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Coprotest® quantitativo: quantificação de ovos de helmintos em amostras fecais utilizando-se sistema de diagnóstico comercial

Quantitative Coprotest®: quantification of helminth eggs in fecal samples by commercial diagnostic kit

Resumos

A técnica coproparasitológica de concentração em formol acetato de etila foi empregada para a quantificação de ovos de helmintos. O método quantitativo proposto foi padronizado utilizando-se o sistema comercial Coprotest® e amostras fecais contendo diferentes cargas de ovos de Ascaris lumbricoides. Para a comparação do Coprotest® quantitativo com outros métodos de quantificação de ovos, foi preparada em laboratório uma série de amostras fecais, com carga decrescente de ovos de A. lumbricoides, Trichuris trichiura e Schistosoma mansoni. Discutem-se as vantagens de se empregar um método capaz de detectar maior número de espécies de helmintos, além de protozoários, e que permita, concomitantemente, estimar a intensidade das infecções por geo-helmintos e S. mansoni nas populações. O Coprotest® quantitativo mostrou ser de aplicação viável, fornecendo resultados comparáveis a outros métodos quantitativos já descritos na literatura.

Exame de fezes; Helminto; Contagem de ovos; Método quantitativo


The formol ethyl acetate concentration technique was applied for the quantification of helminth eggs in fecal samples. The proposed quantitative method was standardized through the use of a commercial kit, Coprotest®, and fecal samples with different counts of Ascaris lumbricoides eggs. For the comparison of the quantitative Coprotest® with other methods of egg quantification, a series of fecal samples was prepared in laboratory, with decreasing number of A. lumbricoides, Trichuris trichiura and Schistosoma mansoni eggs. It is discussed the advantages of a method that is able of detecting different helminth and also protozoa species, allowing, in concomitance, to estimate in the populations the intensity of S. mansoni and geohelminth infections. The quantitative Coprotest® showed to be feasible, providing results that were comparable to the other quantitative methods already described in the literature.

Fecal examination; Helminth; Egg count; Quantitative method


ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL PAPER

Coprotest® quantitativo: quantificação de ovos de helmintos em amostras fecais utilizando-se sistema de diagnóstico comercial

Quantitative Coprotest®: quantification of helminth eggs in fecal samples by commercial diagnostic kit

Ana Julia Urias Santos AraújoI; Hermínia Yohko KanamuraII; Luiz Cândido de Souza DiasIII; Jancarlo Ferreira GomesIV; Sérgio de Moura AraújoV

IMestra; doutoranda do Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FBC/FCF/USP); docente do Departamento de Biologia da Universidade de Taubaté (DB/Unitau)

IIProfessora dra. aposentada da USP; orientadora credenciada do FBC/FCF/USP; consultora técnica do Instituto Adolfo Lutz; docente do DB/Unitau

IIIProfessor associado da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas

IVAssessor científico da Immunoassay Produtos Hospitalares Ltda

VMestre; docente do DB/Unitau

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Ana Júlia Urias Santos Araújo Departamento de Biologia – Universidade de Taubaté Av. Tiradentes 500 – Campus do Bom Conselho CEP 12030-010 – Taubaté-SP Tel.: (12) 225-4284 E-mail: ajusa@horizon.com.br

RESUMO

A técnica coproparasitológica de concentração em formol acetato de etila foi empregada para a quantificação de ovos de helmintos. O método quantitativo proposto foi padronizado utilizando-se o sistema comercial Coprotest® e amostras fecais contendo diferentes cargas de ovos de Ascaris lumbricoides. Para a comparação do Coprotest® quantitativo com outros métodos de quantificação de ovos, foi preparada em laboratório uma série de amostras fecais, com carga decrescente de ovos de A. lumbricoides, Trichuris trichiura e Schistosoma mansoni. Discutem-se as vantagens de se empregar um método capaz de detectar maior número de espécies de helmintos, além de protozoários, e que permita, concomitantemente, estimar a intensidade das infecções por geo-helmintos e S. mansoni nas populações. O Coprotest® quantitativo mostrou ser de aplicação viável, fornecendo resultados comparáveis a outros métodos quantitativos já descritos na literatura.

