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Infecções do trato urinário em pacientes não hospitalizados: etiologia e padrão de resistência aos antimicrobianos

Urinary tract infections in non hospitalized patients: etiology and antibiotic resistance patterns

Resumos

INTRODUÇÃO E OBJETIVO: Infecção do trato urinário (ITU) é comumente diagnosticada na prática médica, e é cada vez mais comum o isolamento de cepas resistentes em pacientes não hospitalizados. Nosso objetivo foi avaliar a frequência e a resistência dos principais uropatógenos na cidade de Presidente Prudente, SP, entre janeiro de 2006 e dezembro de 2007. MATERIAL E MÉTODOS: Nós realizamos um levantamento de dados retrospectivo sobre a etiologia e o padrão de resistência dos uropatógenos. RESULTADOS: O uropatógeno mais frequente foi E. coli (65,97%). Foi encontrada diferença significativa (p < 0,05) na prevalência de E. coli de acordo com a faixa etária. Ampicilina e nitrofurantoína apresentaram, respectivamente, menor e maior poder inibitório contra enterobactérias. Porém, 88,4% de Proteus mirabilis apresentaram resistência à nitrofurantoína, além de apresentar padrão de resistência mais amplo. As taxas de resistência à ceftriaxona sugerem produção de extended-spectrum beta-lactamases (ESBL). DISCUSSÃO: Nossos dados são semelhantes aos encontrados em outros estudos. É importante que esses dados sejam conhecidos pela comunidade médica local, bem como dados de estudos futuros que possam detectar mudanças na etiologia ou no padrão de resistência em nossa região. Esse monitoramento constitui importante ferramenta para atualização da terapêutica empírica. CONCLUSÃO: Os dados aqui relatados demonstram que a etiologia das infecções urinárias é semelhante à encontrada em outras partes do mundo. Porém, o padrão de resistência desses uropatógenos pode possuir características diferenciadas de acordo com o histórico de consumo de antimicrobianos em cada comunidade. Assim, é importante que dados epidemiológicos sejam periodicamente divulgados com a intenção de auxiliar a comunidade médica.

Infeção do trato urinário; Uroculturas; Resistência aos antimicrobianos


INTRODUCTION AND OBJECTIVE: Urinary tract infection (UTI) is frequently diagnosed in medical practice and the isolation of resistant strains in non-hospitalized patients is increasingly common. Our objective was to evaluate the frequency and resistance of uropathogens in the city of Presidente Prudente, Brazil, between January 2006 and December 2007. MATERIAL AND METHODS: We carried out a retrospective investigation into the etiology and resistance patterns of uropathogens. RESULTS: The most frequent uropathogen was E. coli (65.97%). There was a significant difference (p < 0.05) in the prevalence of E. coli according to the age group. Ampicillin and nitrofurantoin showed, respectively, smaller and larger inhibitory power against enterobacteria. However, 88.4% of Proteus mirabilis showed resistance to nitrofurantoin as well as wider resistance pattern. Resistance rates to ceftriaxone suggest production of ESBL. DISCUSSION: Our data are similar to those found in other studies. It is important that the local medical community should be acquainted with these findings as well as data from future studies that can detect changes in etiology or resistance pattern in our region. This monitoring is an important tool for the update of empirical therapy. CONCLUSION: The data reported herein show that the etiology of urinary infections is very similar to those found worldwide. Nonetheless, the resistance pattern of uropathogens may have different characteristics according to the history of antimicrobial consumption in each community. Thus, it is important that epidemiological data are regularly published to aid the medical community.

