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Identificação de Listeria monocytogenes em placentas humanas e espécimes de aborto pela técnica de imunoistoquímica

Identification of Listeria monocytogenes in human placentas and abortion species through immunohistochemical technique

Resumos

A listeriose é causada por um microrganismo que se encontra amplamente disseminado na natureza e tem sido isolado do solo, de fezes humanas e de animais e pode, eventualmente, contaminar os alimentos. A Listeria monocytogenes é patogênica para o homem e tornou-se o principal patógeno nas doenças transmitidas pelos alimentos. Tendo-se em vista que a incidência de listeriose humana não é bem conhecida e as placentites possuem aspecto morfológico inespecífico e não são, muitas vezes, investigadas para este fator etiológico, surgiu a motivação para desenvolver a técnica de imunoistoquímica para o diagnóstico de Listeria monocytogenes em placentas ou produtos de aborto, utilizando um anticorpo policlonal anti-Listeria (Biodesign®). Um projeto-piloto foi realizado a partir do material encontrado em dez placentas provenientes de abortos ou partos prematuros ocorridos no ano de 2000 no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). As lâminas foram analisadas através do exame microscópico convencional (HE) e de imunoistoquímica (IHQ). Os resultados deste projeto revelaram a presença de Listeria monocytogenes em cinco dos dez (50%) casos estudados. Todos os casos apresentaram alterações sugestivas de processo inflamatório agudo supurativo. Frente a estes achados torna-se importante considerar a infecção por Listeria monocytogenes detectável por IHQ como um elemento no diagnóstico da patogenia do aborto ou das infecções perinatais, podendo este achado contribuir para o tratamento dos recém-nascidos ou das parturientes. As características microscópicas de listeriose na placenta, embora não-patognomônicas, permitem ao patologista um diagnóstico presuntivo, e a confirmação pode ser realizada pelo método de imunoistoquímica.

Aborto; Listeria; Placentite; Patologia


Listeria monocytogenes, a food-borne, human-infecting pathogen, is widespread in nature and has been isolated from soil, human and animal feces. Since the incidence of human listeriosis is not well-known and placentitis has a nonspecific morphological aspect, usually uninvestigated for this etiologic factor, we decided to implement immunohistochemistry (IHC) to diagnose listeriosis in placentas or abortion specimens by using an anti-Listeria polyclonal antibody (Biodesign®). A pilot study was conducted with the material obtained from ten placentas from abortions or preterm deliveries at Hospital de Clínicas de Porto Alegre in the year 2000. The slides were analyzed by conventional HE staining and IHC. The results revealed listeriosis in five (50%) of the ten studied cases. All cases showed alterations suggestive of acute suppurative inflammatory process. These findings show that it is important to consider IHC-detected listeriosis as a tool for the diagnosis of abortion pathogenesis or perinatal infections, as this can contribute towards the treatment of newborns or pregnant women. The microscopic characteristics of listeriosis in the placenta, albeit nonpathognomonic, allow for a presumptive diagnosis, which is then confirmed by IHC.

Abortion; Listeria infections; Placentitis; Pathology


ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL PAPER

Identificação de Listeria monocytogenes em placentas humanas e espécimes de aborto pela técnica de imunoistoquímica

Identification of Listeria monocytogenes in human placentas and abortion species through immunohistochemical technique

Jussara Pires SchwabI; Maria Isabel Albano EdelweissII

IProfessora adjunta da Faculdade de Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias da Faculdade de Veterinária da UFRGS

IIProfessora adjunta da Faculdade de Medicina da UFRGS

Endereço para correspondência E ndereço para correspondência Jussara Pires Schwab Rua Coronel Bordini 1.180/31 Bairro Moinhos de Vento CEP 90440-003 – Porto Alegre-RS Tels.: (51) 3333-2507/9901-0722

