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Necessidade de novos antibióticos

The need of new antibiotics

Resumos

Os antibióticos são uma classe de fármacos indispensável; sem eles haveria perdas na expectativa de vida que conquistamos ao longo de décadas. Mas a potência dos antibióticos está ameaçada pela resistência bacteriana. Há uma explosão de casos reportados na literatura. De fato, o aumento da resistência bacteriana, principalmente entre patógenos potencialmente perigosos, tem levado ao aumento na necessidade de novos fármacos e novas classes de antibióticos, tanto para infecções adquiridas em hospitais quanto na comunidade. Entretanto, a despeito dessa necessidade, somente duas novas classes de antibióticos foram introduzidas na medicina desde 1963, quando o ácido nalidíxico foi aprovado: uma em 2000 e uma em 2003. O artigo discute um pouco esta questão.

Antibióticos; Resistência


Antibiotics are a important class of drugs, without them there would be losses in life expectancy achieved over decades. But the power of antibiotics is threatened by bacterial resistance. There is an explosion of cases reported in the literature. In fact, the increase in bacterial resistance, particularly among potentially dangerous pathogens, has led to an increased need for new drugs and new classes of antibiotics for both infections acquired in hospitals and in the community. However, despite this need, only two new classes of antibiotics have been introduced in medicine since 1963, when nalidixic acid was approved: one in 2000 and one in 2003. The article discusses this issue.

Antibiotics; Resistance


CARTA AO EDITOR LETTERS TO THE EDITOR

Necessidade de novos antibióticos

The need of new antibiotics

Monique Araujo de BritoI; Benedito Carlos CordeiroII

IDoutora em Química Medicinal; professora adjunta e pesquisadora da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal Fluminense (UFF)

IIDoutor em Saúde Pública; professor adjunto e pesquisador da Faculdade de Farmácia da UFF

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Monique Araujo de Brito Rua Dr. Mário Viana, 523 Santa Rosa CEP: 24241-000 - Niterói-RJ e-mail: moniquebrito@id.uff.br

RESUMO

Os antibióticos são uma classe de fármacos indispensável; sem eles haveria perdas na expectativa de vida que conquistamos ao longo de décadas. Mas a potência dos antibióticos está ameaçada pela resistência bacteriana. Há uma explosão de casos reportados na literatura. De fato, o aumento da resistência bacteriana, principalmente entre patógenos potencialmente perigosos, tem levado ao aumento na necessidade de novos fármacos e novas classes de antibióticos, tanto para infecções adquiridas em hospitais quanto na comunidade. Entretanto, a despeito dessa necessidade, somente duas novas classes de antibióticos foram introduzidas na medicina desde 1963, quando o ácido nalidíxico foi aprovado: uma em 2000 e uma em 2003. O artigo discute um pouco esta questão.

Unitermos: Antibióticos, Resistência

ABSTRACT

Antibiotics are a important class of drugs, without them there would be losses in life expectancy achieved over decades. But the power of antibiotics is threatened by bacterial resistance. There is an explosion of cases reported in the literature. In fact, the increase in bacterial resistance, particularly among potentially dangerous pathogens, has led to an increased need for new drugs and new classes of antibiotics for both infections acquired in hospitals and in the community. However, despite this need, only two new classes of antibiotics have been introduced in medicine since 1963, when nalidixic acid was approved: one in 2000 and one in 2003. The article discusses this issue.

Key words: Antibiotics, Resistance

O artigo Pseudomonas aeruginosa multirresistente: um problema endêmico no Brasil de autoria de Neves et al.(10), publicado na última edição do Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial (JBPML), chamou atenção por seu conteúdo e pela qualidade do trabalho, que tem uma temática relevante e desperta interesse coletivo.

Os antibióticos são uma classe de fármacos indispensável. Sem eles os nascimentos prematuros seriam difíceis, a maior parte das cirurgias e dos transplantes seria impossível, terapias citotóxicas para o câncer levariam a infecções mortais e os hospitais se tornariam focos de doenças infecciosas. Em resumo, sem eles haveria perdas na expectativa de vida que conquistamos ao longo de décadas. Mas a potência dos antibióticos está ameaçada, como vemos nos trabalhos de Neves et al.(10), Zanol et al.(17), Figueiredo et al.(3) e Santos Filho et al.(13), publicados no JBPML entre 2002 e 2011. Há uma explosão de casos, não só de resistência a um fármaco, mas a muitos deles. A palavra superbug tem sido comumente usada para descrever organismos, que surgem em uma velocidade alarmante, resistentes à maior parte ou a todos os antibióticos clínicos em uso(6, 14). Staphylococcus aureus resistente à meticilina causa mais de 100 mil infecções a cada ano e começou a se espalhar em infecções adquiridas na comunidade, deixando de ser hospitalar. Além disso, observamos uma diminuição na suscetibilidade dos antibióticos com o tempo. O preocupante é que não há novas classes de antibióticos sendo desenvolvidas para ajudar na guerra contra as bactérias.

De fato, o aumento da resistência bacteriana, principalmente entre patógenos potencialmente perigosos, tem levado a um aumento na necessidade de novos fármacos e novas classes de antibióticos, tanto para infecções adquiridas em hospitais quanto na comunidade.

