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Aspectos populacionais de Serrapinnus notomelas (Eigenmann, 1915) e Bryconamericus stramineus Eigenmann, 1908 (Characiformes: Characidae) em riachos da bacia do rio Ivinhema, Alto Rio Paraná

Populational aspects of Serrapinnus notomelas (Eigenmann, 1915) e Bryconamericus stramineus Eigenmann, 1908 (Characiformes: Characidae) in streams of Ivinhema River Basin, Upper Paraná Basin

Resumos

O conhecimento dos parâmetros populacionais para as espécies de peixes neotropicais é um grande desafio da ictiologia. No presente trabalho analisamos a relação peso/comprimento, parâmetros de crescimento, mortalidade, recrutamento e avaliamos a influência da variação sazonal da precipitação sobre o peso médio dos indivíduos e o padrão de recrutamento para duas espécies de peixes em riachos da bacia do rio Ivinhema, Estado de Mato Grosso do Sul - Brasil. As amostragens foram realizadas mensalmente de janeiro a dezembro/2002, com esforço padronizado entre os locais. A equação que descreve a relação peso total/comprimento padrão para Serrapinnus notomelas é (Peso = 0,0000191 * LS3,106) e para Bryconamericus stramineus é (Peso = 0,0000080 * LS3,193), sendo a constante b significativamente maior que três. O comprimento assintótico para S. notomelas foi de 42,1 mm e para B. stramineus foi de 54,7 mm. Serrapinnus notomelas apresentou maior mortalidade natural (Z = 1,08) do que B. stramineus (Z = 0,93) e maior taxa de crescimento (S. notomelas k = 0,60 e B. stramineus k = 0,54), sendo que S. notomelas apresentou uma menor longevidade (4,99 anos) do que B. stramineus (5,54 anos). O Índice de performance de crescimento (ø) calculado para S. notomelas foi de 3,027, enquanto para B. stramineus foi de 3,208. Constatamos variação sazonal significativa no peso médio ajustado para ambas as espécies estudadas. O padrão de recrutamento para S. notomelas e B. stramineus também segue um padrão sazonal, com dois picos de recrutamento no ano, sendo que S. notomelas apresentou um pico de recrutamento em março e outro em junho, enquanto B. stramineus apresentou um pico em abril e outro em outubro.

ecologia; peixes; relação peso; parâmetros populacionais


The knowledge of population parameters for Neotropical fish species is a great challenge to ichthyology. In this paper we analyzed the weight/length relationship, parameters of growth, mortality, recruitment and evaluate the influence of seasonal variation of rainfall on the mean weight of individuals and the pattern of recruitment for two fish species in streams of the Ivinhema River Basin-MS. The samples were done monthly from January to December 2002, with standardized effort between the sites. The equation that describe the weight/length relationship for Serrapinnus notomelas is (weight = 0.0000191 * length standard3.106) and for Bryconamericus stramineus is (weight = 0.0000080 * length standard3.193), being the constant b significantly higher than three. The asymptotic length for S. notomelas was 42.1 mm and for B. stramineus was 54.7 mm. Serrapinnus notomelas presented larger natural mortality (Z = 1.08) than B. stramineus (Z = 0.93) and higher growth rate (S. notomelas k = 0.60 and B. stramineus k = 0.54); and S. notomelas presented a lower longevity (4.99 years) than B. stramineus (5.54 years). The Index of growth performance (ø) calculated for S. notomelas was 3.027, while for B. stramineus was 3.208. We verified significant seasonal variation in the adjusted mean weight for both studied species. The recruitment pattern for S. notomelas and B. stramineus also follows a seasonal pattern, with two recruitment picks in the year, and S. notomelas presented a recruitment pick in March and other in June, while B. stramineus presents a pick in April and other in October.

ecology; fish; weight; population parameters


ARTIGOS

Aspectos populacionais de Serrapinnus notomelas (Eigenmann, 1915) e Bryconamericus stramineus Eigenmann, 1908 (Characiformes: Characidae) em riachos da bacia do rio Ivinhema, Alto Rio Paraná

