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Alterações citopatológicas em exames de Papanicolaou na cidade de Santa Cruz do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil

RESUMO

Objetivo:

Determinar as alterações citopatológicas em mulheres que realizam o exame de Papanicolaou pelo Sistema Ú;nico de Saúde (SUS) em um laboratório da cidade de Santa Cruz do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil.

Metodologia:

Os dados foram coletados de laudos citopatológicos do ano de 2015 pelo Sistema de Informação do Câncer. As variáveis referentes à idade e à alteração citopatológica foram selecionadas. As análises foram realizadas por estatística descritiva, incluindo frequência, média e desvio padrão. As associações entre as variáveis categóricas foram avaliadas pelo teste de qui-quadrado no software SPSS versão 22.0.

Resultados:

No ano de 2015, 2.346 mulheres realizaram o exame citopatológico. Destas, 34,7% apresentaram resultados dentro dos limites da normalidade; 62,6%, alteração celular benigna (47,5% eram inflamatórias). Das alterações, 1,8% eram células escamosas atípicas de significado indeterminado (ASC-US); 0,6%, lesão intraepitelial de baixo grau (LSIL); 0,2%, células escamosas atípicas, não sendo possível excluir lesão intraepitelial escamosa de alto grau (ASC-H); e 0,1%, lesão intraepitelial de alto grau (HSIL). Em relação à idade, observou-se maior frequência na faixa etária acima de 55 anos, com média de 46,5 anos.

Conclusão:

As alterações celulares benignas foram as mais ocorrentes, com prevalência de inflamação. As lesões precursoras do câncer cervical mais encontradas foram ASC-US e LSIL.

Unitermos:
câncer do colo do útero; Papanicolaou; alterações citológicas; papilomavírus humano

ABSTRACT

Objective:

To determine the cytopathologic alterations in women who undergo the Papanicolaou exam by the single health system in a laboratory in the city of Santa Cruz do Sul, Rio Grande do Sul, Brazil.

Methodology:

Data were collected from cytopathological reports of the year 2015 by the cancer information system. The variables referring to age and cytopathologic alteration were selected. The analyzes were performed by descriptive statistics, including frequency, mean, standard deviation. The associations between the categorical variables were evaluated by the Qui Quadrado test in SPSS software version 22.0.

Results:

In the year 2015, 2346 women underwent cytopathological examination, where 34.7% were within the limits of normality, 62.6% presented benign cellular alteration, of which 47.5% were inflammatory. Of the alterations, 1.8% were atypical squamous cells of undetermined significance (ASC-US); 0.6% were low-grad squamous intraepithelial lesion (LSIL); 0.2% were atypical squamous cells and it was not possible to exclude high grade squamous intraepithelial lesion (ASC-H); and 0.1% were high-grade intraepithelial lesions (HSIL). Regarding the age of the women, a higher frequency was observed in the age group above 55 years and an average of 46.5 years.

Conclusion:

The benign cellular alterations were the most frequent, with the prevalence of inflammation. The most common precursor lesions of cervical cancer were ASC-US and LSIL.

Key words:
cervical cancer; Papanicolaou; cytological changes; human papillomavirus

RESUMEN

Objetivo:

Determinar los cambios citológicos en mujeres que se hicieron la prueba de Papanicolaou por el sistema público de salud [Sistema Ú;nico de Saúde (SUS)] en un laboratorio de la ciudad de Santa Cruz do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil.

Métodos:

Los datos fueron recogidos de informes citológicos del año de 2015 por el Sistema de Información de Cáncer. Se eligieron las variables edad y alteración citológica. El análisis fue realizado por estadística descriptiva, utilizando frecuencia, media y desviación estándar. Las relaciones entre las variables categóricas fueron medidas con la distribución ji-cuadrada en el paquete estadístico SPSS versión 22.0.

