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Adenocarcinoma em mucosa sinonasal expressando PSA e CDX-2: apresentação de um caso com ênfase no processo de decisão diagnóstica quanto à origem do tumor

Adenocarcinoma in sinonasal mucous membrane expressing PSA and CDX-2: report of a case with emphasis on the diagnostic decision process as to the origin of the tumor

Resumos

Neste relato, aproveitamos um caso pouco usual de adenocarcinoma em mucosa sinonasal para ilustrar o processo de decisão diagnóstica em imuno-histoquímica. Trata-se de paciente do sexo masculino, de 86 anos, apresentando massa intranasal. No estudo imuno-histoquímico, notou-se expressão de antígeno prostático específico (PSA) e do CDX-2, indicando possibilidades diagnósticas divergentes, de metástase de adenocarcinoma prostático ou de adenocarcinoma sinonasal do tipo intestinal (ITAC). A partir desse dilema diagnóstico, buscou-se estabelecer como esses marcadores poderiam ser confrontados em uma decisão diagnóstica, definindo-se as qualidades que um bom marcador imuno-histoquímico deve ter, e como os marcadores utilizados no painel se comparam em relação a essas qualidades e às hipóteses diagnósticas levantadas. Nesse exercício, são desvendados aspectos importantes do processo diagnóstico em patologia.

PSA; CDX-2; Adenocarcinoma sinonasal; Decisão diagnóstica


In this report, we explore an unusual case of adenocarcinoma detected in the sinonasal mucous membrane in order to illustrate the diagnostic decision process in the immunohistochemical diagnosis. The patient is a 86-year-old man with an intranasal mass. In the immunohistochemical study, it was found expression for both PSA and CDX-2, raising the divergent diagnostic possibilities of a prostatic adenocarcinoma metastasis or an intestinal type sinonasal adenocarcinoma. In search for a solution for this diagnostic dilemma, we tried to establish how these immunohistochemical markers could be confronted in a diagnostic decision by defining the qualities that good immunohistochemical markers consist of and how the panel markers may be compared as to these qualities and the diagnostic hypotheses. In this exercise, important aspects of the diagnostic process in pathology are revealed.

PSA; CDX-2; Sinonasal adenocarcinoma; Diagnostic decision-making


RELATO DE CASO CASE REPORT

Adenocarcinoma em mucosa sinonasal expressando PSA e CDX-2: apresentação de um caso com ênfase no processo de decisão diagnóstica quanto à origem do tumor

Adenocarcinoma in sinonasal mucous membrane expressing PSA and CDX-2: report of a case with emphasis on the diagnostic decision process as to the origin of the tumor

Gil Patrus PenaI; José de Souza Andrade-FilhoI, II; Roberto Porto FonsecaIII

IMédico patologista do Serviço de Anatomia Patológica do Hospital Felício Rocho, Belo Horizonte-MG

IIProfessor titular de Patologia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais (FCMMG)

IIIMédico oncologista do Hospital Felício Rocho

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Gil Patrus Pena Rua Uberaba, 418, sala 102 - Barro Preto CEP 30180-080 - Belo Horizonte-MG Telefax: +55 (31) 3275-1641 e-mail: gilpena@gold.com.br

RESUMO

Neste relato, aproveitamos um caso pouco usual de adenocarcinoma em mucosa sinonasal para ilustrar o processo de decisão diagnóstica em imuno-histoquímica. Trata-se de paciente do sexo masculino, de 86 anos, apresentando massa intranasal. No estudo imuno-histoquímico, notou-se expressão de antígeno prostático específico (PSA) e do CDX-2, indicando possibilidades diagnósticas divergentes, de metástase de adenocarcinoma prostático ou de adenocarcinoma sinonasal do tipo intestinal (ITAC). A partir desse dilema diagnóstico, buscou-se estabelecer como esses marcadores poderiam ser confrontados em uma decisão diagnóstica, definindo-se as qualidades que um bom marcador imuno-histoquímico deve ter, e como os marcadores utilizados no painel se comparam em relação a essas qualidades e às hipóteses diagnósticas levantadas. Nesse exercício, são desvendados aspectos importantes do processo diagnóstico em patologia.