Populational aspects of Serrapinnus notomelas (Eigenmann, 1915) e Bryconamericus stramineus Eigenmann, 1908 (Characiformes: Characidae) in streams of Ivinhema River Basin, Upper Paraná Basin

Luzia da Silva LourençoI,1 1 Corresponding author: Luzia da Silva Lourenço, e-mail: bioluzia@yahoo.com.br ; Yzel Rondon SúarezII; Alexandro Cezar FlorentinoI

ILaboratório de Ecologia e Manejo de Recursos Pesqueiros, Instituto de Biociências, Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, CEP 78060-900, Cuiabá, MT, Brazil, e-mail: alexandrocezar@yahoo.com.br

IILaboratório de Ecologia, Centro Integrado de Análise e Monitoramento Ambiental – CInAM, Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS, Rod. Dourados-Itahum, Km 12, CEP 79804-970, Dourados, MS, Brazil, e-mail: yzel@uems.br

RESUMO

O conhecimento dos parâmetros populacionais para as espécies de peixes neotropicais é um grande desafio da ictiologia. No presente trabalho analisamos a relação peso/comprimento, parâmetros de crescimento, mortalidade, recrutamento e avaliamos a influência da variação sazonal da precipitação sobre o peso médio dos indivíduos e o padrão de recrutamento para duas espécies de peixes em riachos da bacia do rio Ivinhema, Estado de Mato Grosso do Sul - Brasil. As amostragens foram realizadas mensalmente de janeiro a dezembro/2002, com esforço padronizado entre os locais. A equação que descreve a relação peso total/comprimento padrão para Serrapinnus notomelas é (Peso = 0,0000191 * LS3,106) e para Bryconamericus stramineus é (Peso = 0,0000080 * LS3,193), sendo a constante b significativamente maior que três. O comprimento assintótico para S. notomelas foi de 42,1 mm e para B. stramineus foi de 54,7 mm. Serrapinnus notomelas apresentou maior mortalidade natural (Z = 1,08) do que B. stramineus (Z = 0,93) e maior taxa de crescimento (S. notomelas k = 0,60 e B. stramineus k = 0,54), sendo que S. notomelas apresentou uma menor longevidade (4,99 anos) do que B. stramineus (5,54 anos). O Índice de performance de crescimento (ø) calculado para S. notomelas foi de 3,027, enquanto para B. stramineus foi de 3,208. Constatamos variação sazonal significativa no peso médio ajustado para ambas as espécies estudadas. O padrão de recrutamento para S. notomelas e B. stramineus também segue um padrão sazonal, com dois picos de recrutamento no ano, sendo que S. notomelas apresentou um pico de recrutamento em março e outro em junho, enquanto B. stramineus apresentou um pico em abril e outro em outubro.

Palavras-chave: ecologia, peixes, relação peso/comprimento, parâmetros populacionais.

ABSTRACT

The knowledge of population parameters for Neotropical fish species is a great challenge to ichthyology. In this paper we analyzed the weight/length relationship, parameters of growth, mortality, recruitment and evaluate the influence of seasonal variation of rainfall on the mean weight of individuals and the pattern of recruitment for two fish species in streams of the Ivinhema River Basin-MS. The samples were done monthly from January to December 2002, with standardized effort between the sites. The equation that describe the weight/length relationship for Serrapinnus notomelas is (weight = 0.0000191 * length standard3.106) and for Bryconamericus stramineus is (weight = 0.0000080 * length standard3.193), being the constant b significantly higher than three. The asymptotic length for S. notomelas was 42.1 mm and for B. stramineus was 54.7 mm. Serrapinnus notomelas presented larger natural mortality (Z = 1.08) than B. stramineus (Z = 0.93) and higher growth rate (S. notomelas k = 0.60 and B. stramineus k = 0.54); and S. notomelas presented a lower longevity (4.99 years) than B. stramineus (5.54 years). The Index of growth performance (ø) calculated for S. notomelas was 3.027, while for B. stramineus was 3.208. We verified significant seasonal variation in the adjusted mean weight for both studied species. The recruitment pattern for S. notomelas and B. stramineus also follows a seasonal pattern, with two recruitment picks in the year, and S. notomelas presented a recruitment pick in March and other in June, while B. stramineus presents a pick in April and other in October.

