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Soroepidemiologia da infecção por HTLV-I/II em população assistida pelo Programa Saúde da Família em Salvador, Bahia

Seroepidemiology of HTLV-I/II infection among population assisted by Family Health Program in Salvador-Bahia, Brazil

Resumos

INTRODUÇÃO: O vírus linfotrópico da célula T humana (HTLV) é um retrovírus de prevalência elevada em Salvador, Bahia, quando comparado a outras capitais brasileiras. O estudo de seus fatores de risco é muito importante para se entender a dinâmica da infecção no município. OBJETIVO: Avaliar a soroprevalência e alguns fatores de risco para a infecção por HTLV-I/II em indivíduos assistidos pelo Programa Saúde da Família (PSF) no município de Salvador, Bahia, Brasil. MATERIAIS E MÉTODOS: Amostras biológicas foram obtidas em postos do PSF do município de Salvador. Foram realizados imunoensaios do tipo ELISA para a detecção de anticorpos anti-HTLV-I/II. Dados retrospectivos sobre alguns fatores de risco para a infecção pelo HTLV foram obtidos por meio de questionário. RESULTADOS: Foram testadas 765 amostras, 529 (69,2%) do sexo feminino e 236 (30,8%) do masculino. A soroprevalência geral para HTLV-I/II foi de 1,96%, aumentando de acordo com a idade. Observou-se soroprevalência de 2,16% e 1,89% para os sexos masculino e feminino, respectivamente (p = 0,833). Entre os indivíduos com idade inferior a 30 anos (n = 161), não houve soropositivos para HTLV-I/II. Entre os soropositivos, 84,6% relataram ter parceiro sexual fixo e 61,5% não utilizam preservativo com frequência em suas relações sexuais, semelhante ao observado entre os soronegativos, com 76,5% e 67,4%, respectivamente. CONCLUSÃO: A soroprevalência encontrada é considerada alta em comparação a outros municípios brasileiros. Os fatores de risco analisados não foram estatisticamente diferentes entre os grupos soronegativos e soropositivos para HTLV-I/II. A transmissão vertical não se mostrou como importante fator na manutenção do vírus.

HTLV; Prevalência; Comportamento de risco; Salvador; Programa Saúde da Família


INTRODUCTION: HTLV is a retrovirus with high prevalence in Salvador, Bahia, when compared to other Brazilian capitals. The study of its risk factors is very important in order to understand the infection dynamics in the municipality. OBJECTIVE: To assess the prevalence and some risk factors for HTLV-I/II infection among people assisted by the Family Health Program (FHP) in Salvador, Bahia, Brazil. MATERIALS AND METHODS: Biological samples were obtained from FHP health centers in Salvador city. Immunoassays were performed by ELISA method for HTLV antibody detection. Retrospective data about potential risk factors to HTLV infection were obtained through questionnaire. RESULTS: 765 samples were tested, 529 (69.2%) females and 236 (30.8%) males. The overall HTLV-I/II seroprevalence was 1.96%, increasing according to age. HTLV-I/II seroprevalence was 2.16% and 1.89% for males and females, respectively (p = 0.833). Among seropositive individuals, 84.6% reported having a steady sexual partner and 61.5% do not use condoms frequently in their sexual intercourses, what similarly was observed among seronegative with 76.5% and 67.4%, respectively. CONCLUSION: The seroprevalence found is considered high compared to other Brazilian municipalities. The analyzed risk factors were not statistically different between HTLV-I/II seronegative and seropositive groups. The vertical transmission was not an important factor for virus maintenance.