Urinary tract infection; Urine culture; Antimicrobial resistance


ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Infecções do trato urinário em pacientes não hospitalizados: etiologia e padrão de resistência aos antimicrobianos

Urinary tract infections in non hospitalized patients: etiology and antibiotic resistance patterns

Alexandre BraoiosI; Tatiane Ferreira TurattiII; Lívia Chain Saab MeredijaII; Thiago Rômulo Sanchez CamposII; Fernando Henrique Medeiros DenadaiII

IProfessor adjunto das disciplinas de Microbiologia e Micologia do Curso de Biomedicina da Universidade Federal de Goiás (UFG), campus Jataí

IIGraduandos do Curso de Farmácia, Departamento de Análises Clínicas, da Universidade do Oeste Paulista (UNOESTE)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Alexandre Braoios Universidade Federal de Goiás - Campus Jataí (UFG - CAJ) Rod. BR 364 Km 192 Zona Rural Jataí – GO CEP: 75801-615

RESUMO

INTRODUÇÃO E OBJETIVO: Infecção do trato urinário (ITU) é comumente diagnosticada na prática médica, e é cada vez mais comum o isolamento de cepas resistentes em pacientes não hospitalizados. Nosso objetivo foi avaliar a frequência e a resistência dos principais uropatógenos na cidade de Presidente Prudente, SP, entre janeiro de 2006 e dezembro de 2007.

MATERIAL E MÉTODOS: Nós realizamos um levantamento de dados retrospectivo sobre a etiologia e o padrão de resistência dos uropatógenos.

RESULTADOS: O uropatógeno mais frequente foi E. coli (65,97%). Foi encontrada diferença significativa (p < 0,05) na prevalência de E. coli de acordo com a faixa etária. Ampicilina e nitrofurantoína apresentaram, respectivamente, menor e maior poder inibitório contra enterobactérias. Porém, 88,4% de Proteus mirabilis apresentaram resistência à nitrofurantoína, além de apresentar padrão de resistência mais amplo. As taxas de resistência à ceftriaxona sugerem produção de extended-spectrum beta-lactamases (ESBL).

DISCUSSÃO: Nossos dados são semelhantes aos encontrados em outros estudos. É importante que esses dados sejam conhecidos pela comunidade médica local, bem como dados de estudos futuros que possam detectar mudanças na etiologia ou no padrão de resistência em nossa região. Esse monitoramento constitui importante ferramenta para atualização da terapêutica empírica.

CONCLUSÃO: Os dados aqui relatados demonstram que a etiologia das infecções urinárias é semelhante à encontrada em outras partes do mundo. Porém, o padrão de resistência desses uropatógenos pode possuir características diferenciadas de acordo com o histórico de consumo de antimicrobianos em cada comunidade. Assim, é importante que dados epidemiológicos sejam periodicamente divulgados com a intenção de auxiliar a comunidade médica.

Uniternos: Infeção do trato urinário; Uroculturas; Resistência aos antimicrobianos

ABSTRACT

INTRODUCTION AND OBJECTIVE: Urinary tract infection (UTI) is frequently diagnosed in medical practice and the isolation of resistant strains in non-hospitalized patients is increasingly common. Our objective was to evaluate the frequency and resistance of uropathogens in the city of Presidente Prudente, Brazil, between January 2006 and December 2007.

MATERIAL AND METHODS: We carried out a retrospective investigation into the etiology and resistance patterns of uropathogens.

RESULTS: The most frequent uropathogen was E. coli (65.97%). There was a significant difference (p < 0.05) in the prevalence of E. coli according to the age group. Ampicillin and nitrofurantoin showed, respectively, smaller and larger inhibitory power against enterobacteria. However, 88.4% of Proteus mirabilis showed resistance to nitrofurantoin as well as wider resistance pattern. Resistance rates to ceftriaxone suggest production of ESBL.

DISCUSSION: Our data are similar to those found in other studies. It is important that the local medical community should be acquainted with these findings as well as data from future studies that can detect changes in etiology or resistance pattern in our region. This monitoring is an important tool for the update of empirical therapy.

CONCLUSION: The data reported herein show that the etiology of urinary infections is very similar to those found worldwide. Nonetheless, the resistance pattern of uropathogens may have different characteristics according to the history of antimicrobial consumption in each community. Thus, it is important that epidemiological data are regularly published to aid the medical community.