Resultados:

En el año de 2015, 2.346 mujeres se hicieron la citología vaginal. Entre ellas, 34,7% mostraron resultados dentro de los rangos de normalidad; 62,6%, cambio celular benigno (47,5% eran inflamatorios). Entre los cambios, 1,8% eran células escamosas atípicas de significado incierto (ASC-US); 0,6%, lesión intraepitelial escamosa de bajo grado (LSIL); 0,2%, células escamosas atípicas de alto grado (ASC-H); y 0,1%, lesión intraepitelial escamosa de alto grado (HSIL). En relación con la edad, mayor frecuencia se ha observado en la franja arriba 55 años, con media de 46,5 años.

Conclusión:

Los cambios celulares benignos fueron el hallazgo más frecuente, con prevalencia de inflamación. Las lesiones precursoras de cáncer cervical más comunes fueron ASC-US y LSIL.

Palabras clave:
neoplasias del cuello uterino; Papanicolaou; cambios citológicos; virus del papiloma humano

INTRODUÇÃO

Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA)(11 Brasil. INCA. Instituto Nacional de Câncer. Estimativa 2018, incidência de câncer no Brasil [accessed: 2 April, 2018]. Available at: http://www.inca.gov.br/estimativa/2018/estimativa-2018.pdf.
http://www.inca.gov.br/estimativa/2018/e...
), o câncer do colo do útero, também chamado de câncer cervical, é considerado um problema de saúde pública, principalmente nos países em desenvolvimento - aproximadamente 500.000 novos casos dessa neoplasia são diagnosticados no mundo todo; destes, cerca de um terço vai a óbito. Para o Brasil, estimam-se 16.370 novos casos da doença para cada ano do biênio 2018-2019, ocupando o sétimo lugar no ranking mundial. É o quarto tipo mais comum na população feminina. Em 2012, ocorreram, mundialmente, em torno de 527 mil casos novos; até esta data, cerca de 18 mil novos casos de câncer cervical eram diagnosticados por ano no Brasil, sendo a segunda causa de morte feminina no país(22 Bruni L, Rosas L, Albero G, et al. ICO information centre on HPV and cancer (HPV information centre). Human papillomavirus and related diseases in Brazil. Sum Rep. 2017.).

Analisando a incidência dessa neoplasia por região, a que ocupa o primeiro lugar é a região Nordeste, em uma classificação por 100 mil habitantes. Essa região possui uma taxa bruta de 23,97, seguida pelas regiões Centro-Oeste, Nordeste, Sul e Sudeste(33 Brasil. INCA. Ministério da Saúde/Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Estimativa 2016: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2015. 122 p.).

A principal causa para o câncer cervical resulta da infecção pelos tipos oncogênicos do papilomavírus humano (HPV), um vírus sexualmente transmissível. São 30 tipos de HPV oncogênicos, e os HPV16 e HPV18 são responsáveis por 70% dos cânceres(44 Valenti G, Vitale SG, Tropeal A, Biondil A, Lagana AS. Tumor markers of uterine cervical cancer: a new scenario to guide surgical practice? Updates Surg. 2017; 69(4): 441-9.). Além da infecção, tipo do vírus, carga viral, persistência da infecção, comportamento sexual, uso de anticoncepcionais orais e tabaco, múltiplos partos e outras doenças sexualmente transmissíveis (DST) constituem outros fatores de risco para seu desenvolvimento(55 Chelimo C, Wouldes TA, Cameron LD, Elwood JM. Risk factors for and prevention of human papillomaviruses (HPV), genital warts and cervical cancer. J Infect. 2013; 66(3): 207-17.).

O câncer do colo do útero acomete a parte inferior do útero, que evolui a partir de lesões precursoras. Estas podem ser detectadas em um período de dez a vinte anos e tratadas, impedindo a progressão. No início, essas anormalidades são denominadas displasias, mas com a persistência da infecção e a ausência de detecção, a lesão evolui para câncer(66 Consolaro M, Engler S. Citologia clínica cervicovaginal: texto e atlas. 1 ed. São Paulo: Roca; 2014.