Unitermos: Exame de fezes, Helminto, Contagem de ovos, Método quantitativo

ABSTRACT

The formol ethyl acetate concentration technique was applied for the quantification of helminth eggs in fecal samples. The proposed quantitative method was standardized through the use of a commercial kit, Coprotest®, and fecal samples with different counts of Ascaris lumbricoides eggs. For the comparison of the quantitative Coprotest® with other methods of egg quantification, a series of fecal samples was prepared in laboratory, with decreasing number of A. lumbricoides, Trichuris trichiura and Schistosoma mansoni eggs. It is discussed the advantages of a method that is able of detecting different helminth and also protozoa species, allowing, in concomitance, to estimate in the populations the intensity of S. mansoni and geohelminth infections. The quantitative Coprotest® showed to be feasible, providing results that were comparable to the other quantitative methods already described in the literature.

Keywords: Fecal examination, Helminth, Egg count, Quantitative method

Introdução

Para um grande número de espécies de helmintos que parasitam o homem o diagnóstico pode ser feito pelo achado de seus ovos ou larvas nas fezes de pessoas infectadas. As técnicas diagnósticas estão baseadas no exame microscópico direto e após diluição ou concentração destes elementos parasitários presentes na matéria fecal. Do ponto de vista prático, fatores como volume do material examinado, número de ovos produzidos pelo parasito e carga parasitária podem influenciar no diagnóstico. Já se observou que o número de ovos nas fezes do paciente pode variar nas diferentes porções de um mesmo bolo fecal. Esta variação estaria relacionada à espécie do parasito, à sua localização ao longo do tubo digestivo, à quantidade e ao tipo de alimento ingerido pelo hospedeiro e ao movimento peristáltico, que promove mistura não-uniforme dos ovos com as fezes. Entre os enteroparasitos, o Ascaris lumbricoides é o mais facilmente detectado, visto que o número de ovos produzidos pelas fêmeas diariamente é muito elevado, se comparado com outras espécies. Entretanto flutuação diária na postura de ovos foi observada tanto para esta espécie quanto para outros nematódeos, como Trichuris trichiura e Ancylostomatidae, mas é para o trematódeo Schistosoma mansoni que se encontra maior número de trabalhos procurando mostrar esta variação, pois, além dos fatores já citados, a presença de ovos nas fezes é dependente da passagem pela parede intestinal (12-14, 21, 28).

Embora existam essas interferências, é reconhecida a importância clínica e epidemiológica da quantificação de ovos de helmintos nas fezes para se estimar a intensidade da infecção. A determinação da carga parasitária pode auxiliar no acompanhamento de cura de pacientes, além de ser útil na avaliação da morbidade, já que em geral se observa relação positiva entre carga parasitária e gravidade da doença. Por outro lado, a medida da intensidade das infecções possibilita estimar a probabilidade de transmissão entre membros de uma mesma família ou entre indivíduos de uma mesma comunidade, ou avaliar as condições sanitárias a que estão submetidas as populações e o impacto das ações de controle (14, 22).

Diversos são os métodos já propostos com a finalidade de quantificar ovos de helmintos em amostras fecais, podendo-se citar, entre eles, o de Stoll (26, 27), o de Bell (5), o de Kato (16), modificado por Katz et al. (1972), e o de Ritchie (24), com as modificações introduzidas por Knight et al. (1976). Muitos estudos foram realizados com o objetivo de avaliar e comparar estes métodos quantitativos e verificar sua eficiência no monitoramento de programas de controle, principalmente da esquistossomose (4, 7-9, 18, 21, 25).

