Acessibilidade / Reportar erro

Caracterização das assembléias de peixes de riachos de cabeceira no período chuvoso na bacia do rio Cachoeira (SE da Bahia, NE do Brasil)

Characterization of the fish assemblages in headwaters streams in the rainy season in the Cachoeira river basin (SE of the Bahia, NE of the Brazil)

Resumos

Visando conhecer a riqueza de espécies e aspectos ecológicos das assembléias ícticas de riachos de cabeceira da Bacia do Rio Cachoeira, foram realizadas coletas de peixes, de variáveis estruturais do ambiente e da água de oito riachos durante o mês de dezembro de 2007. Foram capturados 1.915 indivíduos pertencentes a 19 espécies das quais, cerca da metade, composta por organismos inferiores a 50 mm, o que sugere endemismo. Espécies com "status" taxonômico indefinido podem ser novas para a ciência. A confirmação de outras podem representar expansão da distribuição geográfica. Sugere-se novos levantamentos na área. Ocorreu correlação significativa entre as ordenações realizadas com dados ambientais e com abundância das espécies levando a formação de três assembléias distintas com suposta ação extrínseca nas suas organizações por parte da estrutura física do canal e de qualidade da água. Visando gerar instrumentos para programas de conservação e monitoramento da biodiversidade foram definidas espécies raras e dominantes.

cabruca; distribuição espacial; diversidade; ictiofauna; espécies raras; espécies dominantes


Fish assemblage samples, environmental structure and water variables were collected from eight small streams in December of 2007 from Cachoeira river basin in the state of Bahia, Brazil. The objective was to obtain a set of information of the species richness and ecological aspects of the ichthyofauna. A thousand nine hundred and fifteen individuals of 19 species were captured. About half of the species contained individuals with a total length smaller than 50 mm. These findings suggest that some species are endemic. Two species with uncertain taxonomic status can be new. Confirmation of others two can represent expansion of the geographic distribution. These results indicate that new surveys in the area are necessary. Ordination analysis results with ambient data and abundance of the species showed significant correlation. Were identified three assemblages and it is suggested that were formed with extrinsic factors. Aiming to generate instruments for conservation programs and biodiversity monitoring species rare and dominant were defined.

cabruca; spatial distribution; diversity; ichthyofauna; rare species; dominant species


ARTICLES

Caracterização das assembléias de peixes de riachos de cabeceira no período chuvoso na bacia do rio Cachoeira (SE da Bahia, NE do Brasil)

Characterization of the fish assemblages in headwaters streams in the rainy season in the Cachoeira river basin (SE of the Bahia, NE of the Brazil)

Mauricio CetraI, 1 1 Autor para correspondência: Mauricio Cetra, e-mail: mcetra@ufscar.br ; Fabio Cop FerreiraII; Alberto Luciano CarmassiII

IDepartamento de Ciências Biológicas, Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, Rod. João Leme dos Santos, Km 110, SP 264, CEP 18052-780, Sorocaba, SP, Brasil

IIPrograma de Pós-Graduação em Ciências Biológicas (Zoologia), Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista – UNES, Av. 24 A, 1515, Bairro Bela Vista, CEP 13506-900, Rio Claro, SP, Brasil

RESUMO

Visando conhecer a riqueza de espécies e aspectos ecológicos das assembléias ícticas de riachos de cabeceira da Bacia do Rio Cachoeira, foram realizadas coletas de peixes, de variáveis estruturais do ambiente e da água de oito riachos durante o mês de dezembro de 2007. Foram capturados 1.915 indivíduos pertencentes a 19 espécies das quais, cerca da metade, composta por organismos inferiores a 50 mm, o que sugere endemismo. Espécies com "status" taxonômico indefinido podem ser novas para a ciência. A confirmação de outras podem representar expansão da distribuição geográfica. Sugere-se novos levantamentos na área. Ocorreu correlação significativa entre as ordenações realizadas com dados ambientais e com abundância das espécies levando a formação de três assembléias distintas com suposta ação extrínseca nas suas organizações por parte da estrutura física do canal e de qualidade da água. Visando gerar instrumentos para programas de conservação e monitoramento da biodiversidade foram definidas espécies raras e dominantes.

Palavras-chave: cabruca, distribuição espacial, diversidade, ictiofauna, espécies raras, espécies dominantes.