RESUMO

A listeriose é causada por um microrganismo que se encontra amplamente disseminado na natureza e tem sido isolado do solo, de fezes humanas e de animais e pode, eventualmente, contaminar os alimentos. A Listeria monocytogenes é patogênica para o homem e tornou-se o principal patógeno nas doenças transmitidas pelos alimentos. Tendo-se em vista que a incidência de listeriose humana não é bem conhecida e as placentites possuem aspecto morfológico inespecífico e não são, muitas vezes, investigadas para este fator etiológico, surgiu a motivação para desenvolver a técnica de imunoistoquímica para o diagnóstico de Listeria monocytogenes em placentas ou produtos de aborto, utilizando um anticorpo policlonal anti-Listeria (Biodesign®). Um projeto-piloto foi realizado a partir do material encontrado em dez placentas provenientes de abortos ou partos prematuros ocorridos no ano de 2000 no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). As lâminas foram analisadas através do exame microscópico convencional (HE) e de imunoistoquímica (IHQ). Os resultados deste projeto revelaram a presença de Listeria monocytogenes em cinco dos dez (50%) casos estudados. Todos os casos apresentaram alterações sugestivas de processo inflamatório agudo supurativo. Frente a estes achados torna-se importante considerar a infecção por Listeria monocytogenes detectável por IHQ como um elemento no diagnóstico da patogenia do aborto ou das infecções perinatais, podendo este achado contribuir para o tratamento dos recém-nascidos ou das parturientes. As características microscópicas de listeriose na placenta, embora não-patognomônicas, permitem ao patologista um diagnóstico presuntivo, e a confirmação pode ser realizada pelo método de imunoistoquímica.

Unitermos: Aborto, Listeria, Placentite, Patologia

ABSTRACT

Listeria monocytogenes, a food-borne, human-infecting pathogen, is widespread in nature and has been isolated from soil, human and animal feces. Since the incidence of human listeriosis is not well-known and placentitis has a nonspecific morphological aspect, usually uninvestigated for this etiologic factor, we decided to implement immunohistochemistry (IHC) to diagnose listeriosis in placentas or abortion specimens by using an anti-Listeria polyclonal antibody (Biodesign®). A pilot study was conducted with the material obtained from ten placentas from abortions or preterm deliveries at Hospital de Clínicas de Porto Alegre in the year 2000. The slides were analyzed by conventional HE staining and IHC. The results revealed listeriosis in five (50%) of the ten studied cases. All cases showed alterations suggestive of acute suppurative inflammatory process. These findings show that it is important to consider IHC-detected listeriosis as a tool for the diagnosis of abortion pathogenesis or perinatal infections, as this can contribute towards the treatment of newborns or pregnant women. The microscopic characteristics of listeriosis in the placenta, albeit nonpathognomonic, allow for a presumptive diagnosis, which is then confirmed by IHC.

Keywords: Abortion, Listeria infections, Placentitis, Pathology

Introdução

A Listeria spp.é um microrganismo que se encontra amplamente disseminado na natureza e tem sido isolado do solo, de fezes humanas e de animais. Todas as espécies de Listeria são encontradas na natureza e podem, eventualmente, contaminar os alimentos, porém somente a Listeria monocytogenes é patogênica para o homem (4), tornando-se o principal patógeno nas doenças transmitidas pelos alimentos (12).

A Listeria monocytogenes é uma bactéria gram-positiva, com motilidade, que é um freqüente patógeno veterinário, causando aborto e meningoencefalite em vacas e ovelhas, porém há relatos em várias espécies animais. A infecção no homem não é comum, mas ocorre mais freqüentemente no período neonatal, durante a gravidez, nos idosos ou pacientes imunodeprimidos (3).

A transmissão de Listeria monocytogenes através dos alimentos pode causar doença em surtos ou casos isolados (9).

A gravidade da doença depende das condições imunológicas do hospedeiro e do tipo de infecção (11). Desta forma, a listeriose torna-se importante entre as gestantes e parturientes que se enquadram nas chamadas situações de risco. Segundo a organização americana Food and Drug Administration (FDA), um terço das infecções ocorre durante a gestação e pode provocar aborto ou doenças sérias no recém-nascido (5).

