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Rastreamento da fibrose cística usando-se a análise combinada do teste de IRT neonatal e o estudo molecular da mutação deltaF508

Cystic fibrosis screening by two-tiered newborn IRT assay and deltaF508 mutation molecular analysis

Resumos

Um total de 117 cartões de rastreamento neonatal foi selecionado anonimamente para a avaliação de fibrose cística (FC) pela análise da mutação deltaF508 usando-se a técnica da reação em cadeia da polimerase (PCR), seguida de eletroforese em gel de poliacrilamida (Page) e pela quantificação da imunotripsina reativa (IRT, Delfia). Uma concentração de IRT menor que 140ng/ml foi encontrada em 116 recém-nascidos. Entre estes foi detectado um heterozigoto deltaF508 com uma concentração de IRT de 4,44ng/ml. Um dos 117 recém-nascidos era homozigoto não-deltaF508 e apresentava uma IRT anormal de 410,7ng/ml. A média da concentração da IRT diferia significativamente conforme este recém-nascido com IRT alterada era incluído ou excluído da amostragem populacional (n = 117, média = 8,207 ± 38,101; n = 116, média = 4,737 ± 6,597, respectivamente). Outra amostra de oito recém-nascidos, previamente rastreados pelo teste de IRT e com níveis elevados do analito, foi testada para a mutação deltaF508. Em cinco deles a mutação deltaF508 foi encontrada em um ou em ambos os cromossomos, correspondendo a 62,25% dos recém-nascidos. De acordo com os resultados obtidos com triagem neonatal pela análise combinada IRT/DNA, pode-se concluir que o método só será eficiente se: a) forem excluídos os fatores que determinam os falso-positivos ou falso-negativos; e b) a detecção de outras mutações forem incluídas na análise dos resultados duvidosos.

Fibrose cística; Mutação deltaF508; Imunotripsina reativa; Rastreamento neonatal


A total of 117 newborn screening cards were anonymously selected for cystic fibrosis (CF) screening, searching for the deltaF508 mutation using polymerase chain reaction (PCR) followed by polyacrylamide gel electrophoresis (Page) and by quantification of Immunoreactive trypsin (IRT, Delfia). In 116 newborns an IRT concentration lower than 140ng/ml was evidenced. One of these was a deltaF508 heterozygote with an IRT concentration of 4,44ng/ml. One newborn was a non-deltaF508 homozygote with an IRT concentration of 410,7ng/ml. The IRT concentration average was significantly different if the newborn with the abnormal IRT was included or excluded from the population sample (n = 117, means = 8.207 ± 38.101; n = 116, means = 4.737 ± 6.597, respectively). Another sample of 8 newborns previously screened by IRT test and with elevated IRT levels was analyzed for deltaF508 mutation. The deltaF508 mutation was found in one or both chromosomes in five newborns, corresponding to 62.25% of the sample. Results obtained with two-tier IRT/DNA analysis showed that the approach only will be effective if: a) factors leading to false positives and false negatives are excluded; and b) molecular analysis of other mutations are included among those children with undefined results.

Cystic fibrosis; DF508 mutation; Immunoreactive tripsin; Newborn screening


ARTIGO ORIGINAL

Rastreamento da fibrose cística usando-se a análise combinada do teste de IRT neonatal e o estudo molecular da mutação DF508

Cystic fibrosis screening by two-tiered newborn IRT assay and DF508 mutation molecular analysis

Giselda M.K. CabelloI; Pedro H. CabelloII; Silvia R.S. RoigI; Armando FonsecaIII; Eulália C.D. CarvalhoIV; Octavio FernandesV

IBiologista do Departamento de Genética do Instituto Oswaldo Cruz

IIPesquisador titular do Departamento de Genética do Instituto Oswaldo Cruz

IIIDiretor do Centro de Diagnóstico e Pesquisa Dr. Raymundo

IVFarmacêutica do Centro de Diagnóstico e Pesquisa Dr. Raymundo Britto – Apae/Rio

VPesquisador adjunto do Departamento de Medicina Tropical do Instituto Oswaldo Cruz e do Departamento de Patologia e Laboratórios, FCM, Uerj

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Giselda M.K. Cabello Depto. Genética – Lab. Genética Humana do Instituo Oswaldo Cruz Av. Brasil 4.365 – Manguinhos CEP 21045-900 – Rio de Janeiro-RJ Tel.: (21) 2598-4358. Fax: (21) 2260-4282 E-mail: gkalil@ioc.fiocruz.br

