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Determinação de padrões de crescimento de células em cultura

Growth patterns for cells in culture

Resumos

Os padrões de crescimento de linhagens estáveis de células normais e cancerosas, cultivadas em monocamada e em géis de colágeno, foram caracterizados utilizando-se a distribuição de tamanhos de agregados celulares. Células HN-5 (cancerosas) apresentam, tanto em monocamada quanto em gel, distribuições regidas por leis de potência durante todo o tempo que permaneceram em cultura, enquanto que nas células MDCK (normais) e HEp-2 (cancerosas) observa-se uma transição de um comportamento exponencial para um regido por uma distribuição em leis de potência. Estes resultados sugerem que as transições nos regimes de crescimento de MDCK e HEp-2 podem estar associadas a alterações no controle da replicação ou nos padrões de expressão de moléculas de adesividade celular de junções célula-célula ou célula-matriz extracelular, relacionadas com sinalização intracelular. Estas transições são irreversíveis e parecem corresponder a uma resposta adaptativa das células às restrições ao crescimento impostas por uma elevada densidade populacional ou por uma longa permanência em cultura.

Cultura de células; Câncer; Fenômenos de crescimento; Leis de escala


The growth patterns of established normal and cancer cell lines, cultured in monolayer and collagen gel, have been characterized using the cluster size distribution of cellular aggregates. HN-5 (cancer) cells exhibit, either in gel or in monolayer, power-law distributions at any time in culture, whereas for MDCK (normal) and HEp-2 (cancer) cells there is a transition from an exponential behavior to a power-law distribution after a transient time in culture. These results suggest that the transitions in growth regimes observed in MDCK and HEp-2 cell lines might be associated to changes in the control of replication or in the expression patterns of cell adhesion molecules of cell-cell and cell-matrix type related to intracellular signalling. These transitions are irreversible and seems to be an adaptative response to the growth constraints imposed by high cell population density or long permanence in culture.

Cell culture; Cancer; Growth phenomena; Scaling laws


ARTIGO ORIGINAL

Determinação de padrões de crescimento de células em cultura

Growth patterns for cells in culture

Marcelo José VilelaI; Marcelo Lobato MartinsII; Rosemairy Luciane MendesIII; Anésia Aparecida dos SantosIV

IPh.D. em Patologia Geral; professor adjunto do Departamento de Biologia Animal da Universidade Federal de Viçosa (UFV)

IIDoutor em Física; professor adjunto do Departamento de Física da UFV

IIIMestre em Patologia Geral; doutoranda da Escola Paulista de Medicina

IVMestre em Patologia Geral; doutoranda da UFV

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Marcelo José Vilela Laboratório do Câncer Departamento de Biologia Animal Universidade Federal de Viçosa CEP 36570-000 – Viçosa-MG Tel.: (31) 3899-2565 E-mail: marcelo@ufv.br

RESUMO

Os padrões de crescimento de linhagens estáveis de células normais e cancerosas, cultivadas em monocamada e em géis de colágeno, foram caracterizados utilizando-se a distribuição de tamanhos de agregados celulares. Células HN-5 (cancerosas) apresentam, tanto em monocamada quanto em gel, distribuições regidas por leis de potência durante todo o tempo que permaneceram em cultura, enquanto que nas células MDCK (normais) e HEp-2 (cancerosas) observa-se uma transição de um comportamento exponencial para um regido por uma distribuição em leis de potência. Estes resultados sugerem que as transições nos regimes de crescimento de MDCK e HEp-2 podem estar associadas a alterações no controle da replicação ou nos padrões de expressão de moléculas de adesividade celular de junções célula-célula ou célula-matriz extracelular, relacionadas com sinalização intracelular. Estas transições são irreversíveis e parecem corresponder a uma resposta adaptativa das células às restrições ao crescimento impostas por uma elevada densidade populacional ou por uma longa permanência em cultura.

Unitermos: Cultura de células, Câncer, Fenômenos de crescimento, Leis de escala

ABSTRACT

The growth patterns of established normal and cancer cell lines, cultured in monolayer and collagen gel, have been characterized using the cluster size distribution of cellular aggregates. HN-5 (cancer) cells exhibit, either in gel or in monolayer, power-law distributions at any time in culture, whereas for MDCK (normal) and HEp-2 (cancer) cells there is a transition from an exponential behavior to a power-law distribution after a transient time in culture. These results suggest that the transitions in growth regimes observed in MDCK and HEp-2 cell lines might be associated to changes in the control of replication or in the expression patterns of cell adhesion molecules of cell-cell and cell-matrix type related to intracellular signalling. These transitions are irreversible and seems to be an adaptative response to the growth constraints imposed by high cell population density or long permanence in culture.

