Freqüência e atividade enzimática de Candida albicans isoladas da mucosa bucal de crianças de uma creche da prefeitura de Fortaleza

Frequency and enzymatic activity of Candida albicans isolated from the buccal mucosa of children of a day-care center of the city hall of Fortaleza, Ceará, Brazil

ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL PAPER

Freqüência e atividade enzimática de Candida albicans isoladas da mucosa bucal de crianças de uma creche da prefeitura de Fortaleza

Frequency and enzymatic activity of Candida albicans isolated from the buccal mucosa of children of a day-care center of the city hall of Fortaleza, Ceará, Brazil

Everardo Albuquerque Menezes^I; Márcio de Souza Cavalcante^II; Roberto Barbosa Farias^II; Andréa Bessa Teixeira^III; Felipe Gomes Pinheiro^III; Beatriz Pinheiro Bezerra^III; Júlio César Nogueira Torres^IV; Francisco Afrânio Cunha^V

^IProfessor-doutor do Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da Universidade Federal do Ceará (DACT/UFC)

^IIBolsista de extensão do DACT/UFC

^IIIBolsista de pesquisa do Programa de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC)/UFC

^IVFarmacêutico do Hospital Universitário da UFC

^VFarmacêutico do DACT/UFC

^{Endereço para correspondência}

RESUMO

As candidíases bucais (também chamadas sapinhos) que ocorrem em crianças são causadas por uma deficiência imunológica, bem como por outros fatores tais como má higiene bucal e esterilização inadequada dos utensílios utilizados pelas mesmas, que potencializam a ocorrência dessa infecção fúngica. Considerando esse fato, foram avaliadas a freqüência e a atividade enzimática de Candida sp. isoladas em crianças de uma creche pública (Aprisco) na cidade de Fortaleza, Ceará. Foram coletadas amostras da mucosa bucal de 364 alunos de 1 a 5 anos de idade. Elas foram semeadas em ágar Sabouraud dextrose com cloranfenicol, incubadas por 72 horas a 37ºC e identificadas por testes micológicos. Verificou-se que 67 (18%) apresentaram leveduras do gênero Candida. A Candida albicans foi a mais freqüente, com 30 isolados (45%), seguida pelas C. tropicalis (31%), C. guilliermondii (17%), C. glabrata (4,5%) e C. stellatoidea (1,5%). Com relação às atividades enzimáticas das cepas de Candida albicans, 20% produziram a enzima proteinase e 33%, a fosfolipase. As Candida albicans isoladas da mucosa bucal de crianças dessa creche da prefeitura apresentaram uma fraca atividade enzimática. Assim, conclui-se que essas cepas parecem ter uma baixa virulência.

Unitermos: Candida albicans, Sapinho, Atividade enzimática, Fosfolipase, Proteinase

ABSTRACT

Immunedefficiency is one of the main causes of buccal candidiasis, also called thrush, in children. Other factors like inadequate mouth hygiene and inappropriate sterilization utensils potentialize this fungal infection. Considering these facts, Candida sp. frequency and enzymatic activity were evaluated in 364 stocks from mouth mucous of one to five year-old children from a public day care center in Fortaleza, Ceará (Brazil). The samples were cultured in dextrose Sabouraud with chloranfenicol agar and incubated for 72 hours at 37°C. They were identified by mycological tests. It was verified that 67 samples (18%) presented Candida sp. and the most frequent genus was Candida albicans (30%-45%) followed by C. tropicalis (31%), C. guilliermondi (17%), C. glabrata (4.5%) and C. stellatoidea (1,5%). Considering enzymatic activitie of Candida albicans strains, 20% produced proteinasis and 33% produced phospholipasis. Candida albicans isolated from children mouth mucous from a public day care center in Fortaleza presented a weak enzymatic activity. This finding leads to the conclusion that those strains seem to be of low virulence.

Key words:Candida albicans,Thrush, Enzymatic activity, Phospholipase, Proteinase

Introdução

As infecções causadas por leveduras do gênero Candida são denominadas candidíase ou candidose. Seu espectro é bastante extenso, indo desde a colonização de mucosas até quadros sistêmicos com a invasão de órgãos, expressando assim a variedade de relações que ocorrem entre o hospedeiro e a microbiota autóctone. A ampla variedade de apresentação da candidíase e a sua significância clínica têm estimulado o interesse no estudo dos mecanismos de patogenicidade das espécies de Candida e na identificação de seus fatores de virulência^{(2, 8, 12, 13)}.