Keywords: ecology, fish, weight/length relationships, population parameters.

Introdução

A ictiofauna neotropical é uma das mais diversificadas do mundo. Contudo, o conhecimento da biologia básica de suas espécies ainda é um dos maiores desafios da ictiologia (Lowe-McConnell 1999), sendo que as espécies de pequeno porte são as menos conhecidas, desde o ponto de vista taxonômico até a quantificação de aspectos da ecologia populacional, o que dificulta a adoção de medidas mais eficientes de manejo e conservação (Sanna-Kaisa & Jukka 2004).

Desta forma, o conhecimento da estrutura populacional (eg. mudança da taxa de natalidade e mortalidade, fecundidade, padrão de recrutamento), além de fornecer informações sobre a entrada de novos indivíduos na população e da longevidade dos mesmos (Lowe-McConnell 1999), permite a compreensão da influência de fatores ambientais, tais como temperatura, oxigênio dissolvido, salinidade, fotoperíodo e hidroperíodo e dos fatores bióticos como a competição e a predação (Wootton 1999) sobre a dinâmica populacional das espécies de peixes.

Diversos autores têm estudado espécies de pequeno porte na planície de inundação do Alto Rio Paraná (Braga & Gennari-Filho 1990, Garutti & Figueiredo-Garutti 1992, Giamas et al. 1992, Benedito-Cecilio et al. 1997, Lizama & Ambrósio 1999, 2002, Piana et al. 2006). No entanto, poucos trabalhos foram realizados em riachos com espécies de pequeno porte, ainda que para as espécies Serrapinnus notomelas (Eigenmann 1915) e Bryconamericus stramineus Eigenmann 1908 destacam-se alguns trabalhos, tais como os de Lizama & Ambrósio (1999, 2002) sobre a relação peso/comprimento e fator de condição para S. notomelas na planície alagável do rio Paraná, bem como o trabalho de Galuch et al. (2003) sobre o desenvolvimento inicial e distribuição espacial de B. stramineus e o trabalho de Piana et al. (2006) quantificando a importância de características bióticas e abióticas sobre a densidade populacional de S. notomelas, todos realizados na planície de inundação do rio Paraná.

Diante do exposto o presente estudo tem como objetivo fornecer informações sobre a estrutura em comprimento, a relação peso total/comprimento, parâmetros de crescimento, mortalidade e bem como analisar a influência da variação sazonal da precipitação sobre o peso médio dos indivíduos e o padrão de recrutamento.

Material e Métodos

As coletas foram realizadas mensalmente em sete riachos da bacia do rio Ivinhema, Alto Rio Paraná (Figura 1) entre janeiro e dezembro de 2002. As amostragens foram realizadas com uma peneira retangular de armação metálica (1,2 x 0,8 m) confeccionada com tela de mosquiteiro (2 mm de abertura de malha), sendo realizados 20 lances por local. Todos os riachos foram amostrados no período diurno em um trecho de aproximadamente 50 m.


Em campo, os peixes foram fixados em formol a 10% e, posteriormente, os exemplares levados ao laboratório foram transferidos para álcool 70% para preservação e para obtenção do peso em balança analítica e do comprimento padrão, utilizando paquímetro com aproximação a 0,1 mm.

A relação peso total/comprimento padrão para B. stramineus e S. notomelas foi obtida pelo ajuste de uma regressão não-linear, bem como o intervalo de confiança para o coeficiente angular "b" da regressão.

O comprimento assintótico foi estimado a partir do maior indivíduo capturado utilizando a equação de Pauly (1983):

O valor estimado da taxa de crescimento (k) foi obtido utilizando-se o método ELEFAN I (Eletronic Lengths-Frequency Analysis) (Pauly & David 1981), inserido no programa FISAT.

