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Atividade antimicrobiana in vitro de quinupristina/dalfopristina para cocos gram-positivos isolados de cinco centros brasileiros: resultado do estudo de vigilância L-SMART

Antimicrobial in vitro activity of quinupristin/dalfopristin against gram-positive cocci isolated from 5 Brazilian centers: results from the local smart (L-SMART) surveillance study

Resumos

Há alguns anos tem-se verificado um aumento progressivo da resistência de alguns cocos gram-positivos a determinados antimicrobianos. Este aumento da resistência tem sido observado principalmente no ambiente hospitalar, e as bactérias mais comumente envolvidas são os Staphylococcus spp. e os Enterococcus spp. Devido a este fato, novos antimicrobianos são avaliados para o tratamento de infecções causadas por estas cepas multirresistentes. A associação quinupristina/dalfopristina (Q/D), também conhecida como Synercid®, é um antibacteriano da classe das estreptograminas, de uso endovenoso, composto por dois derivados semi-sintéticos da pristinamicina. A combinação das estreptograminas B e A na razão de 30:70 tem atividade antimicrobiana voltada para cocos gram--positivos, como Staphylococcus spp., Streptococcus spp., incluindo S. pneumoniae e Enterococcus faecium, sendo o E. faecalis habitualmente resistente. Neste estudo foi avaliada a atividade in vitro de Q/D e outros oito antimicrobianos frente a 631 amostras de cocos gram-positivos isoladas de cinco centros brasileiros, complementadas com outras 20 cepas de E. faecium resistentes à vancomicina, provenientes dos Estados Unidos. Para a avaliação da sensibilidade aos antimicrobianos foi determinada a concentração inibitória mínima (MIC) pelo método do Etest (AB Biodisk, Solna, Suécia) e as cepas testadas foram: Staphylococcus aureus (n = 267), Staphylococcus coagulase negativo (n = 131), Streptococcus pneumoniae (n = 130), Streptococcus beta-hemolíticos (n = 28), Enterococcus faecalis (n = 44) e E. faecium (n = 51). A Q/D demonstrou excelente atividade contra Staphylococcus spp., independente de serem sensíveis ou resistentes à oxacilina. Para S. pneumoniae, a Q/D apresentou igualmente uma ótima atividade, inclusive para as cepas com resistência intermediária ou total para penicilina. Entre as cepas de E. faecium sensíveis à vancomicina, o MIC90 de Q/D obtido foi de 3µg/ml, sendo que 45% das cepas testadas foram sensíveis e 55% apresentaram sensibilidade intermediária à associação. Desta forma, pode-se afirmar que a associação Q/D representa uma nova opção para o tratamento endovenoso de infecções causadas por cocos gram-positivos, principalmente para as cepas multirresistentes, sendo também uma alternativa ao uso de glicopeptídeos.

Programas de vigilância de resistência; Resistência a antimicrobianos; Cocos gram-positivos


A progressive increase of resistance among Gram-positive cocci (GPC) towards some antimicrobial agents has been observed for the past few years. This rise of resistance, most often seen in Staphylococcus spp., and Enterococcus spp., has mainly been noticed in hospital environments. Due to these recent patterns of resistance, newly developed antimicrobial agents need to be evaluated for the treatment of infections caused by these multi-resistant microorganisms. Quinupristin/dalfopristin (Q/D), also known as Synercid®, is an antimicrobial agent of intravenous administration, composed of two semi-synthetic derivatives of pristinomycin belonging to the group of streptogramins. The combination of streptogramins B and A at 3:7 ratio has an antimicrobial activity against gram-positive cocci. This combination has potent activity against gram-positive cocci such as Staphylococcus spp., Streptococcus spp. including Streptococcus pneumoniae, and Enterococcus faecium. However, strains of E. faecalis are usually resistant to this compound. The aim of this study was to evaluate the in vitro activity of Q/D and other eight antibiotics against 631 strains of GPC isolated from five Brazilian centers. Additionally, 20 vancomycin-resistant strains of E. faecium provided by a reference center from the United States were also included in this study. Minimal Inhibitory Concentrations (MICs) were determined by E-test methodology (AB Biodisk, Solna, Sweden), using standardized and controlled procedures. The evaluated strains were as follows: Staphylococcus aureus (267), coagulase negative Staphylococcus (131), Streptococcus pneumoniae (130), b-hemolytic Streptococcus (28), Enterococcus faecalis (44), and E. faecium (51). Quinuprintin/dalfopristin presented an excellent activity against Staphylococcus spp., regardless if these were susceptible or not to oxacillin. Against S. pneumoniae, Q/D also presented excellent activitiy regardless of their susceptibility to penicillin. Among vancomycin susceptible E. faecium studied, the MIC90 was 3mg/ml where 45% of the strains were susceptible, and 55% revealed intermediate resistance to quinupristin/dalfopristin. Overall, Q/D showed good activity against Staphylococcus spp., Streptococcus spp. including S. pneumoniae, and Enterococcus faecium representing a new option for the treatment of infections caused by multi-resistant gram-positive cocci, as well as an alternative for the use of glycopeptides.