ABSTRACT

Fish assemblage samples, environmental structure and water variables were collected from eight small streams in December of 2007 from Cachoeira river basin in the state of Bahia, Brazil. The objective was to obtain a set of information of the species richness and ecological aspects of the ichthyofauna. A thousand nine hundred and fifteen individuals of 19 species were captured. About half of the species contained individuals with a total length smaller than 50 mm. These findings suggest that some species are endemic. Two species with uncertain taxonomic status can be new. Confirmation of others two can represent expansion of the geographic distribution. These results indicate that new surveys in the area are necessary. Ordination analysis results with ambient data and abundance of the species showed significant correlation. Were identified three assemblages and it is suggested that were formed with extrinsic factors. Aiming to generate instruments for conservation programs and biodiversity monitoring species rare and dominant were defined.

Keywords: cabruca, spatial distribution, diversity, ichthyofauna, rare species, dominant species.

Introdução

Há em torno de 300 espécies de peixes catalogadas associadas a rios e riachos da Mata Atlântica brasileira, com cerca de 80% endêmicas e 15% ameaçadas de extinção, ao mesmo tempo em que a ecologia e estado de conservação de muitas espécies ainda são desconhecidos (Menezes et al. 2007). Estes números expressam a complexidade ambiental que reflete a grande variação longitudinal e altitudinal, o pequeno porte das bacias, junto com o processo de evolução histórica das espécies em áreas geomorfologicamente isoladas das demais bacias hidrográficas brasileiras, e o nível de ocupação humana neste ecossistema (MMA/SBF 2000, Menezes et al. 2007).

Dados atuais estimam a existência de menos de 8% da Mata Atlântica original, com ocorrência de remanescentes isolados e dispersos. Os índices de desmatamento são muito mais graves nos estados do nordeste do Brasil, onde restam apenas de 1 a 2% da cobertura original, estando a maioria no sul do estado da Bahia (MMA/SBF 2000).

Levantamentos recentes da fauna de peixes realizados no extremo sul da Bahia, resultaram na descrição dos siluriformes Trichomycterus pradensis (Sarmento-Soares et al. 2005), Microglanis pataxo (Sarmento-Soares et al. 2006a) e Ituglanis cahyensis (Sarmento-Soares et al. 2006b), e na ocorrência de duas espécies ameaçadas de extinção: Mimagoniates sylvicola (Sarmento-Soares & Martins-Pinheiro 2006a) e Rachoviscus graciliceps (Sarmento-Soares & Martins-Pinheiro 2006b).

No presente artigo são apresentados aspectos ecológicos das assembléias de peixes de riachos de cabeceira da bacia do rio Cachoeira no sul da Bahia, uma região com pouquíssimas informações sobre a composição, diversidade e distribuição espacial das espécies.

Material e Métodos

1. Área de estudo

A bacia do rio Cachoeira está localizada na região centro-leste do estado da Bahia, entre as coordenadas 14° 23' e 15° 36' S, e 38° 56' e 40° 09' O, inserida na Região de Planejamento e Gestão das Águas (RPGA) III – Leste (SRH 2007) (Figura 1). Está limitada ao norte pelas bacias dos rios de Contas e Almada, ao sul pelas bacias dos rios Pardo e Una, a oeste pela bacia do rio Pardo e a leste pelo Oceano Atlântico. A área de drenagem da bacia corresponde a cerca de 4.600 km2 onde vivem aproximadamente 600.000 habitantes distribuídos em 12 municípios. A nascente se localiza na serra de Ouricana, numa altitude de 800 m, na cidade de Itororó, com o nome de rio Colônia que, ao encontrar o Rio Salgado, forma o rio Cachoeira que irá atingir seu patamar mais baixo no litoral de Ilhéus (Nacif et al. 2003).


A bacia do rio Cachoeira encontra-se inserida nas faixas climáticas do tipo Af, típico de florestas tropicais, com precipitação superior a 1.000 mm anuais, bem distribuída durante todo o ano e temperatura média de 24 °C. A zona climática, de transição, é do tipo Am, caracterizada pela ocorrência de um período seco nos meses de agosto a setembro, compensado pelos totais pluviométricos elevados e temperaturas médias mensais elevadas e uma zona típica de clima tropical semi-úmido Aw, no sentido oeste próximo a região de planalto de Vitória da Conquista, com precipitação anual de 800 mm (Nacif et al. 2003).

2. Coleta de dados

Foi realizado um levantamento em oito riachos que compõem as regiões de cabeceira dos rios Colônia (pontos 1, 2, 3, 5 e 6), Piabanha (ponto 7) e Salgado (pontos 4 e 8) (Figura 1).