As leveduras do gênero Candida formam colônias mucóides ou secas, com coloração que vai do branco ao creme, e apresentam brotamento e/ou pseudomicélios. A Candida albicans, que foi descrita pela primeira vez por Langenbeck (1830) como estomatite cremosa de paciente com febre tifóide, é a espécie isolada com maior freqüência de infecções, sendo considerada o patógeno oportunista mais comum na espécie humana. A sua distribuição é muito ampla, podendo ser encontrada tanto no meio ambiente como fazendo parte da microbiota normal do homem – nas mucosas bucal e vaginal e no trato gastrintestinal. Aproximadamente 25% a 30% dos indivíduos são portadores de Candida albicans na cavidade oral; 50%, no trato gastrintestinal; e cerca de 30% das mulheres têm colonização vaginal em algum momento^{(2, 5, 7, 12)}.

Das outras espécies, que também estão implicadas em quadros clínicos, destacam-se: C. tropicalis, C. parapsilosis, C. glabrata, C. krusei, C. kefyr, C. guilliermondii e, mais recentemente, C. dubliniensis. É importante ressaltar que, apesar de a Candida albicans continuar sendo a principal causa de infecções, a proporção de atribuições destas às outras espécies tem aumentado consideravelmente^{(12, 14, 18, 24)}.

A patogenicidade da Candida albicans está relacionada a uma combinação de fatores que contribuem para a sua virulência. Alguns estudos têm sido realizados com a finalidade de identificá-los. É importante destacar que alguns desses fatores, como a produção de enzimas extracelulares, também estão sendo relatados em espécies não-albicans^{(3, 21)}. Diversas enzimas, como proteinases e fosfolipases, são produzidas por fungos. Elas estão associadas à patogenicidade desses organismos, em função do prejuízo que causam aos tecidos do hospedeiro. São capazes de promover destruição nas membranas celulares por meios hidrolíticos, sendo consideradas importantes fatores de virulência desenvolvidos por essas leveduras^{(1, 4, 16, 22)}.

Desde o nascimento, a cavidade oral é colonizada por leveduras do gênero Candida, principalmente Candida albicans. Geralmente esses fungos habitam a mucosa bucal como leveduras saprófitas, constituindo parte da microbiota normal. Porém, sob determinadas condições, podem assumir a forma patogênica de micélio, induzindo o aparecimento de lesões que são freqüentes em crianças ou pacientes imunodeprimidos^{(7, 20)}.

A candidíase geralmente não causa maiores complicações, mas deve ser tratada para evitar uma infecção longa e crônica. Ela interfere na alimentação, gerando perda do apetite e comprometendo as necessidades de hidratação e nutrientes⁽⁶⁾.

Diante do que foi exposto anteriormente, este trabalho teve como objetivo separar, identificar e detectar as enzimas extracelulares proteinase e fosfolipase de Candida albicans isoladas na mucosa bucal de crianças que freqüentavam uma creche da prefeitura de Fortaleza.

Material e método

Foi coletada uma amostra da mucosa bucal de cada uma das 364 crianças da creche, no período de março de 2000 a novembro de 2002. O material foi avaliado cuidadosamente para observar a presença de lesões e então colhido. Não foram observadas lesões nas mucosas dos alunos. A coleta foi realizada usando-se dois swabs estéreis, sendo um para esfregaços em lâmina e coloração pela técnica de gram e o outro, destinado ao cultivo^{(9, 11)}.

Os materiais clínicos obtidos foram semeados com um swab pela técnica de esgotamento, em placas de Petri contendo ágar Sabouraud dextrose com cloranfenicol, e incubado a 37°C. As colônias de leveduras foram identificadas pelas seguintes provas: teste do tubo germinativo, microcultivo em ágar fubá, teste para fermentação de açúcares (zimograma) e assimilação de açucares (auxanograma)^{(9, 11)}.

