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Comparação das atividades antimicrobianas de meropenem e imipenem/cilastatina: o laboratório necessita testar rotineiramente os dois antimicrobianos?

Comparative antimicrobial activity between meropenem and imipenem/cilastatina: does the clinical laboratory need to test both imipenem and meropenem routinely?

Resumos

O meropenem e o imipenem representam os ß-lactâmicos com maior espectro e potência antimicrobiana, e são os únicos carbapenêmicos disponíveis para uso clínico no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa. O meropenem apresenta atividade in vitro superior contra gram-negativos, enquanto que o imipenem é discretamente mais ativo contra gram-positivos. Os objetivos deste estudo são comparar as atividades in vitro destes dois carbapenêmicos e avaliar a necessidade de o laboratório clínico testá-los em sua rotina. Os resultados da avaliação dos padrões de sensibilidade de 2.144 bacilos gram-negativos pela técnica de microdiluição em caldo foram analisados. Contra enterobactérias, o meropenem apresentou atividade pelo menos oito vezes maior que o imipenem. Contra Pseudomonas aeruginosa, o meropenem (CIM50 de 1mig/ml) também apresentou atividade superior à do imipenem (CIM50 de 2mig/ml), e contra Acinetobacter baumannii, a ação dos dois é equivalente (CIM50 de 1mig/ml para ambos). Somente 2,7% das amostras avaliadas apresentaram resultados discordantes entre os dois carbapenêmicos em termos de categoria de sensibilidade - isto é, foram sensíveis a um e resistentes ao outro. Quarenta e seis amostras (2,14%) foram sensíveis ao meropenem e resistentes ao imipenem, enquanto que somente 12 amostras (0,55%) apresentaram sensibilidade ao imipenem e resistência ao meropenem. A grande maioria dos resultados discordantes (91,4%) ocorreu entre as amostras de bacilos gram-negativos não-fermentadores da glicose (BGN-NF). Entre as 1.350 enterobactérias testadas houve apenas cinco resultados discordantes (0,37%), enquanto que entre os BGN-NF ocorreram 53 (6,67%). Além disso, em cerca de 80%, as amostras foram sensíveis ao meropenem e resistentes ao imipenem. Os resultados deste estudo indicam que o laboratório de microbiologia pode testar apenas um dos carbapenêmicos contra enterobactérias, considerando para o outro o mesmo resultado. É importante que os resultados dos dois carbapenêmicos sejam colocados no relatório, para que o médico possa escolher aquele que achar mais adequado. Por outro lado, para os BGN-NF, o laboratório deve realizar o teste de sensibilidade com os dois carbapenêmicos separadamente.

Atividade antimicrobiana; Carbapenens; Meropenem; Imipenem


Meropenem and imipenem are the most active and potent ß-lactams against gram-negative bacteria and the only carbapenems commercially available in Brazil, USA, and Europe. Meropenem has higher in vitro activity against gram-negative bacteria, while imipenem has slightly higher in vitro activity against gram-positive. The objectives of this study are to compare the in vitro activities of these carbapenems and to evaluate the necessity of susceptibility testing both compounds at the routine of the microbiology laboratory. The broth microdilution results of 2,144 gram-negative bacilli were analyzed. Against Enterobacteriaceae meropenem was at least eight-fold more potent than imipenem. Against Pseudomonas aeruginosa meropenem (MIC50, 1mug/ml) was also more potent than imipenem (MIC50, 2mug/ml), and against Acinetobacter baumannii both carbapenems presented similar in vitro activities (MIC50, 1mug/ml for both). Only 2.7% of the isolates presented discrepant category results between the carbapenems; i.e. susceptible to one and resistant to the other. Forty-six isolates (2.14%) were susceptible to meropenem and resistant to imipenem; while only 12 isolates (0.55%) were susceptible to imipenem and resistant to meropenem. The vast majority of discordant results (91.4%) occur among non-fermentative bacilli (NF-BGN). Five discordant results were detected among 1,350 Enterobacteriaceae evaluated (0.37%); while 53 discrepant results were detected among 794 NF-BGN (6.64%). Isolates showing susceptibility to meropenem and resistance to imipenem account for 80% of the discrepant results. The results of this study indicate that the microbiology laboratory may susceptibility test only one of the carbapenems for Enterobacteriaceae and use the same category result for the other one. It is important that the results for both carbapenems are sent to the physicians in order for them to be able to choose the most appropriated for the case. On the other hand, for NF-BGN the laboratory should susceptibility test both carbapenems.