No presente trabalho, tendo em vista a possibilidade de coleta de volume padronizado de amostra através do dispositivo acoplado ao frasco coletor de fezes do kit Coprotest® (NL Comércio Exterior, S. Paulo, SP), foi proposta uma metodologia para quantificação de ovos de helmintos utilizando-se este sistema comercial (6). Com base numa metodologia de reconhecida eficiência para o diagnóstico de helmintos e protozoários nas fezes, o método descrito por Ritchie (1948) e modificado por Young et al. (1979), o Coprotest®, foi avaliado por diferentes autores, com resultados satisfatórios (2, 20, 23). Assim, a proposta do presente estudo foi padronizar uma metodologia de quantificação de ovos de helmintos, através do sistema Coprotest®, como alternativa viável para aplicação em áreas de baixa endemicidade para a esquistossomose e helmintoses intestinais, que permitisse também o diagnóstico de espécies parasitárias não-detectadas pela técnica de Kato-Katz, rotineiramente empregada em estudos populacionais. Os resultados do Coprotest® quantitativo foram comparados aos de outros métodos quantitativos e sua aplicabilidade, discutida.

Material e métodos

Padronização da metodologia de quantificação através do sistema Coprotest®

Amostras fecais – Foram selecionadas, através do método de sedimentação espontânea (15), quatro amostras fecais com número variado de ovos de Ascaris lumbricoides. A variação foi determinada pela presença de menos de um, um a dois, cinco a sete e mais de dez ovos por campo, em duas lâminas examinadas após homogeneização do sedimento, denominando-se as amostras de U, V, X e Z, respectivamente. Para cada uma destas amostras foram preparados dois kits Coprotest®. As fezes foram colocadas no frasco coletor do próprio kit e introduzidas no conservante, constituído de 10ml de solução a 10% de formalina tamponada.

Determinação do peso das amostras – Para se estimar o peso da amostra fecal contida no coletor próprio do kit Coprotest®, correspondendo a um volume aproximado de 1cm3, 200 amostras provenientes de diferentes indivíduos foram preparadas e pesadas em balança eletrônica de duas casas decimais. O peso da amostra fecal foi dado pela diferença entre o obtido do coletor antes e após a colocação do material fecal.

Processamento das amostras – Foi realizado de acordo com as instruções do fabricante, com algumas adaptações, através do seguinte protocolo: a) homogeneização do material fecal (volume total da suspensão de 11ml), com auxílio de agitador de tubo, por 20 segundos; b) transferência de 7ml da suspensão obtida para um tubo de centrífuga de 10ml; c) adição de uma gota de detergente doméstico e de 3ml de acetato de etila comercial; d) homogeneização através de agitação manual vigorosa; e) centrifugação durante 2 minutos a 1.500rpm; f) descarte do sobrenadante e ressuspensão do sedimento a 7ml, com água destilada; g) nova centrifugação por 2 minutos a 1.500rpm e descarte do sobrenadante; h) ressuspensão do sedimento a 1ml, com água destilada (procedimento adotado para ajustar o volume da suspensão fecal das diferentes amostras e possibilitar a padronização da metodologia de quantificação); i) preparo de lâminas para observação ao microscópio.

Quantificação dos ovos – Para cada kit processado foram preparadas duas lâminas após homogeneização do sedimento ressuspenso em água destilada. Em cada lâmina foi colocada uma alíquota de exatamente 50µl da suspensão fecal e adicionada esta mesma quantidade de água destilada, de forma a permitir que o material ficasse uniformemente espalhado sobre lamínula de vidro de 24x32mm. A leitura foi realizada em microscópio com aumento de 100x e todos os ovos encontrados nas lâminas foram contados (rastreamento completo). Nas amostras que continham elevado número de ovos, realizou-se a quantificação por amostragem, contando-se os ovos em dez diferentes campos e estimando-se o total de ovos na lâmina a partir da média aritmética dos dez campos multiplicada por 221 (número de campos contidos na área correspondente à da lamínula de vidro de 24x32mm). Os resultados obtidos na quantificação por amostragem foram comparados com os obtidos no rastreamento completo da lâmina.