De todas as espécies de Candida isoladas neste estudo, a mais freqüente foi a C. albicans, com 30 isolados. Essas cepas foram submetidas à pesquisa de enzimas fosfolipase e proteinase. Suspensões das leveduras em água destilada esterilizada, equivalente a 1 na escala de MacFarland, foram inoculadas em pontos eqüidistantes, respectivamente, nos meios de ágar proteinase (extrato de levedura 11,7g; albumina bovina 2g; protovit 3 gotas, ágar 18g e H₂O 1.000ml) e ágar fosfolipase (Agar Sabouraud 65g; NaCl 57,3g; CaCl₂ 0,55g; gema de ovo 40g e H₂O 1.000ml). As placas contendo dois inóculos de diferentes cultivos permaneceram incubadas a 37°C, durante sete dias para proteinase e quatro dias para fosfolipase^{(15, 16, 22)}.

A presença da atividade da proteinase e da fosfolipase foi verificada pela formação de um halo transparente ou opaco ao redor da colônia, respectivamente. A atividade enzimática foi obtida por meio da razão entre o diâmetro da colônia (dc) e o diâmetro da colônia mais a zona de precipitação (dep). As atividades enzimáticas (P_Z) foram medidas dividindo-se o diâmetro da colônia pelo diâmetro da colônia somado à zona de precipitação. Em ambos os casos, quando a P_Z foi igual a 1 foi considerada negativa e quando essa medida ficou entre 0,64 e 0,99, a atividade foi considerada positiva^{(15,16 e 22)}.

Resultados

Das 364 amostras coletadas, 67 (18%) foram positivas para leveduras do gênero Candida (Figura 1). As colorações de gram foram realizadas para separar as leveduras das bactérias, só havendo interesse pelas primeiras.

A C. albicans foi a mais prevalente, isolada em 30 amostras, 45% em relação às outras Candida spp. As outras espécies isoladas foram: C. tropicalis (31%), C. guilliermondi (17%), C. glabrata (4,5%) e C. stellatoidea (1,5%) (Figura 2).

Quanto à pesquisa da atividade enzimática de C. albicans, foi observado que seis isolados (20%) apresentaram P_Z positiva para proteinase e dez (33%) mostraram positividade para fosfoplipase (Figura 3).

Discussão

A candidíase bucal é um grande problema de saúde pública, podendo estar associada a doenças infecciosas, principalmente em regiões onde as condições de saneamento e higiene são bastante precárias. Os sinais e sintomas que a caracterizam em crianças são a presença de eritema e placas brancas. As candidíases bucais (estomatites cremosas) que ocorrem em crianças de creches decorrem principalmente da deficiência na esterilização de utensílios, como mamadeiras, bicos e copos, entre outros. Nelas, o problema se agrava porque o ambiente coletivo aumenta as chances de ocorrência de infecções, o que certamente propicia um elevado risco de contaminação.

Partindo da constatação do alto índice de candidíase bucal em crianças que freqüentam creches, e tentando evitá-la, amparados pelo conhecimento da bibliografia, procuramos isolar leveduras do gênero Candida e avaliar os fatores de virulência (proteinase e fosfolipase) das cepas presentes.

Neste estudo, verificou-se que 67 (18%) crianças apresentaram leveduras do gênero Candida na mucosa bucal (Figura 1). No trabalho realizado por Moreira et al.⁽¹⁰⁾, ao verificarem a presença de Candida spp. na cavidade oral de escolares na cidade de Piracicaba, num total de 239 coletas, foram isoladas Candida em 113 crianças, representando 47,3%. Em nosso trabalho, obtivemos um resultado bastante inferior, apenas 18%. Como a creche recebe atendimento de profissionais de saúde da Universidade Federal do Ceará (UFC), as pessoas que lá trabalham têm treinamentos constantes.

Foram encontradas as seguintes leveduras do gênero Candida: C. albicans (45%), C. tropicalis (31%), C. guilliermondii (17%), C. glabrata (4,5%) e C. stellatoidea (1,5%) (Figura 2). No trabalho realizado por Moreira et al.⁽¹⁰⁾, com crianças, e por Sousa et al.⁽¹⁹⁾, com pacientes que fazem uso de prótese total na cidade de Fortaleza, verificou-se que a espécie mais encontrada foi a C. albicans, seguida por C. tropicalis, C. parapsilosis, C. glabrata, C. krusei e C. guilliermondi. Comparando esses resultados com os nossos, observamos semelhanças quanto às espécies de Candida isoladas.