Antimicrobial activity; Carbapenems; Meropenem; Imipenem


ARTIGO ORIGINAL

ORIGINAL PAPER

Recebido em 26/03/01

Aceito para publicação em 27/07/01

Comparação das atividades antimicrobianas de meropenem e imipenem/cilastatina: o laboratório necessita testar rotineiramente os dois antimicrobianos?

Comparative antimicrobial activity between meropenem and imipenem/cilastatina: does the clinical laboratory need to test both imipenem and meropenem routinely?

Ana C. Gales

Rodrigo E. Mendes

José Rodrigues

Hélio S. Sader

unitermos

resumo

Atividade antimicrobiana

Carbapenens

Meropenem

Imipenem/cilastatina

O meropenem e o imipenem representam os ß-lactâmicos com maior espectro e potência antimicrobiana, e são os únicos carbapenêmicos disponíveis para uso clínico no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa. O meropenem apresenta atividade in vitro superior contra gram-negativos, enquanto que o imipenem é discretamente mais ativo contra gram-positivos. Os objetivos deste estudo são comparar as atividades in vitro destes dois carbapenêmicos e avaliar a necessidade de o laboratório clínico testá-los em sua rotina. Os resultados da avaliação dos padrões de sensibilidade de 2.144 bacilos gram-negativos pela técnica de microdiluição em caldo foram analisados. Contra enterobactérias, o meropenem apresentou atividade pelo menos oito vezes maior que o imipenem. Contra Pseudomonas aeruginosa, o meropenem (CIM50 de 1mg/ml) também apresentou atividade superior à do imipenem (CIM50 de 2mg/ml), e contra Acinetobacter baumannii, a ação dos dois é equivalente (CIM50 de 1mg/ml para ambos). Somente 2,7% das amostras avaliadas apresentaram resultados discordantes entre os dois carbapenêmicos em termos de categoria de sensibilidade – isto é, foram sensíveis a um e resistentes ao outro. Quarenta e seis amostras (2,14%) foram sensíveis ao meropenem e resistentes ao imipenem, enquanto que somente 12 amostras (0,55%) apresentaram sensibilidade ao imipenem e resistência ao meropenem. A grande maioria dos resultados discordantes (91,4%) ocorreu entre as amostras de bacilos gram-negativos não-fermentadores da glicose (BGN-NF). Entre as 1.350 enterobactérias testadas houve apenas cinco resultados discordantes (0,37%), enquanto que entre os BGN-NF ocorreram 53 (6,67%). Além disso, em cerca de 80%, as amostras foram sensíveis ao meropenem e resistentes ao imipenem. Os resultados deste estudo indicam que o laboratório de microbiologia pode testar apenas um dos carbapenêmicos contra enterobactérias, considerando para o outro o mesmo resultado. É importante que os resultados dos dois carbapenêmicos sejam colocados no relatório, para que o médico possa escolher aquele que achar mais adequado. Por outro lado, para os BGN-NF, o laboratório deve realizar o teste de sensibilidade com os dois carbapenêmicos separadamente.

abstract

key words

Meropenem and imipenem are the most active and potent ß-lactams against gram-negative bacteria and the only carbapenems commercially available in Brazil, USA, and Europe. Meropenem has higher in vitro activity against gram-negative bacteria, while imipenem has slightly higher in vitro activity against gram-positive. The objectives of this study are to compare the in vitro activities of these carbapenems and to evaluate the necessity of susceptibility testing both compounds at the routine of the microbiology laboratory. The broth microdilution results of 2,144 gram-negative bacilli were analyzed. Against Enterobacteriaceae meropenem was at least eight-fold more potent than imipenem. Against Pseudomonas aeruginosa meropenem (MIC50, 1mg/ml) was also more potent than imipenem (MIC50, 2mg/ml), and against Acinetobacter baumannii both carbapenems presented similar in vitro activities (MIC50, 1mg/ml for both). Only 2.7% of the isolates presented discrepant category results between the carbapenems; i.e. susceptible to one and resistant to the other. Forty-six isolates (2.14%) were susceptible to meropenem and resistant to imipenem; while only 12 isolates (0.55%) were susceptible to imipenem and resistant to meropenem. The vast majority of discordant results (91.4%) occur among non-fermentative bacilli (NF-BGN). Five discordant results were detected among 1,350 Enterobacteriaceae evaluated (0.37%); while 53 discrepant results were detected among 794 NF-BGN (6.64%). Isolates showing susceptibility to meropenem and resistance to imipenem account for 80% of the discrepant results. The results of this study indicate that the microbiology laboratory may susceptibility test only one of the carbapenems for Enterobacteriaceae and use the same category result for the other one. It is important that the results for both carbapenems are sent to the physicians in order for them to be able to choose the most appropriated for the case. On the other hand, for NF-BGN the laboratory should susceptibility test both carbapenems.