Key words: Urinary tract infection; Urine culture; Antimicrobial resistance

Introdução

A infecção do trato urinário (ITU) constitui uma das principais causas de consulta na prática médica, somente ficando atrás das infecções respiratórias(3). A ITU é definida, por grande parte dos autores, como a colonização microbiana com invasão tecidual de qualquer parte do trato urinário, desde a uretra até os rins. Diferentes microrganismos podem alcançar o trato urinário por meio de três vias: ascendente, ou seja, pela uretra, hematogênica e linfática(16). As ITUs ocorrem em homens e mulheres das mais variadas idades, porém os grupos mais frequentemente acometidos são recém-nascidos do sexo masculino, homens com obstrução prostática, idosos de ambos os sexos e, em especial, mulheres jovens sexualmente ativas(4).

A maioria das ITUs é causada por bactérias gram-negativas, sendo Escherichia coli o microrganismo invasor mais comum, sendo isolada em cerca de 70% a 90% das infecções urinárias agudas de origem bacteriana. O Staphylococcus saprophyticus pode ser responsável por 10% a 20% dos casos de ITU em mulheres jovens sexualmente ativas, sendo considerada a segunda causa mais comum nesse grupo de indivíduos. Outras bactérias que podem estar envolvidas nas ITUs são Staphylococcus aureus, Streptococcus do grupo B e D, Enterococcus faecalis, Klebsiella pneumoniae, Enterobacter sp., Proteus sp., Pseudomonas sp., entre outros. Em alguns casos são identificadas duas ou mais espécies participando do processo infeccioso(8). Apesar de as prevalências dos diferentes agentes de ITUs permanecerem semelhantes em diferentes regiões do mundo, algumas variações podem ocorrer especialmente no que diz respeito ao padrão de sensibilidade dos antimicrobianos desses agentes, e isso tem estrita relação com o histórico de utilização de antimicrobianos de cada população e região(17).

Gupta et al.(10) afirmaram que aproximadamente 50% a 70% das mulheres apresentam ao menos um episódio de ITU durante a vida e, em 20% a 30% delas ocorrem episódios recorrentes. A alta incidência, seu caráter brando e a necessidade de iniciar o tratamento antes da finalização dos exames microbiológicos, implicam a frequente adoção de tratamento empírico. A decisão por tratamento empírico racional requer o conhecimento de quais são os principais agentes microbianos que podem estar envolvidos, além do perfil ou padrão de resistência aos antimicrobianos desses prováveis agentes etiológicos que, por sua vez, pode variar em cada região geográfica. Assim, é importante o monitoramento periódico, a fim de obter informações atualizadas que reflitam peculiaridades regionais capazes de orientar a terapia antimicrobiana empírica(5, 9).

De maneira geral, os microrganismos isolados de infecções urinárias adquiridas em hospitais apresentam maior amplitude de resistência aos diferentes agentes antimicrobianos. A maioria dos trabalhos publicados sobre o perfil de resistência de patógenos urinários refere-se às cepas microbianas isoladas de infecções nosocomiais. No entanto, cepas bacterianas multirresistentes também podem ser isoladas em pacientes da comunidade, o que pode se refletir em falha do tratamento empírico e desenvolvimento de quadros clínicos complicados com maior morbidade. A pouca quantidade de dados a esse respeito justifica sobremaneira a realização de trabalhos epidemiológicos que reúnam os dados existentes e demonstrem a real situação nas diferentes regiões.

Objetivos

Este trabalho teve por objetivo reunir os dados referentes ao espectro etiológico e ao padrão de resistência aos antimicrobianos dos principais agentes de Infecções do trato urinário em pacientes não hospitalizados na cidade de Presidente Prudente, SP, determinando a frequência dos principais agentes de infecção urinária, bem como seu padrão de resistência, no período de janeiro de 2006 a dezembro de 2007.

Material e método

Este trabalho se configura como estudo epidemiológico retrospectivo. O estudo foi realizado por meio da coleta de dados do Laboratório de Microbiologia Clínica da Faculdade de Farmácia da Universidade do Oeste Paulista (UNOESTE) em Presidente Prudente, cidade situada na região oeste do estado de São Paulo, com cerca de 200 mil habitantes.

Período estudado

O levantamento de dados abrangeu o período de dois anos, compreendido entre janeiro de 2006 a dezembro de 2007.