O índice de performance de crescimento (ø) foi obtido para as duas espécies através da equação proposta por Pauly & Munro (1984):

Enquanto a longevidade foi estimada segundo a equação proposta por Taylor (1958):

A mortalidade total (Z), aqui definida como igual à mortalidade natural (M), foi obtida segundo a fórmula empírica de Pauly (1980), que utiliza a informação dos parâmetros de crescimento (L∞ e k) e a temperatura média (°C) do ambiente em que a espécie foi amostrada:

Com o objetivo de analisar a influência da variação temporal sobre o peso dos indivíduos, para cada uma das espécies foi realizada uma análise de co-variância do peso (variável resposta) em função do mês da amostragem (variável explanatória) e do comprimento padrão (co-variável). Os dados de peso total e comprimento padrão foram previamente transformados utilizando log10. Adicionalmente, o peso médio ajustado para as duas espécies e a pluviosidade de um mês anterior foram correlacionados utilizando a correlação de Spearman.

O padrão de recrutamento foi obtido através da distribuição de freqüência de comprimento padrão e dos parâmetros de crescimento (L∞ e k) estimados para cada espécie, utilizando-se a rotina incluída no FISAT (Gayanilo & Pauly 1997). Posteriormente, foram relacionados os dados de recrutamento de ambas as espécies com a pluviosidade de um mês anterior utilizando a correlação de Spearman.

Resultados

Foram obtidos dados de peso e comprimento de 368 indivíduos de Serrapinnus notomelas e 198 indivíduos de Bryconamericus stramineus. O comprimento padrão médio de S. notomelas foi 23,2 mm (dp = 5,74), variando entre 9 e 40 mm, enquanto para B. stramineus o comprimento padrão médio foi de 31,2 mm (dp = 9,48), variando entre 9,6 e 52 mm. Para B. stramineus constatamos, através da inspeção visual do histograma do comprimento padrão, que a população estudada apresentou quatro modas bem definidas (Figura 2).


O modelo de regressão não-linear gerado para a variação do peso em função do comprimento padrão para S. notomelas (Peso = 0,0000191 * LS3,082) permitiu explicar 96% da variação nos dados. Para B. stramineus o modelo gerado (Peso = 0,0000080 * LS3,198) permitiu explicar 95,7% da variação nos dados (Tabela 1 e Figura 3). Para as duas espécies o valor do intervalo de confiança do coeficiente angular "b" ajustado através da regressão não-linear foi estatisticamente maior que 3, Sendo (3,009-3,155) para S. notomelas e (3,079-3,318) para B. stramineus, desta forma elas apresentam crescimento alométrico positivo.


Através da comparação dos intervalos de confiança do coeficiente angular da relação peso/comprimento constatamos que não existe diferença significativa na taxa de incremento de peso em função do comprimento. Contudo, em nossas amostragens, o comprimento máximo alcançado pelas espécies difere, sendo que B. stramineus é maior (lmax = 52 mm) quando comparado com S. notomelas (lmax = 40 mm), fato que influencia o coeficiente angular.

Estimamos o comprimento assintótico para S. notomelas em 42,1 mm, enquanto para B. stramineus o comprimento assintótico estimado foi de 54,7 mm. Serrapinnus notomelas apresenta maior mortalidade natural (Z = 1,08) que B. stramineus (Z = 0,93) e maior taxa de crescimento (S. notomelas k = 0,60 e B. stramineus k = 0,54); S. notomelas apresenta menor longevidade (4,99 anos) que B. stramineus (5,54 anos). O Índice de performance de crescimento (ø) calculado para S. notomelas foi de 3,027, enquanto para B. stramineus foi de 3,208.

Utilizando a análise de co-variância constatamos que existe influência significativa da variação sazonal, interagindo com o comprimento padrão sobre o peso de ambas as espécies estudadas (Tabela 2), sendo que o peso médio ajustado para S. notomelas acompanha a mudança na pluviosidade ao longo do ano (r = 0,580; p = 0,050) (Figura 4), contudo, para B. stramineus esta correlação não foi significativa (r = 0,545; p = 0,068).