Comparação do Coprotest® quantitativo com outros métodos de quantificação

Preparação das amostras – Foi selecionado um paciente cujo diagnóstico através de uma lâmina de Kato-Katz revelou carga parasitária de cerca de 100 mil ovos por grama de fezes (opg) para A. lumbricoides e cerca de 1.000opg para T. trichiura. A 50g de fezes frescas deste indivíduo foram adicionados cerca de 50 mil ovos de S. mansoni, de forma que a amostra passou a conter o correspondente a 1.000opg também para esta última espécie. Os ovos de S. mansoni foram extraídos de fígados de hamsters após 50 dias de infecção experimental e isolados conforme descrito por Araújo (1985). Com esta amostra inicial de 50g de fezes, denominada amostra A, foi realizada diluição seriada ao dobro do material fecal, utilizando-se fezes totais de um outro indivíduo não-parasitado. Ou seja, uma porção de 25g da amostra A foi misturada a igual volume de amostra fecal negativa, obtendo-se 50g de amostra B; metade desta última foi utilizada para compor a amostra C e assim sucessivamente, até que se obtiveram 16 amostras, classificadas de A a Q, pesando 25g cada uma.

Processamento das amostras – As amostras obtidas por diluição seriada, após completa homogeneização, foram divididas em quatro porções, suficientes para processamento através dos seguintes métodos: Coprotest® quantitativo, Kato-Katz (17), Stoll & Hausheer (27) e Ritchie modificado por Knight et al. (1976). Para este último método utilizou-se também o frasco coletor do kit Coprotest® para obtenção do volume padronizado de material fecal a ser processado. Foram examinadas cinco lâminas de cada amostra para cada método e os ovos foram contados por rastreamento completo da lâmina ou por amostragem, dependendo da quantidade de ovos na amostra.

Determinação do número de ovos por grama de fezes – O valor de opg foi estimado pela média aritmética das cinco lâminas, aplicando-se os fatores de conversão 24 e 200, respectivamente, para os métodos de Kato-Katz e Stoll & Hausheer, conforme já preconizado (17, 26, 27). Para o Coprotest® quantitativo e o Ritchie-Knight foi aplicado o fator de conversão obtido a partir da padronização realizada no presente estudo.

Análise estatística – O banco de dados foi organizado através do programa Microsoft, Excel 97. Este programa permitiu sumariar os dados através da estatística descritiva e representar graficamente o teste de correlação linear empregado na comparação dos resultados obtidos através dos diferentes métodos coproparasitológicos quantitativos.

Aspectos éticos – O presente trabalho obteve parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Taubaté.

Resultados

Padronização do Coprotest® quantitativo

Para se estimar o número de ovos por grama de fezes das amostras processadas pelo sistema Coprotest® foi necessário determinar um fator de conversão. Para tanto foram consideradas as seguintes variáveis: a) peso do material fecal depositado no coletor próprio do kit Coprotest®, resultante da média da pesagem de 200 amostras de diferentes indivíduos, que foi igual a 1,4g (desvio padrão: 0,08; coeficiente de variação: 0,05); b) volume da suspensão fecal obtida da dissolução de 1,4g de fezes em 10ml de conservante, que foi de aproximadamente 11ml; c) peso do material fecal contido em 7ml da suspensão, transferido para o tubo de centrífuga, estimado em cerca de 0,9g de fezes; d) volume resultante da ressuspensão do sedimento obtido do processamento da amostra, 1ml, no qual estariam contidos os ovos de 0,9g de fezes processadas; e) peso do material fecal contido em cada alíquota de 50µl examinada, ou seja, cerca de 0,045g de fezes; f) proporção entre 1g e 0,045g de fezes, que é igual a 22,2. Assim, adotou-se o fator 22 para a conversão em opg, a partir do número de ovos encontrados em uma lâmina preparada com 50µl do sedimento.

Os resultados da padronização da metodologia de quantificação realizada com a contagem de ovos de A. lumbricoides, tanto por rastreamento completo da lâmina quanto por amostragem, estão apresentados na tabela 1.