HTLV; Prevalence; Risk behavior; Salvador; Family Health Program


ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL PAPER

Soroepidemiologia da infecção por HTLV-I/II em população assistida pelo Programa Saúde da Família em Salvador, Bahia

Seroepidemiology of HTLV-I/II infection among population assisted by Family Health Program in Salvador-Bahia, Brazil

Helen Regina Silva SodréI; Sócrates Bezerra de MatosII; André Luis Santos Roque de JesusIII; Fernanda Washington de Mendonça LimaIV

IFarmacêutica

IIMestre e doutorando em Imunologia pelo Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Bahia (UFBA); biomédico

IIIEspecialista em Análises Clínicas pela Faculdade de Farmácia da UFBA; farmacêutico-bioquímico

IVDoutora em Imunologia; professora adjunta e coordenadora do Serviço de Imunologia de Doenças Infecciosas (SIDI) da Faculdade de Farmácia da UFBA; farmacêutica-bioquímica

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Fernanda Washington de Mendonça Lima Serviço de Imunologia de Doenças Infecciosas Faculdade de Farmácia - Universidade Federal da Bahia Rua Barão de Geremoabo, s/n - Campus Universitário de Ondina CEP: 40170-290 - Salvador-BA Fax: (71) 3237-1912 e-mail: ferwlima@terra.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: O vírus linfotrópico da célula T humana (HTLV) é um retrovírus de prevalência elevada em Salvador, Bahia, quando comparado a outras capitais brasileiras. O estudo de seus fatores de risco é muito importante para se entender a dinâmica da infecção no município.

OBJETIVO: Avaliar a soroprevalência e alguns fatores de risco para a infecção por HTLV-I/II em indivíduos assistidos pelo Programa Saúde da Família (PSF) no município de Salvador, Bahia, Brasil.

MATERIAIS E MÉTODOS: Amostras biológicas foram obtidas em postos do PSF do município de Salvador. Foram realizados imunoensaios do tipo ELISA para a detecção de anticorpos anti-HTLV-I/II. Dados retrospectivos sobre alguns fatores de risco para a infecção pelo HTLV foram obtidos por meio de questionário.

RESULTADOS: Foram testadas 765 amostras, 529 (69,2%) do sexo feminino e 236 (30,8%) do masculino. A soroprevalência geral para HTLV-I/II foi de 1,96%, aumentando de acordo com a idade. Observou-se soroprevalência de 2,16% e 1,89% para os sexos masculino e feminino, respectivamente (p = 0,833). Entre os indivíduos com idade inferior a 30 anos (n = 161), não houve soropositivos para HTLV-I/II. Entre os soropositivos, 84,6% relataram ter parceiro sexual fixo e 61,5% não utilizam preservativo com frequência em suas relações sexuais, semelhante ao observado entre os soronegativos, com 76,5% e 67,4%, respectivamente.

CONCLUSÃO: A soroprevalência encontrada é considerada alta em comparação a outros municípios brasileiros. Os fatores de risco analisados não foram estatisticamente diferentes entre os grupos soronegativos e soropositivos para HTLV-I/II. A transmissão vertical não se mostrou como importante fator na manutenção do vírus.

Unitermos: HTLV. Prevalência. Comportamento de risco.Salvador. Programa Saúde da Família.

ABSTRACT

INTRODUCTION: HTLV is a retrovirus with high prevalence in Salvador, Bahia, when compared to other Brazilian capitals. The study of its risk factors is very important in order to understand the infection dynamics in the municipality.

OBJECTIVE: To assess the prevalence and some risk factors for HTLV-I/II infection among people assisted by the Family Health Program (FHP) in Salvador, Bahia, Brazil.

MATERIALS AND METHODS: Biological samples were obtained from FHP health centers in Salvador city. Immunoassays were performed by ELISA method for HTLV antibody detection. Retrospective data about potential risk factors to HTLV infection were obtained through questionnaire.

RESULTS: 765 samples were tested, 529 (69.2%) females and 236 (30.8%) males. The overall HTLV-I/II seroprevalence was 1.96%, increasing according to age. HTLV-I/II seroprevalence was 2.16% and 1.89% for males and females, respectively (p = 0.833). Among seropositive individuals, 84.6% reported having a steady sexual partner and 61.5% do not use condoms frequently in their sexual intercourses, what similarly was observed among seronegative with 76.5% and 67.4%, respectively.