O padrão de recrutamento para S. notomelas e B. stramineus também segue um padrão sazonal, com dois picos de recrutamento no ano, sendo que S. notomelas apresenta um pico de recrutamento em março e outro em junho, enquanto B. stramineus apresenta um pico em abril e outro em outubro (Figura 5), ou seja, nos meses com redução da pluviosidade. Ao correlacionar os dados de recrutamento e pluviosidade não evidenciamos relação para S. notomelas (r = –0,11; p = 0,732), porém houve relação negativa entre a pluviosidade e recrutamento para B. stramineus (r = –0,580; p = 0,050).


Discussão

A estrutura em comprimento de uma população varia devido ao regime de recrutamento e mortalidade dos indivíduos. Tanto a população de B. stramineus como a população de S. notomelas apresentaram um padrão polimodal na distribuição das classes de comprimento o que pode ser um indicativo de repetidos episódios reprodutivos ao longo do ano, e consequentemente a presença de várias coortes na população das duas espécies analisadas em riachos do rio Ivinhema. As alterações na estrutura em comprimento podem resultar do efeito das variáveis abióticas e bióticas na taxa de natalidade e sobrevivência de cada população (Gurgel 2004) e da variação dos atributos ambientais, que determina o estado nutricional da população (Bagarinão & Thayaparam 1986). As diferenças encontradas por Orsi et al. (2004) na distribuição de comprimento da população de Astyanax altiparanae em trechos do rio Paranapanema, Paraná, resultou de diferenciadas estratégias de desenvolvimento, ou seja, épocas distintas de recrutamento nos trechos amostrados, onde tanto os fatores abióticos locais, como a predação, a disponibilidade de alimento determinaram a estrutura populacional da espécie.

Trexler & Travis (1990) observaram na população de Poecilia latipinna que o efeito do ambiente não é forte o suficiente para levar a variações no comprimento corporal entre populações, e que as diferenças intrínsecas entre populações naturais, podem ser resultado da diferença na distribuição de freqüência de genótipos presentes nas populações.

Lizama & Ambrósio (1999) analisando a relação peso/comprimento para nove espécies de peixes na planície de inundação da bacia do rio Paraná encontraram para S. notomelas valores para a constante "a" bem acima (0,0199) dos encontrados no presente trabalho (0,0000191), ainda que o coeficiente angular da regressão "b" tenha sido similar (3,09) ao encontrado no presente estudo (3,106). Desta forma duas hipóteses podem explicar a diferença encontrada no parâmetro "a" entre o trabalho de Lizama & Ambrósio (1999) e o presente trabalho: 1) O fato das amostragens realizadas por estas autoras terem sido desenvolvidas em um outro tipo de ambiente (planície de inundação) quando comparado ao presente estudo, sendo assim, a maior produtividade na planície de inundação poderia atuar levando ao nascimento de indivíduos mais pesados que nos riachos por nós estudados; 2) A grande dispersão dos dados de peso na população estudada por estas autoras teriam conduzido a uma falha na estimativa do parâmetro a.

No presente estudo, constatamos que S. notomelas apresenta maior peso ao nascer que B. stramineus, e que ambas apresentam o coeficiente angular da regressão estatisticamente iguais (sobreposição dos intervalos de confiança), sendo que, ambas as espécies apresentam crescimento alométrico positivo. Giarrizzo et al. (2006) também encontraram similaridade na forma de crescimento de espécies pertencentes à mesma família como no presente estudo.

O desempenho de crescimento, ou seja, o incremento em peso e comprimento de espécies distintas pode ser semelhante, porque ao nascerem os indivíduos investem em crescimento corporal, e quando atingem a maturidade sexual a energia adquirida é acumulada e destinada aos eventos reprodutivos (Costa & Araújo 2003). Ambas as espécies são presas, portanto pode ser esta, outra explicação para a similar forma de desenvolvimento exibida por S. notomelas e B. stramineus, pois quanto mais rápido elas atingem o comprimento máximo teórico maiores são as chances de sobrevivência, uma vez que os indivíduos menores são mais vulneráveis ao processo de predação (Reznick et al. 1996).