Antimicrobial activity

Carbapenems

Meropenem

Imipenem/cilastatina

Introdução

As cefalosporinas de amplo espectro permaneceram por um longo período como drogas antimicrobianas de primeira escolha para o tratamento de infecções graves causadas por bactérias gram-negativas. Entretanto, a emergência de bactérias produtoras de ß-lactamases de espectro ampliado, ou de ß-lactamases AmpC, e o aumento da prevalência de bacilos gram-negativos não-fermentadores multirresistentes têm limitado o uso clínico destes agentes antimicrobianos (2, 10-12, 17, 22, 26). Carbapenêmicos como as cefalosporinas também são antimicrobianos ß-lactâmicos, entretanto apresentam atividade in vitro superior contra amostras de gram-negativos (5, 7, 13, 21). Apesar de estes compostos serem indutores da produção de ß-lactamases AmpC, modificações em suas fórmulas químicas permitiram que se tornassem altamente resistentes à hidrólise da maioria das ß-lactamases, com exceção daquelas produzidas por amostras de Stenotrophomonas maltophilia (2, 17, 25).Dessa maneira, os carbapenêmicos constituem a terapia antimicrobiana de escolha para tratamento de infecções hospitalares graves causadas por gram-negativos (1).Estes compostos apresentam ainda boa atividade contra gram-positivos, com exceção de amostras de Enterococcus spp. e Staphylococcus spp. resistentes à oxacilina (5, 7, 13, 23).

O imipenem e o meropenem são os únicos carbapenêmicos disponíveis para uso clínico no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa (1, 7). O imipenem foi o primeiro carbapenêmico a ser lançado no mercado (11). Para manter sua atividade antibacteriana e diminuir sua nefrotoxicidade, o imipenem deve ser co-administrado com a cilastatina, um inibidor da deidropeptidase renal I (7, 9). A síntese do meropenem representou um avanço na área de desenvolvimento dos carbapenêmicos, pois, além de ser estável à hidrólise causada pela maioria das ß-lactamases, este composto não é hidrolisado pela deidropeptidase renal I, o que permite a sua utilização sem a cilastatina (5, 7). Vários estudos que compararam a atividade antimicrobiana destes dois carbapenêmicos demonstraram que o meropenem apresenta atividade in vitro superior contra gram-negativos, enquanto o imipenem exibe uma atividade discretamente superior à do meropenem contra gram- positivos (7, 8, 23). Porém o espectro de ação das duas drogas é muito semelhante, e a importância clínica da diferença de potência ainda necessita ser mais bem avaliada. Estudos clínicos também têm demonstrado que o meropenem apresenta menor toxicidade que o imipenem, o que estende o seu uso para o tratamento de meningites causadas por gram-negativos, especialmente em pacientes pediátricos.

Recentemente, tem sido freqüente o lançamento de antimicrobianos que pertencem à mesma classe mas apresentam potências antibacterianas diferentes – como o imipenem e o meropenem (26). A chegada ao mercado de novas drogas antimicrobianas dificulta ainda mais a padronização dos agentes a serem testados rotineiramente. Portanto, para o laboratório de microbiologia, é importante que exista uma orientação de quais drogas devem passar por testes e quais, apesar de não terem sido testadas, podem ter sua sensibilidade avaliada pelo teste de outro representante do grupo.