Surveillance resistance programs; Antimicrobial resistance; Gram-positive cocci


ARTIGO ORIGINAL

ORIGINAL PAPER

Atividade antimicrobiana in vitro de quinupristina/dalfopristina para cocos gram-positivos isolados de cinco centros brasileiros: resultado do estudo de vigilância L-SMART

Antimicrobial in vitro activity of quinupristin/dalfopristin against gram-positive cocci isolated from 5 Brazilian centers: results from the local smart (L-SMART) surveillance study

Caio Mendes1 1 . Laboratório de Investigação Médica ¾ LIM 54 ¾ HC/FMUSP. 2 . Fleury ¾ Centro de Medicina Diagnóstica. 3 . Instituto de Microbiologia ¾ Universidade Federal do Rio de Janeiro. 4 . Laboratório Exame e Hospital de Base, Brasília. 5 . Hospital de Clínicas de Curitiba. 6 . Hospital de Clínicas de Porto Alegre. O estudo LSMART foi possível devido ao suporte financeiro da Aventis Pharma (Brasil). , 2 1 . Laboratório de Investigação Médica ¾ LIM 54 ¾ HC/FMUSP. 2 . Fleury ¾ Centro de Medicina Diagnóstica. 3 . Instituto de Microbiologia ¾ Universidade Federal do Rio de Janeiro. 4 . Laboratório Exame e Hospital de Base, Brasília. 5 . Hospital de Clínicas de Curitiba. 6 . Hospital de Clínicas de Porto Alegre. O estudo LSMART foi possível devido ao suporte financeiro da Aventis Pharma (Brasil).

Sumiko I. Sinto1 1 . Laboratório de Investigação Médica ¾ LIM 54 ¾ HC/FMUSP. 2 . Fleury ¾ Centro de Medicina Diagnóstica. 3 . Instituto de Microbiologia ¾ Universidade Federal do Rio de Janeiro. 4 . Laboratório Exame e Hospital de Base, Brasília. 5 . Hospital de Clínicas de Curitiba. 6 . Hospital de Clínicas de Porto Alegre. O estudo LSMART foi possível devido ao suporte financeiro da Aventis Pharma (Brasil). , 2 1 . Laboratório de Investigação Médica ¾ LIM 54 ¾ HC/FMUSP. 2 . Fleury ¾ Centro de Medicina Diagnóstica. 3 . Instituto de Microbiologia ¾ Universidade Federal do Rio de Janeiro. 4 . Laboratório Exame e Hospital de Base, Brasília. 5 . Hospital de Clínicas de Curitiba. 6 . Hospital de Clínicas de Porto Alegre. O estudo LSMART foi possível devido ao suporte financeiro da Aventis Pharma (Brasil).

André Hsiung1 1 . Laboratório de Investigação Médica ¾ LIM 54 ¾ HC/FMUSP. 2 . Fleury ¾ Centro de Medicina Diagnóstica. 3 . Instituto de Microbiologia ¾ Universidade Federal do Rio de Janeiro. 4 . Laboratório Exame e Hospital de Base, Brasília. 5 . Hospital de Clínicas de Curitiba. 6 . Hospital de Clínicas de Porto Alegre. O estudo LSMART foi possível devido ao suporte financeiro da Aventis Pharma (Brasil). , 2 1 . Laboratório de Investigação Médica ¾ LIM 54 ¾ HC/FMUSP. 2 . Fleury ¾ Centro de Medicina Diagnóstica. 3 . Instituto de Microbiologia ¾ Universidade Federal do Rio de Janeiro. 4 . Laboratório Exame e Hospital de Base, Brasília. 5 . Hospital de Clínicas de Curitiba. 6 . Hospital de Clínicas de Porto Alegre. O estudo LSMART foi possível devido ao suporte financeiro da Aventis Pharma (Brasil).