RESUMO

Um total de 117 cartões de rastreamento neonatal foi selecionado anonimamente para a avaliação de fibrose cística (FC) pela análise da mutação DF508 usando-se a técnica da reação em cadeia da polimerase (PCR), seguida de eletroforese em gel de poliacrilamida (Page) e pela quantificação da imunotripsina reativa (IRT, Delfia). Uma concentração de IRT menor que 140ng/ml foi encontrada em 116 recém-nascidos. Entre estes foi detectado um heterozigoto DF508 com uma concentração de IRT de 4,44ng/ml. Um dos 117 recém-nascidos era homozigoto não-DF508 e apresentava uma IRT anormal de 410,7ng/ml. A média da concentração da IRT diferia significativamente conforme este recém-nascido com IRT alterada era incluído ou excluído da amostragem populacional (n = 117, média = 8,207 ± 38,101; n = 116, média = 4,737 ± 6,597, respectivamente). Outra amostra de oito recém-nascidos, previamente rastreados pelo teste de IRT e com níveis elevados do analito, foi testada para a mutação DF508. Em cinco deles a mutação DF508 foi encontrada em um ou em ambos os cromossomos, correspondendo a 62,25% dos recém-nascidos. De acordo com os resultados obtidos com triagem neonatal pela análise combinada IRT/DNA, pode-se concluir que o método só será eficiente se: a) forem excluídos os fatores que determinam os falso-positivos ou falso-negativos; e b) a detecção de outras mutações forem incluídas na análise dos resultados duvidosos.

Unitermos: Fibrose cística, Mutação DF508, Imunotripsina reativa, Rastreamento neonatal

ABSTRACT

A total of 117 newborn screening cards were anonymously selected for cystic fibrosis (CF) screening, searching for the DF508 mutation using polymerase chain reaction (PCR) followed by polyacrylamide gel electrophoresis (Page) and by quantification of Immunoreactive trypsin (IRT, Delfia). In 116 newborns an IRT concentration lower than 140ng/ml was evidenced. One of these was a DF508 heterozygote with an IRT concentration of 4,44ng/ml. One newborn was a non-DF508 homozygote with an IRT concentration of 410,7ng/ml. The IRT concentration average was significantly different if the newborn with the abnormal IRT was included or excluded from the population sample (n = 117, means = 8.207 ± 38.101; n = 116, means = 4.737 ± 6.597, respectively). Another sample of 8 newborns previously screened by IRT test and with elevated IRT levels was analyzed for DF508 mutation. The DF508 mutation was found in one or both chromosomes in five newborns, corresponding to 62.25% of the sample. Results obtained with two-tier IRT/DNA analysis showed that the approach only will be effective if: a) factors leading to false positives and false negatives are excluded; and b) molecular analysis of other mutations are included among those children with undefined results.

Key words: Cystic fibrosis, DF508 mutation, Immunoreactive tripsin, Newborn screening

Introdução

O gene responsável pela fibrose cística (FC), uma doença genética autossômica recessiva comum em populações brancas, foi isolado e seqüenciado em 1989 (5, 10, 16). Codifica uma proteína de 1.480 aminoácidos envolvida no transporte de cloro para o interior da célula, denominada cystic fibrosis transmembrane conductance regulator (CFTR). O gene possui 27 éxons, ao longo dos quais mais de mil diferentes mutações já foram identificadas, a maioria delas com freqüências muito baixas e próprias de determinadas populações (5, 6).

De todas as mutações no gene CFTR, a mais freqüente é a mutação DF508, uma deleção de um códon para a fenilalanina na posição 508 da proteína. Este mutante está presente em aproximadamente 70% dos cromossomos de fibrocísticos brancos europeus (11, 13). Entretanto a freqüência relativa da mutação DF508 tem uma variabilidade muito grande entre diferentes regiões geográficas e distintos grupos étnicos.

Por outro lado, a despeito dos vigorosos tratamentos antimicrobianos e da terapia física, a FC ainda é uma doença letal, cuja expectativa de sobrevivência, até poucos anos atrás, variava entre 25 e 30 anos (6, 12, 19). Abordagens clínicas e moleculares se combinam com a finalidade de atingir uma melhor compreensão da fisiopatologia e da bioquímica da FC, com vistas ao desenvolvimento de um tratamento que recupere a expressão correta do gene ou que regule o sistema de transporte de íons. Embora grandes avanços tenham sido alcançados, o tratamento da FC através da terapia genética é ainda virtual, e o tratamento pré-sintomático, com o fim de adiar as infecções pulmonares, bem como controlar as deficiências enzimáticas, ainda é o mais indicado (1, 18).