7 Brasil. INCA. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Coordenação de prevenção e vigilância. Divisão de detecção precoce e apoio à organização de rede. Diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do colo do útero. 2 ed rev atual. Rio de Janeiro: Inca; 2016.

8 Pinho AA, Mattos MCFI. Validade da citologia cervicovaginal na detecção de lesões pré-neoplásicas e neoplásicas de colo de útero. J Bras Patol Med Lab. 2002; 38(3): 225-31.
-99 Schiffman M, Castle PE, Jeronimo J, Rodriguez AC, Wacholder S. Human papillomavirus and cervical cancer. Lancet. 2007; 370: 890-907.).

As modificações acometidas no epitélio são detectadas por meio de citopatologia esfoliativa cervical corada pelo método de Papanicolaou, oferecida pelo Sistema Ú;nico de Saúde (SUS); é o instrumento mais utilizado devido a sua simplicidade e seu baixo custo. Esse exame detecta as lesões precursoras antes de se tornarem invasivas, o que possibilita o tratamento adequado e a prevenção do aparecimento da doença(77 Brasil. INCA. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Coordenação de prevenção e vigilância. Divisão de detecção precoce e apoio à organização de rede. Diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do colo do útero. 2 ed rev atual. Rio de Janeiro: Inca; 2016.,1010 Brasil. INCA. Periodicidade de realização do exame preventivo do câncer do colo do útero. Rev Bras Cancerol. 2002; 48(1): 13-5.,1111 Caetano R, Vianna CMM, Thuler LCS, Girianelli VR. Custo-efetividade no diagnóstico precoce do câncer de colo uterino no Brasil. Rev Saúde Coletiva. 2006; 16(1): 99-118.).

O câncer cervical é considerado raro em mulheres até 30 anos por se desenvolver lentamente, e sua incidência aumenta progressivamente até ter seu pico na faixa de 45 a 50 anos de idade(77 Brasil. INCA. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Coordenação de prevenção e vigilância. Divisão de detecção precoce e apoio à organização de rede. Diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do colo do útero. 2 ed rev atual. Rio de Janeiro: Inca; 2016.). Displasia de baixo grau e verrugas genitais são diagnosticadas mais comumente entre 20 e 29 anos; displasia de alto grau, na faixa etária de 30 a 39 anos; e carcinoma invasivo, entre 40 e 49 anos(1212 Long HJ, Laack NI, Gostout BS. Prevention, diagnosis, and treatment of cervical cancer. Mayo Clin Proc. 2007; 82(12): 1566-74.).

OBJETIVO

O objetivo deste estudo foi determinar quais são as alterações citopatológicas em mulheres que realizam o exame de Papanicolaou pelo SUS em um laboratório da cidade de Santa Cruz do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil.

METODOLOGIA

O estudo foi desenvolvido por meio de um delineamento descritivo, retrospectivo, transversal e observacional de exames preventivos citopatológicos. A coleta de dados foi realizada na cidade de Santa Cruz do Sul, um dos principais núcleos da colonização alemã do Rio Grande do Sul. Sua economia está historicamente ligada ao tabaco, sendo considerada a capital mundial do fumo.

Os laudos acessados no Sistema de Informação do Câncer (SISCAN) foram os materiais utilizados para o desenvolvimento desta pesquisa científica. Esse sistema é a versão em plataforma web que integra os Sistemas de Informação do Câncer do Colo do Útero (SISCOLO) e Câncer de Mama (SISMAMA), cujo objetivo é registrar a solicitação de exames citopatológicos e histopatológicos de colo do útero e exames mama, como mamografia, resultados de todos os exames solicitados e seguimento dos exames alterados, além de gerar dados que subsidiem o monitoramento e a avaliação das pacientes.