CONCLUSION: The seroprevalence found is considered high compared to other Brazilian municipalities. The analyzed risk factors were not statistically different between HTLV-I/II seronegative and seropositive groups. The vertical transmission was not an important factor for virus maintenance.

Key words: HTLV. Prevalence. Risk behavior. Salvador. Family Health Program.

Introdução

O vírus linfotrópico da célula T humana (HTLV) é conhecido pela alta morbidade das doenças a ele associadas(26). Enquanto o HTLV do tipo I tem distribuição mundial, o do tipo 2 parece ser um vírus predominante no hemisfério ocidental(10). O HTLV-I é o agente etiológico da leucemia/linfoma de células T do adulto (LLTA) e da paraparesia espástica tropical ou mielopatia associada ao HTLV-I (PET/MAH), entretanto pode estar associado a polimiosite, poliartrite, uveítes, distúrbios mentais e dermatite em crianças(8, 21). Não existe associação evidente do HTLV-II com patologias, entretanto essa infecção tem sido relacionada com uma alteração neurológica semelhante ao PET/MAH, além de favorecer maior susceptibilidade a infecções bacterianas. A coinfecção por HTLV-I/II e HIV tem sido associada à maior probabilidade de desenvolvimento de alguns sintomas mais graves(4, 16).

A LLTA ou a PET/MAH manifesta-se em uma pequena porcentagem das pessoas infectadas: cerca de 98% dos portadores permanecem assintomáticos(21). O risco estimado para desenvolver LLTA nos portadores do HTLV-I é de 2% a 4%, enquanto o risco para desenvolvimento de mielopatia é de 0,25%(6, 7).

As formas da infecção do HTLV-I/II incluem transmissão vertical, contato sexual, transfusão de sangue e/ou hemoderivados e uso de drogas injetáveis com compartilhamento de seringas e agulhas(12, 18). A transmissão por sangue ou hemocomponentes só ocorre quando há transferência de linfócitos íntegros, pois o vírus não é transmitido por fluidos corporais acelulares(1). As mães infectadas podem transmitir o vírus para o feto ou para o recém-nascido pela passagem de linfócitos maternos infectados através da placenta ou pelo leite materno, respectivamente(24).

A infecção pelo HTLV encontra-se presente em todas as regiões brasileiras, com prevalências variando de um estado para outro, sendo mais elevadas na Bahia, em Pernambuco e no Pará(7). As estimativas com base nas prevalências conhecidas indicam que o Brasil possui o maior número absoluto mundial (2,5 milhões) de indivíduos infectados pelo HTLV(7). Testes de triagem em doadores de sangue e estudos conduzidos em grupos especiais (populações indígenas, usuários de drogas intravenosas e gestantes) constituem as principais fontes de informação sobre essa virose em nosso país(13). Dessa forma, muitas localidades ainda carecem de informações quanto à soroprevalência da infecção, bem como da influência dos fatores de risco a ela associados, principalmente na população atendida pela rede pública de saúde. Assim, o presente estudo objetivou avaliar a soroprevalência e alguns fatores de risco para a infecção por HTLV-I/II em indivíduos assistidos pelo Programa Saúde da Família (PSF) no município de Salvador, Bahia.

Metodologia

Desenho do estudo e população

Realizou-se um estudo transversal com utilização de dados retrospectivos acerca de fatores de risco para a infecção pelo HTLV-I/II. Equipes foram enviadas aos postos do PSF de cinco grandes áreas do município de Salvador, Bahia, e lá montaram pontos de coleta de sangue. A população era informada dos objetivos da pesquisa e todas as pessoas (pacientes ou não) que aceitaram participar e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido foram incluídas. Dessa forma, obteve-se um total de 765 participantes, nos quais foi realizada a coleta de 5 ml de sangue, em sistema a vácuo, com a utilização de tubo de ensaio sem anticoagulante e com gel separador (BD Vacutainer® SS<sup>TM</sup>). Essas amostras foram devidamente acondicionadas e enviadas ao Serviço de Imunologia de Doenças Infecciosas (SIDI) da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde foram realizados os imunoensaios.