Unitermos: PSA, CDX-2, Adenocarcinoma sinonasal, Decisão diagnóstica

ABSTRACT

In this report, we explore an unusual case of adenocarcinoma detected in the sinonasal mucous membrane in order to illustrate the diagnostic decision process in the immunohistochemical diagnosis. The patient is a 86-year-old man with an intranasal mass. In the immunohistochemical study, it was found expression for both PSA and CDX-2, raising the divergent diagnostic possibilities of a prostatic adenocarcinoma metastasis or an intestinal type sinonasal adenocarcinoma. In search for a solution for this diagnostic dilemma, we tried to establish how these immunohistochemical markers could be confronted in a diagnostic decision by defining the qualities that good immunohistochemical markers consist of and how the panel markers may be compared as to these qualities and the diagnostic hypotheses. In this exercise, important aspects of the diagnostic process in pathology are revealed.

Key words: PSA, CDX-2, Sinonasal adenocarcinoma, Diagnostic decision-making

Introdução

Relatos de caso são publicações comuns na literatura especializada em patologia cirúrgica ou em reuniões da especialidade, como seminários de lâminas. De maneira geral, esses relatos são organizados a partir da conclusão diagnóstica, com a apresentação dos dados clínicos, os achados macro e microscópicos e resultados imuno-histoquímicos, seguindo-se comentários sobre o caso, diagnósticos diferenciais, história natural da doença e evolução do caso. Apresentados dessa maneira, constituem um valioso instrumento de disseminação e acumulação do conhecimento em patologia, principalmente no que se refere a casos raros ou de apresentação clínica ou patológica peculiar.

Neste artigo, apresentamos uma abordagem diferente para o relato de caso, privilegiando o processo diagnóstico. Partindo dos dados referentes ao caso - história clínica, achados histológicos e marcadores imuno-histoquímicos, apresentamos as estratégias envolvidas na valorização desses marcadores, discutindo suas propriedades, em particular a sensibilidade e a especificidade.

Relato do caso

Paciente do sexo masculino, 86 anos, apresentando lesão tumoral intranasal. A biópsia revelou adenocarcinoma infiltrante, com células de citoplasma relativamente claro e rendilhado. Os núcleos eram arredondados ou ovalados, com cromatina delicada e nucléolos evidentes. As células neoplásicas revestiam formações glandulares com lúmen ocupado por material necrótico de mistura a leucócitos. Na imuno-histoquímica, notou-se expressão de antígeno prostático específico (PSA), com padrão citoplasmático, e de CDX-2, com padrão nuclear (Figura 1), além de marcação para citoqueratinas AE1/AE3. A expressão de antígeno carcinoembrionário (CEA) (policlonal) foi duvidosa, em virtude da presença de necrose. As pesquisas de Fator 1 de transcrição da tireoide (TTF-1), cromogranina A, citoqueratina 7 e citoqueratina 20 foram negativas.


Hipóteses diagnósticas

Com base nos dados do caso, foram elaboradas hipóteses diagnósticas (Figura 2). A possibilidade de adenocarcinoma prostático metastático foi levantada em razão da reatividade para o PSA. A possibilidade de adenocarcinoma sinonasal primário de tipo intestinal (ITAC) foi levantada em razão da expressão do CDX-2. A expressão do CDX-2 poderia também dar suporte ao diagnóstico de metástase de adenocarcinoma intestinal. Outra hipótese levantada foi a de neoplasia epitelial do tipo glândula salivar, em razão da localização e do relato de expressão do PSA nesses tumores. A seleção da hipótese mais provável depende do valor que se atribui aos resultados dos marcadores imuno-histoquímicos. Em particular, a expressão de CDX-2 e a de PSA na neoplasia apontam direções diagnósticas opostas. Nessa situação, qual resultado é o mais relevante e que deve ser considerado na decisão diagnóstica?