O objetivo principal deste estudo foi avaliar comparativamente as atividades da associação imipenem/cilastatina e do meropenem contra amostras bacterianas patogênicas recentemente coletadas por meio do programa de vigilância Sentry (27). Um objetivo secundário do estudo foi avaliar se a sensibilidade ao meropenem poderia ser predita com base nos resultados de sensibilidade ao imipenem.

Material e métodos

Amostras bacterianas

Entre janeiro de 1997 e dezembro de 1999, 2.144 amostras de bacilos gram-negativos foram coletadas em quatro laboratórios brasileiros participantes do Programa Sentry de Vigilância de Resistência Bacteriana (27). As espécies representantes dos principais gêneros que causam infecções distribuíram-se, nas amostras, na seguinte proporção: Acinetobacter spp. (252), Burkholderia cepacia (26), Citrobacter spp. (29), Enterobacter spp. (278), Escherichia coli (514), Klebsiella spp. (346), Morganella morganii (22), Proteus spp. (54), Providencia rettgeri (5), Pseudomonas aeruginosa (496), Pseudomonas spp. (20) e Serratia spp. (102). As amostras foram coletadas de pacientes com infecção hospitalar ou com infecção comunitária que necessitaram ser hospitalizados para tratamento. Somente uma amostra por paciente foi incluída neste estudo. Todas foram isoladas dos seguintes sítios: corrente sangüínea (996), trato respiratório (552), pele e partes moles (174) e trato urinário (422). As provenientes de sítios não-estéreis foram testadas somente quando julgadas responsáveis pela infecção (27).

Centros participantes

Atualmente, três laboratórios brasileiros, localizados nos estados de Santa Catarina (Laboratório Médico Santa Luzia, Florianópolis), Rio Grande do Sul (Laboratório de Microbiologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre) e São Paulo (Laboratório Especial de Microbiologia Clínica, São Paulo), fazem parte do Programa Sentry de Vigilância de Resistência Bacteriana. Um laboratório do Rio de Janeiro (Laboratório Lâmina, Rio de Janeiro) participou do programa em 1997 e 1998, sendo substituído, em 1999, pelo laboratório do Rio Grande do Sul (27). Mensalmente, de acordo com o protocolo Sentry, amostras bacterianas provenientes de vários sítios são encaminhadas à Universidade de Iowa, em Iowa City, Estados Unidos, para avaliação da sensibilidade antimicrobiana (22).

Testes de sensibilidade

Após a confirmação do gênero ou da espécie bacteriana, os testes de sensibilidade pela técnica de microdiluição em caldo foram realizados e interpretados de acordo com as recomendações do National Committee for Clinical Laboratory Standards (NCCLS) (19). A concentração inibitória mínima (CIM) foi definida como a menor concentração de antimicrobianos capaz de inibir o crescimento bacteriano. A CIM50 e a CIM90 foram definidas como as concentrações inibitórias mínimas capazes de inibir o crescimento de 50% e 90%, respectivamente, das amostras bacterianas testadas. Como controle de qualidade foram utilizadas amostras da American Type Culture Collection: Escherichia coli ATCC 25922 e Pseudomonas aeruginosa ATCC 27853.

O escatergrama foi utilizado para comparar os resultados da CIM obtidos com o imipenem e o meropenem. No eixo das abscissas (X) encontram-se os resultados do imipenem, enquanto que no eixo das ordenadas (Y), os do meropenem. As linhas tracejadas indicam o limite de sensibilidade aos carbapenêmicos (sensível £ 4mg/ml; intermediário 8mg/ml; resistente ³ 16mg/ml) preconizado pelo NCCLS (19). Os resultados eram considerados concordantes quando as CIMs do imipenem e do meropenem encontravam-se dentro da mesma categoria de sensibilidade e discordantes quando em categorias distintas. Para fins de comparação, a categoria intermediária foi considerada pertencente à categoria resistente se a amostra apresentasse sensibilidade a um dos carbapenêmicos. Entretanto comparações entre as categorias intermediária e resistente não foram consideradas, pois a diferença de apenas uma diluição pode não necessariamente representar discrepância na atividade dos carbapenêmicos.