Quanto aos parâmetros de crescimento (L∞ e K) espera-se que eles sejam diferentes entre espécies. No entanto, apesar dos parâmetros divergirem, as espécies estudadas seguiram um padrão predito de crescimento, pois S. notomelas alcançou o menor comprimento máximo teórico e a maior taxa de crescimento, e em conseqüência uma maior taxa de mortalidade natural do que B. stramineus. Deste modo, quanto menor o comprimento assintótico da espécie, maior é a taxa de crescimento, sendo que em função do pequeno comprimento corporal, maiores são as chances de serem predadas ou eliminadas do ambiente em condições adversas, o que resultaria, por conseguinte, em uma menor longevidade e elevada taxa de mortalidade.

Quando o crescimento em comprimento é descrito pelo mesmo modelo pode se comparar o desempenho de crescimento entre espécies de formas similares (Mateus & Penha 2008), sendo que a ocorrência de ampla variação nos valores do desempenho de crescimento pode ser um indicativo de erro na estimativa de (ø). No entanto, o cálculo de (ø) para S. notomelas e B. stramineus ficou em torno de três, assim como para as espécies de Roeboides paranensis (ø = 3,64) (Capistrano-Santana et al. 2004) e Moenkhausia dichroura (ø = 3,75) (Cunha et al. 2007), ambos na baía da Onça, uma lagoa perene localizada à margem do rio Aquidauana - MS. Portanto, esses resultados sugerem uma satisfatória estimativa dos parâmetros de crescimento, pois para espécies de uma mesma família este índice não deve variar muito.

Para ambas as espécies, o comprimento padrão interagiu com a variação sazonal na determinação do peso dos indivíduos, o que associado à concordância entre a variação na pluviosidade e o peso médio ajustado das espécies sugere que as variações no nível da água são fatores de grande importância na dinâmica populacional destas espécies. Conclui-se que o melhor bem estar dos indivíduos ocorreu na estação da chuva, quando a condição do habitat torna-se favorável para o desenvolvimento do indivíduo, devido ao aumento na disponibilidade de abrigos e alimentos (Lowe-McConnell 1999, Bravo et al. 2001, Winemiller & Dailey 2002, Silvano et al. 2003).

As populações de peixes exibem certa plasticidade e/ou adaptação às condições locais do habitat. Portanto o efeito de algumas variáveis ambientais sobre os parâmetros populacionais pode variar dependendo dos atributos ambientais locais. McManus & Travis (1998) avaliaram o efeito da temperatura e da salinidade na biomassa corporal de machos de Poecilia latipinna em quatro populações do Norte da Flórida, e observaram uma ampla variação no peso dos indivíduos ao atingirem a maturidade, na análise não houve efeito da salinidade, mas sim interação entre população e temperatura, indicando que o peso dos machos foi alterado pela mudança de temperatura, com a magnitude do efeito variando entre machos de diferentes locais.

A relação entre a pluviosidade e o peso médio de S. notomelas, sugere que esta espécie seja mais dependente da sazonalidade das chuvas, ou até mesmo da variação da temperatura da água, principalmente quando consideramos seu menor tamanho médio em relação a B. stramineus. Assim, diferenças no crescimento podem estar relacionadas à variação sazonal na temperatura da água, como sugerido por De Graaf (2003) estudando o crescimento de peixes na planície de inundação de Bangladesh. Assim como por Trexler et al. (1990) ao avaliar o crescimento de fêmeas de Poecilia latipina na Florida. Conduto de acordo com Trexler & Travis (1990) a variação na salinidade também produz efeitos consideráveis sobre o crescimento de peixes na Flórida.