Comparação entre Coprotest® quantitativo e outros métodos de quantificação

A comparação entre os métodos foi realizada utilizando-se 16 amostras fecais com número decrescente de ovos, obtidas experimentalmente a partir da diluição seriada ao dobro de material fecal positivo para A. lumbricoides, T. trichiura e S. mansoni. Estas amostras foram submetidas ao Coprotest® quantitativo e aos métodos de Kato-Katz, Stoll & Hausheer e Ritchie-Knigth. Na tabela 2 estão apresentados os resultados em opg obtidos para cada espécie a partir da contagem em cinco lâminas para cada método. Até a amostra Q foram encontrados ovos de A. lumbricoides nos vários métodos empregados, com exceção do método de Stoll & Hausheer. Este método também foi o que mostrou menor capacidade de detecção de ovos, em relação aos demais, para as outras duas espécies estudadas. Na figura 1 são mostrados os coeficientes de correlação e as curvas resultantes da comparação entre o Coprotest® quantitativo e os outros métodos utilizados. Na figura 2 estão representados os coeficientes de variação observados na contagem de ovos das três espécies de helmintos, em cinco lâminas, para cada um dos métodos quantitativos estudados.



Discussão

A aplicação de diferentes métodos de exame coproparasitológico muitas vezes é necessária, tendo-se em vista a variabilidade morfológica e biológica apresentada pelos parasitos passíveis de serem diagnosticados através das fezes. Nem sempre uma técnica apropriada ao encontro de ovos será eficiente na detecção de larvas de helmintos e cistos ou oocistos de protozoários. Os estudos populacionais ou programas de controle são dirigidos com freqüência a um parasito em especial ou a um grupo de espécies parasitárias, como, por exemplo, o controle da esquistossomose ou das geo-helmintíases. A utilização de técnicas capazes de detectar outros elementos parasitários, que não somente aqueles em enfoque, poderia trazer maiores benefícios à população.

Knight et al. (1976), ao introduzirem modificações no método qualitativo de concentração em formol-éter (24), propuseram seu emprego para diagnóstico genérico de enteroparasitos concomitante à quantificação de ovos de S. mansoni. Ao compararem a técnica de Ritchie-Knight com o método de Kato-Katz, os mesmos autores observaram maior sensibilidade do primeiro na detecção de S. mansoni, especialmente em amostras com baixa carga de ovos. Albanico et al. (1996), utilizando o método de Kato-Katz associado ao método de concentração em formol acetato de etila (29), avaliaram a intensidade da infecção por geo-helmintos através da técnica quantitativa, enquanto a técnica qualitativa permitiu estimar a prevalência da estrongiloidíase e das protozooses intestinais. O emprego desta associação de técnicas laboratoriais certamente possibilitaria o levantamento mais apurado das parasitoses detectáveis através das fezes, entretanto a utilização de múltiplas técnicas tornaria dispendiosos os amplos trabalhos de campo.

No presente estudo, foi proposta uma metodologia para quantificação de ovos de helmintos, baseada na técnica de concentração em formol acetato de etila. A padronização da técnica quantitativa foi realizada utilizando-se o kit Coprotest®, sistema comercial já empregado na rotina laboratorial para o diagnóstico genérico de elementos parasitários nas fezes. O kit utilizado propicia a coleta de volume padronizado de fezes que, convertido em gramas, permite definir um fator de conversão para opg, unidade classicamente empregada para estimar a carga parasitária dos indivíduos infectados. A técnica de quantificação proposta foi avaliada inicialmente utilizando-se amostras fecais com diferentes cargas de ovos de Ascaris lumbricoides.

Tendo-se em vista o achado de pessoas apresentando elevado número de ovos de A. lumbricoides nas fezes, inviabilizando a contagem através do rastreamento completo da lâmina, desenvolveu-se uma metodologia de quantificação por amostragem. Na etapa de padronização do Coprotest® quantitativo, as amostras utilizadas que continham mais de 10.000opg, correspondendo à contagem de aproximadamente 500 ovos na lâmina examinada, e os resultados obtidos na quantificação por amostragem foram comparáveis aos obtidos através do rastreamento completo da lâmina. Já nas amostras com carga ao redor de 3.500opg, correspondendo à contagem de aproximadamente 150 ovos na lâmina, observou-se elevado coeficiente de variação (CV) quando aplicada a metodologia de quantificação por amostragem, sendo este CV maior ainda nas amostras com carga menor que 1.000opg (amostras C e D, tabela 1). A partir destes resultados foi possível estabelecer a metodologia de quantificação, se por rastreamento completo da lâmina ou por amostragem, quando da comparação entre os diferentes métodos quantitativos.

