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A necessidade da imunofluorescência direta no diagnóstico da dermatose bolhosa por IgA

The need for direct immunofluorescence in the diagnosis of IgA bullous dermatosis

Resumos

A dermatose bolhosa por imunoglobulina da classe A linear (DbIgA) do adulto é uma doença autoimune rara caracterizada por formação de bolhas subepidérmicas e depósito linear de imunoglobulina da classe A (IgA) na zona da membrana basal (ZMB). Por possuir aspectos clínicos e histológicos semelhantes a outras dermatoses bolhosas, principalmente a dermatite herpetiforme e o penfigoide bolhoso, faz-se necessária a realização de imunofluorescência direta para confirmação diagnóstica. Apresenta-se então, neste artigo, relato de caso ilustrando essa necessidade.

Dermatose bolhosa; Doença autoimune; Imunofluorescência direta


Linear immunoglobulin A bullous dermatosis (DbIgA) of adults is a rare autoimmune disease characterized by subepidermal blistering and linear deposits of immunoglobulin A (IgA) in the basement membrane zone (BMZ). Owing to the fact it presents clinical and histological aspects similar to other bullous dermatosis, mainly dermatitis herpetiformis and bullous pemphigoid, direct immunofluorescence is required to confirm diagnosis. In this article, we describe a case that illustrates this need.

Bullous dermatosis; Autoimmune disease; Direct immunofluorescence


RELATO DE CASO CASE REPORT

A necessidade da imunofluorescência direta no diagnóstico da dermatose bolhosa por IgA

The need for direct immunofluorescence in the diagnosis of IgA bullous dermatosis

Daniel Chang

Doutor em Medicina (Dermatologia); mestre em Ciências Médicas (Patologia Humana) pela Universidade de São Paulo (USP); patologista da Diagnóstika - Patologia Cirúrgica e Citologia

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Daniel Chang Rua Frei Caneca, 1.119 - Consolação CEP: 01307-003 - São Paulo-SP

RESUMO

A dermatose bolhosa por imunoglobulina da classe A linear (DbIgA) do adulto é uma doença autoimune rara caracterizada por formação de bolhas subepidérmicas e depósito linear de imunoglobulina da classe A (IgA) na zona da membrana basal (ZMB). Por possuir aspectos clínicos e histológicos semelhantes a outras dermatoses bolhosas, principalmente a dermatite herpetiforme e o penfigoide bolhoso, faz-se necessária a realização de imunofluorescência direta para confirmação diagnóstica. Apresenta-se então, neste artigo, relato de caso ilustrando essa necessidade.

Unitermos: Dermatose bolhosa, Doença autoimune, Imunofluorescência direta

ABSTRACT

Linear immunoglobulin A bullous dermatosis (DbIgA) of adults is a rare autoimmune disease characterized by subepidermal blistering and linear deposits of immunoglobulin A (IgA) in the basement membrane zone (BMZ). Owing to the fact it presents clinical and histological aspects similar to other bullous dermatosis, mainly dermatitis herpetiformis and bullous pemphigoid, direct immunofluorescence is required to confirm diagnosis. In this article, we describe a case that illustrates this need.

Key words: Bullous dermatosis, Autoimmune disease, Direct immunofluorescence

Introdução

A dermatose bolhosa por imunoglobulina da classe A linear (DbIgA) representa uma doença bolhosa autoimune rara que se caracteriza pela formação de bolhas com nível de clivagem subepidérmica e deposição de anticorpo do tipo imunoglobulina da classe A (IgA) de padrão linear e homogêneo na zona da membrana basal (ZMB)(3). Clínica e histopatologicamente, é muito similar a outras dermatoses bolhosas, sobretudo a dermatite herpetiforme (DH) e o penfigoide bolhoso (PB). Assim, para diagnóstico preciso, faz-se necessária a realização de imunofluorescência direta (IFD)(1, 9). Apresenta-se, a seguir, relato de caso ilustrando tal exigência.