Os peixes foram coletados (Licença nº 13352-1 SISBIO/IBAMA/MMA) durante o mês de dezembro de 2007 utilizando-se um aparelho de pesca elétrica. Um gerador com potência de 2000 W foi conectado a um transformador de voltagem com entrada de 200 V e saída de até 500 V. A este transformador foram ligados dois puçás que, dentro da água, forneciam uma corrente alternada máxima de 2 A. A pesca elétrica foi realizada nos riachos em uma única vez no sentido jusante-montante em trechos de cerca de 70 m sem redes de contensão. Os organismos coletados foram imediatamente imersos em formaldeído a 10% para fixação e posteriormente transferidos para álcool a 70%. Após a identificação, alguns indivíduos das espécies coletadas foram depositados no Museu de Zoologia da USP (MZUSP).

Antes do início da coleta da ictiofauna foram obtidos os valores de temperatura (°C), pH e condutividade (mS.cm–1) utilizando-se uma sonda multiparâmetros Horiba U-10. Foram tomadas informações sobre largura, profundidade, velocidade de corrente e tipo de substrato. Após a coleta, o trecho amostrado foi subdividido em 10 segmentos transversais de 5 metros nos quais foi medida a largura em centímetros. Em cada segmento transversal, da esquerda para a direita e de 1 em 1 metro, foi anotada a profundidade em centímetros, a categoria de substrato predominante e a categoria de velocidade pontual da água na superfície. Independente do estado de preservação da vegetação ripária, a característica predominante do entorno foi classificada em margem com gramínea e composta por rochas. A porcentagem de cobertura vegetal foi graduada visualmente em quatro níveis: 1 – 0 a 25%, 2 – 26 a 50%, 3 – 51 a 75% e 4 – 76 a 100%.

3. Análise de dados

Para medir a diversidade de espécies foram aplicados o índice de riqueza de espécies de Margalef (Mg) e dois índices baseados na abundância proporcional das espécies: Shannon (H') e Pielou (J'). Foi utilizado o método "bootstrap" para estimar o intervalo de confiança a 95%. Também foi calculada a estimativa "Chao2" para a riqueza (Ŝ) da bacia inteira e aplicada uma curva de rarefação que estima a riqueza dado um número de indivíduos conhecido. Foi aplicada uma análise de componentes principais para os dados de abundância das espécies e variáveis ambientais juntamente com um teste de Mantel sobre as matrizes de correlação para as características ambientais e similaridade de Bray-Curtis para a abundância das espécies. Uma análise de raridade foi aplicada com os dados de abundância e freqüência, peso e freqüência, abundância e peso (Ferreira, 2007).

Resultados

De forma geral pode-se dizer que os riachos possuem largura média em torno de 3,5 m, profundidade de 33 cm com velocidade superficial moderada, fundo com matacões, margem composta por gramíneas com pouca cobertura vegetal, temperatura em torno de 23 °C, pH neutro e condutividade mediana de 81,5 mS.cm–1. Nos pontos 1 a 4, predomina a atividade pecuária e nos pontos 6 a 8 predomina a cultura do cacau com vegetação caracterizada pela ocorrência de cabruca (mata nativa com sub-bosque formado pelo cultivo de cacau Theobroma cacao). O ponto 5 encontra-se na área central da bacia onde predomina o clima seco em meio a uma área altamente impactada, em que vários riachos encontram-se secos. O local também é utilizado para pecuária e fica imediatamente abaixo de uma barragem. A vegetação no entorno está completamente ausente e o fundo é composto basicamente por matacões (Tabela 1).

Foram capturados 1.915 indivíduos pertencentes a 5 ordens, 11 famílias e 19 espécies de pequeno porte (Cmédio = 55,88 mm, dp = 31,89 mm). A espécie mais abundante foi Parotocinclus cf. cristatus (505 indivíduos), seguida de Hypostomus unae (389 indivíduos) e Astyanax aff. taeniatus (263 indivíduos). As espécies que mais contribuíram em peso foram Hypostomus unae (3.282,95 g), seguida de Geophagus cf. itapicuruensis (904,89 g) e Rhamdia quelen (837,6 g). As espécies que ocorreram em todas as amostras foram Hypostomus unae, Parotocinclus cf. cristatus e Rhamdia quelen (Tabela 2).