Resultados e discussão

Os resultados deste estudo estão sumarizados na Tabela. Entre as 514 amostras de E. coli testadas, o meropenem (CIM90 £ 0,06mg/ml) foi pelo menos oito vezes mais ativo que o imipenem/cilastatina (CIM90 de 0,5mg/ml). A atividade superior do meropenem também foi observada com amostras de Klebsiella spp. (CIM90 0,12mg/ml). A excelente atividade antimicrobiana demonstrada pelos carbapenêmicos pode ser atribuída à rápida penetração do antimicrobiano na célula bacteriana e à alta afinidade com as proteínas ligadoras de penicilina (PBPs). Além disso, os carbapenêmicos são altamente estáveis à degradação causada pela maioria das ß-lactamases presentes no espaço periplásmico de bactérias gram-negativas (2, 7, 13). Na Figura 1, a distribuição da população bacteriana estudada de acordo com as CIMs do imipenem e do meropenem pode ser observada. Aproximadamente 60% dos isolados testados apresentaram CIM £ 0,06mg/ml com o meropenem, enquanto que com o imipenem a distribuição dos isolados ocorreu de forma mais uniforme entre as concentrações de 0,12mg/ml e 2mg/ml, o que denota a maior potência do meropenem. A distribuição da população bacteriana ao redor destas concentrações pode ser atribuída ao alto número de enterobactérias avaliadas (63%).


As amostras bacterianas pertencentes aos gêneros Citrobacter, Enterobacter, Morganella e Serratia são reconhecidamente produtoras de ß-lactamases AmpC. Estas ß-lactamases são codificadas pelo gene AmpC, e sua produção é induzida quando as amostras bacterianas são expostas aos agentes ß-lactâmicos (2, 12). Em contraste, apesar de o uso excessivo de agentes ß-lactâmicos, principalmente as cefalosporinas de amplo espectro, ser um dos fatores responsáveis pela emergência de E. coli e K. pneumoniae produtoras de ß-lactamases de espectro ampliado (ESBL), estas ß-lactamases não são induzidas pela presença do ß-lactâmico (2, 17, 24). A produção de ESBL ou de ß-lactamases do tipo AmpC irá ocasionar a hidrólise de cefalosporinas de amplo espectro como a ceftazidima e a ceftriaxona, podendo levar à falência terapêutica quando estes agentes são utilizados para fins terapêuticos. Outra importante diferença entre estas duas classes de ß-lactamases é a inibição pelos inibidores de ß-lactamases, o ácido clavulânico, o sulbactam e o tazobactam. As ESBLs geralmente são inibidas pelos inibidores de ß-lactamases, enquanto que as ß-lactamases AmpC não o são. Estudos que analisam o perfil de sensibilidade de amostras bacterianas coletadas em hospitais brasileiros têm observado altas taxas de E. coli e K. pneumoniae produtoras de ß-lactamases de espectro ampliado, além de amostras de Enterobacter spp. hiperprodutoras de AmpC (28).

Este estudo mostrou que o meropenem foi de oito a 32 vezes mais potente que o imipenem contra amostras produtoras de ß-lactamases AmpC e inibiu o crescimento de 100% destas amostras. Isto reafirma a posição de que este antimicrobiano constitui uma das drogas de primeira linha para tratamento de infecções causadas por estas espécies. Três amostras bacterianas, uma de Enterobacter cloacae, uma de Proteus mirabilis e uma de Morganella morganii, apresentaram resistência intermediária ao imipenem (CIM de 8mg/ml), mas permaneceram sensíveis ao meropenem (CIM entre 0,12mg/ml e 1mg/ml). Curiosamente, o contrário foi observado em uma amostra de K. pneumoniae, que apresentou sensibilidade ao imipenem (CIM de 4mg/ml) e resistência ao meropenem (CIM > 8mg/ml). Estas diferenças poderiam ser decorrentes de alterações nas porinas, proteínas de membrana externa bacteriana por onde os antimicrobianos penetram na célula bacteriana (21). É sabido que o imipenem e o meropenem utilizam porinas distintas para penetrar na célula bacteriana e que talvez o uso de um dos carbapenêmicos possa ter selecionado uma bactéria mutante resistente ao mesmo (14, 18). A produção de uma ß-lactamase capaz de hidrolisar somente um dos carbapenêmicos é uma hipótese possível, mas remota, pois estas enzimas são raras e geralmente reconhecem ambos os carbapenêmicos como substratos (16, 25).