Foram incluídos no estudo todos os laudos de mulheres que realizaram o exame de Papanicolaou no ano de 2015; nenhum resultado foi excluído. As variáveis referentes à idade e à alteração citopatológica foram selecionadas e analisadas por estatística descritiva, incluindo frequência, média e desvio padrão. As associações entre as variáveis categóricas foram avaliadas pelo teste de qui-quadrado no software SPSS versão 22.0.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) sob o parecer 2.417.763 e o protocolo CAEE 80561817.0.0000.5343, conforme a resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

RESULTADOS

Foram avaliados 2346 laudos de exame citopatológico; a média de idade das mulheres foi de 45,76 (± 13,5) anos e a faixa etária mais frequente, acima de 55 anos (27,2%) (Tabela 1). A realização dos exames demonstrou um aumento proporcional em relação à faixa etária.

Tabela 1
Idade e diagnóstico descritivo do exame citopatológico

Os epitélios encontrados nos laudos mostram que 28,6% das coletas apresentavam somente o epitélio escamoso; 63,2%, epitélio escamoso e glandular; 6%, epitélio escamoso, glandular e metaplásico; 2,1%, epitélio escamoso e metaplásico; e 0,1%, somente epitélio glandular (Tabela 1).

As alterações celulares benignas destacaram-se devido à maior prevalência, com 1469 (62,6%) casos. Dessas alterações, 47,5% foram de inflamação (Tabela 1). Das atipias celulares, a mais frequente foi células escamosas atípicas de significado indeterminado (ASC-US), em 42 laudos (1,8%) (Tabela 1).

Dos laudos analisados quanto à microbiologia, observa-se na Figura que cocos (986) apresentaram maior ocorrência, seguidos por Lactobacillus (767).

FIGURA
Microrganismos encontrados no exame citopatológico

A Tabela 2 expressa a relação entre a faixa etária e os diagnósticos encontrados nos resultados dos exames de Papanicolaou. As alterações celulares tiveram significância estatística quando comparadas com a idade (p = 0,001).

Tabela 2
Comparação da idade com as atipias celulares

DISCUSSÃO

Os resultados revelaram predomínio de mulheres com idade superior a 55 anos submetidas ao exame de Papanicolaou. O Ministério da Saúde orienta que esse exame seja realizado dos 25 aos 64 anos, pois as mulheres nessa faixa etária correm um risco maior de desenvolver as lesões de alto grau. Em relação à média de idade, o presente estudo encontrou o valor de 45,76 anos. Nos trabalhos de Reis et al. (2013)(1313 Reis NROG, Costa AMC, Madi RR, Melo CM. Perfil microbiológico e alterações citológicas associadas em material cervicovaginal coletado em consultório de enfermagem, de 2009 a 2011 em Aracaju/SE. Scientia Plena. 2013; 9(5).), Tuon et al. (2002)(1414 Tuon FFB, Bittencourt MS, Panichi MA, Pinto AP. Avaliação da sensibilidade e especificidade dos exames citopatológico e colposcópico em relação ao exame histológico na identificação de lesões intraepiteliais cervicais. Rev Assoc Med Bras. 2002; 48(2): 140-44.) e Levi et al. (2011)(1515 Levi AW, Harigopal M, Hui P, Schofield K, Chhieng DC. Comparison of affirm VPIII and Papanicolaou tests in the detection of infectious vaginitis. Am J Clin Pathol. 2011; 135: 442-7.), os valores encontrados foram divergentes, com média de 31,4, 30,2 e 33 anos, respectivamente. Valor semelhante foi encontrado no município de Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil, com média de 43,5 anos(1616 Campos AAL, Neve FS, Duque KCD, Leite ICG, Guerra MR, Teixeira MTB. Fatores associados ao risco de alterações no exame citopatológico do colo do útero. Ver Enfermagem Centro-Oeste Mineiro. 2018; 8(2330).).