O cálculo amostral teve base na fórmula {(Zα/2)2.p.q/E2}, considerando Zα/2 = 1,96 (grau de confiança de 95%) e E = ± 1% (erro máximo de estimativa = ± 0,01); p = prevalência nos indivíduos que se quer estudar; q = prevalência da categoria que não se quer estudar. Para o cálculo, foram utilizados resultados de um estudo piloto prévio no qual se observou: p = 0,017 e q = 0,983. O presente protocolo de pesquisa foi aprovado (parecer nº. 075/2008) pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Maternidade Climério de Oliveira da UFBA. O estudo foi realizado no período de julho/2008 a março/2009.

Todos os indivíduos incluídos preencheram um questionário, por meio do qual foram obtidas informações sobre uso de preservativo, parceiro sexual fixo, utilização de instrumentos próprios de manicure, procedimento de hemodiálise prévio, presença de tatuagem, piercing e realização de transfusão de sangue.

Ensaios sorológicos

As amostras biológicas coletadas foram submetidas a imunoensaios para a detecção de anticorpos anti-HTLV-I/II pelo método enzyme linked immuno sorbent assay (ELISA) não competitivo, utilizando kit comercial (ELISA: anti-HTLV-I/II, ORTHO® HTLV-I/HTLV-I/II, USA) em sistema de automação ALISEI (RADIM). Os resultados, avaliados qualitativamente, foram considerados positivos ou negativos para HTLV-I/II, sem discriminação do tipo viral. Todas as amostras soropositivas foram confirmadas em duplicata.

Os resultados dos imunoensaios foram encaminhados ao posto do PSF, onde as amostras foram coletadas, para que os participantes da pesquisa tivessem acesso aos resultados, como previamente acordado com os mesmos.

Análise estatística

A análise estatística dos resultados foi processada pelos pacotes estatísticos SPSS® 9.0 for Windows e GraphPad InStat. Dados categóricos foram analisados com o teste do qui-quadrado com a correção de Yates, aceitando-se como significância estatística p < 0,05, com análise bicaudal. Os grupos de indivíduos HTLV positivos e negativos foram comparados em tabelas 2×2 por meio das razões de chances (RCs) não ajustadas com os intervalos de confiança de 95% (IC 95%), dessa forma, medindo a associação entre a infecção por HTLV e as variáveis em estudo.

Resultados

Participaram do presente estudo 765 indivíduos. Desses, 529 (69,2%) eram do sexo feminino (idade média: 43,39 anos; mediana: 44,0; desvio padrão: 14,7; mínimo: 3; máximo: 84) e 236 (30,8%), do sexo masculino (idade média: 45,54 anos; mediana: 47,0; desvio padrão: 16,6; mínimo: 4; máximo: 82). De forma geral, a população incluída no estudo tinha idade média de 44,05 anos (mediana: 44,0; desvio padrão: 15,33; mínimo: 3; máximo: 84).

Das 765 amostras testadas, 15 foram repetidamente positivas, correspondendo a uma soroprevalência geral para HTLV-I/II de 1,96%. Quando discriminadas por sexo, observou-se soropositividade para HTLV-I/II em 10 amostras (1,89%) de indivíduos do sexo feminino e cinco amostras (2,16%) do sexo masculino. Não houve diferença, estatisticamente significativa, quando as soroprevalências totais, masculina e feminina foram comparadas entre si (p = 0,833; p = 0,859; p = 0,953) (Figura 1).


A Figura 2 mostra a soroprevalência para HTLV-I/II de acordo com a faixa etária e o sexo dos indivíduos. Nenhum indivíduo pertencente às faixas etárias inferiores a 30 anos foram soropositivos para HTLV-I/II. Observa-se que a soroprevalência geral foi aumentando de modo diretamente proporcional à idade.