Assim, na comparação entre o Coprotest® quantitativo e os outros métodos, a quantificação por amostragem foi aplicada naquelas amostras que continham acima de 5.000opg, correspondendo a aproximadamente 220 ovos por lâmina. Este limite foi definido ao se observar que, nas amostras com esta carga de ovos de A. lumbricoides, pelo menos um ovo estaria presente em cada campo examinado ao microscópio, com aumento de 100x. Para o método Kato-Katz foi necessário adaptar a metodologia de quantificação por amostragem. Como o esfregaço fecal, preparado com aproximadamente 22mm de diâmetro, apresenta área menor do que a lamínula de vidro utilizada no Coprotest® (24 x 32mm), resultando numa maior proximidade entre os ovos, foi possível realizar a quantificação por amostragem nas amostras que apresentavam a partir de 2.500opg, correspondendo a cerca de 100 ovos por lâmina. O número de campos ao microscópio, no aumento de 100x, foi determinado para cada lâmina de Kato-Katz, estimando-se a área total do esfregaço fecal através de moldes com unidades de área de 1mm2.

Nas amostras experimentalmente preparadas em laboratório, realizou-se a quantificação por amostragem para A. lumbricoides nas lâminas resultantes do processamento das amostras de A a E, através do Coprotest® quantitativo e do método de Ritchie-Knight, e das amostras de A a G, através do método de Kato-Katz. Quanto ao método de Stoll & Hausheer, que, diferentemente dos demais, se baseia na diluição das fezes, a metodologia de quantificação por amostragem foi aplicada somente na leitura das lâminas das amostras A e B, nas quais o número de ovos por lâmina era maior que 200.

Os resultados obtidos através do método de Kato-Katz para A. lumbricoides, mostrando maior número de ovos em relação às demais metodologias quantitativas empregadas (tabela 2), vêm de encontro à observação de outros autores (18, 19) de que a tamisação das fezes, como efetuado neste método, propicia concentração de ovos. Embora esta tendência não tenha sido observada no presente estudo para T. trichura e S. mansoni, Katz et al. (1970), comparando a taxa de recuperação de ovos de S. mansoni experimentalmente aderidos a fezes humanas, e processados através do método de Kato com e sem tamisação da matéria fecal, verificaram maior concentração de ovos no material tamisado. Observações semelhantes foram realizadas por Knight et al. (1976) em amostras clínicas com diferentes cargas de ovos desta mesma espécie, verificando que a média de ovos recuperados em fezes tamisadas foi 38% maior que no material não-tamisado. Sendo assim, é importante considerar este aspecto ao se interpretar os resultados obtidos através do método de Kato-Katz, quando comparados aos demais métodos quantitativos. Vale destacar a maior sensibilidade do método de Kato-Katz para S. mansoni nas amostras com número reduzido de ovos, como observado nas amostras de G a M da diluição seriada (tabela 2).

Nas amostras produzidas em laboratório, demonstrou-se boa concordância entre o Coprotest® quantitativo e os outros métodos de quantificação, quando se compararam os resultados obtidos para ovos de A. lumbricoides com coeficientes de correlação próximos ao máximo (figura 1). Os resultados observados para ovos de S. mansoni, com coeficientes de correlação menos favoráveis, sugerindo baixa concordância na comparação entre os métodos, podem estar refletindo, na realidade, a variabilidade de resultados devida ao menor número de ovos deste parasito presente nas amostras avaliadas. De fato, resultados discordantes foram observados nas amostras com número reduzido de ovos, mesmo para A. lumbricoides, verificando-se coeficientes de variação discrepantes entre as cinco lâminas examinadas para cada método (figura 2), a partir da amostra H, que conteria número de ovos de A. lumbricoides equivalente ao número de ovos de S. mansoni na amostra A (tabela 2). Resultados mais discordantes foram observados na comparação com o método de Stoll & Hausheer, que se baseia no princípio da diluição. Resultados mais próximos se obtiveram na comparação entre Coprotest® quantitativo e Ritchie-Knight, provavelmente porque ambos se baseiam no mesmo princípio. Por outro lado, a baixa concordância observada para S. mansoni (figura 1) poderia ser decorrente da utilização de ovos retirados de modelo experimental e artificialmente inseridos nas amostras fecais, com a possível presença de ovos em diferentes estádios de desenvolvimento, embora se tenha escolhido um animal numa fase da infecção em que se espera grande parte dos ovos em estádio maduro.