Coleta dos dados das uroculturas e antibiograma

A coleta de dados foi realizada por meio de consulta ao banco de dados de exames realizados pelo Laboratório de Microbiologia Clínica da Faculdade de Farmácia da UNOESTE, que atende grande parte da população de Presidente Prudente. As uroculturas foram realizadas de forma quantitativa, semeando-se, com alça calibrada, volumes de 0,001 ml em ágar MacConkey e 0,01 ml de urina em ágar cystine lactose electrolyte deficient (CLED). São consideradas positivas as uroculturas com contagem de colônias > 100 mil unidades formadoras de colônia (UFC)/ml de urina, após incubação em estufa bacteriológica. O antibiograma foi realizado por meio do método da difusão em ágar Muller-Hinton previamente semeado com a bactéria-teste. Após incubação, o diâmetro dos halos de inibição ao redor de cada disco de antibiótico é medido para posterior confirmação de sensibilidade ou resistência. Os antibióticos rotineiramente avaliados contra enterobactérias são: amoxicilina + clavulanato; ampicilina, aztreonam, cefalotina, cefuroxima, ceftriaxona, ceftazidima, cefotaxima, cefepima, ciprofloxacina, gentamicina, nitrofurantoína, norfloxacina, sulfametoxazol + trimetoprima e tetraciclina. Para os estafilocococos, os antibióticos comumente testados são: amoxicilina + clavulanato, amicacina, cefalotina, ciprofloxacina, clindamicina, eritromicina, gentamicina, nitrofurantoína, norfloxacina, penicilina, rifampicina, sulfametoxazol + trimetoprima, teicoplamina, tetraciclina e vancomicina(18).

Critérios de inclusão/exclusão

Foram excluídos do trabalho os resultados de exames que, independente do motivo, não tenham sido concluídos no referido laboratório, como, por exemplo, quando há pedido de nova coleta de amostra para confirmação dos resultados e o paciente não retornou para coletar essa nova amostra. Também foram excluídos exames em duplicata, ou seja, aqueles exames do mesmo paciente, com o mesmo agente etiológico isolado e apresentando o mesmo perfil de sensibilidade dentro de um período de três meses.

Análise dos dados

Os dados coletados foram organizados, e a frequência dos principais patógenos foi determinada. Os dados referentes à sensibilidade aos antimicrobianos foram analisados e reunidos de acordo com o percentual de resistência a cada um dos antimicrobianos avaliados no exame microbiológico de rotina. Com esse percentual foi possível traçar os perfis de resistência dos principais agentes bacterianos de ITUs em Presidente Prudente, SP. Foi realizada a análise do qui-quadrado por pares com nível de significância de 5% para comparação entre as prevalências de E. coli encontradas nas diferentes faixas etárias. O software utilizado foi o Statistical Analysis System (SAS) v. 8.2.

Resultados

Entre janeiro de 2006 e dezembro de 2007, foram realizadas 12.869 uroculturas de pacientes de ambos os sexos e com idade variando de 0 a 84 anos de idade. Desse montante, 1.252 (9,73%) uroculturas apresentaram crescimento bacteriano com contagem > 100 mil UFC/ml de urina, critério utilizado para inclusão no trabalho. A análise dos dados referentes às uroculturas positivas revelou que os pacientes, na sua maioria, pertenciam ao sexo feminino (69,01%) e, com relação à idade, a maioria tinha entre 20 e 49 anos (52,95%).

Bacilos gram-negativos entéricos fermentadores de glicose foram os patógenos mais frequentemente isolados, correspondendo a 84,42% do total de isolamentos. Escherichia coli foi o uropatógeno mais frequente, tendo sido isolado em 826 uroculturas (65,97%). Cocos gram-positivos corresponderam a 8,55% do total, e Staphylococcus saprophyticus foi o mais prevalente desse grupo de microrganismos (2,8%). Os dados referentes à divisão por sexo e idade e a frequência de isolamento dos principais uropatógenos podem ser observados na Tabela 1. A prevalência de E. coli variou entre os diferentes grupos etários, sendo maior entre os pacientes com 0 a 19 anos de idade (89,42%). Nos pacientes com 20 a 49 anos e 50 a 84 anos de idade, a prevalência de E. coli foi, respectivamente, de 51,43% e 67,71%. A análise estatística utilizando o teste do qui-quadrado por pares revelou que a prevalência de E. coli apresentou-se diferente (p < 0,05) entre a primeira (0-19 anos) e segunda faixa etária, (20-49 anos), enquanto a comparação entre a terceira faixa etária (50-84 anos) com as demais não revelou diferença significativa. A prevalência dos diferentes uropatógenos não variou de forma significativa entre os anos de 2006 e 2007. A prevalência de E. coli em 2006 foi de 68,6% e em 2007 foi de 65,32%. O mesmo ocorreu com a prevalência de cepas resistentes aos diferentes antibióticos avaliados (dados não mostrados).