O bom marcador

O bom marcador imuno-histoquímico é o que nos ajuda na decisão diagnóstica, indicando a hipótese que tem maior chance de corresponder ao diagnóstico. Para ir do resultado observado em alguma reação à conclusão do caso, temos de ter garantias que nos autorizem a dar esse passo. Como garantia, o patologista pode apresentar resultados prévios do marcador em situações diagnósticas semelhantes. Esses dados (dados que usamos como garantia), por sua vez, necessitam de um suporte. O suporte oferecido pode ser a própria experiência pessoal do patologista ou os relatos publicados na literatura. Esses são os dados que estabelecem uma garantia.

A melhor garantia seria aquela que combinasse o resultado de um ou mais marcadores em relação a uma expectativa do diagnóstico, anterior ao teste, na forma de uma probabilidade que denominamos valor preditivo. Esse valor nos fornece a probabilidade da presença da doença-alvo, dado um resultado de determinado marcador em uma situação clínico-patológica específica. No diagnóstico patológico, essa probabilidade pré-teste é, por vezes, estimada grosseiramente quando avaliamos nossa hipótese em relação à distribuição do diagnóstico por sexo, idade ou localização anatômica, por exemplo. Entretanto, na maioria dos casos, não dispomos de um dado populacional que nos possibilite essa inferência bayesiana. Simplificando, o teorema de Bayes permite o cálculo da probabilidade de que o paciente pertença à determinada categoria diagnóstica, dada a presença de determinado achado ou resultado de um teste(5).

Em muitas situações, na impossibilidade de estimar valores preditivos satisfatórios, lançamos mão de outras garantias, que nos possibilitam incluir ou excluir hipóteses de nosso raciocínio diagnóstico. Um bom marcador seria o que nos permitisse incluir apenas uma hipótese, ao mesmo tempo em que excluísse todas as hipóteses alternativas.

Para excluir uma hipótese, precisamos de um marcador que esteja presente na maioria dos casos com a doença. Assim, um resultado negativo nos indicaria que a doença estaria ausente. A ocorrência de um falso-negativo, ou seja, a ausência do marcador naquela condição-alvo seria um evento raro. A propriedade do marcador que ajuda a excluir uma hipótese é denominada sensibilidade.

Para incluir uma hipótese, precisamos de um marcador que esteja ausente em praticamente todos os casos sem a condição-alvo. Assim, o resultado positivo indicaria a presença dessa condição. Dito ainda de outra maneira, a ocorrência de um falso-positivo, ou seja, a presença do marcador em um caso sem aquela doença é um evento raro. É o que se denomina a especificidade do marcador.

Valores altos para a especificidade ou a sensibilidade de um determinado marcador são úteis, mas, em geral, a nossa tendência é usar marcadores sensíveis para confirmar hipóteses e marcadores específicos para afastar hipóteses quando o que deve ocorrer é exatamente o contrário: marcadores com alta sensibilidade são úteis para excluir hipóteses e marcadores com alta especificidade são úteis para incluir ou confirmar hipóteses.

Com base nessas propriedades, podemos resumir duas pequenas regras para incluir ou excluir hipóteses em nosso raciocínio diagnóstico:(15)

Se a especificidade é alta, um resultado positivo inclui diagnóstico (when a sign has a High Specificity, a Positive result rules in diagnosis [SpPin]).

Se a sensibilidade é alta, um resultado negativo exclui diagnóstico (when a sign has a High Sensitivity, a Negative result rules out diagnosis [SnNout]).