O diagnóstico precoce tem se mostrado um fator determinante na eficácia do tratamento, contribuindo para melhorar a qualidade de vida e a sobrevida do paciente. O diagnóstico da fibrose cística se baseia em achados clínicos clássicos, ou seja, manifestações pulmonares e/ou gastrintestinais típicas, história de casos de FC na família e demonstração de níveis elevados de sódio e de cloro no suor (teste do suor). O método padrão para o teste do suor (TS) consiste na estimulação da produção de suor pela pilocarpina, que é colocada sobre a pele ou diretamente nas glândulas sudoríparas, usando-se um gradiente de potencial (iontoforese) e análise da concentração dos íons sódio e cloro (8).

O diagnóstico molecular se baseia na análise das mutações, cuja maioria é particular em populações específicas ou grupos étnicos, fator que contribui para a diminuição da sensibilidade de detecção como um método de diagnóstico de rotina, uma vez que a análise molecular é baseada nas mutações mais comuns em populações européias. Em função disso é aconselhável que seja analisado o maior número de mutações disponíveis, levando-se em conta o perfil mutacional de cada população (19).

O rastreamento neonatal tem sido assunto de discussão e um dilema na comunidade médica nos últimos dez anos. Porém, como o diagnóstico e o tratamento sintomático precoce influem no prognóstico final, parece lógica a realização do rastreamento neonatal, que foi recentemente recomendado pelo Ministério da Saúde através da dosagem da tripsina imunorreativa (IRT).

A dosagem IRT, por ser um teste de rastreamento populacional, foi padronizada a partir de amostra eluída de sangue coletado em papel-filtro (Guthrie card). O precursor (IRT) da enzima pancreática, tripsinogênio, encontra-se elevado em recém-nascidos com fibrose cística (4). Porém o IRT tem suscitado muitas controvérsias devido às taxas de falso-positivos (0,5%) e falso-negativos (até 20%), além de ter a desvantagem de que a concentração do tripsinogênio começa a declinar em poucas semanas após o nascimento, tornando-se um método de diagnóstico restrito aos dois primeiros meses de vida (9, 17).

A acuidade do rastreamento neonatal pelo teste de IRT pode ser aumentada, combinando-se a este a genotipagem naqueles recém-nascidos que apresentarem IRT alterada, de maneira a identificar pelo menos a mutação mais comum, a DF508.

O presente trabalho tem como objetivo mostrar a eficácia da análise molecular da mutação mais freqüente na fibrose cística (DF508) em indivíduos com IRT alterada.

Material e métodos

Amostras

Este trabalho foi realizado como um estudo colaborativo entre o Laboratório de Genética Humana do Instituto Oswaldo Cruz, Fiocruz, e o Laboratório do Centro de Diagnóstico e Pesquisa Dr. Raymundo Britto, Apae/Rio.

Amostras de sangue fixadas em papel-filtro (Guthrie cards) de sete recém-nascidos com IRT alterada (níveis > 140ng/ml) foram enviadas pela Apae/Rio para a análise molecular do DNA entre os anos de 1996 e 1998, de um total de 3.850 testes de IRT.

Amostras de sangue fixadas em Guthrie cards de 117 recém-nascidos (quatro a seis dias de vida) sem dados prévios de IRT foram genotipadas e posteriormente enviadas à Apae/Rio para dosagem de IRT.

Dosagem de IRT

A dosagem de IRT neonatal foi realizada de acordo com o protocolo descrito no kit Delfia® (Wallac-EG & G Co.), com metodologia imunofluorimétrica. Foram utilizados picotes de 3mm de mancha de sangue fixada em papel-filtro. Os picotes foram colocados em microplacas, aos quais foi adicionado o tampão de teste, e incubados durante a noite entre 2oC e 8oC. Após o período de incubação, foi acrescentada uma solução intensificadora.