As mulheres grávidas infectadas podem apresentar sintomas de um resfriado e transmitir a doença ao feto através da placenta causando aborto, parto prematuro ou meningite após o nascimento (11).

O feto pode infectar-se no útero através da via hematógena ou da via ascendente a partir do trato genital materno (6), apresentando sinais de pneumonia e apnéia; pústulas na face e no corpo; granulomas no fígado, baço e cérebro (3).

Tendo-se em vista que a incidência de listeriose humana não é bem conhecida e as placentites não são, muitas vezes, investigadas para este fator etiológico, surgiu a motivação para a realização desta pesquisa.

Material e método

O método de imunoistoquímica para diagnóstico de listeriose foi desenvolvido no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) utilizando-se um anticorpo policlonal anti-Listeria monocytogenes (Biodesign®) na diluição 1:1.000. Um projeto-piloto foi realizado na Unidade de Pesquisa Experimental do HCPA, a partir do material de dez blocos de placentas provenientes de abortos ou partos prematuros ocorridos no ano de 2000 naquele hospital.

As lâminas foram processadas no Serviço de Patologia do HCPA para a técnica de hematoxilina e eosina (HE), e o método de imunoistoquímica (IHQ) foi adaptado partindo-se da técnica descrita por Alves et al. (1) e Mills (7), de acordo com as seguintes etapas:

• identificação dos blocos de parafina: com tecido normal, com listeriose (controles) e com as amostras das placentas;

• preparação dos cortes histológicos: os blocos foram cortados com 2mm a 3mm de espessura;

• preparação das lâminas: as lâminas foram coradas com hematoxilina e eosina (HE);

• procedimentos imunoistoquímicos (IHQ):

a) preparação dos cortes histológicos;

b) desparafinização e hidratação;

c) recuperação antigênica: irradiação em forno de microondas;

d) bloqueio da peroxidase endógena: as lâminas foram colocadas em uma solução de peróxido de hidrogênio a 5% e água destilada e, após, em uma solução a 5% de leite desnatado e tampão fosfato (PBS), durante 40min em câmara úmida e escura; foram lavadas com água corrente, água destilada e colocadas no PBS durante 5min;

e) incubação com anticorpo primário anti-Listeria monocytogenes;

f) reação complexo avidina-biotina-estreptavidina + kit peroxidase (Dako®): anticorpo secundário e marcador;

g) revelação;

h) contracoloração;

• observação das lâminas.

Resultados e discussão

A Listeria monocytogenes, na sua forma baciliforme e apresentação característica em "V" (10), corou-se de marrom pelo método de imunoistoquímica.

No presente estudo, cinco das dez placentas analisadas pelo método de IHQ foram positivas para Listeria monocytogenes (tabela). Ressalte-se que, no estudo de Parkash et al. (10), foram identificadas alterações características de listeriose nas sete placentas examinadas.

No estudo-piloto, analisamos lâminas de placentas com características histológicas sugestivas de infecção com placentite, corioamnionite e vilite, e outras com discreta infiltração inflamatória aguda.

As alterações histológicas na placenta com listeriose são microabscessos, vilite focal, corioamnionite e funiculite (2, 6, 9). As alterações identificadas no HE das placentas deste estudo foram corioamnionite (quatro casos) e vilite necrótica (três casos).

As principais alterações histológicas encontradas por Parkash et al. (10) foram corioamnionite (seis em sete casos) e vilite (todos os sete casos). O trabalho desenvolvido por Fox (6) encontrou vilite necrótica em três dos cinco casos examinados.