A Tabela mostra as informações coletadas acerca dos fatores de risco para a infecção pelo HTLV-I/II. Observa-se que os históricos de hemodiálise, hemotransfusão e colocação de piercing ou tatuagem não estavam associados à infecção por HTLV-I/II nos indivíduos estudados. Entre os soropositivos para HTLV-I/II, 84,6% relataram ter parceiro sexual fixo e 61,5% não utilizam preservativo com frequência em suas relações sexuais, perfil semelhante ao observado entre os soronegativos, com 76,5% e 67,4%, respectivamente.

Discussão

O presente estudo avaliou a soroprevalência para HTLV-I/II e possíveis relações com alguns fatores de risco para a infecção em indivíduos frequentadores dos postos do PSF do município de Salvador, Bahia.

Participaram deste estudo 765 indivíduos, sendo 69,2% do sexo feminino e 30,8% do masculino. A maior participação feminina pode ser explicada pelo fato de as mulheres procurarem mais os serviços médicos e, de modo geral, mostrarem-se mais preocupadas com questões relacionadas à saúde, tendência também descrita em outros estudos(11, 19).

A soroprevalência geral para HTLV-I/II observada no presente estudo foi de 1,96% (Figura 1). Segundo Carneiro-Proietti et al.(6), a soroprevalência para o HTLV-I/II é < 0,01% em doadores de sangue na América do Norte, varia entre 1% e 10% nos vários estudos existentes em diferentes populações na América Central e entre 0,1% e 5% em diferentes grupos populacionais na América do Sul. O padrão epidemiológico da infecção se caracteriza por agrupamento de indivíduos infectados em diferentes áreas geográficas do mundo, variação de soroprevalência de acordo com a região, aumento da soroprevalência com a idade (efeito da idade, efeito de coorte, soroconversão tardia) e soroprevalência mais elevada em mulheres, principalmente após os 40 anos(16, 20).

A maioria dos estudos sobre a soroprevalência para HTLV-I/II no Brasil foram realizados com doadores de sangue, o que não corresponde à realidade em termos de população geral, pois grande parte dos doadores são indivíduos saudáveis e do sexo masculino. Vale ressaltar ainda que a soroprevalência para HTLV-I/II é influenciada de acordo com a área geográfica, a composição sociocultural e demográfica da população e o comportamento de risco para a infecção(15, 16).

Estudos sobre a prevalência do HTLV-I em doadores de sangue provenientes de diferentes regiões geográficas brasileiras demonstraram variações entre as regiões, sendo 0,08% no norte e no sul do país (Manaus e Florianópolis) e 0,33% no nordeste e no sudeste (Recife e Rio de Janeiro)(21). Alguns estudos apontam que, entre as capitais brasileiras, Salvador é o município com maior endemicidade da infecção pelo HTLV, com soroprevalência de 1,35% entre doadores e sangue, 2% na população geral(13, 16) e 0,88% em gestantes(22). Em municípios do interior do estado da Bahia, Britto et al.(5) observaram soroprevalência geral para HTLV-I/II de 0,3%.

Na Figura 1, a soroprevalência para HTLV-I/II observada foi de 2,16% (5/236) no sexo masculino e de 1,89% (10/529) no sexo feminino (p = 0,833). Vários trabalhos apontam uma maior soroprevalência feminina para HTLV-I/II, acentuando-se com a idade e com hábitos de risco, como utilização de drogas injetáveis e atividades profissionais relacionadas com sexo(6, 16, 18). Eshima et al.(14), ao avaliarem a soroprevalência para HTLV-I/II em doadores de sangue de uma região de alta endemicidade da infecção, observaram soroprevalência de 2,05% no sexo feminino e 1,80% no masculino (p < 0,001), sendo que a soroprevalência era d iretamente proporcional à idade dos doadores.