O teste Delfia de IRT neonatal é um ensaio de dois sítios imunofluorimétricos de fase sólida. A reação se baseia na técnica de sanduíche direto, na qual dois anticorpos monoclonais são dirigidos contra dois determinantes antigênicos separados na molécula de IRT. As amostras de sangue contendo IRT reagem simultaneamente com anticorpos monoclonais imobilizados em fase sólida (dirigidos contra um sítio antigênico específico na molécula de IRT) e anticorpos monoclonais marcados com európio contidos no tampão de teste (dirigidos contra outro sítio específico diferente). A solução intensificadora (enhancement solution) dissocia os íons európio dos anticorpos marcados em solução e formam quelatos altamente fluorescentes. A fluorescência é diretamente proporcional à concentração de IRT na amostra.

Determinação do alelo mutante DF508 através da reação em cadeia da polimerase (PCR)

A PCR foi realizada de acordo com o protocolo descrito por Raskin et al. (14), onde 1mm2 das manchas de sangue fixadas no papel-filtro foi cortado, colocado em tubos de PCR previamente identificados, a estes se adicionando 50ml de mistura de reação contendo 200mM de dNTPs, tampão Tris-HCl 10mM, pH 8,8; KCl 50mM; MgCl2 1,5mM, 8mg de BSA e 200ng de oligonucleotídeos iniciadores (3). A seguir a reação foi submetida a uma etapa de três ciclos de 96oC/64oC (três minutos por etapa), em um ciclador PTC-100 Programmable Thermal Controller (MJ Researsh, Inc.). Após estes ciclos, foi adicionada a cada um dos tubos 1,25U de Taq DNA polimerase e os mesmos foram submetidos ao protocolo de amplificação que consiste em 33 ciclos de 94oC/60 segundos; 64oC/30 segundos e 72oC/60 segundos.

As amostras amplificadas foram submetidas a corrida eletroforética em gel de poliacrilamida vertical a 15%, com tampão TBE (Tris-Borato 89mM em EDTA 2mM, pH 8), a 150V por 22 horas, para a identificação do alelo mutante DF508. Após a corrida eletroforética, o gel foi corado com brometo de etídio e fotografado sob exposição em luz ultravioleta.

Resultados

No presente trabalho foi observado que, das 117 amostras de papel-filtro de recém-nascidos sem dados prévios de IRT, cinco delas não apresentaram amplificação. Entre as 112 que amplificaram foi encontrado apenas um indivíduo portador do alelo DF508, ou seja, um heterozigoto DF508/não-DF508. Após a dosagem de IRT foi observado que 111 indivíduos apresentavam concentrações de IRT normais, abaixo de 65ng/ml, inclusive o recém-nascido heterozigoto, para a mutação DF508, cuja concentração de IRT foi de 4,44ng/ml. Entre os recém-nascidos que eram negativos para a mutação DF508 havia um com a concentração de IRT igual a 410,7ng/ml, valor muito acima do nível esperado de 140ng/ml. Na tabela são apresentados os resultados do teste de IRT dos 117 recém-nascidos. A partir destes dados foram calculados o desvio padrão e a média, com e sem o valor de IRT alterado. Os resultados mostraram-se significativamente diferentes quando o recém-nascido com IRT alterada era considerado pertencente à amostra (n = 117, média = 8,207, DP = 38,101; n = 116, média = 4,737, DP = 6,597). No entanto a amostra mostrou-se em equilíbrio de Hardy-Weinberg no que diz respeito ao locus FC (c2 = 2,74gl = 2).

Por outro lado, entre os oito indivíduos rastreados pelo teste de IRT e cuja concentração foi superior a 140ng/ml, observamos que cinco eram portadores do alelo DF508, sendo dois homozigotos mutantes (DF508/DF508) e três heterozigotos DF508/não-DF508. Os outros três eram homozigotos não-DF508/não-DF508 (figura). Estes resultados mostram que a deleção está presente em 62,25% dos indivíduos analisados com concentração de IRT aumentada.


Discussão

À primeira vista, os resultados encontrados, ou seja, oito indivíduos com IRT superior a 140ng/ml – dois homozigotos mutantes (DF508/DF508), três heterozigotos DF508/não-DF508 e três homozigotos não-DF508/não-DF508 –, parecem invalidar a triagem molecular de crianças fibrocísticas detectadas pelo teste do tripsinogênio. Mas se levarmos em conta o número de indivíduos que fizeram parte da amostra, o tamanho da amostra de recém-nascidos com IRT alterada é muito pequeno para que se faça alguma análise estatística sobre ele. No entanto estes mesmos resultados nos permitem tecer algumas considerações importantes no sentido de melhorar a eficiência da análise molecular do gene da fibrose cística em recém-nascidos com IRT alterada.