Key words: Cell culture, Cancer, Growth phenomena, Scaling laws

Introdução

Experimentos com células em cultura representam uma importante ferramenta para caracterizar os eventos que possibilitam às células superar o controle normal, identificar as bases genéticas e os processos fenotípicos que estão envolvidos na transformação celular e comparar o comportamento coletivo de linhagens celulares normais e cancerosas. As propriedades conjuntas da transformação e da imortalização de células em cultura proporcionam um modelo para o estudo da formação de tumores em animais e no homem.

Considerando alguns aspectos da formação de padrões, uma linha central de investigação é a busca pelos princípios básicos que governam o crescimento dos organismos vivos, os mais instigantes sistemas auto-organizados. Em particular, sabe-se que colônias de bactérias submetidas a estresse químico ou nutricional podem desenvolver padrões complexos que apresentam transições semelhantes às observadas no presente trabalho (1, 2). Desta forma, pode-se pensar que colônias de células normais submetidas a estresse nutricional podem desenvolver transições no crescimento, como uma forma de adaptação. Uma questão fundamental é saber se estas modificações refletem distintos mecanismos de regulação e controle do crescimento de células normais e cancerosas.

Atualmente, existe um grande interesse na aplicação da geometria dos fractais como ferramenta de trabalho em patologia (3). De fato, alterações patológicas freqüentemente levam à formação de padrões complexos que podem ser vistos como objetos auto-similares.

Recentemente, os padrões de crescimento de células normais e cancerosas, estudados in vivo (4-6), foram caracterizados medindo-se suas dimensões fractais, e os resultados sugerem a possibilidade de uma abordagem quantitativa a ser utilizada no diagnóstico do câncer a partir da análise de imagens. Também, em um estudo anterior (7) do crescimento de células normais e cancerosas, foram medidas individualmente as dimensões fractais dos agregados celulares gerados. O resultado mais importante daquela análise foi que, tanto para células normais quanto para as cancerosas, as dimensões fractais aumentaram de maneira uniforme em função do tempo, até atingirem uma dimensão fractal (Df) = 2, o que corresponde a uma situação em que as células ocupam todo o espaço de uma lamínula. Entretanto as taxas de crescimento das dimensões fractais são diferentes, o que permite discriminar os tipos celulares. Adicionalmente, a comparação de dimensões fractais em um mesmo tempo, para os padrões de crescimento dos dois tipos celulares, mostrou que as colônias de células cancerosas, com uma dimensão fractal menor, apresentam padrões mais ramificados e menos compactos do que as colônias de células normais. Este fato pode estar associado a uma maior mobilidade e à tendência invasiva das células cancerosas.

O presente estudo constitui um ensaio experimental que provê informações adicionais relacionadas aos padrões de crescimento gerados por células de mamíferos em cultura. Seu objetivo foi investigar as leis de escala que regem a dinâmica da divisão e agregação de células normais e cancerosas. Espera-se que tais leis contribuam para o entendimento das propriedades funcionais das células e de suas interações com o meio ambiente em que elas vivem e que sejam, eventualmente, de valor para o tratamento do câncer.

Material e métodos

Linhagens celulares

Quatro linhagens celulares foram utilizadas nos experimentos: dois tipos diferentes de células cancerosas humanas, HN-5 (de um carcinoma da língua), obtidas por intermédio da dra. Donna Davies, da Universidade de Southampton, Inglaterra, e HEp-2 (de um carcinoma da laringe), obtidas pelo professor David Garrod, da Universidade de Manchester, Inglaterra; duas populações celulares distintas de MDCK (células normais de rim de cão), obtidas pelos professores David Garrod e Paulo Roehe, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. As células HEp-2 e MDCK eram heterogêneas em termos de taxas de crescimento, provavelmente devido a números diferentes de passagens e subtipos. As células MDCK e HEp-2 apresentaram duas e três taxas de divisão diferentes, respectivamente. Para simplificar, iremos nos referir a cada tipo celular como uma linhagem caracterizada por uma taxa particular de crescimento.