Uma outra maneira de sumarizar o comportamento de um marcador em relação a determinada hipótese é a razão da verossimilhança (likelihood ratio). Esse índice contrasta a proporção de pacientes com e sem a condição-alvo, que expressa (ou não) determinado marcador. A razão da verossimilhança expressa a chance com que a expressão de determinado marcador seria esperada em um caso com a condição alvo, em oposição a um caso sem essa condição. A razão da verossimilhança para um teste positivo pode ser calculada pela razão entre a taxa de verdadeiro-positivo e a taxa de falso-positivo (sensibilidade/1-especificidade). Para um teste negativo, a razão da verossimilhança é calculada pela razão entre a taxa de falso-negativo e verdadeiro-negativo (1-sensibilidade/especifidade). A razão da verossimilhança para um teste negativo é interpretada como a chance de o paciente com o marcador negativo ter a doença. Uma das vantagens da razão da verossimilhança é que ela pode ser calculada para diferentes níveis de expressão (focal, difuso), e não apenas em dois níveis, positivo ou negativo.

Essas proposições, muito valorizadas na epidemiologia clínica, recebem pouca atenção na prática diagnóstica em patologia. Boas abordagens sobre o tema foram apresentadas por Foucar (1996, 2001)(4, 5).

Buscando garantias na literatura

Para decidir qual das hipóteses levantadas é a que oferece o melhor diagnóstico, buscamos, na literatura, dados sobre o comportamento desses marcadores (PSA, CDX-2 e CK7/CK20) em relação a essas possibilidades diagnósticas. Como estratégia, a partir desses dados, estimamos quais são a sensibilidade e a especificidade desses marcadores em relação ao diagnóstico de carcinoma de próstata e o ITAC da mucosa sinonasal.

PSA e adenocarcinoma prostático

O PSA é usado como marcador para neoplasias da próstata. As taxas de sensibilidade e especificidade apresentadas a seguir são relacionadas ao diagnóstico de lesões de origem prostática, em contraposição a lesões de outras origens, interessando-nos nesse momento como esse marcador se comportaria em lesões do tipo glândula salivar ou com diferenciação intestinal.

Stein et al. (1982)(16) estudaram 15 casos de adenocarcinomas prostáticos, observando expressão do PSA em 12. Eles relatam sensibilidade alta para os tumores com soma de Gleason até nove. Esse estudo não avalia a expressão do marcador em outras neoplasias, não sendo possível estimar sua especificidade.

Owens et al. (2007)(13) avaliaram 15 casos de adenocarcinomas em biópsias (10 casos de próstata e cinco colorretais). O PSA apresentou sensibilidade de 80% e especificidade de 100% quando contrastado com o carcinoma colorretal.

Varma et al. (2002)(18) demonstraram especificidade e sensibilidade de 100% do PSA para o diagnóstico de carcinoma prostático. O marcador estava presente em 60 de 60 casos de adenocarcinomas prostáticos avaliados e ausente em 310 outros tumores, incluindo casos de glândula salivar e do cólon.

van Krieken (1993)(17) relatou a expressão do PSA em 15 de 22 casos de tumores de glândula salivar. A especificidade do marcador nesse estudo foi de apenas 32%.

Fan et al. (2000)(3) observaram expressão do PSA em dois de 12 casos de carcinoma de ducto de glândula salivar, demonstrando uma especificidade de 83% do marcador em relação a esses tumores.

PSA e adenocarcinoma sinonasal

Não encontramos na literatura estudos sobre a expressão do PSA no adenocarcinoma sinonasal.

CDX-2 e adenocarcinoma prostático

O CDX-2 é um marcador usado para demonstrar origem ou diferenciação intestinal em neoplasias. Nos dados que apresentamos a seguir, consideramos doença-alvo os tumores intestinais, e os valores de sensibilidade refletem a frequência de casos positivos nessas lesões. Para os valores de especificidade, levamos em conta a frequência com que resultados falso-positivos ocorreram em casos de neoplasia prostática.