Carmen Oplustil1 1 . Laboratório de Investigação Médica ¾ LIM 54 ¾ HC/FMUSP. 2 . Fleury ¾ Centro de Medicina Diagnóstica. 3 . Instituto de Microbiologia ¾ Universidade Federal do Rio de Janeiro. 4 . Laboratório Exame e Hospital de Base, Brasília. 5 . Hospital de Clínicas de Curitiba. 6 . Hospital de Clínicas de Porto Alegre. O estudo LSMART foi possível devido ao suporte financeiro da Aventis Pharma (Brasil). , 2 1 . Laboratório de Investigação Médica ¾ LIM 54 ¾ HC/FMUSP. 2 . Fleury ¾ Centro de Medicina Diagnóstica. 3 . Instituto de Microbiologia ¾ Universidade Federal do Rio de Janeiro. 4 . Laboratório Exame e Hospital de Base, Brasília. 5 . Hospital de Clínicas de Curitiba. 6 . Hospital de Clínicas de Porto Alegre. O estudo LSMART foi possível devido ao suporte financeiro da Aventis Pharma (Brasil).

Lúcia Teixeira3 1 . Laboratório de Investigação Médica ¾ LIM 54 ¾ HC/FMUSP. 2 . Fleury ¾ Centro de Medicina Diagnóstica. 3 . Instituto de Microbiologia ¾ Universidade Federal do Rio de Janeiro. 4 . Laboratório Exame e Hospital de Base, Brasília. 5 . Hospital de Clínicas de Curitiba. 6 . Hospital de Clínicas de Porto Alegre. O estudo LSMART foi possível devido ao suporte financeiro da Aventis Pharma (Brasil).

Adília Segura4 1 . Laboratório de Investigação Médica ¾ LIM 54 ¾ HC/FMUSP. 2 . Fleury ¾ Centro de Medicina Diagnóstica. 3 . Instituto de Microbiologia ¾ Universidade Federal do Rio de Janeiro. 4 . Laboratório Exame e Hospital de Base, Brasília. 5 . Hospital de Clínicas de Curitiba. 6 . Hospital de Clínicas de Porto Alegre. O estudo LSMART foi possível devido ao suporte financeiro da Aventis Pharma (Brasil).

Dilair Souza5 1 . Laboratório de Investigação Médica ¾ LIM 54 ¾ HC/FMUSP. 2 . Fleury ¾ Centro de Medicina Diagnóstica. 3 . Instituto de Microbiologia ¾ Universidade Federal do Rio de Janeiro. 4 . Laboratório Exame e Hospital de Base, Brasília. 5 . Hospital de Clínicas de Curitiba. 6 . Hospital de Clínicas de Porto Alegre. O estudo LSMART foi possível devido ao suporte financeiro da Aventis Pharma (Brasil).

Afonso Barth6 1 . Laboratório de Investigação Médica ¾ LIM 54 ¾ HC/FMUSP. 2 . Fleury ¾ Centro de Medicina Diagnóstica. 3 . Instituto de Microbiologia ¾ Universidade Federal do Rio de Janeiro. 4 . Laboratório Exame e Hospital de Base, Brasília. 5 . Hospital de Clínicas de Curitiba. 6 . Hospital de Clínicas de Porto Alegre. O estudo LSMART foi possível devido ao suporte financeiro da Aventis Pharma (Brasil).

Antonio Carlos Nicodemo1 1 . Laboratório de Investigação Médica ¾ LIM 54 ¾ HC/FMUSP. 2 . Fleury ¾ Centro de Medicina Diagnóstica. 3 . Instituto de Microbiologia ¾ Universidade Federal do Rio de Janeiro. 4 . Laboratório Exame e Hospital de Base, Brasília. 5 . Hospital de Clínicas de Curitiba. 6 . Hospital de Clínicas de Porto Alegre. O estudo LSMART foi possível devido ao suporte financeiro da Aventis Pharma (Brasil).