No que se refere ao epitélio, sabe-se que a rede pública(1717 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Controle dos cânceres do colo do útero e da mama. 2 ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2013. p. 55. Available at: http://dab.saude.gov.br/portaldab/biblioteca.php?conteudo=publicacoes/cab13 [accessed: 20 May, 2018].
http://dab.saude.gov.br/portaldab/biblio...
) não exige a representação dos epitélios escamoso e glandular e/ou metaplásico para considerar o exame adequado. A ausência de um dos epitélios não assegura a inexistência de lesões neoplásicas ou precursoras. Os epitélios encontrados nos laudos, no presente estudo, mostraram que 28,6% apresentavam somente o epitélio escamoso, tendendo para possíveis falso-negativos devido à coleta inadequada. Outra pesquisa(1818 Sousa ACO, Passos FFB, Costa GS, Oliveira FP, Rodrigues TS. Análise das alterações citopatológicas registradas no sistema de informação do câncer de colo do útero em Teresina. Rev Interdisciplinar. 2017; 10(4): 21-30.) também mostrou a ausência de ambos os tipos de epitélios em todos os registros dos laudos, em que o epitélio escamoso representou 80,9% dos casos.

Segundo o Ministério da Saúde(1717 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Controle dos cânceres do colo do útero e da mama. 2 ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2013. p. 55. Available at: http://dab.saude.gov.br/portaldab/biblioteca.php?conteudo=publicacoes/cab13 [accessed: 20 May, 2018].
http://dab.saude.gov.br/portaldab/biblio...
), para conferir a qualidade da coleta, é necessária a presença de células metaplásicas ou endocervicais, representativas da zona de transformação que se relaciona com o câncer do colo uterino. Esta pesquisa apontou que a frequência de exames do epitélio escamoso foi superior à dos epitélios metaplásico e glandular, corroborando os achados de Sousa et al. (2017)(1818 Sousa ACO, Passos FFB, Costa GS, Oliveira FP, Rodrigues TS. Análise das alterações citopatológicas registradas no sistema de informação do câncer de colo do útero em Teresina. Rev Interdisciplinar. 2017; 10(4): 21-30.), em que prevaleceu o epitélio escamoso.

Os testes de Papanicolaou têm sido utilizados secundariamente na detecção de microrganismos. No geral, a microbiota vaginal é composta predominantemente por Lactobacillus sp., mas o ambiente ácido da vagina, reconhecido como importante mecanismo de defesa contra a proliferação de patógenos, pode ser mantido por outros microrganismos que conseguem manter-se isolados na vagina de mulheres saudáveis. Os achados microbiológicos compatíveis com cocos e outros bacilos são considerados achados normais, pois também fazem parte da flora vaginal e não caracterizam infecções que necessitem de tratamento, assim como espécies de Gardnerella e o fungo Candida, que podem existir em 50% das mulheres sem necessariamente causar infecção(1515 Levi AW, Harigopal M, Hui P, Schofield K, Chhieng DC. Comparison of affirm VPIII and Papanicolaou tests in the detection of infectious vaginitis. Am J Clin Pathol. 2011; 135: 442-7.,1919 Linhares IM, Giraldo PC, Baracat EC. Novos conhecimentos sobre a flora bacteriana vaginal. Rev Assoc Med Bras. 2010; 56(3): 370-4.).

Neste estudo, a microbiota detectada nos laudos dos exames Papanicolaou foi representada pela elevada prevalência de Cocos, seguida por Lactobacillos sp. Os bacilos supracitoplasmáticos sugestivos de Gardnerella/Mobiluncus, o fungo Candida sp., o protozoário Trichomonas vaginalis e a bactéria sugestiva de Chlamydia sp. podem ter sido responsáveis pelas inflamações. Um estudo em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) no Ceará também apresentou Cocos como maior ocorrência (49,2%), além de agentes infecciosos, como Gardnerella vaginalis (65%), Candida sp. (23,7%) e Trichomonas vaginalis (5,6%)(1616 Campos AAL, Neve FS, Duque KCD, Leite ICG, Guerra MR, Teixeira MTB. Fatores associados ao risco de alterações no exame citopatológico do colo do útero. Ver Enfermagem Centro-Oeste Mineiro. 2018; 8(2330).).