A riqueza estimada para os riachos de cabeceira da bacia do rio Cachoeira foi de 20 espécies, com desvio padrão igual a 1,7 espécies. Através da curva de rarefação pode-se visualizar a tendência a atingir uma assíntota na estimativa da riqueza (Figura 2).


O ponto 5 destacou-se por apresentar as maiores capturas em número (407 indivíduos) e peso (1.244,25 g). A maior riqueza ocorreu no ponto 3 com 15 espécies, sendo também o local de maior índice de diversidade (H' = 2,08) com diferença significativa dos pontos 4, 7, 5, 2 e 8 e índice de riqueza (Mg = 2,44) diferenciando-se estatisticamente dos pontos 7, 5, 2 e 8. Pode-se afirmar que quanto à equabilidade os pontos não são diferentes (Tabela 3).

Através das análises de componentes principais (ACP) foi possível ordenar os pontos de coleta. Utilizando os dados de abundância e composição das espécies a porcentagem de explicação acumulada foi de 58,7%. Em uma extremidade do eixo 1 ficou o ponto 6 associado às espécies Astyanax aff. taeniatus e Trichomycterus bahianus e no outro extremo o ponto 5, associado às espécies Hypostomus unae, Hoplias gr. malabaricus, Astyanax bimaculatus, Parotocinclus cf. cristatus, Geophagus cf. itapicuruensis e Nematocharax venustus. Para o eixo 2, o gradiente não foi tão evidente, porém o ponto 3 se mostrou associado às espécies Characidium cf. timbuiense, Astyanax aff. fasciatus jequitinhonhae, Pimelodella cf. lateristriga e Gymnotus carapo (Figura 3 e Tabela 4). Vale ressaltar a ocorrência de Nematocharax venustus, que apresenta estado de conservação vulnerável, até então com poucos registros em coleções científicas, e teve sua distribuição ampliada, já que a área de distribuição assinalada é dada como restrita a Bacia do Jequitinhonha (Buckup et al. 2007).


Para a ACP utilizando os dados estruturais e da água, a porcentagem de explicação acumulada foi de 52.5%. Para o eixo 1, o gradiente foi o mesmo da ACP para abundância, ou seja, em uma extremidade está o ponto 6 associado à velocidades maiores (rápida V4 e muito rápida V5) e no outro extremo o ponto 5 com velocidades menores (parada V1 ou lenta V2) e valores elevados de temperatura, condutividade e pH. O eixo 2 apresentou um gradiente quanto ao tipo de fundo e margem. O ponto 3 esteve associado a baixos valores de fundo formado por matacões e com valores crescentes de seixos e com margem composta por gramíneas e poucas rochas (Figura 3 e Tabela 5). A correlação entre os pontos com base na composição de espécie e nos dados ambientais foi significativa (r = 0,31, p = 0,015).

Na análise de raridade considerando o peso e a freqüência, destacaram-se as espécies Hypostomus unae, Geophagus cf. itapicuruensis e Rhamdia quelen como dominantes e Delturus sp. como uma espécie rara. Considerando o número de indivíduos e a freqüência, pode-se dizer que as espécies dominantes são Hypostomus unae, Astyanax aff. taeniatus e Parotocinclus cf. cristatus e as raras são Callichthys callichthys e Delturus sp. Considerando o número de indivíduos e o peso, apresentaram altos valores as espécies Hypostomus unae e Trichomycterus bahianus e baixos valores as espécies Pimelodella cf. lateristriga, Aspidoras sp., Ituglanis sp. e Delturus sp. Vale destacar as espécies Hoplias gr. malabaricus e Rhamdia quelen que são raras quanto ao número de indivíduos, mas dominantes quanto ao peso. De forma geral, Hypostomus unae foi a espécie de maior importância nos riachos, seguida de Rhamdia quelen, Geophagus cf. itapicuruensis, Astyanax aff. taeniatus e Parotocinclus cf. cristatus e as raras foram Callichthys callichthys, Delturus sp., Pimelodella cf. lateristriga, Aspidoras sp. e Ituglanis sp. (Figura 4).


Discussão

Os pontos amostrais estudados pertencem a riachos da Mata Atlântica e apresentam características de riachos de planície (Oyakawa et al. 2006), dada a velocidade superficial moderada e temperaturas mais elevadas, em torno de 23 °C. Quanto à temperatura, deve-se levar em consideração a posição latitudinal baixa, que torna a incidência solar maior e a baixa cobertura vegetal, classificadas entre 0 a 25%, encontrada na maioria dos pontos. Vale ressaltar o contraponto para esta característica principalmente no ponto 6, inserido em uma área com cultivo de cacau e manutenção da vegetação arbórea, que apresentou o menor valor de temperatura, reforçando a idéia de que a vegetação contribui para manutenção de menores temperaturas, além de servir como fonte energética para o ambiente aquático.