Recebido em 31/08/01

Aceito para publicação em 10/01/02

unitermos

resumo

Programas de vigilância de resistência

Resistência a antimicrobianos

Cocos gram-positivos

Há alguns anos tem-se verificado um aumento progressivo da resistência de alguns cocos gram-positivos a determinados antimicrobianos. Este aumento da resistência tem sido observado principalmente no ambiente hospitalar, e as bactérias mais comumente envolvidas são os Staphylococcus spp. e os Enterococcus spp. Devido a este fato, novos antimicrobianos são avaliados para o tratamento de infecções causadas por estas cepas multirresistentes. A associação quinupristina/dalfopristina (Q/D), também conhecida como Synercid®, é um antibacteriano da classe das estreptograminas, de uso endovenoso, composto por dois derivados semi-sintéticos da pristinamicina. A combinação das estreptograminas B e A na razão de 30:70 tem atividade antimicrobiana voltada para cocos gram¾positivos, como Staphylococcus spp., Streptococcus spp., incluindo S. pneumoniae e Enterococcus faecium, sendo o E. faecalis habitualmente resistente. Neste estudo foi avaliada a atividade in vitro de Q/D e outros oito antimicrobianos frente a 631 amostras de cocos gram-positivos isoladas de cinco centros brasileiros, complementadas com outras 20 cepas de E. faecium resistentes à vancomicina, provenientes dos Estados Unidos. Para a avaliação da sensibilidade aos antimicrobianos foi determinada a concentração inibitória mínima (MIC) pelo método do Etest (AB Biodisk, Solna, Suécia) e as cepas testadas foram: Staphylococcus aureus (n = 267), Staphylococcus coagulase negativo (n = 131), Streptococcus pneumoniae (n = 130), Streptococcus beta-hemolíticos (n = 28), Enterococcus faecalis (n = 44) e E. faecium (n = 51). A Q/D demonstrou excelente atividade contra Staphylococcus spp., independente de serem sensíveis ou resistentes à oxacilina. Para S. pneumoniae, a Q/D apresentou igualmente uma ótima atividade, inclusive para as cepas com resistência intermediária ou total para penicilina. Entre as cepas de E. faecium sensíveis à vancomicina, o MIC90 de Q/D obtido foi de 3µg/ml, sendo que 45% das cepas testadas foram sensíveis e 55% apresentaram sensibilidade intermediária à associação. Desta forma, pode-se afirmar que a associação Q/D representa uma nova opção para o tratamento endovenoso de infecções causadas por cocos gram-positivos, principalmente para as cepas multirresistentes, sendo também uma alternativa ao uso de glicopeptídeos.

abstract

key words

A progressive increase of resistance among Gram-positive cocci (GPC) towards some antimicrobial agents has been observed for the past few years. This rise of resistance, most often seen in Staphylococcus spp., and Enterococcus spp., has mainly been noticed in hospital environments. Due to these recent patterns of resistance, newly developed antimicrobial agents need to be evaluated for the treatment of infections caused by these multi-resistant microorganisms. Quinupristin/dalfopristin (Q/D), also known as Synercid®, is an antimicrobial agent of intravenous administration, composed of two semi-synthetic derivatives of pristinomycin belonging to the group of streptogramins. The combination of streptogramins B and A at 3:7 ratio has an antimicrobial activity against gram-positive cocci. This combination has potent activity against gram-positive cocci such as Staphylococcus spp., Streptococcus spp. including Streptococcus pneumoniae, and Enterococcus faecium. However, strains of E. faecalis are usually resistant to this compound. The aim of this study was to evaluate the in vitro activity of Q/D and other eight antibiotics against 631 strains of GPC isolated from five Brazilian centers. Additionally, 20 vancomycin-resistant strains of E. faecium provided by a reference center from the United States were also included in this study. Minimal Inhibitory Concentrations (MICs) were determined by E-test methodology (AB Biodisk, Solna, Sweden), using standardized and controlled procedures. The evaluated strains were as follows: Staphylococcus aureus (267), coagulase negative Staphylococcus (131), Streptococcus pneumoniae (130), b-hemolytic Streptococcus (28), Enterococcus faecalis (44), and E. faecium (51). Quinuprintin/dalfopristin presented an excellent activity against Staphylococcus spp., regardless if these were susceptible or not to oxacillin. Against S. pneumoniae, Q/D also presented excellent activitiy regardless of their susceptibility to penicillin. Among vancomycin susceptible E. faecium studied, the MIC90 was 3mg/ml where 45% of the strains were susceptible, and 55% revealed intermediate resistance to quinupristin/dalfopristin. Overall, Q/D showed good activity against Staphylococcus spp., Streptococcus spp. including S. pneumoniae, and Enterococcus faecium representing a new option for the treatment of infections caused by multi-resistant gram-positive cocci, as well as an alternative for the use of glycopeptides.