Os resultados de alterações celulares deste estudo foram semelhantes aos de outros estudos realizados em Aracaju(1313 Reis NROG, Costa AMC, Madi RR, Melo CM. Perfil microbiológico e alterações citológicas associadas em material cervicovaginal coletado em consultório de enfermagem, de 2009 a 2011 em Aracaju/SE. Scientia Plena. 2013; 9(5).) e Teresina(1818 Sousa ACO, Passos FFB, Costa GS, Oliveira FP, Rodrigues TS. Análise das alterações citopatológicas registradas no sistema de informação do câncer de colo do útero em Teresina. Rev Interdisciplinar. 2017; 10(4): 21-30.), nos quais as inflamações foram mais frequentes, com proporções de 84% e 85,5%, respectivamente. As inflamações podem ser causadas pela ação de agentes físicos (radioativos, mecânicos ou térmicos) ou agentes químicos (medicamentos abrasivos, quimioterápicos ou acidez da vagina) sobre o epitélio glandular; ocasionalmente podem ser causadas pelo uso do dispositivo intrauterino (DIU) ou pela presença de patógenos não identificados no exame(77 Brasil. INCA. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Coordenação de prevenção e vigilância. Divisão de detecção precoce e apoio à organização de rede. Diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do colo do útero. 2 ed rev atual. Rio de Janeiro: Inca; 2016.).

Ao avaliar as alterações dos exames citopatológicos do colo do útero realizados pelo laboratório no ano de 2015, observou-se maior frequência de ASC-US, em 1,8% de todos os resultados analisados; lesão intraepitelial de baixo grau (LSIL) em 0,6%; células escamosas atípicas, não sendo possível excluir lesão intraepitelial escamosa de alto grau (ASC-H) em 0,2% e lesão intraepitelial de alto grau (HSIL) em 0,1%. Já em pesquisa semelhante realizada em 2014 no Paraná(2020 Menetrier JV, Boing A, Medeiros KA. Alterações citopatológicas do colo uterino em mulheres atendidas na 8ª Regional de Saúde do Paraná no ano de 2014. Ver Saúde Pública Paraná, Londrina. 2016; 17(2): 169-77. J Bras Doen Sex Trans. 2012; 24(3): 167-70.), de 1022 laudos com alterações, ASC-US e/ou LSIL foram encontrados em 81,1%; ASC-H, em 9,3% e HSIL, em 8,3% dos laudos. Em um estudo em Uruguaiana(2121 Sthoher DJ, Aramburu TDB, Abad MAS, Nunes VT, Manfredini V. Perfil citopatológico de mulheres atendidas nas unidades básicas do município de Uruguaiana, RS. J Bras Doenças Sex Trans. 2012; 24(3): 167-70.), observou-se predomínio de ASC-US e LSIL, representando, respectivamente, 987 (50,28%) e 696 (35,45%) pacientes.

As alterações de células escamosas de acordo com a Classificação Citológica Brasileira podem ser divididas em ASC-US e ASC-H. A frequência do diagnóstico citológico de ASC-US varia de 1,6% a 9%; recomenda-se que esse valor não ultrapasse duas ou três vezes a frequência de LSIL(2222 Lodi CTC, Lima MIM, Meira HRC, et al. Células escamosas atípicas cervicais: conduta clínica. Rev Femina.2012; 40(1).). Cerca de 20% a 40% das pacientes com diagnóstico de ASC-US terão alguma neoplasia associada; em cerca de 5% a 15%, essa associação será com a HSIL. Embora seja evento raro, o esfregaço com diagnóstico de ASC-US pode estar associado à presença de um câncer oculto em cerca de 0,1%(2323 Sampaio Jr CA, Lima LR, Silva ILC. Células escamosas atípicas de significado indeterminado: revisão da literatura. Rev Inter Ciências e Saúde. 2017; 4(1).).