Ainda com relação às características da água, é interessante atentar para o alto valor de condutividade no ponto 5 (583 mScm-1), raramente encontrado em riachos da Mata Atlântica. Esta característica está associada, principalmente a processos de intemperismo agindo sobre rochas levemente alcalinas, o que pode ser confirmado pelos valores de pH, pouco acima do neutro na maioria dos pontos. Neste ponto foi registrado o maior valor de pH e condutividade. Esta situação pode indicar maior disponibilidade de nutrientes para as algas, que acabam sustentando uma teia alimentar característica.

A riqueza encontrada na bacia pode ser considerada alta por se tratar de uma bacia costeira (19 espécies). Porém, como ressaltado por Sarmento-Soares et al. (2007), nos rios costeiros do nordeste do Brasil não há grandes elevações, a declividade é baixa e os ambientes de corredeira são raros, o que os torna diferentes dos riachos costeiros de Mata Atlântica na Serra do Mar do Sudeste do Brasil, onde os rios descem de encostas de altas montanhas e são encontradas menos espécies.

Naquele artigo foram encontradas 15 espécies nas partes altas da Bacia do Rio Peruípe no extremo sul da BA com estimativa Chao2 de 22 espécies, o que permite dizer que existe uma riqueza bastante similar àquela encontrada nos riachos da parte alta da Bacia do Rio Cachoeira. Vale destacar a estimativa Chao2 de 20 espécies com desvio padrão igual a 1,7 encontrada para o presente trabalho. Como este estimador usa em seus cálculos a riqueza observada acrescida da relação entre o número de espécies que ocorrem em somente uma amostra e o número daquelas que ocorrem em duas, quando poucas espécies são observadas menos que duas vezes, pode-se afirmar que a amostragem está próxima do censo. Isto pode ser confirmado pelo gráfico da rarefação, que apresentou uma tendência a atingir a assíntota, levando a supor que um aumento no esforço, representado aqui em número de indivíduos, não levaria a um acréscimo na riqueza de espécies. Pode-se afirmar que esta situação indica a eficiência do método de coleta, como observado por Ferreira (2007), Carmassi (2008) e Trindade (2008), que encontraram estimativas de riqueza muito próximas daquelas existentes nas coletas.

Dado o pequeno tamanho dos indivíduos capturados (Cmédio = 55,88 mm, dp = 31,89 mm), com cerca de 50% das espécies com organismos cujo comprimento médio foi inferior a 50 mm, pode-se adotar as idéias apresentadas por Castro (1999), Castro et al. (2003) e Menezes et al. (2007), que se referem à ocupação de micro-ambientes por parte destes pequenos organismos e a possibilidade deles completarem o ciclo de vida em áreas geográficas restritas, sugerindo endemismo. Como exemplo desta situação pode-se citar: Parotocinclus cf. cristatus, Hypostomus unae, Nematocharax venustus, Trichomycterus bahianus e Geophagus cf. itapicuruensis, como espécies endêmicas da região. Ituglanis sp. e Aspidoras sp. apresentaram "status" taxonômico indefinido e podem representar novas espécies, o que revela a necessidade de novos levantamentos na região, já que foram coletados poucos indivíduos (6 e 2 indivíduos, respectivamente). Esta situação é confirmada também no caso do Delturus sp., que era um indivíduo jovem de 30,10 mm o que dificultou a sua identificação. A confirmação de Astyanax aff. taeniatus e Characidium cf. timbuiense necessitam averiguação dos nomes, e em caso de confirmação, a distribuição geográfica destas espécies será expandida, visto que seus limites de distribuição, até então conhecidos, são o Espírito Santo. Melo (2005), que revisou as espécies do complexo Astyanax fasciatus,reconheceu como válida a espécie Astyanax jequitinhonhae, aqui classificada como Astyanax aff. fasciatus jequitinhonhae. Vale ressaltar que Menezes (1997), baseando-se nos padrões de distribuição de espécies de Characiformes, reconheceu acentuado endemismo para a região das drenagens costeiras do Rio de Janeiro ao sul da Bahia, denominando a área geográfica de região costeira norte.