Inicialmente, consideremos os falso-positivos. Crianças que apresentem valores superiores a 140ng/ml, ou seja, com teste de IRT positivo prévio, deveriam ser reconvocadas para um novo teste, antes de completar dois meses, para a eliminação dos falso-positivos que se mostrarão com dosagem normal de IRT na segunda avaliação. Resultados negativos para a mutação DF508 não excluem o diagnóstico da fibrose cística, uma vez que o teste molecular empregado é específico para uma única mutação e no gene da fibrose cística já foram identificadas mais de mil outras, a maioria delas muito rara ou própria de alguns grupos étnicos. Estudos de mutações individuais revelam que existe uma forte associação entre o genótipo da fibrose cística e a função pancreática. Isto é, algumas mutações consideradas severas, como, por exemplo, as mutações DF508, G542X, R553X, W1282X, em homo- zigose ou combinadas, predispõem à insuficiência pancreática, enquanto outras, consideradas brandas, conferem à proteína CFTR uma atividade residual de forma a manter o pâncreas funcional. Assim, os resultados negativos para DF508 com IRT realmente positiva devem ser considerados com cautela.

Em segundo lugar, deve-se levar em conta a alta incidência de falso-negativos para o teste de IRT. Sabe-se que os falso-negativos em geral são devidos a erro de laboratório (eluição da amostra de sangue do papel-filtro pouco eficiente), a mudança de procedimentos (uso de cut-off muito alto) ou a fatores biológicos (iliomeconial ou outra condição envolvendo obstrução intestinal que parece favorecer a alta incidência de IRT falso-negativo). O grande problema do falso-negativo é que ele não será detectado no teste de IRT e escapará à triagem molecular. A incidência de falso-negativos pode ser diminuída grandemente se estes fatores não forem negligenciados.

Em relação aos resultados da análise das 117 amostras coletadas em papel-filtro para o rastreamento bioquímico de neonatos, devemos lembrar que a amostra foi escolhida aleatoriamente, sem IRT prévio e sem nenhum dado clínico. Entre os 112 testados, um dos recém-nascidos (5-F) é um provável falso-positivo ou portador de uma mutação diferente da estudada, uma vez que ele tem IRT elevada (410,70ng/ml) e não apresenta a mutação DF508. O outro recém-nascido (12-H) heterozigoto DF508/N apresenta o valor de IRT normal (4,44ng/ml), tanto podendo ser um caso de IRT falso-negativo como um portador normal. Indivíduos portadores normais são aqueles que carregam o alelo mutante em apenas um dos cromossomos e são heterozigotos não-fibrocísticos. Estes não apresentam teste de IRT alterado, mas podem ser detectados no teste de DNA.

A partir das considerações acima podemos dizer que o método de rastreamento neonatal, combinando a triagem prévia pela dosagem de IRT e a análise molecular do gene da fibrose cística, somente será eficiente quando, excluídos os fatores que determinam os falso-negativos e falso-positivos, forem realizadas análises adicionais que permitam a detecção de outras mutações do gene CFTR naquelas crianças cujos resultados sejam duvidosos. A necessidade deste tipo de abordagem é conseqüência da baixa freqüência da mutação DF508 observada entre pacientes fibrocísticos no Rio de Janeiro, que é de apenas 26,58% (2, 3), permanecendo, portanto, aproximadamente 73% dos alelos mutantes FC não-caracterizados.

Para se planejar o rastreamento neonatal da FC, deve-se levar em conta o custo/benefício do programa, considerando-se fatores como rapidez, simplicidade, eficiência e baixo custo. Além disso, ele deve oferecer a possibilidade de determinar a incidência da doença em casos em que se acredite que a mesma está sendo subdiagnosticada, e principalmente possibilitar o tratamento precoce, que é o principal fator para um prognóstico favorável do fibrocístico.

Agradecimentos

Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e ao Programa de Apoio à Pesquisa Estratégica em Saúde/Fundação Oswaldo Cruz (Papes/Fiocruz) pelo suporte financeiro.

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  • Endereço para correspondência
    Giselda M.K. Cabello
    Depto. Genética – Lab. Genética Humana
    do Instituo Oswaldo Cruz
    Av. Brasil 4.365 – Manguinhos
    CEP 21045-900 – Rio de Janeiro-RJ
    Tel.: (21) 2598-4358. Fax: (21) 2260-4282
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jul 2004
    • Data do Fascículo
      2003
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