ASC-H, apesar de menos frequente, tem maior associação com o desenvolvimento de HSIL. Cytryn (2008)(2424 Cytryn A. Risco de lesão intraepitelial escamosa de alto grau e câncer cervical nas pacientes com diagnóstico citológico de células escamosas [dissertation]. Fundação Oswaldo Cruz, Instituto Fernandes Figueira, Rio de Janeiro; 2008.) mostrou que a prevalência de HSIL na citologia ASC-H de pacientes encaminhadas do SUS foi de 19,29% [intervalo de confiança (IC) 95% 9,05%-29,55%] e relatou que a possibilidade de doença de alto grau foi maior entre as pacientes com citologia ASC-H em comparação com aquelas com citologia ASC-US.

O HPV é o principal fator de desenvolvimento para o câncer cervical, sendo encontrado em mais de 85% das neoplasias intraepiteliais cervicais de alto grau, consideradas precursoras do câncer do colo do útero. Para os casos de adenocarcinoma, a prevalência do HPV fica em torno de 90%(2020 Menetrier JV, Boing A, Medeiros KA. Alterações citopatológicas do colo uterino em mulheres atendidas na 8ª Regional de Saúde do Paraná no ano de 2014. Ver Saúde Pública Paraná, Londrina. 2016; 17(2): 169-77. J Bras Doen Sex Trans. 2012; 24(3): 167-70.). Neste estudo, foram evidenciados apenas três casos das lesões de alto grau e três casos de lesão de baixo grau.

Com base em um estudo retrospectivo(2525 Wright JD, Davila RM, Pinto KR, et al. Cervical dysplasia in adolescents. Obstetr Ginecol. 2005; 106(1).) de 532 adolescentes de 12 a 18 anos com LSIL (477) e HSIL (55), foi observada a progressão do câncer. A pesquisa mostrou que das pacientes analisadas previamente com LSIL, 35% tiveram achados negativos no seguimento; 47%, lesões de baixo grau e 18%, lesões de alto grau. Após acompanhamento por três anos, 62% regrediram a doença; 7% persistiram com a neoplasia e 31% evoluíram o quadro. Das pacientes com HSIL inicialmente, 22% tiveram achados negativos no seguimento; 27%, LSIL e 51%, HSIL. A progressão para neoplasia intraepitelial cervical confirmada por biópsia ocorreu em 31% após acompanhamento durante três anos.

Uma análise retrospectiva realizada com 230 casos de pacientes previamente diagnosticadas com lesões cervicais de baixo grau a carcinoma cervical escamoso, durante cinco anos, apontou que 20,7% dessas lesões regrediram espontaneamente, 48,9% persistiram e 30,4% progrediram. Os casos de regressão espontânea apresentaram HPV de baixo risco (6/11) em 68,4% das lesões; os casos persistentes e progressivos apresentaram tipos de alto risco. Os tipos de HPV oncogênicos (16/18) foram fortemente associados à progressão, enquanto os tipos de HPV 31/33/35 não apresentaram correlação significativa(2626 Cavalcanti SMB, Deus FCC, Zardo LG, Frugulhetti ICPP, Oliveira LHS. Human papillomavirus infection and cervical cancer in Brazil: a retrospective study. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz. 1996; 91(4).).

CONCLUSÃO

As alterações citopatológicas encontradas em mulheres que realizaram o exame de Papanicolaou pelo SUS, em um laboratório de Santa Cruz do Sul, foram alterações celulares benignas, com prevalência de inflamação. As lesões precursoras do câncer cervical mais encontradas foram ASC-US e LSIL.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2019

Histórico

  • Recebido
    06 Set 2018
  • Aceito
    05 Dez 2018
  • Publicado
    20 Jun 2019
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