Visto que a diversidade é composta pela riqueza e equabilidade, e os riachos apresentaram valores semelhantes de equabilidade, como evidenciado nos valores do índice de Pielou, pode-se afirmar que as variações encontradas no índice de diversidade de Shannon refletem a diferença na riqueza de espécies encontradas entre os pontos. Seguindo o mesmo raciocínio, o fato do ponto 3 apresentar diferença significativa dos pontos 4, 7, 5, 2 e 8, quanto ao índice de Shannon, pode ser justificado pela maior riqueza e alto valor de equabilidade. Para este ponto, vale ressaltar a cobertura vegetal entre 26 a 50%. Como no ponto 5 foram encontradas as maiores abundâncias e valores baixos do índice de diversidade de Shannon, pode-se afirmar que esta situação foi devido à baixa riqueza, evidente no índice de riqueza de Margalef, que trabalha com a relação entre riqueza e abundância, pois é esperado encontrar maior riqueza em locais com maior abundância como postulado pela relação espécie-área.

As análises de componentes principais apresentaram padrões bastante similares, evidenciado pela correlação significativa e pode-se afirmar que as características de estrutura física do canal e de qualidade de água influenciaram significativamente a distribuição e composição das espécies. Esperava-se encontrar um padrão que mostrasse um gradiente dos ambientes, com pastagem em um extremo (pontos 1 a 4) e cultivo de cacau no outro (pontos 6 a 8), porém, uma análise indireta permite dizer que foram detectadas três assembléias. Uma representada pelo ponto 5, que apresentou baixos valores de velocidade superficial e altos valores de temperatura, pH e condutividade, que está associado a uma assembléia composta por Hypostomus unae, Hoplias gr. malabaricus, Astyanax bimaculatus, Parotocinclus cf. cristatus, Geophagus cf. itapicuruensis e Nematocharax venustus, que contém espécies de três ordens e três famílias, organismos piscívoros, herbívoros e onívoros.

No outro extremo, o ponto 6, com variáveis ambientais quantitativa e qualitativamente inversas, ou seja, velocidade superficial elevada e baixos valores de temperatura, pH e condutividade. A este ponto estiveram associadas Astyanax aff. taeniatus, um onívoro com tendência à herbivoria, e Trichomycterus bahianus, um invertívoro que captura alimento junto ao fundo do riacho.

Estiveram associados à última assembléia, representada pelo ponto 3, com fundo formado por seixos, margem composta por gramíneas e poucas rochas, as espécies Characidium cf. timbuiense, Astyanax aff. fasciatus jequitinhonhae, Pimelodella cf. lateristriga e Gymnotus carapo que também representam três ordens, quatro famílias e se alimentam de organismos bentônicos, pelágicos e de áreas marginais. Portanto, a assembléia no ponto 5 é caracterizada por possuir a maior riqueza de espécies e estrutura trófica com maior número de compartimentos, muito possivelmente devido às características ambientais aquáticas bastante favoráveis apesar do entorno ser bastante alterado pela presença de pecuária, inexistência de mata ciliar e ocorrência de barragem à montante. O ponto 6, que possui características ambientais aquáticas mais restritivas é caracterizado por uma assembléia mais pobre em espécies, composta por espécies que obtém energia a partir de invertebrados aquáticos associados ao fundo do leito sustentados pela entrada de material alóctone proveniente da mata ciliar. Já o ponto 3 apresenta riqueza intermediária, com espécies vivendo nos diferentes compartimentos aquáticos e contém uma espécie intimamente relacionada com a presença de plantas aquáticas, como é o caso de Gymnotus carapo.

Para propostas de conservação e monitoramento da biodiversidade, é fundamental classificar as espécies como raras ou dominantes visto que, ao mesmo tempo em que uma espécie rara pode estar associada a uma característica ambiental específica e torna-se necessário a manutenção e preservação de um determinado local de ocorrência, espécies mais abundantes podem ser extremamente úteis do ponto de vista de monitoramento de uma área maior, como por exemplo, uma bacia hidrográfica. Além disso, é possível acompanhar a presença e abundância destas espécies e realizar estudos de alterações morfohistopatológicas que indiquem a qualidade do ambiente. As espécies típicas de riachos de cabeceira, tais como as das famílias Trichomycteridae e Crenuchidae, estiveram associadas ao local menos degradado, o ponto 6, sendo pouco abundantes ou ausentes no ponto 5. As espécies consideradas menos exigentes apresentaram ampla distribuição e grande abundância na bacia, como Hypostomus unae, Geophagus cf. itapicuruensis, entretanto, suas menores abundâncias foram observadas no ponto 6. Parotocinclus cf. cristatus apresentou ampla distribuição nos locais amostrados, sendo uma das espécies mais importantes quanto à freqüência de ocorrência e abundância numérica.