Cultura de células em monocamada

As células foram cultivadas sobre lamínulas de vidro de 13mm de diâmetro, colocadas dentro de placas para cultura de células de 24 poços (diâmetro dos poços: 16mm), em meio mínimo essencial de Dulbecco (DMEM), suplementado com 10% de soro fetal bovino, 100UI/ml de penicilina, 100µg/ml de estreptomicina, 10UI de micostatina, 2mM de glutamina, 2mM de piruvato de sódio e 1mM de aminoácidos não-essenciais, em uma estufa umidificada a 97%, a 37°C e com 5% de CO2. As células eram plaqueadas a uma densidade de 3 x 103 células por poço, e as lamínulas eram removidas para observação a cada 24h. Em cada ponto do experimento, três lamínulas eram sorteadas, removidas, fixadas e coradas com Giemsa. As culturas foram observadas durante sete ou mais dias, sem adição suplementar ou troca de meio de cultura. Três experimentos foram realizados para cada tipo celular.

Cultura de células em géis de colágeno

Os géis de colágeno do tipo I eram preparados a partir de tendões de cauda de ratos, de acordo com o protocolo ligeiramente modificado de Bao e Hughes (8). O colágeno obtido era misturado com meio DMEM concentrado 10 vezes contendo uma proporção de 4:1 de NaOH (0,1M). O pH do gel assim preparado era de 7,6 ± 0,2. Camadas de 0,5ml de gel eram colocadas nos poços de placas de 24 poços, polimerizavam e sobre elas suspensões celulares homogêneas contendo 1x105 células eram adicionadas. Por fim, outras camadas de 0,5ml de gel de colágeno eram depositadas sobre estas camadas, formando um ambiente tridimensional para as células.

As células nos géis eram fotografadas em intervalos de 24h, e 100ml de DMEM com 20% de soro fetal eram adicionados no topo dos géis, após cinco dias em cultura, de modo a contrabalançar a desidratação observada nestes géis, mantidos a 37°C. Da mesma forma anterior, três experimentos foram realizados para cada linhagem celular.

Medidas das funções de distribuições de tamanhos de agregados

Um agregado foi definido como qualquer conjunto interconectado de células (ou mesmo uma única célula) que esteja fisicamente isolado de qualquer outro grupo de células. Um microscópio óptico com um aumento de 500x foi usado para fotografar as células nos géis de colágeno e para contar todos os agregados presentes nas lamínulas. A função de distribuição de tamanhos de agregados, ns (t), foi definida como sendo a fração de agregados celulares consistindo de s células em um tempo t.

Resultados

Cultura de células

O objetivo central do presente trabalho é observar células crescendo de modo a constituírem colônias a partir de células isoladas. Com esta finalidade, células foram plaqueadas a densidades muito baixas, de modo a permitir uma distribuição de células primordialmente isoladas. Estas células isoladas multiplicam-se por mitose e começam a formar pequenos agregados. Ao mesmo tempo, células migram e se agregam a outras células e agregados. Como resultado deste processo, os agregados aumentam de tamanho não só por meio de divisões celulares, mas também pela agregação de novas células que se movem em sua direção e pela união de agregados adjacentes.

Funções de distribuição de agregados

A figura 1 mostra padrões de crescimento típicos de células HN-5, HEp-2 e MDCK em diferentes tempos em cultura. As funções de distribuição de tamanhos de agregados ns(t) para os padrões correspondentes são mostradas na figura 2. Distribuições semelhantes foram encontradas para descrever o crescimento de células em colágeno. Para as células HN-5, ns(t) segue leis de potência ns(t)~s-t, sob pelo menos uma ordem de grandeza na variável s, em qualquer tempo em cultura. Isto significa uma ausência de tamanho característico para os agregados de HN-5, ou seja, agregados de qualquer tamanho podem estar presentes com probabilidades que diminuem lentamente se comparadas com um decaimento exponencial.



Nos casos das células HEp-2 e MDCK, foram observadas transições de um padrão de decaimento exponencial para outro em leis de potência para ns(t). No início, estas células exibem um crescimento marcado pela presença de agregados de tamanhos característicos. A observação de agregados muito maiores do que estes torna-se um evento exponencialmente raro. Após este período inicial, as células crescem de acordo com leis de potência similares às obtidas para as células HN-5.

As curvas de crescimento para as células HN-5, HEp-2 e MDCK, assim como todos os valores encontrados para os comprimentos característicos e expoentes referentes à função de distribuição de tamanhos de agregados destas células, encontram-se na referência 9.