Kaimaktchiev et al.(2004)(9) encontraram expressão do CDX-2 em 950 de 1.109 amostras de carcinoma colorretais testadas, o que permite estimar uma sensibilidade de 85,7% do CDX-2 em relação ao adenocarcinoma colorretal. Os autores não observaram expressão do CDX-2 em 92 casos de adenocarcinoma prostático (especificidade de 100%). A especificidade foi de 93% quando avaliados tumores de estômago, ovário e outros sítios.

Owens et al. (2007)(13) avaliaram a expressão do CDX-2 em 10 casos de adenocarcinomas prostáticos e nenhum deles foi positivo (especificidade de 100%). Nesse estudo, três de cinco adenocarcinomas colônicos foram positivos (sensibilidade de 60%).

Já o estudo de Werling et al. (2003)(19) demonstrou a expressão do CDX-2 em um de 24 adenocarcinomas prostáticos, resultando numa especificidade de 96%. O marcador foi positivo em 74 de 75 adenocarcinomas colorretais (sensibilidade de 99%).

Herawi et al. (2007)(7) também avaliaram a expressão do CDX-2 em adenocarcinomas prostáticos. Eles relataram dois casos em que o marcador foi positivo em biópsias prostáticas. A partir desses casos, a investigação foi estendida a 70 amostras de adenocarcinomas primários da próstata, observando-se expressão do marcador em quatro casos (especificidade de 94,3%). Na avaliação de 68 amostras de adenocarcinomas prostáticos metastáticos, nenhum caso foi positivo para o CDX-2 (especificidade de 100%).

O estudo de Leite et al. (2008)(11) demonstrou expressão do CDX-2 em nove de 29 adenocarcinomas prostáticos com morfologia especial (mucinosos, anel de sinete e com diferenciação mucinosa focal) e em dois de 18 casos de adenocarcinomas prostáticos tipo acinar usual. O CDX-2, nesse estudo, apresentou uma especificidade variando entre 71% e 89%.

No estudo de De Lott et al. (2005)(2), foram estudadas amostras de 629 tumores de vários sítios. Os autores observaram expressão de CDX-2 em 51 de 71 adenocarcinomas colorretais, estimando uma sensibilidade de 72%. Nos outros tumores testados, o marcador foi positivo em 22 de 558 (especificidade de 96,1%). Nesse estudo, não foram incluídas amostras de tumores de próstata, de modo que não podemos extrair, a partir de seus resultados, nenhuma garantia aplicável ao nosso caso ou às conclusões diagnósticas propostas.

CDX-2, CK7/CK20 e adenocarcinomas sinonasais

Os adenocarcinomas primários sinonasais podem ser classificados em tipo intestinal (ITAC) e não tipo intestinal (não-ITAC), essa última categoria incluindo lesões de baixo grau, tubulopapilares ou do tipo glândula salivar. Os estudos a seguir avaliam o comportamento do CDX-2 e das citoqueratinas 7 e 20 nesse conjunto de lesões.

Franchi et al. (2004)(6) avaliaram a expressão do CDX-2 e das citoqueratinas 7 e 20 em 25 casos de ITAC e em 14 casos de não-ITAC (túbulo-papilares e tipo glândula salivar). Nesse estudo, a citoqueratina 7 comportou-se como um marcador de sensibilidade relativamente alta para o conjunto das lesões, com uma positividade geral, incluindo ITAC e não-ITAC, de 36 em 39 casos (22/25 ITAC e 14/14 não-ITAC). O CDX-2 e a citoqueratina 20 apresentaram sensibilidade e especificidade relativamente altas no diagnóstico dos ITAC, em contraposição aos não-ITAC: nos ITACs, o CDX-2 foi positivo em 20 casos (sensibilidade de 80%), a citoqueratina 20 foi positiva em 21 casos (sensibilidade de 84%). Nos adenocarcinomas não-ITAC, nenhum caso expressou CDX-2 ou citoqueratina 20 (especificidade de 100%).