Pseudomonas aeruginosa e Acinetobacter spp. são as bactérias não-fermentadoras mais freqüentemente isoladas em nossos laboratórios de microbiologia. Entre as amostras de P. aeruginosa, o meropenem (CIM50 de 1mg/ml) mostrou ser duas vezes mais potente que o imipenem (CIM50 de 2mg/ml), inibindo 74,4% destes isolados. Já contra amostras da Acinetobacter spp., estes carbapenêmicos demonstraram potência similar (CIM50 de 1mg/ml para ambos). Neste estudo, aproximadamente 30% das amostras de P. aeruginosa e 10% das amostras de Acinetobacter spp. foram resistentes aos carbapenêmicos testados. Provavelmente, estas taxas estão superestimadas devido à presença de clones multirresistentes nos hospitais avaliados. Entretanto altas taxas de resistência aos carbapenêmicos entre amostras bacterianas de não-fermentadores têm sido um problema freqüentemente detectado em centros brasileiros (27, 28).

Entre as 26 amostras de Burkholderia cepacia avaliadas, o meropenem (CIM50 de 4mg/ml) foi duas vezes mais potente que o imipenem (CIM50 de 8mg/ml). A maior potência do meropenem associada aos limites de sensibilidade estabelecidos para os carbapenêmicos foi a razão pela qual as taxas de sensibilidade dos dois carbapenêmicos foram tão discrepantes (80,5% com o meropenem versus 38,5% com o imipenem). Em contraste, contra as 20 amostras de Pseudomonas spp., o imipenem (CIM50 de 2mg/ml) foi quatro vezes mais potente que o meropenem (CIM50 de 8mg/ml) e apresentou a maior taxa de sensibilidade (60% versus 40%). Esta diferença na porcentagem de sensibilidade aos carbapenêmicos poderia ser decorrente de maior atividade do imipenem contra amostras de P. fluorescens e P. putida, ou mesmo refletir dificuldades na padronização dos testes de sensibilidade a estas espécies, o que acarretaria resultados discordantes entre compostos pertencentes ao mesmo grupo.

A resistência aos carbapenêmicos entre bacilos gram-negativos não-fermentadores não é tão rara quanto entre amostras de enterobactérias. Os principais mecanismos de resistência envolvidos seriam a hiperprodução de ß-lactamases AmpC e as alterações na permeabilidade da membrana externa (4, 14, 21). Mais recentemente, a produção de enzimas capazes de hidrolisar carbapenêmicos e os mecanismos de efluxo também têm sido reportados por vários autores (14, 16, 18, 20, 25)

A comparação dos resultados da CIM obtidos com o imipenem e o meropenem está representada no escatergrama (Figura 2). Os resultados das CIMs do imipenem e do meropenem foram concordantes em 97,3% das amostras. Como podemos observar no escater-grama, 12 amostras (0,6%) apresentaram sensibilidade ao imipenem (CIM £ 4mg/ml) e resistência ao meropenem (CIM ³ 8mg/ml). Estas amostras foram identificadas como A. baumannii (1), K. pneumoniae (1), P. aeruginosa (5), P. fluorescens (1), P. putida (3) e Pseudomonas spp. (1). O contrário, sensibilidade ao meropenem (CIM £ 4mg/ml) e resistência ao imipenem (CIM ³ 8mg/ml), foi observado em 46 amostras (2,1%) das seguintes espécies bacterianas: A. baumannii (2), B. cepacia (11), E. cloacae (1), M. morga-nii (2), P. mirabilis (1), P. aeruginosa (28) e P. fluorescens (1).


Os resultados discordantes poderiam ser explicados, em parte, pela maior atividade do meropenem contra bacilos gram-negativos, especialmente contra amostras de P. aeruginosa e B. cepacia. Entretanto, como explicar as cinco amostras de P. aeruginosa que apresentaram CIM de 8mg/ml com o meropenem e entre 0,5mg/ml e 2mg/ml com o imipenem? Diferenças maiores que uma diluição não seriam justificadas somente pela metodologia do teste de sensibilidade empregado. Estas amostras poderiam apresentar outros mecanismos de resistência que acarretariam uma diminuição na sensibilidade ao meropenem, mas não ao imipenem, tais como alteração de porinas, bombas de efluxo ou produção de enzimas cujo substrato preferencial poderia ser altamente específico e dirigido somente para um dos carbapenêmicos (16, 18, 20, 21, 25). Estes mecanismos têm sido esporadicamente reportados entre amostras clínicas. Por isso uma investigação epidemiológica mais acurada é necessária para avaliar-se a importância clínica da presença destes mecanismos.