A análise do perfil de resistência revelou que, apesar de menos prevalente, as amostras de Proteus mirabilis (5,51%) apresentaram perfil mais amplo de resistência. Esses microrganismos apresentaram prevalência de resistência > 20% a cinco dos 15 antimicrobianos avaliados rotineiramente, ampicilina, cefalotina, sulfametoxazol + trimetoprima, tetraciclina e nitrofurantoína, pouco acima das amostras de E.coli e razoavelmente mais resistente que as amostras de Klebsiella pneumoniae (Tabela 2). Com relação aos cocos gram-positivos mais prevalentes, S. saprophyticus apresentou prevalência de resistência > 20% somente à penicilina, enquanto S. aureus revelou perfil ligeiramente mais amplo de resistência (Tabela 3).

Discussão

Este estudo mostra a prevalência e o perfil de resistência aos antimicrobianos das espécies microbianas mais comumente isoladas de pacientes com ITU adquirida na comunidade, na cidade de Presidente Prudente, SP, no período de dois anos, entre janeiro de 2006 a dezembro de 2007.

A ITU é a segunda infecção mais comum na comunidade, atrás somente das infecções respiratórias. Esse quadro infeccioso acomete pessoas de ambos os sexos e de todas as idades, no entanto, mulheres jovens compõem o principal grupo(15). Escherichia coli é o uropatógeno mais frequentemente isolado, tanto em pacientes hospitalizados como nos ambulatoriais. Outros microrganismos frequentemente isolados em ITUs são Klebsiella sp, Proteus sp e Staphylococcus saprophyticus(7, 16). Neste estudo encontramos prevalência de E. coli de 65,97%, comparável ao que foi relatado em estudos realizados em outras regiões do Brasil, como Goiânia(5), Rio Grande do Sul(13), Ribeirão Preto(7) e também na cidade de São Paulo(12). As prevalências de 6,07% para Klebsiella pneumoniae, 5,51% para Proteus mirabilis e de 2,8% para Staphylococcus saprophyticus também são semelhantes aos estudos citados. Alguns estudos internacionais também relatam prevalências semelhantes(1, 6, 14), enquanto outros demonstram números bastante diversos. Moges et al. (apud Poletto)(16)relataram que 28,5% das ITUs na Etiópia tem como agente etiológico bactérias gram-positivas. Em nosso estudo essa prevalência foi de 7,6%, demonstrando a importância de se reunir e divulgar dados regionais.

É de fundamental importância o desenvolvimento de estudos que busquem conhecer as prevalências regionais dos uropatógenos, bem como seu perfil de resistência aos antimicrobianos. O conhecimento desses dados permite à comunidade médica escolher, entre as diversas alternativas terapêuticas, os antimicrobianos mais indicados para o tratamento empírico. Essas informações dão maior respaldo ao clínico, a fim de que possa decidir de forma mais segura a terapêutica antimicrobiana adequada.

O perfil de resistência das amostras de E. coli revelou que, na comunidade estudada, esses microrganismos apresentam taxas elevadas de resistência (> 20%) à ampicilina (52,1%), cefalotina (41%), sulfametoxazol + trimetoprima (38%) e tetraciclina (29,1%). Em 1999 foi publicado um guia para tratamento de infecção não complicada do trato urinário, em que é recomendado que o sulfametoxazol + trimetoprima seja o tratamento empírico de escolha, desde que a prevalência regional de resistência a esse antimicrobiano não ultrapasse 20%(17). Desse modo, esse antimicrobiano não seria mais recomendado para tratamento empírico na região estudada, sendo necessária a adoção de outras drogas. Se utilizarmos o mesmo critério para todos os antimicrobianos, ampicilina, cefalotina e tetraciclina também não deveriam ser indicadas.