Em estudo semelhante, Cathro & Mills (2004)(6) observaram expressão de CK7 em 20 de 22 casos de adenocarcinomas primários sinonasais (8/9 nos ITAC e 12/13 nos não-ITAC, estimando sensibilidade de 89% e 92% respectivamente). Nesse estudo, as sensibilidades da CK20 e do CDX-2 foram de 67% e 78%, no diagnóstico dos ITACs. Nenhum caso não-ITAC expressou CK20 ou CDX-2 (especificidade de 100%).

Ortiz-Rey et al. (2005)(12) encontram sensibilidade menor, de 57% para a citoqueratina 7 no diagnóstico do ITAC (oito casos positivos em 14 estudados). A citoqueratina 20 e o CDX-2 foram positivos em todos os casos (sensibilidade de 100%).

Resultado semelhante foi observado por Kennedy et al. (2004)(10), que demonstraram sensibilidade de 60% para a citoqueratina 7 no diagnóstico do ITAC (6 casos positivos, em 10 estudados), e sensibilidade de 100% para as citoqueratina 20 e CDX-2 (todos os 10 casos positivos para ambos marcadores). Esses autores também avaliaram dois casos não-ITAC, ambos apresentando perfil CK7-positivo/CK20-negativo/CDX-2-negativo.

Resumo dos dados da literatura

No caso que estudamos, temos resultados positivos para CDX-2 e PSA e nos interessa saber a especificidade desses marcadores em relação ao carcinoma prostático e ao ITAC. Ao mesmo tempo, como observamos resultados negativos para as citoqueratinas 7 e 20, interessa-nos mais conhecer a sensibilidade desses marcadores.

Nos dados que compilamos da literatura, observamos que o PSA é um marcador bem específico para o adenocarcinoma de próstata, com exceção de casos relatados de tumores de glândulas salivares positivos. Não se pode, contudo, determinar a especificidade desse marcador em relação ao adenocarcinoma primário sinonasal, já que não conseguimos identificar casos relatados na literatura avaliando especificamente esta situação.

Para o CDX-2, observamos taxa de falso-positivo que chegou a 29% em relação a tumores prostáticos, o que não nos permite incluir o diagnóstico de adenocarcinoma com diferenciação intestinal como hipótese diagnóstica única e definitiva.

A expressão combinada da citoqueratina 7 e da citoqueratina 20 apresentou uma sensibilidade entre 57% e 100% para ITACs. A negatividade para ambos os marcadores observada no nosso caso pode nos fornecer uma tendência para a exclusão dessa possibilidade.

Diagnóstico

Como não dispomos de marcadores 100% sensíveis e específicos, uma parcela de incerteza diagnóstica pode permanecer. O diagnóstico anatomopatológico deve espelhar essa incerteza, produzida não apenas pela possibilidade conhecida de um falso-positivo ou falso-negativo, mas também pela inexistência de dados publicados sobre determinada situação diagnóstica vivida na prática.

No presente caso, concluímos como um provável adenocarcinoma de próstata, metastástico para a região sinonasal. Como garantia para essa conclusão, apresentamos dados indicando uma alta especificidade do PSA e uma especificidade menor do CDX-2 (não permitindo incluir a hipótese de ITAC com a mesma força). Outra garantia auxiliar é a negatividade para as citoqueratinas 7 e 20, marcadores que, considerados em conjunto, apresentaram sensibilidade de média a alta para os adenocarcinomas primários sinonasais, pelo menos em algumas séries de casos. Ainda como garantia a essa conclusão, podemos citar casos publicados na literatura de adenocarcinomas prostáticos metastáticos em região sinonasal(8).

Na nossa conclusão, atribuímos o qualificador provável, pois não temos certeza absoluta de que essa proposição diagnóstica se confirmará, já que não conseguimos afastar definitivamente a possibilidade de um adenocarcinoma sinonasal primário, com expressão inesperada do PSA, talvez por identidade da lesão que estudamos com uma lesão do tipo glândula salivar. A incerteza surge da lacuna na literatura acerca da expressão do PSA nessa situação, o que não nos permite fazer estimativas da especificidade do marcador nesse contexto diagnóstico.