Surveillance resistance programs

Antimicrobial resistance

Gram-positive cocci

Introdução

Os cocos gram-positivos são importantes agentes de infecção, e a resistência destes patógenos a antimicrobianos tem aumentado principalmente no ambiente hospitalar (2). Estes patógenos incluem Staphylococcus aureus, Staphylococcus coagulase-negativos (SCN), Enterococcus spp. e Streptococcus pneumoniae (2, 10).

Os Staphylococcus spp. oxacilina-resistentes geralmente também apresentam resistência a fluoroquinolonas, lincosamidas e macrolídeos, e a opção terapêutica atual são os glicopeptídeos. Porém há publicações em que se constata o isolamento de S. aureus oxacilina-resistente com sensibilidade reduzida a glicopeptídeos (Gisa), tornando, desta forma, mais restritas as opções terapêuticas (5).

Entre os Enterococcus spp., há relatos de cepas resistentes à vancomicina em nosso meio (3, 11). Nos últimos anos, os enterococos têm emergido como importantes agentes de infecção hospitalar, tendo gerado sérios problemas devido ao desenvolvimento de resistência. Os E. faecium são geralmente menos suscetíveis aos antibióticos betalactâmicos e aminoglicosídeos, e as cepas de E. faecium resistentes a glicopeptídeos geralmente são resistentes a todos os outros antimicrobianos usualmente disponíveis (4).

Como conseqüência destas alterações no perfil de sensibilidade dos cocos gram-positivos, novos antimicrobianos estão sendo pesquisados e, neste estudo, avaliamos a atividade in vitro da Q/D utilizando 651 cepas de cocos gram- positivos como parte do programa de vigilância denominado Local Synercid® Microbiologic Assessment of Resistance Trends (L-SMART).

Materiais e métodos

No período de janeiro a outubro de 1999, cinco instituições de diferentes estados brasileiros (São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Paraná), além do Distrito Federal, forneceram cepas de bactérias gram-positivas obtidas de casos clínicos para avaliação in vitro da atividade da Q/D e de outros oito antimicrobianos.

Coube a cada centro participante avaliar cerca de 150 cepas, sendo 30 de Staphylococcus aureus sensíveis à oxacilina, 20 de S. aureus resistentes à oxacilina, 15 de Staphylococcus coagulase-negativos oxacilina-sensíveis, 20 de Staphylococcus coagulase-negativos oxacilina-resistentes, dez de Enterococcus faecalis, 20 de Enterococcus faecium, 30 de Streptococcus pneumoniae e cinco cepas de Streptococcus beta-hemolíticos. Para complementar este estudo, um dos centros (LIM 54 ¾ HC/FMUSP) testou adicionalmente 20 cepas de E. faecium resistentes à vancomicina, originárias dos Estados Unidos (Laboratório MRL).

Todas as cepas foram identificadas por espécie, de acordo com a metodologia preconizada pela Sociedade Americana de Microbiologia (7).

As cepas avaliadas eram provenientes de diversas amostras clínicas, como sangue, liquor, ossos e articulações, pele e estruturas da pele, líquido de cavidade abdominal, trato respiratório superior, trato respiratório inferior e outros.

Para a avaliação da resistência à Q/D e a outros antimicrobianos, foi utilizado o método do Etest (AB Biodisk, Solna, Suécia) para todas as cepas, com o inóculo ajustado na escala 0,5 de McFarland. Todas as placas foram incubadas a 35°C em estufa aeróbia, por 18 a 24 horas, exceto as placas de Streptococcus spp., que foram incubadas em estufa com 5% de CO2. Os resultados foram interpretados utilizando-se os critérios interpretativos do método da microdiluição sugeridos pelo National Committee for Clinical Laboratory Standards (9).

O controle de qualidade foi realizado com cepas de Staphylococcus aureus ATCC 29213, Enterococcus faecalis ATCC 29212 e Streptococcus pneumoniae ATCC 49619, toda vez que o teste da avaliação da resistência aos antimicrobianos era realizado.

Para Staphylococcus spp. as drogas avaliadas foram: quinupristina/dalfopristina, oxacilina, vancomicina, teicoplanina, ciprofloxacina, clindamicina, eritromicina, gentamicina, penicilina e sulfametoxazol/trimetoprim.