Penha et al.⁽¹³⁾, na Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (USP), com pacientes desdentados com e sem lesões bucais, constataram que a Candida albicans foi a espécie mais freqüente, com 81,1%, seguida por C. parapsilosis, C. tropicalis e C. guilliermomdii. Aqui também existem semelhanças entre as leveduras isoladas. Trabalho também importante foi o realizado na Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto da USP por Candido et al.⁽¹⁾. Eles avaliaram 50 pacientes e concluíram que a Candida albicans foi a mais prevalente em todos os tipos de amostras examinadas. Encontraram também cepas de C. tropicalis, C. glabrata, C. guilliermondii e C. krusei, e onde estas foram as mais freqüentes, respectivamente. Isso contribui definitivamente para a semelhança dos resultados, confirmando a importância da C. albicans na mucosa bucal.

A presença das enzimas proteinase e fosfolipase tem sido descrita, principalmente em cepas de Candida albicans, daí a pesquisa da atividade enzimática de ambas nessa levedura. Sarmaranayake et al.⁽¹⁷⁾ estudaram a atividade fosfolipásica de 41 cepas de leveduras do gênero Candida e observaram que esses tipos de enzima eram produzidos por C. albicans, mas não por outras espécies.

No trabalho, verificou-se a produção de proteinase em 20% das 30 amostras de Candida albicans isoladas nas crianças, no período estudado (Figura 3). Esses resultados estão bastante inferiores aos obtidos por vários autores brasileiros. Oliveira⁽¹¹⁾ observou atividade fortemente proteolítica em pacientes imunocomprometidos, ressaltando a importância dessa enzima no processo patogênico. Sousa et al.⁽¹⁹⁾ verificaram que, em pacientes portadores de prótese total, as atividades enzimáticas de C. albicans foram de 52% para produção de proteinase. Candido et al.⁽¹⁾ observaram que 66,7% de Candida albicans isoladas na mucosa bucal de pacientes da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto apresentaram atividade proteolítica, enquanto Penha et al.⁽¹³⁾ averiguaram 100%, fortemente positiva. Os resultados quanto à detecção de atividade proteolítica foram menores que os obtidos pelos autores citados acima. A justificativa deve-se ao fato que os grupos estudados diferem e que os porcentuais não podem ser simplesmente comparados. Apenas a comparação é realizada em relação às espécies de Candida mais freqüentemente isoladas.

No que diz respeito à produção de fosfolipase, os resultados mostraram atividade enzimática de 33% (Figura 3), inferior aos estudos realizados por outros autores. Candido et al.⁽¹⁾ e Penha et al.⁽¹³⁾ verificaram que as cepas de C. albicans isoladas da mucosa bucal apresentaram uma atividade fosfolipásica de 83,3%, com forte positividade em 36,6%. Oliveira⁽¹¹⁾ encontrou maiores índices de fosfolipase em amostras de pacientes imunocomprometidos quando comparadas com as de indivíduos sadios. Os nossos resultados foram semelhantes ao encontrado por Sousa et al.⁽¹⁹⁾. Estes autores, em pacientes portadores de prótese dentária total, obtiveram uma produção de fosfolipase de 36%. Pode-se observar que os resultados foram bastante diferentes dos obtidos pelos autores citados acima. Isso ocorreu pelo fato de termos feito a coleta em indivíduos sem lesões bucais, e os trabalhos citados levaram em consideração as amostras clínicas destas.

Conclusão

A caracterização das leveduras que ocorrem na mucosa bucal de crianças, assim como a determinação da sua atividade enzimática, pode contribuir para o entendimento da epidemiologia da doença e auxiliar no tratamento das crianças com essa patologia.

Agradecimentos

Aos funcionários da creche Aprisco, à Pró-Reitoria de Extensão da UFC e à Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP).

Primeira submissão em 07/04/04

Última submissão em 24/09/04

Aceito para publicação em 07/12/04

Publicado em 20/02/05

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  15 Abr 2005
• Data do Fascículo
  Fev 2005

Histórico

• Aceito
  07 Dez 2004
• Recebido
  07 Abr 2004
• Revisado
  24 Set 2004