A transição realizada pelas células MDCK em monocamada ocorre no final de sua fase de crescimento exponencial, enquanto nas HEp-2 ocorre durante a fase exponencial do crescimento, o que pode ser associado a observações de que em células transformadas falta a fase estacionária do crescimento.

Natureza da transição observada na dinâmica do crescimento de MDCK

Com o intuito de investigar a transição observada no regime de crescimento das células MDCK, foi realizado um experimento envolvendo culturas em monocamada de células MDCK clonadas tanto antes quanto após a transição, isto é, durante as fases de decaimento exponencial e em lei de potência de ns(t). Resumindo, a partir de culturas de MDCK a 76h e 146h, foram preparadas culturas de células clonadas e transferidas para placas de 24 poços. As funções de distribuição de tamanhos de agregados foram determinadas a cada 24h, durante um máximo de 210h.

Os resultados revelam que as células MDCK passam por uma transformação fenotípica e, provavelmente, genotípica, de natureza irreversível, no que se refere à dinâmica do crescimento (9). As colônias de células MDCK geradas por células clonadas após a transição exibem uma distribuição de tamanhos de agregados regida por leis de potência, após qualquer tempo em cultura. Em contraste, as células clonadas antes da transição exibiram um crescimento com distribuição de agregados exponencial seguido por um em leis de potência, ou seja, o mesmo comportamento das chamadas células-mãe.

Discussão

Em todos os poços das placas de cultura contendo pelo menos 103 células, cada célula isolada ou cada grupo de células cresce, movimenta-se sobre a lamínula e adere-se a outras células ou colônias, formando grandes agregados celulares, que podem ser fractais. É importante investigar a dinâmica de formação destes agregados, já que pode simular a formação de nódulos cancerosos in vivo.

Para a linhagem HN-5, ns(t) sempre exibe uma distribuição em leis de potência sob pelo menos uma ordem de grandeza, tanto em monocamada quanto em géis de colágeno. Este tipo de distribuição indica uma ausência de tamanho característico para os agregados, ou seja, em qualquer tempo podemos encontrar agregados de todos os tamanhos, o que implica igualmente invariância de escala, ou seja, auto-similaridade, propriedades características dos objetos fractais. Este resultado pode ser explicado, em termos biológicos, pela ausência ou alteração de mecanismos de controle da multiplicação celular associada à alta estabilidade dos agregados formados. De fato, HN-5 expressa duas isoformas da desmogleína (10), uma molécula de adesividade celular presente nos desmossomas. A análise dos expoentes obtidos para ns(t) indica que, ao invés da difusão de fatores de crescimento, é a formação de estruturas adesivas célula-célula que controla a dinâmica da formação dos agregados (9).

Tanto MDCK quanto HEp-2 mostram uma transição em ns(t) de um decaimento exponencial para um em lei de potência, tanto em monocamadas quanto em géis de colágeno. Nas células MDCK, que apresentam as três isoformas de desmogleína (11) e formam agregados estáveis, esta transição na dinâmica do crescimento sugere que um longo tempo de permanência em cultura exerce forças seletivas poderosas sobre as células e modifica seus mecanismos de controle normal, tais como os de dependência de ancoragem, inibição de movimento por contato célula-célula e crescimento dependente da densidade celular. Além do mais, a transição ocorre no início da fase estacionária (após a fase exponencial) do crescimento das MDCK (9), sugerindo que esta transição é uma resposta das células que resulta em uma otimização do crescimento, sob uma condição continuamente desfavorável. Este resultado é semelhante ao de Rubin (12-15). Ele mostrou que fibroblastos normais, NIH-3T3, mantidos em cultura em altas densidades, adquirem a capacidade de produzir focos de células transformadas neoplasicamente. A partir do momento em que esta alteração no comportamento celular se inicia, apenas após as células terem atingido a confluência e seu crescimento ter estacionado, sugeriu-se que a densidade celular, ao invés do número total de divisões, seria a principal força no processo de transformação das células. O presente trabalho sugere que a alteração no comportamento celular pode ser observada mesmo em culturas subconfluentes, utilizando-se as medidas das funções de distribuição de tamanhos de agregados. Além do mais, a transformação celular é uma resposta adaptativa irreversível às restrições ao crescimento após longa permanência em cultura, um processo dirigido por interações celulares e mutações.