Para Enterococcus spp. as drogas avaliadas foram: quinupristina/dalfopristina, vancomicina, teicoplanina, ciprofloxacina, ampicilina, penicilina, gentamicina high-level e estreptomicina high-level.

Para Streptococcus pneumoniae as drogas avaliadas foram: quinupristina/dalfopristina, vancomicina, clindamicina, eritromicina, sulfametoxazol/trimetoprima, cloranfenicol, penicilina e cefotaxima.

Para Streptococcus beta-hemolíticos as drogas avaliadas foram: quinupristina/dalfopristina, vancomicina, clindamicina, eritromicina, cloranfenicol, penicilina e cefotaxima.

Resultados

As 651 cepas avaliadas estavam assim distribuídas: 267 Staphylococcus aureus, 131 Staphylococcus coagulase-negativos, 130 Streptococcus pneumoniae, 28 Streptococcus beta-hemolíticos, 44 Enterococcus faecalis, 31 Enterococcus faecium vancomicina-sensíveis e 20 E. faecium vancomicina-resistentes.

Entre os S. aureus e Staphylococcus coagulase-negativos, respectivamente 44,6% e 58% eram resistentes à oxacilina, e o MIC90 obtido nas cepas de S. aureus oxacilina-resistentes e oxacilina-sensíveis para Q/D foi de 0,5µg/ml. Para os Staphylococcus coagulase-negativos oxacilina-resistentes e oxacilina-sensíveis, o MIC90 obtido para Q/D foi de 0,75µg/ml e 0,38µg/ml, respectivamente, com 100% de sensibilidade para ambas as espécies, conforme demonstrado nas Tabelas 1 e 2.

Do total das 130 cepas de S. pneumoniae, 95 (73%) eram sensíveis à penicilina, 31 (24%) apresentavam nível intermediário de resistência e quatro (3%) apresentavam resistência total à penicilina. O MIC90 obtido para Q/D para as cepas de S. pneumoniae foi de 1mg/ml, mesmo para as cepas totalmente resistentes à penicilina, com 100% de sensibilidade. Para eritromicina e clindamicina, as cepas de S. pneumoniae, com MIC intermediário à penicilina, apresentaram 19% e 11% de resistência, respectivamente, conforme demonstrado na Tabela 3.

Entre as cepas de Streptococcus beta-hemolíticos, 11% apresentaram resistência à eritromicina, e houve 100% de sensibilidade para Q/D, vancomicina, betalactâmicos, clindamicina e cloranfenicol, conforme Tabela 4.

Entre os E. faecalis, 100% das cepas apresentaram sensibilidade aos glicopeptídeos e à ampicilina, sendo que para Q/D e penicilina as cepas apresentaram resistência de 80% e 11% respectivamente, conforme Tabela 5.

Entre as cepas de E. faecium resistentes à vancomicina, obtivemos um MIC90 de 2mg/ml, com 70% de sensibilidade para Q/D e 30% com resistência intermediária, sendo que 90% destas cepas foram resistentes a ampicilina e penicilina, conforme demonstrado na Tabela 6.

Entre as cepas de E. faecium sensíveis a vancomicina e teicoplanina, o MIC90 obtido para Q/D foi de 3mg/ml, com 45% de sensibilidade e 55% de resistência intermediária. A sensibilidade com relação à ampicilina e à penicilina foi de 74% e 65% respectivamente, como mostrado na Tabela 7.

Com relação aos aminoglicosídeos (high-level), 100% das cepas de E. faecium e E. faecalis foram inibidas pela estreptomicina (independente das cepas serem sensíveis ou resistentes à vancomicina), e entre as cepas de E. faecalis, 82% foram inibidas pela gentamicina high-level, conforme Tabela 5. Para as amostras de E. faecium vancomicina-resistentes e sensíveis, 65% e 80% das cepas foram inibidas pela gentamicina high-level, como demonstrado nas Tabelas 6 e 7.

Conclusão e discussão

Diferentemente de outros inibidores da síntese de proteínas, como os macrolídeos e lincosaminas, que são inativados na presença dos genes erm, a associação Q/D pode determinar um efeito sinérgico e eficaz mesmo contra aqueles cocos gram-positivos que apresentam resistência cruzada aos antimicrobianos do grupo MLS: macrolídeos, lincosaminas e estreptogramina B (8).