Agradecimentos

Agradecemos à Prof. Dra. Erminda C.G. Couto, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Sistemas Aquáticos Tropicais (PPGSAT/UESC), à UESC pelo suporte logístico, ao CNPq (CTHIDRO 14/2005) pelo financiamento, ao Prof. Dr. Heraldo Antonio Britski do MZUSP que identificou os peixes e aos assessores anônimos da Biota Neotropica que voluntariamente contribuíram para a melhoria do manuscrito.

Recebido em 16/08/08

Versão Reformulada recebida em 08/04/09

Publicado em 28/04/09

Apêndice

Material das espécies de peixes coletadas na bacia do Rio Cachoeira (depositadas na coleção ictiológica do MZUSP):

Parotocinclus cf. cristatus MZUSP 102713 (28); Hypostomus cf. unae MZUSP 102714 (25); Astyanax aff. taeniatus MZUSP 102717 (9); Nematocharax venustus MZUSP 102711 (13); Trichomycterus bahianus MZUSP 102719 (7); Geophagus cf. itapicuruensis MZUSP 102715 (11); Astyanax aff. fasciatus jequitinhonhae MZUSP 102716 (8); Poecilia reticulata MZUSP 102709 (13); Rhamdia quelen MZUSP 102718 (7); Astyanax bimaculatus MZUSP 102710 (9); Characidium cf. timbuiensis MZUSP 102705 (16); Gymnotus carapo MZUSP 102706 (8); Hoplias gr. malabaricus MZUSP 102712 (2); Ituglanis sp. MZUSP 102703 (5); Pimelodella cf. lateristriga MZUSP 102707 (4); Aspidoras sp. MZUSP 102704 (2); Callichthys callichthys MZUSP 102708 (2); Delturus sp. MZUSP 102720 (1).