A dificuldade encontrada no desenvolvimento da técnica foi a presença de uma reação de fundo inespecífica em células deciduais e endometriais. Superamos esta dificuldade melhorando a diluição do anticorpo, os métodos de bloqueio da peroxidase e analisando os casos predominantemente nas áreas inflamatórias. Esta dificuldade não está referida na literatura com o uso deste anticorpo, porém estes achados podem estar relacionados com o uso da biotina, pois a mesma serve como coenzima para várias enzimas envolvidas na transferência de CO2. A interação entre biotina e avidina forma a base para a identificação dos antígenos celulares. A biotina endógena presente no citoplasma ou núcleo pode ser fonte de falso positivo na coloração IHQ quando se utiliza o complexo avidina-biotina-peroxidase (8).

Conclusão

A realização deste projeto-piloto permitiu identificar a presença de Listeria monocytogenes em placentas e espécimes de abortos examinados no Serviço de Patologia do HCPA.

As características histológicas de infecção por listeriose na placenta, embora não-patognomônicas, permitem ao patologista um diagnóstico presuntivo, e a confirmação pode ser realizada pelo método de IHQ.

Mais estudos devem ser realizados em placentas com alterações sugestivas de listeriose através de confirmação da presença do agente pela técnica de IHQ.

Recebido em 26/06/02

Aceito para publicação em 06/11/02

Trabalho realizado no Departamento de Patologia, no Serviço de Patologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, e apresentado no I Congresso Brasileiro de Especialidades em Medicina Veterinária, realizado em Curitiba no período de 15 a 17 de maio de 2002

  • 1. Alves, V.A.F et al. Manual de imuno-histoquímica São Paulo: Sociedade Brasileira de Patologia, 1999.
  • 2. Benirschke, K. & Kaufmann, P. Pathology of the human placenta. 3. ed. New York: Springer-Verlag, 1995. p. 560-64.
  • 3. Bortolussi, R. & Schlech III, W.F. Listeriosis. In: Remington, J.S. & Klein, J.O. (eds.). Infectious diseases of the fetus newborn infant. 4. ed. Philadelphia: Saunders, 1995. cap. 27, p. 1055-73.
  • 4. Carter, G. R. et al. Listeria. In: Essentials of veterinary microbiology 5. ed. Baltimore: Willians & Wilkins, 1995. p. 127-30.
  • 5
    FDA. Food and Drug Administration. [online]. Disponível na Internet via URL: http://www.fda.gov/cdrh/yr2000/cfr/866.html Arquivo capturado em 04/09/99.
  • 6. Fox, H. Pathology of the placenta Londres: Saunders, 1978. p. 286-325.
  • 7. Mills, B. Immunohistochemistry. In: Prophet, E.D. et al (eds.) Laboratory methods in histotechnology Washington: Armed Forces Institute of Pathology, 1992. p. 247-55.
  • 8. Mount, S.L. & Cooper, K. Current diagnostic pathology, 7(3): 161-7, 2001.
  • 9. Nolla-Salas, J. et al. Perinatal listeriosis: a population-based multicenter study in Barcelona, Spain (1990-1996). Am. J. Perinatol, 15(8): 461-7, 1998.
  • 10. Parkash, V. et al Immunohistochemical detection of Listeria antigens in the placenta in perinatal listeriosis. Int. J. Gynecol. Pathol, 17(4): 343-50, 1998.
  • 11. Rocourt, J. Risk factors for listeriosis. Food Control, 7(4-5): 195-202, 1996.
  • 12. Taege, A.J. Listeriosis: recognizing it, treating it, preventing it. Cleve. Clin. J. Med., 66(6): 375-80, 1999.
  • E
    ndereço para correspondência
    Jussara Pires Schwab
    Rua Coronel Bordini 1.180/31 Bairro Moinhos de Vento
    CEP 90440-003 – Porto Alegre-RS
    Tels.: (51) 3333-2507/9901-0722
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jul 2004
    • Data do Fascículo
      Jun 2003

    Histórico

    • Recebido
      26 Jun 2002
    • Aceito
      06 Nov 2002
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