Outros estudos têm demonstrado resultados semelhantes aos achados deste trabalho e confirmam a excelente atividade do meropenem contra bacilos gram-negativos (8, 23). Entretanto este é um dos primeiros estudos que comparam as CIMs obtidas com o imipenem e o meropenem em amostras brasileiras.

Os resultados deste estudo permitem concluir que, para enterobactérias, o laboratório poderia testar apenas um dos carbapenêmicos e considerar o mesmo resultado para o outro, pois a taxa de discordância foi de apenas 0,37%. Dos cinco resultados discordantes (foram avaliadas 1.350 enterobactérias), quatro se referiam a amostras sensíveis ao meropenem e resistentes ao imipenem; somente uma amostra foi sensível ao imipenem e resistente ao meropenem. Porém, mesmo testando apenas um dos carbapenêmicos, é importante que o laboratório libere os resultados de ambos, permitindo, assim, que o médico assistente escolha o carbapenêmico mais adequado para a situação clínica em questão.

Para bacilos gram-negativos não-fermentadores, sugerimos que os dois carbapenêmicos sejam testados, pois pode haver alguma discrepância entre os resultados de meropenem e de imipenem. Se houver a necessidade de testar somente um deles, o meropenem deve ser a escolha, devido a sua maior atividade. Entretanto não podemos esquecer que amostras de P. aeruginosa com alta expressão do sistema de efluxo MexAB-OprM, associadas ou não à deficiência de OprD, apresentarão maior sensibilidade ao imipenem (14). Felizmente, é muito raro que esta situação seja vista em espécimes clínicos.

Em resumo, para enterobactérias, os laboratórios testariam somente um dos carbapenêmicos (qualquer um dos dois) e liberariam o mesmo resultado (categoria R, I ou S) para ambos, sendo que os dois deveriam constar no relatório. Aqueles que utilizam métodos automatizados (Vitek e MicroScan), cujos painéis normalmente contêm só um dos carbapenêmicos, deveriam apenas acrescentar o resultado referente ao outro carbapenêmico no relatório que será encaminhado ao médico do paciente. Já para bacilos gram-negativos não-fermentadores da glicose (BGN-NF), os laboratórios deveriam testar os dois carbapenêmicos separadamente e liberar resultados independentes, conforme obtidos no teste de sensibilidade. Os que utilizam métodos automatizados devem testar ambos os carbapenêmicos para BGN-NF, por discodifusão ou métodos quantitativos preferencialmente (Etestâ, por exemplo); isto porque os testes automatizados não possuem boa acurácia na avaliação destes bacilos (3,6).

Resultados de sensibilidade discordantes entre drogas pertencentes à mesma classe de antimicrobianos, que não possam ser explicados pela maior atividade de um dos compostos, devem ser confirmados pelo laboratório de rotina e encaminhados ao laboratório de referência para avaliação dos mecanismos de resistência e suas implicações epidemiológicas. É importante ressaltar também que, devido à grande instabilidade dos carbapenêmicos, falsa resistência a estes antibióticos pode ocorrer com qualquer metodologia, especialmente a discodifusão, devido à perda da atividade do composto utilizado no teste. Este estudo também reforça a necessidade da busca de novos agentes antimicrobianos, com maior atividade contra bacilos gram-negativos não-fermentadores (26).

Endereço para correspondência

Laboratório Especial de Microbiologia Clínica

Disciplina de Doenças Infecciosas e Parasitárias

Universidade Federal de São Paulo – EPM

Tels./fax: (11) 5081-2819/5571-5180/5576-4393

Rua Leandro Duprét 188

CEP 04025-010 – São Paulo-SP

e-mail: lemc@ajato.com.br

Laboratório Especial de Microbiologia Clínica, Disciplina de Doenças Infecciosas e Parasitárias, Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, São Paulo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2003
  • Data do Fascículo
    Jan 2002

Histórico

  • Aceito
    27 Jul 2001
  • Recebido
    26 Mar 2001
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