Para ambas as espécies analisadas neste trabalho o recrutamento ocorreu durante todo o ano, porém não ocorre relação entre a pluviosidade e recrutamento para a população de S. notomelas, contudo para a população de B. stramineus evidencia-se uma relação negativa, pois nos meses de aumento das chuvas na região ocorre um decréscimo no recrutamento, isto fica evidente no mês de dezembro. Lizama & Ambrósio (2003) evidenciaram que o recrutamento de Moenkhausia intermedia é contínuo e presente durante todo o ano, na planície de inundação do rio Paraná, embora ocorram períodos de maiores intensidades. Este padrão de recrutamento observado é característico de espécies de pequeno porte que habitam ambientes de água doce em regiões tropicais. Além disso, os picos de recrutamento na sua grande maioria coincidem com o período de mudança no nível da água. Entretanto, Cunha et al. (2007), ao analisarem o padrão de recrutamento de Moenkhausia dichroura na Baía da Onça, uma lagoa do Pantanal do rio Aquidauana, MS, observaram que a entrada de indivíduos na população ocorreu uma vez no ano (outubro). A população de Astyanax janeiroensis no rio Ubatuba, Rio de Janeiro, praticamente se reproduziu ao longo de todo o ano com exceção de maio a junho, com maior intensidade reprodutiva entre novembro e março (Mazzoni et al. 2005). Mazzoni & Silva (2006) evidenciaram exemplares de Bryconamericus microcephalus em processo reprodutivo entre junho e fevereiro, com pico de reprodução entre setembro e dezembro em um riacho costeiro da Mata Atlântica, Ilha Grande, Rio de Janeiro. Lampert et al. (2007) constataram que B. stramineus possui desova parcelada com época de reprodução ocorrendo entre setembro e dezembro, com um pico menor em fevereiro no rio Ibicuí, RS. Neste contexto, a forma como as fêmeas liberam seus ovócitos dentro de um período reprodutivo, definido como tipo de desova (Vazzoler 1996), representa uma vantagem, uma vez que pode aumentar o sucesso reprodutivo, especialmente para as espécies de pequeno porte incapazes de estocar uma grande quantidade de ovócitos (Lampert et al. 2007). Este comportamento explicaria também a existência de dois picos de recrutamento observada no presente estudo, que seria então, resultado de mais de um evento reprodutivo ao longo do ano.

As espécies acima citadas apresentam uma mesma estratégia reprodutiva que é geneticamente determinada pela história de vida ou pelo comportamento programado. As táticas (estágios ontogenéticos ou ações específicas), que compõem a estratégia, podem diferir entre ambientes para que cada espécie ou população garanta que novos indivíduos sejam recrutados (Wootton 1999).

Em síntese conclui-se que ambas as espécies investem primeiro em incremento corporal, e que o peso relaciona-se positivamente com a pluviosidade local para S. notomelas, porém não há efeito significativo para B. stramineus, com vários pulsos de recrutamento ao longo do ano para ambas as espécies. Entretanto, embora nossos resultados e alguns estudos tenham evidenciado o efeito da sazonalidade do ambiente determinando as mudanças nos parâmetros populacionais, não podemos desconsiderar o efeito da densidade populacional que conduz a competição por recursos influenciando processos populacionais em ambientes naturais. Contudo, como nosso trabalho não objetivou avaliar esta abordagem sugerimos que estudos em ambientes com diferenças de densidade e de oferta de recursos poderiam esclarecer melhor sua importância sobre a dinâmica populacional destas espécies.

Agradecimentos

À Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul/UEMS pelo apoio financeiro. Suely A. D. Molina, Amal Farhat, Priscilla Gobi pelo auxílio nos trabalhos de campo. Aos revisores pelas críticas e sugestões.

Recebido em 09/03/08

Versão Reformulada recebida em 19/09/08

Publicado em 01/10/08

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    Corresponding author: Luzia da Silva Lourenço, e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Mar 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Aceito
      01 Out 2008
    • Recebido
      09 Mar 2008
    • Revisado
      19 Set 2008
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