  • BUCKUP, P.A., MENEZES, N.A. & GHAZZI, M.S. 2007. Catálogo das espécies de peixes de água doce do Brasil. Museu Nacional, Rio de Janeiro.
  • CARMASSI, A.L. 2008. Variação espaço temporal na composição da comunidade de peixes do rio Passa Cinco (SP). Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro.
  • CASTRO, R.M.C. 1999. Evolução da ictiofauna de riachos sul-americanos: padrões gerais e possíveis processos causais. In Ecologia de peixes de riachos: estado atual e perspectivas (E.P. Caramaschi, R. Mazzoni, C.R.S.F. Bizerril, P.R. Peres-Neto, eds). PPGEUFRJ, Rio de Janeiro, p. 139-155.
  • CASTRO, R.M.C., CASATTI, L., SANTOS, H.F., FERREIRA, K.M., RIBEIRO, A.C., BENINE, R.C., DARDIS, G.Z.P., MELO, A.L.A., STOPIGLIA, R., ABREU, T.X., BOCKMANN, F.A., CARVALHO, M., GIBRAN, F.Z. & LIMA, F.C.T. 2003. Estrutura e composição da ictiofauna de riachos do rio Paranapanema, sudeste e sul do Brasil. Biota Neotrop. 3(1): http://www.biotaneotropica.org.br/v3n1/pt/abstract?article+BN01703012003 (último acesso em 14/04/2009).
  • FERREIRA, F.C. 2007. Ictiofauna de riachos na Planície Costeira da Bacia do Rio Itanhaém, Litoral Sul de São Paulo. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro.
  • MELO, F.A.G. 2005. Revisão taxonômica do complexo de espécies Astynax fasciatus (Cuvier, 1819) Teleostei: Characiformes: Characidae). Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
  • MENEZES, N.A., WEITZMAN, S., OYAKAWA, O.T., LIMA, F., CASTRO, R. & WEITZMAN, M. 2007. Peixes de água doce da Mata Atlântica. Museu de Zoologia/USP; Conservação Internacional; FAPESP; CNPq, São Paulo.
  • MENEZES, N.A. 1997. Padrões de distribuição da biodiversidade da Mata Atlântica do sul e sudeste brasileiro: peixes de água doce. In Workshop Padrões de Distribuição da Diversidade da Mata Atlântica do Sul e Sudeste Brasileiro. Conservation International do Brasil, Campinas.
  • Ministério do Meio Ambiente – MMA & Secretaria de Biodiversidade e Florestas - SBF. 2000. Avaliação e ações prioritárias para a conservação da biodiversidade da Mata Atlântica e Campos Sulinos. Conservation International do Brasil; Fundação SOS Mata Atlântica; Fundação Biodiversitas; Instituto de Pesquisas Ecológicas; Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo; SEMAD/Instituto Estadual de Florestas-MG, Brasília.
  • NACIF, P.G.S., COSTA, L.M., SOADI, A., FERNANDES-FILHO, E.I., KER, J.C., COSTA, O.V., MOREAU, M.S. 2003. Ambientes naturais da bacia hidrográfica do rio Cachoeira. Disponível em: www.corredores.org.br/?pageId=adminOpenDoc&docId=1664 (último acesso em 14/04/2009).
  • OYAKAWA, O.T., AKAMA, A., MAUTARI, K.C. & NOLASCO, J.C. 2006. Peixes de riachos da Mata Atlântica nas Unidades de Conservação do Vale do Rio Ribeira de Iguape no estado de São Paulo. Editora Neotropica, São Paulo.
  • SARMENTO-SOARES, L.M., MARTINS-PINHEIRO, R.F., ARANDA, A.T. & CHAMON, C.C. 2005. Trichomycterus pradensis, a new catfish from southern Bahia coastal rivers, northeastern Brazil (Siluriformes: Trichomycteridae). Ichthyol. Explor. Freshwaters, 16(4):289-302.
  • SARMENTO-SOARES, L.M. & MARTINS-PINHEIRO, R.F. 2006a. Mimagoniates sylvicola (Characidae: Glandulocaudinae): espécie ameaçada de extinção em riachos litorâneos do extremo sul da Bahia, Brasil. [s.n.], [S.L.]. Boletim SBI, Junho de 2006, Nş 83.
  • SARMENTO-SOARES, L.M., MARTINS-PINHEIRO, R.F., ARANDA, A.T. & CHAMON, C.C. 2006b. Ituglanis cahyensis, a new catfish from Bahia, Brazil (Siluriformes: Trychomecteridae). Neotrop. Ichthyol. 4(3):309-318.
  • SARMENTO-SOARES, L.M., PINHEIRO, R.F.M., CHAMON, C.C. & ARANDA, A.T. 2006a. Microglanis pataxo, a new catfish from southern Bahia coastal rivers, northeastern Brazil (Siluriformes: Pseudopimelodidae). Neotrop. Ichthyol. 4(2):157-166.
  • SARMENTO-SOARES, L.M. & MARTINS-PINHEIRO, R.F. 2006b. Rachoviscus graciliceps (Characidae: Incertae Sedis) sobrevivente nos pequenos riachos do extremo sul da Bahia, Brasil. [s.n.], [S.L.]. Boletim SBI, Dezembro de 2006, Nş 85.
  • SARMENTO-SOARES, L.M., MAZZONI, R. & MARTINS-PINHEIRO, R.F. A fauna de peixes na bacia do Rio Peruípe, extremo Sul da Bahia. 2007. Biota Neotrop. 7(3): http://www.biotaneotropica.org.br/v7n3/pt/abstract?inventory+bn02107032007 (último acesso em 14/04/2009).
  • Superintendência de Recursos Hídricos - SRH & Governo da Bahia. 2007. Região de planejamento e gestão das águas. Disponível em: http://www.srh.ba.gov.br/ (último acesso em 05/05/2007).
  • TRINDADE, M.E. 2008. Caracterização da assembléia de peixes no ribeirão Limoeiro, bacia do rio Cachoeira - BA. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus.
  • 1
    Autor para correspondência: Mauricio Cetra, e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Out 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009

    Histórico

    • Revisado
      08 Abr 2009
    • Recebido
      16 Ago 2008
    • Aceito
      28 Abr 2009
    Instituto Virtual da Biodiversidade | BIOTA - FAPESP Departamento de Biologia Vegetal - Instituto de Biologia, UNICAMP CP 6109, 13083-970 - Campinas/SP, Tel.: (+55 19) 3521-6166, Fax: (+55 19) 3521-6168 - Campinas - SP - Brazil
    E-mail: contato@biotaneotropica.org.br