A alternativa terapêutica recomendada seriam as fluoroquinolonas, como norfloxacino e ciprofloxacino. No entanto, os autores do guia terapêutico ressaltam que esses antimicrobianos são os mais indicados para ITUs complicadas e, se a utilização não for criteriosa, esses agentes podem exercer forte pressão para a seleção de cepas resistentes, o que teria como consequência futura um prejuízo ainda maior. Em nosso estudo encontramos prevalência de resistência nessas fluoroquinolonas de 13% e 14%, respectivamente, o que parece reforçar a ideia de que, se sua utilização empírica seguir os mesmos padrões do que ocorreu anteriormente com o sulfametoxazol + trimetoprima, não estará longe o dia em que não mais poderão ser indicadas empiricamente. Nitrofurantoína seria outra opção terapêutica, tendo como desvantagem um maior período de tratamento que, nesse caso, deverá ser de cinco a sete dias.

A prevalência de resistência das 76 amostras de Klebsiella pneumoniae ficou abaixo dos valores relatados em outros estudos(1, 13). Apenas para o antimicrobiano tetraciclina houve prevalência de resistência > 20%, o que parece indicar perfil de resistência ainda pouco modificado pelo uso anterior de antibióticos. Por outro lado, as 69 amostras de Proteus mirabilis apresentaram perfil de resistência ainda mais amplo do que E. coli, com alta prevalência de resistência a ampicilina (57,9%) e sulfametoxazol + trimetoprima (53,6%), o que pode comprometer a recomendação de sua utilização de forma empírica. No entanto, esses microrganismos apresentaram grande sensibilidade às fluoroquinolonas avaliadas, com prevalência de resistência abaixo de 6%. A prevalência de E. coli, K. pneumoniae e P. mirabilis é muito semelhante à encontrada por Kiffer et al.(12). No entanto, em nosso trabalho foi observado maior padrão de resistência aos antimicrobianos, especialmente nas amostras de E. coli e P. mirabilis.

Nesse estudo não foi encontrada nenhuma variação significativa no padrão de resistência de E. coli entre os anos de 2006 e 2007. A prevalência de resistência aos diferentes antimicrobianos permaneceu dentro da mesma faixa percentual. Estudos com maior abrangência temporal podem revelar modificações nos padrões de resistência, devido ao uso contínuo do mesmo tratamento empírico que tende a selecionar cepas com maior padrão de resistência. Esse fato justifica a realização de estudos semelhantes de forma periódica, como forma de monitorar a evolução da resistência aos antimicrobianos.

O principal fator de risco para ITU não complicada é a prática sexual recente. Mulheres com prática sexual diária possuem nove vezes mais risco de desenvolver ITU. Outros fatores de risco incluem idade avançada, gravidez e diabetes(2). Além de aumentar o risco para desenvolvimento de ITUs, a prática sexual e os outros fatores citados também podem influenciar na etiologia dessas infecções. Em nosso estudo foi observada diferença estatisticamente significativa (p < 0,05) na prevalência de E. coli entre as duas primeiras faixas etárias consideradas. A maior parte desses fatores de risco é mais frequentemente encontrada na faixa etária entre 20 e 49 anos de idade, justamente a faixa onde foi encontrada a maior variedade etiológica e, portanto, a menor prevalência de E. coli.