Relato do caso

Adulto feminino, 21 anos, exibindo lesões vesicobolhosas tensas com conteúdo claro, agrupadas e sob base eritematosa com leve prurido e ardor, localizadas no tronco e na mucosa oral. Não havia relatos de uso de medicações e nem outras doenças associadas. Realizaram-se as biópsias da lesão para avaliação histológica e da área perilesional para IFD. A análise histopatológica exibia clivagens subepidérmicas permeadas por infiltrado inflamatório polimorfonuclear composto por frequentes neutrófilos e alguns eosinófilos (Figura 1), além de microabscessos neutrofílicos em papilas dérmicas (Figura 2). Realizou-se, também, o painel de IFD com pesquisa de anticorpos IgA (anti-human IgA, alfa chain specific, Dako), imunoglobulina da classe G (IgG) (anti-human IgG, whole molecule, Dako), imunoglobulina da classe M (IgM) (anti-human IgM, µ chain, Dako), C3c (complement, Dako) e fibrinogênio (anti-fibrinogen, Dako) resultando em positividade apenas para IgA com padrão linear e homogêneo em ZMB, confirmando o diagnóstico de DbIgA do adulto (Figura 3). A imunofluorescência indireta resultou negativa. Após, foi instituído tratamento medicamentoso com corticoterapia sistêmica com melhora significativa das lesões.




Discussão

A DbIgA, descrita em 1901 por Bowen, é uma dermatose bolhosa autoimune rara com clivagem subepidérmica do ponto de vista histopatológico e se caracteriza pela presença de depósito linear e homogêneo de anticorpo IgA em ZMB(4).

Há duas variantes clínicas: da infância e do adulto. A primeira, também denominada dermatose bolhosa crônica da infância, é mais comum entre 2 e 5 anos de idade e acomete preferencialmente a região perineal, o abdome inferior e a região perioral, raramente havendo o envolvimento de mucosas. Na forma adulta, que surge após a puberdade, o quadro clínico assemelha-se à DH ou ao PB e o acometimento mucoso é mais comum(2).

Há evidências na literatura de associação, em alguns casos, do surgimento de DbIgA ao uso de medicamentos(10).

O exame histopatológico evidencia a clivagem subepidérmica com infiltrado inflamatório rico em polimorfonucleares, principalmente neutrófilos, mas contendo, também, eosinófilos. Microabscessos em papilas dérmicas podem, ainda, ser encontrados(1, 9). Pelo fato de outras dermatoses bolhosas autoimunes, principalmente a DH e o PB, cursarem com os mesmos achados histológicos, torna-se peremptório a realização de IFD para confirmação diagnóstica.

Em relação à IFD, os principais alvos dos autoanticorpos são domínios extracelulares de 120 kDa (LAD-1) e de 97 kDa (LABD-97) do BP 180 (colágeno XVII) e é descrito, ainda, contra colágeno VII, BP 230, alfa6beta4 integrina, laminina, entre outras(6, 15, 16). Quanto aos títulos de IgA circulante, constatam-se, aproximadamente, 60% a 70% de IFD positivas(4).

Em até 25% dos casos, pode-se demonstrar também a presença de anticorpo IgG, juntamente com IgA, na ZMB nas DbIgA, fornecendo evidências de um subtipo de DbIgA com resposta autoimune dual de IgA e IgG contra o BP180(8, 14). Do ponto de vista clínico, não há diferenças entre os tipos apenas com marcação para IgA daqueles com expressão de IgA e IgG; este último contribui menos frequentemente para o tipo infantil em relação ao adulto(5).

Assim, IFD é o método laboratorial fundamental para o diagnóstico exato, já que somente dados clínicos e histopatológicos não são suficientemente sensíveis e específicos para o diagnóstico preciso das dermatoses bolhosas autoimunes. Dessa forma, a deposição linear e homogênea de IgA na ZMB confirma o diagnóstico de DbIgA, haja vista que na DH o IgA se deposita de forma granular em derme papilar, enquanto no PB há deposição linear e homogênea em ZMB de C3(7, 11-13).

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  • Endereço para correspondência
    Daniel Chang
    Rua Frei Caneca, 1.119 - Consolação
    CEP: 01307-003 - São Paulo-SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Mar 2012
    • Data do Fascículo
      Fev 2012
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