Outros domínios dos diagnósticos anatomopatológico e imuno-histoquímico

O diagnóstico anatomopatológico inclui outros domínios, além do domínio cognitivo que exercitamos até aqui, que podem nos ajudar a administrar uma incerteza(14). No domínio comunicativo, elaboramos um laudo anatomopatológico, expressando essas incertezas, possibilidades e probabilidades diagnósticas. No domínio normativo, temos de atentar para as regras diagnósticas (SpPin e SnNout), atribuindo o valor apropriado a cada marcador em cada contexto e decisão diagnóstica. No domínio da conduta médica, sugerimos ao médico assistente que investigasse a história de adenocarcinoma prostático e solicitasse a dosagem sérica do PSA.

Evolução do caso, avaliação e aprendizado

A informação sobre o desfecho do caso é de fundamental importância na avaliação do processo diagnóstico. A investigação clínica levantou história pregressa de prostatectomia radical há 20 anos, e a dosagem do PSA sérico atual foi de 4762 ng/mL. Em razão desses dados, chegou-se a um diagnóstico definitivo de adenocarcinoma prostático (com expressão de CDX-2), metastático para a região sinonasal.

O desempenho dos marcadores imuno-histoquímicos foi consistente com o apresentado na literatura: o CDX-2 pode estar expresso em adenocarcinomas prostáticos, e o resultado obtido para o PSA foi um verdadeiro-positivo. A informação sobre a evolução do caso, com a confirmação ou refutação das proposições diagnósticas, permite ao patologista incorporar à sua experiência o aprendizado adquirido, compondo a base do conhecimento tácito em patologia.

Considerações finais

O exercício da patologia diagnóstica consiste na elaboração de conclusões diagnósticas a partir dos dados obtidos do caso (informações clínicas, achados histológicos, resultados da imuno-histoquímica). Uma conclusão segura depende das garantias que podemos apresentar, que nos permitam deduzir com segurança que o paciente pode ser enquadrado dentro de uma categoria diagnóstica. O conhecimento de como se comportam os marcadores imunohistoquímicos nos diferentes diagnósticos é uma garantia fundamental no processo diagnóstico. O estabelecimento dessas garantias, por sua vez, é um processo indutivo, por meio do estudo de uma série de casos e controles, em que dados e diagnósticos foram independentemente verificados. Esse é um papel importante dos patologistas envolvidos com a patologia investigativa, produzindo a evidência que dará sustentação às garantias usadas na patologia diagnóstica.

A patologia baseada em evidências pressupõe uma patologia investigativa coordenada com a prática diagnóstica, no sentido de se estabelecerem garantias úteis ao processo diagnóstico. Nesse sentido, são importantes dados sobre a sensibilidade e a especificidade dos marcadores em relação a diferentes diagnósticos, espelhando situações problemáticas enfrentadas na prática diagnóstica. A realização de revisões sistemáticas ou metanálises, avaliando-se o desempenho desses marcadores, nos diferentes centros, ajustando-se o possível efeito de variáveis técnicas, diferentes clones, podem produzir evidências sólidas que corroborem e autorizem o uso desses marcadores como garantias no raciocínio diagnóstico de um caso.

Primeira submissão em 20/10/08

Última submissão em 20/04/09

Aceito para publicação em 20/04/09

Publicado em 20/04/09

Caso apresentado na 1ª Reunião de Especialidades da Sociedade Brasileira de Patologia (SBP), São Paulo, setembro de 2008.

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  • Endereço para correspondência

    Gil Patrus Pena
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Ago 2009
    • Data do Fascículo
      Abr 2009

    Histórico

    • Recebido
      20 Abr 2009
    • Aceito
      20 Abr 2009
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