Na Figura 2, observa-se a relação da faixa etária com a soroprevalência pra HTLV-I/II. Tanto a soroprevalência feminina quanto a geral aumentaram de acordo à faixa etária. Na soroprevalência masculina, a redução observada na faixa etária entre 45 e 60 anos comparada à de 30 a 45 anos deve estar relacionada com o tamanho da amostra em questão, já que vários estudos demonstram que o perfil da infecção por HTLV tem uma prevalência que tende a aumentar com a idade do indivíduo(2, 5, 6, 16 ), o que também pode ser observado nos indivíduos > 60 anos desse mesmo grupo. Entre os indivíduos com idade inferior a 30 anos (n = 161) não houve soropositivos para HTLV-I/II, indicando que a transmissão vertical não foi um fator importante na manutenção do vírus na população estudada.

Alguns trabalhos apontam que regiões de etnia africana ou afrodescendente geralmente apresentam maior soroprevalência para o HTLV do que outras, o que contextualiza o fato de Salvador, onde 80% da população é negra ou mestiça, apresentar soroprevalência maior que muitas capitais brasileiras(13, 15, 17, 27).

O presente estudo apresenta como limitação o fato de não ter sido realizada a confirmação dos resultados por meio de outras técnicas, a exemplo de western blot, imunofluorescência ou radioimunoprecipitação(5, 6, 9, 22, 23). Entretanto, o teste de ELISA utilizado apresenta sensibilidade de 99,93% e especificidade de 99,99%, e as amostras só foram consideradas positivas quando confirmadas em duplicata, agregando maior confiabilidade aos resultados.

Como já mencionado, alguns fatores e comportamentos de risco podem estar associados à soroprevalência para HTLV, entre eles, hemotransfusões, compartilhamento de seringas e agulhas, promiscuidade sexual, coito anal desprotegido etc.(3, 18, 25). Neste estudo não foi possível estabelecer uma associação estatisticamente significativa entre os fatores de risco investigados com a soropositividade para o HTLV-I/II (Tabela). Entretanto, algumas considerações podem ser feitas. Mencionaram ter parceiro sexual fixo 84,6% dos soropositivos para HTLV-I/II e 76,5% dos soronegativos (p = 0,7224; RC = 1,69; IC 95% = 0,37-7,70), evidenciando que a soropositividade para HTLV-I/II neste estudo não esteve relacionada com a existência de múltiplos parceiros sexuais na atualidade. Uma limitação desse dado é a possibilidade dessa promiscuidade sexual ter ocorrido no período anterior à coleta de informações por meio dos questionários. Os soropositivos para HTLV-I/II e os soronegativos não foram diferentes estatisticamente quanto à não utilização do preservativo em suas relações sexuais (61,5% e 67,4%; p = 0,883; RC = 1,29; IC 95% = 0,42-3,40) (Tabela).

Entre os indivíduos soropositivos para HTLV-I/II, nenhum mencionou histórico de hemodiálise, hemotransfusão, uso de tatuagem ou piercing (Tabela), o que pode estar relacionado com o tamanho da nossa amostra, uma vez que outros trabalhos apontam algumas dessas variáveis como fatores de risco para a infecção pelo HTLV-I/II(6, 16, 18).

Conclusão

A soroprevalência encontrada neste estudo é compatível com a descrita na literatura, sendo considerada alta em comparação a outros municípios brasileiros. Os fatores de risco analisados não foram estatisticamente diferentes entre indivíduos soropositivos e soronegativos para HTLV-I/II. A transmissão vertical não se mostrou um importante fator na manutenção do vírus. Esse panorama municipal evidencia a necessidade da implementação de campanhas educativas de saúde e a importância da profunda investigação dos vários fatores de risco envolvidos na infecção pelo HTLV-I/II no município de Salvador, Bahia.

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  • Endereço para correspondência:
    Fernanda Washington de Mendonça Lima
    Serviço de Imunologia de Doenças Infecciosas
    Faculdade de Farmácia - Universidade Federal da Bahia
    Rua Barão de Geremoabo, s/n - Campus Universitário de Ondina
    CEP: 40170-290 - Salvador-BA
    Fax: (71) 3237-1912
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Nov 2010
    • Data do Fascículo
      Out 2010
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