As cefalosporinas de terceira geração são reconhecidas por sua boa atividade contra microrganismos gram-negativos. No entanto, é cada vez mais comum a produção de enzimas extended-spectrum beta-lactamases (ESBL), especialmente entre cepas de E. coli e Klebsiella sp, mas também tem sido descrita em outras espécies(5, 11). Cepas produtoras de ESBL são capazes de resistir à ação das cefalosporinas de terceira geração, o que representa um considerável problema para o tratamento. As ESBLs são enzimas plamidiais e muitas delas são produzidas de forma induzível, o que significa que nem sempre isso é demonstrado no exame laboratorial de rotina, visto que a amostra biológica para exame microbiológico é coletada preferencialmente antes do início da terapia antimicrobiana. Em nosso estudo foram encontradas taxas de resistência à ceftriaxona, uma cefalosporina de terceira geração, de 10% para E. coli; 17% para Klebsiella pneumoniae e de 11% para Proteus mirabilis, o que pode sugerir produção de ESBL. No período estudado, não era realizado rotineiramente nenhum teste para detecção de ESBL, o que impede a confirmação dessa hipótese. A produção de ESBL inviabiliza o tratamento com qualquer cefalosporina de terceira geração, mesmo que o resultado do antibiograma indique sensibilidade. Isso se deve ao fato de que muitas ESBLs somente são expressas fenotipicamente de forma induzível.

Com relação aos microrganismos gram-positivos, S. saprophyticus apresentou baixa prevalência de resistência aos antimicrobianos, enquanto os dados referentes a S. aureus indicam preocupante patamar de resistência, com taxas acima de 20% para os antimicrobianos amoxicilina + clavulanato, cefalotina, clindamicina, eritromicina, penicilina e tetraciclina. Essas taxas de resistência são semelhantes às encontradas em outros estudos(1, 14, 16). As amostras de S. aureus apresentaram prevalência de resistência à oxacilina de 12,5%. A resistência a oxacilina e/ou meticilina representa um grande problema, já que indica modificação da estrutura-alvo dos antibióticos betalactâmicos, impossibilitando sua utilização. Cepas de S. aureus resistentes à oxacilina são comumente isoladas em infecções nosocomiais e ainda pouco isoladas na comunidade. No entanto, existe forte tendência de resistência a esses antimicrobianos nas cepas comunitárias, o que constitui grave problema de saúde pública.

A antibioticoterapia empírica é largamente utilizada por médicos em todo o mundo, e esse procedimento pode contribuir significativamente para o aumento na prevalência de cepas resistentes aos antimicrobianos. É muito importante que a terapia antimicrobiana seja respaldada por uma confirmação microbiológica a respeito do agente etiológico e seu padrão de resistência. Além disso, no Brasil e em diversos países, o acesso aos antimicrobianos é bastante facilitado, o que contribui sobremaneira para o aumento da resistência bacteriana, bem como a interrupção precoce do tratamento(17).

Os dados encontrados sugerem maior atenção na indicação terapêutica empírica, demonstrando que os microrganismos mais prevalentes já não respondem satisfatoriamente a parte dos antimicrobianos que foram extensivamente utilizados em nossa região, com piora iminente. Koch et al.(13) encontraram dados semelhantes aos aqui apresentados e, no entanto, ainda recomendam que sulfametoxazol + trimetoprima, cefalosporinas de primeira geração e nitrofurantoína sejam indicados no tratamento empírico de pacientes adultos com ITU adquirida na comunidade, mas ressaltam a importância de um acompanhamento mais próximo desses pacientes, recomendando retorno após 72 horas depois do início do tratamento, com a finalidade de avaliar a resposta terapêutica e, caso necessário, dar redirecionamento adequado. O mais amplo padrão de resistência encontrado em nosso estudo, em comparação com o relatado por Kiffer et al.(12) demonstra a importância de se realizarem estudos regionais com o objetivo de conhecer os principais agentes de infecção urinária e, mais ainda, conhecer o perfil de resistência e sua evolução ao longo dos anos. Essas informações são determinantes na orientação terapêutica empírica. Estudos posteriores poderão demonstrar possíveis modificações, tanto na prevalência quanto no padrão de resistência e, assim, fornecer subsídios para reorientar a terapêutica antimicrobiana empírica em nossa região.

Primeira submissão em 22/07/09

Última submissão em 24/11/09

Aceito para publicação em 24/11/09

Publicado em 20/12/09

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  • Endereço para correspondência

    Alexandre Braoios
    Universidade Federal de Goiás - Campus Jataí (UFG - CAJ)
    Rod. BR 364 Km 192
    Zona Rural
    Jataí – GO
    CEP: 75801-615
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Aceito
      24 Nov 2009
    • Recebido
      24 Nov 2009
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