Um artigo de um grupo de pesquisa americano do ano de 2008(12) reportou alguns dos patógenos nos Estados Unidos que necessitam de novos fármacos urgentemente, como Enterococcus faecium, Staphylococcus aureus, Acinetobacter baumanii, Klebsiella pneumoniae, Pseudomonas aeruginosa e espécies de Enterobacter. A realidade brasileira não está tão diferente dessa, como vemos nos trabalhos de Meyer e Picoli(7), Neves et al.(10), Zanol et al.(17), Figueiredo et al.(3) e Santos Filho et al.(13). Entretanto, a despeito dessa necessidade, somente duas novas classes de antibióticos foram introduzidas na medicina desde 1963, quando o ácido nalidíxico (uma quinolona) foi aprovado: a oxazolidinona linezolida (Zyvox; Pfizer), em 2000, e o lipopeptídeo cíclico daptomicina (Cubicin; Cubist), em 2003(4). Ou seja, cerca de 30 anos depois.

Além disso, um pequeno número de antibióticos com potencial atividade contra bactérias resistentes a fármacos antigos foi lançado nos anos recentes. Os quatro únicos antibióticos classificados como novas entidades químicas pela agência reguladora de alimentos e medicamentos americana Food and Drug Administration (FDA) a serem aprovados nos últimos cinco anos foram tigeciclina (Tygacil; Pfizer), tetraciclina de última geração aprovada em 2005; retapamulina (Altabax; GlaxoSmithKline), pleuromotilíneo aprovado em 2008; telavancina (Vibativ; Theravance/Astellas), glicopeptídeo aprovado em 2009; e ceftarolina (Teflaro; Cerexa), cefalosporina aprovada em 2010(1, 2, 9, 16).

Esse pequeno número de fármacos antibacterianos aprovados nos faz questionar, entre outras coisas, quais são as razões para a diminuição da pesquisa e do desenvolvimento (P&D) de antibióticos nas últimas décadas, como Neves et al.(10) chamaram atenção em seu artigo. O fator econômico tem tido papel importante, uma vez que as prescrições são controladas e por tempo reduzido (geralmente 7-10 dias) e há uma tendência para reservar novos antibióticos para as bactérias mais resistentes ou para tratar infecções sérias. Esse fato limita a oportunidade das indústrias recuperarem o investimento extensivo para desenvolverem novas classes de antibióticos. Além disso, os critérios regulatórios para a aprovação de antibióticos podem ter papel significante(11).

Pesquisas mostram que a velocidade de consumo de antibióticos tem diminuído consideravelmente em muitos países na última década por causa do controle das agências de saúde - esse é um dado importante. Isso foi observado preliminarmente na França e no Japão, países que apresentaram declínio de 21% e 15%, respectivamente, no uso de antibióticos entre 2000 e 2009(5). Essa diminuição pode ser observada devido ao problema da resistência que está levando à identificação laboratorial de determinado patógeno antes do antibiótico ser usado(7).

O mercado para os antibióticos mostrou uma média anual de crescimento de 4% nos últimos cinco anos, comparado com o crescimento de 16,7% para fármacos antivirais e 16,4% para vacinas(5). No Brasil, a recente aprovação da Resolução RDC nº 44/2010, que controla a dispensação de antimicrobianos, também contribuirá, tanto para a diminuição do consumo irracional de medicamentos quanto para a resistência bacteriana. O tema uso racional de antimicrobianos vem sendo há algum tempo objeto de publicações, de algum modo, patrocinadas pelo Ministério da Saúde(8, 15). Portanto, ao mesmo tempo em que há pressões para utilização de antibióticos cada vez mais eficazes, também existe a necessidade, por fatores diversos como o custo e o aparecimento de resistência microbiana, da seleção do antimicrobiano correto para as condições de uso e a infecção correspondente. Foi por isso que entre as condições listadas por Wannmacher(15) para o controle da resistência microbiana estava, entre outras, o desenvolvimento de novos medicamentos.

Os químicos medicinais, profissionais responsáveis pelo desenho de novos fármacos e otimização das classes já existentes, vêm propondo novas abordagens de planejamento para antibióticos, que vão de produtos naturais, como lipopeptídeos modificados por meio da engenharia genética, a peptídeos antimicrobianos, otimizados pela engenharia de proteínas. Outras abordagens possíveis são investir em tecnologias para aumentar o sistema de defesa do hospedeiro, como um veículo para atacar micróbios.

Acreditamos que as agências de fomento devem apostar no planejamento e na descoberta de novas terapias antibióticas como uma de suas mais altas prioridades. A alternativa de não fazer nada é impensável.

Primeira submissão em 07/10/11

Última submissão em 14/12/11

Aceito para publicação em 18/12/11

Publicado em 20/08/12

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  • 16. WENZEL, R.; BATE, G.; KIRKPATRICK, P. Tigecycline. Nat Rev Drug Disc, v. 4, p. 809-11, 2005.
  • 17. ZANOL, F. M.; PICOLI, S. U.; MORSCH, F. Detecção fenotípica de metalobetalactamase em isolados clínicos de Pseudomonas aeruginosa de hospitais de Caxias do Sul. J Bras Patol Med Lab, v. 46, n. 4, p. 309-14, 2010.
  • Endereço para correspondência

    Monique Araujo de Brito
    Rua Dr. Mário Viana, 523 Santa Rosa
    CEP: 24241-000 - Niterói-RJ
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Set 2012
    • Data do Fascículo
      Ago 2012

    Histórico

    • Recebido
      07 Out 2011
    • Aceito
      18 Dez 2011
    • Revisado
      14 Dez 2011
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