18,9b | 0,7± 0,9ab | 7,4 ±14,4ab |
PR | 49,4 ± 27,0ab | 17,7 ± 3,3a | 1,4± 0,3a | 9,7 ± 25,2a |
PS | 47,2 ± 40,3ab | 10,9± 2,0bc | 0,6± 0,3a | 7,1 ± 25,2bc |
PSR | 62,6 ± 29,4a | 11,3 ± 3,0bc | 0,7± 0,3a | 7,2 ± 25,2bc |
R | 4,8 ± 6,0b | 1,8 ± 1,4c | 0,01 ± 0,0b | 6,9 ± 25,2c |
Médias seguidas de letras minúsculas distintas indicam diferença entre os valores na coluna, segundo teste de Tukey (p<0,05).
As larvas alimentadas com R apresentaram menor (P>0,05) sobrevivência que as larvas alimentadas com PSR, menor (P>0,05) peso do que as do tratamento PR e P, menor (P>0,05) biomassa do que as dos tratamentos PR, PS e PSR e menor (P>0,05) comprimento total que as larvas alimentadas com P e PR (P<0,05), apresentado portanto baixo desempenho produtivo.
As larvas de tambaqui alimentadas exclusivamente com ração apresentaram baixos valores de sobrevivência e peso médio, demonstrando que o alimento vivo é um fator primordial nos primeiros dias de vida, como descrito na literatura (LUZ & ZANIBONI- FILHO, 2001; MANDAL et al., 2009; DAS et al., 2012). Resultados semelhantes foram observados com larvas do surubim-do-Iguaçú, Steindachneridion melanodermatum, onde o tratamento alimentar a base de ração proporcionou menores sobrevivências e ganho de peso (FEIDEN et al., 2006). Também para larvas de mandi–amarelo Pimelodus maculatus (WEINGARTNER & ZANIBONI–FILHO, 2004) e de mandi–pintadoPimelodus britskii (DIEMER et al., 2010) a sobrevivência foi inferior para as larvas alimentadas somente com ração.
Todos os parâmetros do desempenho produtivo dos tratamentos plâncton, plâncton selecionado, plâncton selecionado + ração, não diferiram entre si (P>0,05).
A capacidade das larvas de algumas espécies de peixes em digerir ou não dieta seca, é explicada pelas características morfológicas do trato digestivo e pelas enzimas secretadas ao longo do desenvolvimento (MARQUES et al., 2007; PORTELLA & DABROWSKI, 2008). As larvas de peixes somente aceitam o alimento exógeno quando estão preparadas fisiologicamente para digerí–lo, e isso ocorre quando existe a atividade de protease ácida, indicando a funcionalidade do estômago (VEJA–ORELLANA et al., 2006). Caso contrário, larvas que não se alimentam exaurem suas reservas e morrem por inanição ou ficam suscetíveis à predação (BARAS & JOBLING, 2002), o que justifica a baixa sobrevivência e o desenvolvimento inferior em peso e comprimento das larvas de tambaqui alimentadas exclusivamente com ração.
A captura de presas vivas ativam as enzimas digestivas da larva, iniciando o processo de autólise (SERRANO JUNIOR, 2012), talvez pelo fato do alimento vivo obter a presença de enzimas proteolíticas, que auxiliam na digestibilidade em comparação ao uso de dietas artificiais (KIM et al., 1996). Essas enzimas digestivas dos alimentos vivos auxiliam na digestão na fase inicial das larvas (DABROWSKI & GLOGOWSKI, 1977), sendo à alta atividade proteolítica das enzimas planctônicas, responsáveis pela rápida degeneração e assimilação do plâncton pela larva (GALVÃO et al., 1997). Entretanto, somente a menor parte do total das enzimas ativas são oriundas de organismos ingeridos (UEBERSCHÄR, 1995), sendo a maior parte destas enzimas sintetizadas pela própria larva como uma reação ao estímulo físico pela ingestão da comida (YÚFERA & DARIAS, 2005).
Deve-se ainda considerar que uma vantagem do alimento vivo sobre a ração é que este é mais facilmente detectado e capturado pelas larvas, por estimulá-las visualmente e quimicamente (TESSER & PORTELLA, 2006), confirmando a necessidade do alimento vivo na alimentação inicial das larvas de tambaqui.
As larvas de tambaqui alimentadas com PR apresentaram melhor peso e comprimento aos demais tratamentos, o que foi observado para larvas de pacu Piaractus mesopotamicus (BEERLI et al., 2004) e surubim-do-iguaçu (FEIDEN et al., 2006) e mandi-pintado (DIEMER et al., 2010). Alimentar as larvas com alimentos vivos por um curto período de tempo antes da ração pode aumentar a atividade digestiva e aumentara capacidade das larvas de digerir dietas formuladas (CARNEIRO et al., 2003).
O acréscimo de ração ao alimento vivo (plâncton) tem proporcionado melhores desempenhos produtivos como observado para larvas de piracanjuba Brycon orbignyanus (PEDREIRA & SIPAÚBA-TAVARES 2002), jundiá Rhamdia quelen (CARNEIRO et al., 2003), pirarucuArapaima gigas (CAVERO et al., 2003) e peixe–rei Odonthesthes banariensis (PIEDRAS & POUEY 2004). Esses melhores resultados são explicados pela decomposição do plâncton facilitar a assimilação da ração nos primeiros dias de alimentação exógena, quando o trato digestivo está em formação (SERRANO JUNIOR, 2012). Ou seja, a capacidade das larvas em digerir ou não dieta seca, está relacionado com o estágio morfológico do trato digestivo e das enzimas secretadas ao longo do seu desenvolvimento (MARQUES et al., 2007; PORTELLA & DABROWSKI, 2008).
Neste experimento, as larvas de tambaqui alimentadas com PR e PSR apresentaram maior peso e comprimento, como observado também para larvas de pacamãLophiosilurus alexandri (PEDREIRA et al., 2008), com tratamentos semelhantes.
Neste estudo a oferta do plâncton selecionado em uma peneira com maior abertura foi favorável às larvas de tambaqui, que tiveram a sua disposição presas de maior porte para serem ingeridas, resultando em maior crescimento. Larvas de pacamã apresentaram maior crescimento em tratamentos alimentares com alimento vivo, e selecionado com peneira de maior diâmetro (1300 µm), e maior número de copépodos (organismos de maior porte), proporcionando um maior crescimento (PEDREIRA et al., 2008).
A utilização de ração, como única fonte de alimento mostrou-se inadequada, sendo necessário o emprego do alimento vivo, que quando suplementado com a ração, proporcionou melhor desempenho produtivo e sobrevivência às larvas de tambaqui.