Neste estudo, encontramos 45% de sensibilidade a Q/D entre as cepas de E. faecium sensíveis à vancomicina e 70% de sensibilidade frente a cepas de E. faecium resistentes à vancomicina, não havendo resistência total em nenhuma das amostras testadas.

O percentual de sensibilidade obtido entre as cepas sensíveis à vancomicina difere dos obtidos no grupo de estudo GSMART para a América Latina, onde foram relatados 80% de sensibilidade a Q/D para as cepas de E. faecium sensíveis à vancomicina e apenas 12% de sensibilidade a Q/D para as cepas resistentes à vancomicina (11).

Do total das cepas de E. faecium sensíveis à vancomicina (n = 31), 55% apresentaram resistência intermediária a Q/D, com MIC50 e MIC90 de 1,5µg/ml e 3µg/ml, respectivamente, sendo que 13 destas 31 cepas foram isoladas na cidade do Rio de Janeiro. A maioria das cepas que demonstraram resistência intermediária apresentou MICs no valor de 1,5µg/ml e 2mg/ml.

É importante salientar que, neste estudo, nenhuma cepa se mostrou resistente a Q/D, e outro estudo, o Sentry, também detectou na América Latina, no Canadá e nos Estados Unidos, taxas de sensibilidade à Q/D de 66,7%, 89,4% e 92,3% respectivamente (10).

As 20 cepas de E. faecium vancomicina-resistentes aqui analisadas mostraram 70% de sensibilidade à Q/D, sendo que as restantes mostraram resistência intermediária, e, neste grupo de amostras com resistência intermediária, a maioria apresentou MICs de 1,5mg/ml (cepas com resistência intermediária encontram-se na faixa > 1mg/ml a < 4mg/ml).

Os resultados aqui obtidos são relevantes, pois também outros relatos têm mostrado bons resultados clínicos e microbiológicos em pacientes com infecções por E. faecium vancomicina-resistentes, quando tratados com Q/D (6).

Entre as cepas de E. faecalis (n = 44), verificaram-se 100% de sensibilidade à ampicilina, e 89% de sensibilidade à penicilina. Entre os E. faecium sensíveis à vancomicina, 74% apresentaram sensibilidade à ampicilina, e 26% mostraram-se resistentes, havendo um aumento no percentual de resistência (10%) em relação aos encontrados pelo estudo GSMART (11).

A Q/D apresentou excelente atividade in vitro para cepas de S. aureus e Staphylococcus coagulase-negativos, mesmo entre as cepas oxacilina-resistentes, com 100% de sensibilidade. A Q/D apresentou também excelente atividade in vitro para as cepas de S. pneumoniae (100% de sensibilidade), inclusive para as cepas resistentes à penicilina.

Para as cepas de Streptococcus beta-hemolíticos (n = 28), a Q/D apresentou igualmente uma ótima atividade in vitro, com MIC50 e MIC90 de 0,25mg/ml e 0,5µg/ml, respectivamente.

Com base neste estudo e em outros estudos in vitro (1, 10, 11), pode-se concluir que a associação Q/D representa uma nova opção para o tratamento endovenoso de infecções causadas por cocos gram-positivos multirresistentes, sendo também uma opção ao uso de glicopeptídeos.

Agradecimentos

Agradecemos a valiosa contribuição de todos os centros participantes e a Thais Cocarelli pela ajuda na análise estatística dos resultados.

Endereço para correspondência

Caio Mendes

Seção de Microbiologia

Fleury ¾ Centro de Medicina Diagnóstica

Av. General Waldomiro de Lima 508

CEP 04344-070 ¾ São Paulo-SP

e-mail: caio.mendes@fleury.com.br

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  • 1
    . Laboratório de Investigação Médica ¾ LIM 54 ¾ HC/FMUSP.
    2
    . Fleury ¾ Centro de Medicina Diagnóstica.
    3
    . Instituto de Microbiologia ¾ Universidade Federal do Rio de Janeiro.
    4
    . Laboratório Exame e Hospital de Base, Brasília.
    5
    . Hospital de Clínicas de Curitiba.
    6
    . Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
    O estudo LSMART foi possível devido ao suporte financeiro da Aventis Pharma (Brasil).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Set 2002
    • Data do Fascículo
      Jul 2002

    Histórico

    • Aceito
      10 Jan 2002
    • Recebido
      31 Ago 2001
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