Um exemplo desta transformação celular irreversível foi observado em culturas de células MDCK sob estresse alcalino (16), nas quais células transformadas crescem em focos, exibem um padrão morfológico fusiforme, perdem a capacidade de constituir monocamadas, não possuem inibição por contato e apresentam oscilações endógenas da membrana celular e dos canais de íons potássio, além de variações nos estoques intracelulares de íons cálcio.

Finalmente, a transição observada para o crescimento das células HEp-2 em cultura está provavelmente associada a alterações na expressão de moléculas de adesividade. É importante notar que, em contraste com HN-5 e MDCK, as células HEp-2 expressam apenas a isoforma número três, Dsg3, da desmogleína, ainda assim em pequena quantidade (10), o que certamente afeta as junções celulares e, por conseguinte, a eficiência da agregação celular e a estabilidade dos agregados. Se a adesividade celular é reduzida, grandes agregados de HEp-2 serão instáveis, e, conseqüentemente, espera-se a existência de um pequeno tamanho característico para estes ninhos celulares e distribuições de funções que decaem exponencialmente. Após um longo tempo em cultura, é provável que as HEp-2 alterem o padrão de expressão de moléculas de adesividade, tornando-se aptas a constituir grandes agregados. Novamente, os expoentes t que descrevem a lei de potência para ns(t) medidos em culturas em géis de colágeno para as células HEp-2 são consistentes com os valores destes expoentes para os processos de agregação limitados por reação em sistemas inorgânicos tridimensionais (9), o que está de acordo com nossa hipótese de trabalho. De fato, o expoente t medido para as células HEp-2 é maior do que para as HN-5, e, como no caso dos sistemas inorgânicos, os agregados de HEp-2 são mais maleáveis do que os das HN-5, levando a dimensões fractais maiores para as HEp-2 (9). Em contraste, as células HN-5, expressando desmogleína em elevados níveis, formam adesões fortes entre células, o que leva ao aparecimento de pontas que crescem rapidamente, resultando em agregados mais ramificados e caracterizados por dimensões fractais menores, se comparados com agregados de HEp-2 no mesmo tempo em cultura. Desta forma, o cenário proposto, baseado na expressão de moléculas de adesividade celular, é reforçado. Esta abordagem enfatiza o papel das junções intercelulares na medida em que estudos teóricos e experimentais (17) evidenciam que as interações celulares semelhantes às junções comunicantes de hiato (18) proporcionam um mecanismo-chave que governa a proliferação celular e a homeostase tecidual.

Resumindo, as funções de distribuições de agregados de HN-5, HEp-2 e MDCK em cultura foram medidas. Enquanto que para MDCK e HEp-2 há uma transição irreversível de um comportamento exponencial para um em leis de potência, para HN-5 as células crescem todo o tempo seguindo estas leis. Os resultados aqui apresentados suportam a hipótese de que a transformação celular constitui uma resposta adaptativa dirigida por interações celulares e mutações genéticas em conseqüência das restrições ao crescimento impostas por uma longa permanência das células em cultura. É preciso frisar que, do ponto de vista biológico, nossos resultados constituem uma evidência bastante indireta para explicar a transformação celular observada. Experimentos posteriores envolvendo várias propriedades do crescimento, como, por exemplo, formação de focos transformados, densidade de saturação celular, necessidade de soro fetal, crescimento em suspensão e formação de tumores em animais experimentais, serão necessários para permitir uma evidência definitiva da transformação celular descrita neste trabalho. Neste sentido, estudos de videomicroscopia de células em monocamadas e em colágeno utilizando anticorpos monoclonais contra moléculas desmossômicas e a análise de proteomas celulares antes e após as transições estão em andamento.

Agradecimentos

O trabalho dos estudantes de Iniciação Científica Daniel Campos Villela e Tatiana Antonucci e dos médicos Celito Francisco Sari e Renato Del Giudice é profundamente reconhecido. As discussões com os professores José Luis Braga e Waldenor Barbosa da Cruz foram sempre profícuas. Trabalho apoiado pela Fapemig e pelo CNPq.

Referências

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  • Endereço para correspondência
    Marcelo José Vilela
    Laboratório do Câncer
    Departamento de Biologia Animal
    Universidade Federal de Viçosa
    CEP 36570-000 – Viçosa-MG
    Tel.: (31) 3899-2565
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jul 2004
    • Data do Fascículo
      2003
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