Elevado coeficiente de variação foi observado quando o número de ovos encontrado na lâmina foi inferior a cinco. Esta quantidade de ovos, com a aplicação do fator de conversão do Coprotest quantitativo ou do Kato-Katz, estaria abaixo de 100opg. Esta limitação dos métodos em detectar ovos em amostras de indivíduos com baixa carga parasitária pode levar a uma determinação subestimada da prevalência real das parasitoses, quando diagnosticadas através de exames de fezes. Estudos neste sentido foram realizados em área de baixa endemicidade para S. mansoni, mostrando que a taxa de prevalência é proporcional ao número de lâminas examinadas (10). Tendo em vista as dificuldades técnicas para a realização de múltiplas lâminas ou para o exame de mais de uma amostra de cada indivíduo, De Vlas et al. (1992) propuseram a aplicação de um modelo matemático para a determinação da prevalência da esquistossomose em áreas de baixa transmissão, de acordo com o número de lâminas examinadas através do método de Kato-Katz. Esta dificuldade poderia ser sanada com a utilização do Coprotest®, se todo o sedimento for examinado, já que o volume de matéria fecal processada, cerca de um grama, é teoricamente 20 vezes maior que o contido na lâmina preparada através do método de Kato-Katz. Mesmo com a leitura de maior número de lâminas para cada um destes dois métodos, realizada neste estudo em cinco lâminas com as amostras preparadas em laboratório, observou-se que existe um limiar de detecção que precisa ser mais bem estudado.

Os resultados do presente trabalho indicam necessidade de se avaliar criticamente dados quantitativos obtidos em inquéritos epidemiológicos realizados em áreas de baixa endemicidade, independentemente da metodologia quantitativa empregada.

O método quantitativo padronizado no presente estudo, a que se denominou Coprotest® quantitativo, mostrou ser de aplicação viável, fornecendo resultados comparáveis aos de outros métodos quantitativos. Assim, a possibilidade de se diagnosticar infecções por espécies parasitárias não-passíveis de serem detectadas através do Kato-Katz, como cistos e oocistos de protozoários, além de larvas de helmintos, faz do Coprotest® quantitativo um método importante que merece ser mais bem avaliado e aperfeiçoado para aplicação em estudo populacional. Deve-se lembrar de que seu emprego requer um laboratório com centrífuga, além da aquisição de kits e de outros suprimentos básicos que a técnica exige. Estes fatores podem ser limitantes para sua aplicação em larga escala, em condições de campo, se comparada com a estrutura necessária quando o método de escolha é o Kato-Katz. Há que se levar em consideração, portanto, o custo/benefício do programa a ser desenvolvido.

Recebido em 06/12/01

Aceito para publicação em 15/07/02

Trabalho baseado na dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Farmácia, área de Análises Clínicas, do FBC/FCF/USP, para obtenção do título de mestre. A parte experimental do trabalho foi realizada no Laboratório de Parasitologia do DB/Unitau

A citação de nomes de reagentes e sistemas comerciais é apenas para identificação e não significa endosso pelos autores ou respectivas instituições de origem

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  • Endereço para correspondência
    Ana Júlia Urias Santos Araújo
    Departamento de Biologia – Universidade de Taubaté
    Av. Tiradentes 500 – Campus do Bom Conselho
    CEP 12030-010 – Taubaté-SP
    Tel.: (12) 225-4284
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jul 2004
    • Data do Fascículo
      Jun 2003

    Histórico

    • Aceito
      15 Jul 2002
    • Recebido
      06 Dez 2001
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