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Primeiro registro de larvas de Chironomus inquinatus Correia, Trivinho-Strixino & Michailova (Diptera, Chironomidae) vivendo no casco do cágado Phrynops geoffroanus Schweigger (Testudines, Chelidae) na região Neotropical

First record of Chironomus inquinatus larvae Correia, Trivinho-Strixino & Michailova (Diptera, Chironomidae) living on the shell of the side-necked turtle Phrynops geoffroanus Schweigger (Testudines, Chelidae)

Resumos

Neste estudo reportamos pela primeira vez a ocorrência de larvas de Chironomus inquinatus Correia, Trivinho-Strixino & Michailova vivendo no casco do cágado Phrynops geoffroanus Schweigger, possivelmente em função da intensa acumulação de sedimento, em um rio poluído da região Neotropical.

dispersão; rio poluído; quelônio de água doce; larvas de Diptera


In this study we report for the first time the occurrence of Chironomus inquinatus larvae Correia, Trivinho-Strixino & Michailova living on the shell of the side-necked turtle, Phrynops geoffroanus Schweigger, possibly by the intense accumulation of sediment, in a polluted river of the Neotropics.

dispersal; polluted river; freshwater turtle; Diptera larvae


SHORT COMMUNICATIONS

Primeiro registro de larvas de Chironomus inquinatus Correia, Trivinho-Strixino & Michailova (Diptera, Chironomidae) vivendo no casco do cágado Phrynops geoffroanus Schweigger (Testudines, Chelidae) na região Neotropical

First record of Chironomus inquinatus larvae Correia, Trivinho-Strixino & Michailova (Diptera, Chironomidae) living on the shell of the side-necked turtle Phrynops geoffroanus Schweigger (Testudines, Chelidae)

Thiago Simon MarquesI, II, 1 1 Autor para correspondência: Thiago Simon Marques, e-mail: thiagomq@yahoo.com.br ; Bruno de Oliveira FerronatoI; Isabela GuardiaI, II; Ana Luiza Bonfin LongoI; Susana Trivinho-StrixinoIII; Jaime BertoluciII; Luciano Martins VerdadeI

ILaboratório de Ecologia Animal, Departamento de Ciências Biológicas, Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", Universidade de São Paulo – USP, Av. Pádua Dias, 11, CP 09, CEP 13418-900, Piracicaba, SP, Brasil

IIDepartamento de Ciências Biológicas, Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", Universidade de São Paulo – USP, Av. Pádua Dias, 11, CP 09, CEP 13418-900, Piracicaba, SP, Brasil

IIILaboratório de Entomologia Aquática, Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, Rod. Washington Luís, Km 235, CP 676, CEP 13565-905, São Carlos, SP, Brasil

RESUMO

Neste estudo reportamos pela primeira vez a ocorrência de larvas de Chironomus inquinatus Correia, Trivinho-Strixino & Michailova vivendo no casco do cágado Phrynops geoffroanus Schweigger, possivelmente em função da intensa acumulação de sedimento, em um rio poluído da região Neotropical.

Palavras-chave: dispersão, rio poluído, quelônio de água doce, larvas de Diptera.

ABSTRACT

In this study we report for the first time the occurrence of Chironomus inquinatus larvae Correia, Trivinho-Strixino & Michailova living on the shell of the side-necked turtle, Phrynops geoffroanus Schweigger, possibly by the intense accumulation of sediment, in a polluted river of the Neotropics.

Keywords: dispersal, polluted river, freshwater turtle, Diptera larvae.

Introdução

Associações de larvas de Chironomidae com outros animais aquáticos são freqüentes em diversas partes do mundo e os principais hospedeiros incluem Ephemeroptera, Plecoptera, Trichoptera, Megaloptera, Hemiptera, Odonata, Diptera, Mollusca e algumas espécies de peixes (Tokeshi, 1993). Schärer & Epler (2007) registraram a ocorrência de dois gêneros de Chironomidae marinhos vivendo nos cascos de tartarugas marinhas em Porto Rico.

No Brasil, existem registros destas larvas vivendo sobre o corpo de poríferos, hidrozoários, moluscos, insetos e peixes (Roque et al. 2004). Contudo, associações com outros vertebrados aquáticos, como cágados e jacarés, permanecem ainda desconhecidas. Neste trabalho é relatado o primeiro registro de larvas de Chironomidae vivendo no casco de P. geoffroanus em um rio poluído na região Neotropical. Estes dados foram obtidos durante a execução de um projeto voltado para o estudo da ecologia desse quelônio.

Apesar do cágado Phrynops geoffroanus apresentar ampla distribuição geográfica na América do Sul, poucos estudos descrevem aspectos de sua história natural (Medem 1960, Fachín-Terán et al. 1995, Souza & Abe 2000, Souza & Abe 2001). A espécie aparece freqüentemente associada a cursos d'água poluídos, onde pode ocorrer em grandes densidades populacionais (Souza & Abe 2001).

Material e Métodos

O Ribeirão Piracicamirim é um tributário do rio Piracicaba e sua microbacia estende-se por uma área de 133 km2 (Ometto et al. 2000). O clima da região é subtropical, e as características meteorológicas definem uma estação chuvosa (outubro a março) e uma estação seca (abril a setembro) (Ometto et al. 2000, Silveira et al. 2000). O ribeirão possui uma extensão de 24,6 km desde suas cabeceiras até a foz, no Rio Piracicaba, englobando três municípios: Piracicaba, Rio das Pedras e Saltinho (Ometto et al. 2000). Atualmente, este curso d'água é considerado poluído (Ecoar 2007), mesmo após a construção de uma estação de tratamento de esgoto em 1997, em função de lançamentos de esgotos clandestinos e de insumos químicos das plantações de cana-de-açúcar (Ometto et al. 2004).

Os cágados foram capturados no trecho do ribeirão localizado no campus da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (22° 42' 51" S e 47° 37' 36" W), por meio de quatro redes de pesca (nylon; malha de 3 a 5 cm; 2 m de altura), distantes cerca de 4 m uma da outra e estendidas transversalmente durante o dia (Souza & Abe 2000) e vistoriadas a cada três horas. Foram realizadas 39 saídas a campo, entre novembro de 2005 e agosto de 2007. Os animais foram marcados individualmente por meio de transponders subcutâneos (Buhlmann & Tuberville 1998, Dixon & Yanosky 1999).

As larvas de Chironomidae encontradas sobre os cágados e em seu conteúdo estomacal foram coletadas, fixadas em etanol 70% e identificadas ao nível de espécie no laboratório de Entomologia Aquática da Universidade Federal de São Carlos.

Resultados e Discussão

Durante a execução do trabalho supracitado, foram observadas larvas de Chironomus inquinatus vivendo no casco e, em menor escala, no corpo de Phrynops geoffroanus. Entretanto, a coleta de dados não ocorreu de forma sistematizada, e somente atentou-se para essa aparente associação quando foram capturados dois exemplares de aproximadamente 30 cm de comprimento de carapaça que possuíam uma camada de lodo sobre seus cascos, onde foram observadas muitas larvas de C. inquinatus (Figura 1). Exemplares de larvas e pupas da mesma espécie de Chironomidae foram encontradas no seu conteúdo estomacal, além de também terem sido visualizadas em pedras e troncos no leito do rio.


O cágado P. geoffroanus, comum em muitos rios urbanos, aparentemente está se beneficiando das mudanças ambientais, proliferando-se nesses ambientes altamente poluídos. Outras espécies de quelônios aquáticos apresentam comportamentos semelhantes (Gibbons 1968, Moll 1976, 1980). As larvas de Chironomus inquinatus também são típicas de ambientes impactados, como rios que recebem resíduos agrícolas e efluentes domésticos ou industriais (Correia et al. 2006).

Muitas espécies de Chironomidae e seus potenciais hospedeiros podem apresentar baixa tolerância a determinados impactos ambientais, e possivelmente a riqueza de associações pode ser menor em áreas impactadas (Roque et al. 2004). No entanto, não é o caso da associação entre as duas espécies aqui relatadas (P. geoffroanus e C. inquinatus), pois ambas aparentemente beneficiam-se com esses ambientes, proliferando-se em grande número, o que possivelmente favorece este tipo de associação.

P. geoffroanus aparenta ter atividade predominantemente diurna. Observações no campo mostraram muitos indivíduos imóveis sob galhos ou troncos submersos durante a noite (Medem 1960). A permanência do cágado imóvel favorece o acúmulo de sedimentos sobre seu corpo, principalmente em um curso d'água poluído como é o Ribeirão Piracicamirim. Souza (1999) observou que o lodo se deposita rapidamente na carapaça de P. geoffroanus em rios poluídos, tal fato sugere que o casco dos cágados constitue-se em um ambiente favorável à colonização de larvas de Chironomidae (Figura 1).

Estudos sobre a alimentação do cágado em locais degradados, incluindo o presente trabalho , mostram que o principal item de sua dieta são larvas de Chironomidae (Souza & Abe 2000). Apesar disso, a morfologia do P. geoffroanus possivelmente impede que os animais consigam capturar e ingerir as larvas de sua própria carapaça. Por outro lado, os sedimentos ricos em detritos orgânicos desses locais apresentam elevadas densidades populacionais de Chironomus.

Estabelecer qual o tipo de interação envolvendo as larvas de Chironomidae e seus hospedeiros é comumente difícil devido ao pequeno conhecimento sobre sua biologia (Roque et al. 2004). Entretanto, as larvas podem estar se beneficiando da associação pela diminuição do risco de predação, maior mobilidade, proteção contra distúrbios e oportunidade para alimentação (Tokeshi 1993, Schärer & Epler 2007). Tartarugas marinhas são capazes de dispersar larvas de dois gêneros de Chironomidae (Schärer & Epler 2007).

Agradecimentos

O projeto sobre a ecologia de Phrynops geoffroanus em corpos d'água antropizados foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP- Auxílio à Pesquisa Proc. Nº. 2005/00210-9). Esta fundação também concedeu bolsa de iniciação científica a Thiago S. Marques e Ana L.B. Longo. Isabela Guardia foi bolsista de iniciação científica do Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) e Bruno O. Ferronato recebeu bolsa de mestrado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Luciano M. Verdade e Jaime Bertoluci são bolsistas de produtividade do CNPQ. Os animais foram capturados sob licença do IBAMA/RAN (Processo 02010.000005/05-61).

Recebido em 06/07/08

Versão reformulada recebida em 16/09/08

Publicado em 07/10/08

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  • 1
    Autor para correspondência: Thiago Simon Marques, e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Mar 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Aceito
      07 Out 2008
    • Revisado
      16 Set 2008
    • Recebido
      06 Jul 2008
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