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Receptores de progesterona e estradiol e Ki-67 no estroma e no epitélio de endometriose superficial e profunda

RESUMO

Introdução:

Endometriose é doença hormônio-dependente caracterizada pela presença ectópica de tecido endometrial responsivo aos esteroides ovarianos. O estrogênio e a progesterona são os principais reguladores do tecido endometrial, e a expressão de receptores desses hormônios no tecido ectópico parece ter relação com a fisiopatologia da doença. O Ki-67 é um marcador de proliferação tecidual e importante sinalizador da cinética epitelial. A endometriose pode ser classificada em superficial e profunda, atingindo ligamentos e outros órgãos.

Objetivo:

O objetivo deste estudo foi analisar a expressão dos receptores de estrógeno e progesterona e Ki-67, por meio de imuno-histoquímica em endometriose superficial peritoneal/ovariana e endometriose infiltrativa profunda.

Casuística e métodos:

Estudamos nove casos, cinco de endometriose superficial e quatro de endometriose profunda. A correlação estatística foi efetuada com os testes de Shapiro-Wilk (nível de significância 5%) e a análise de correlação linear, pelo teste não paramétrico de Spearman (1% de significância). Houve correlação de Spearman entre a variável receptor de estrogênio (RE) e Ki-67 em pacientes com endometriose superficial e entre as variáveis RE e receptor de progesterona (RP) em pacientes com endometriose profunda.

Resultados:

Ao contrário do que foi encontrado para endometriose superficial, há o aumento linear das variáveis, com coeficiente de correlação forte e positivo. Isso demonstra que a variação dos receptores para estrogênio pode ser explicada em 99,1% pela mesma variação dos RP na endometriose profunda.

Conclusão:

É possível inferir que estejam envolvidos outros fatores nas diferentes respostas hormonais para endometriose superficial e profunda.

Unitermos:
endometriose; receptores estrogênicos; receptores de progesterona; antígeno Ki-67

ABSTRACT

Introduction:

Endometriosis is a hormone-dependent disease characterized by ectopic presence of endometrial tissue responsive to ovarian steroids. Estrogen and progesterone are the main regulators of endometrial tissue, and the expression of receptors of these hormones in the ectopic tissue seems to be related to the pathophysiology of the disease. Ki-67 is a marker of tissue proliferation and an important marker of epithelial kinetics. Endometriosis can be classified as superficial, in the peritoneum, and deep, when it extends into ligaments and other organs.

Objective:

Our objective was to analyze the expression of estrogen and progesterone receptors and Ki-67, through immunohistochemistry, in different sites of endometriosis tissues (superficial peritoneal/ovarian endometriosis and deep infiltrating endometriosis).

Casuistic and methods:

We studied nine patients; five with superficial and four with deep endometriosis. Statistical correlation was performed with the Shapiro-Wilk test (significance level of 5%) and linear correlation analysis using Spearman’s non-parametric test (significance of 1%). There was a correlation of Spearman between the estrogen receptor variable and Ki-67 in patients with superficial endometriosis. There was also a correlation between the variables estrogen receptor and progesterone receptor in patients with deep endometriosis.

Results:

Contrary to what was found for superficial endometriosis, there is linear increase of the variables, with a strong and positive correlation coefficient. This demonstrates that the variation of estrogen receptors can be explained in 99.1% by the same variation of progesterone receptors in deep endometriosis.

Conclusion:

It is possible to infer that other factors are involved in the response to hormonal variations for superficial and deep endometriosis.

Key words:
endometriosis; estrogen receptors; progesterone receptors; Ki-67 antigen

RESUMEN

Introducción:

Endometriosis es una enfermedad dependiente de hormonas que se caracteriza por la presencia ectópica de tejido endometrial sensible a los esteroides del ovario. El estrógeno y la progesterona son los principales reguladores del tejido endometrial, y la expresión de receptores de esas hormonas en el tejido ectópico parece tener conexión con la fisiopatología de la enfermedad. El Ki-67 es un marcador de proliferación tisular y de la cinética epitelial. La endometriosis puede ser clasificada en superficial y profunda, alcanzando ligamentos y otros órganos.

Objetivo:

El objetivo de este estudio fue analizar la expresión de los receptores de estrógeno y progesterona y Ki-67, mediante inmunohistoquímica en endometriosis superficial peritoneal/ ovárica y endometriosis infiltrativa profunda.

Casuística y métodos:

Estudiamos nueve casos: cinco de endometriosis superficial y cuatro de endometriosis profunda. La correlación estadística fue realizada con el test de Shapiro-Wilk (nivel de significación del 5%), y el análisis de correlación linear, por la prueba no paramétrica de Spearman (nivel de significación del 1%). Hubo correlación de Spearman entre la variable receptor de estrógeno (RE) y Ki-67 en pacientes con endometriosis superficial, y entre las variables RE y receptor de progesterona (RP) en pacientes con endometriosis profunda.

Resultados:

Al contrario de lo que se ha encontrado para endometriosis superficial, hay aumento lineal de las variables, con coeficiente de correlación fuerte e positivo. Eso demuestra que la variación de los receptores para estrógeno puede ser explicada en el 99,1% por la misma variación de los RP en la endometriosis profunda.

Conclusión:

Es posible deducir que otros factores estén involucrados en las diferentes respuestas hormonales para endometriosis superficial y profunda.

Palabras clave:
endometriosis; receptores estrogénicos; receptores de progesterona; antígeno Ki-67

INTRODUÇÃO

Endometriose é uma condição recorrente crônica, estrogênio- -dependente, de etiologia multifatorial, caracterizada pela presença ectópica de tecido endometrial que responde a esteroides ovarianos(11 Nogueira AA. Endometriose. 2013. Available at: http://disciplinas.stoa.usp.br/pluginfile.php/63950/mod_resource/content/1/comodiagnosticaretratarendometriose.pdf. [Access on: 1 Feb, 2018].
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,22 Samartzis N, Samartzis EP, Noske A, et al. Expression of the G protein-coupled estrogen receptor (GPER) in endometriosis: a tissue microarray study. Reprod Biol Endocrinol. 2012; 10(1): 30-8.). É identificada histologicamente pelos achados de células epiteliais glandulares do endométrio acompanhadas por estroma endometrial responsivo a esteroides ovarianos em maior ou menor proporção(33 Attia GR, Zeitoun K, Edwards D, Johns A, Carr BR, Bulun SE. Progesterone receptor isoform A but not B is expressed in endometriosis. J Clin Endocrinol Metab. 2000; 85(8): 2897-902..

Esse endométrio funcional em regiões extrauterinas ocorre principalmente nas estruturas adjacentes ao útero (peritônio pélvico e ovários), mas também em estruturas não contíguas aos óstios tubários, como na intimidade do ligamento uterossacro, no septo retovaginal e, mais raramente, a distância em locais diversos, como pericárdio, pleura e sistema nervoso central(44 Bulun SE, Monsavais D, Pavone ME, et al. Role of estrogen receptor-ß in endometriosis. Semin Reprod Med. 2012; 30(1): 39-45..

Nisolle & Donnez (1997)(55 Nisolle M, Donnez J. Peritoneal endometriosis, ovarian endometriosis, and adenomyotic nodules of the rectovaginal septum are three different entities. Fertil Steril. 1997; 68(4): 585-96. apresentaram a possibilidade de classificar a endometriose em três formas, do ponto de vista da etiopatogenia e das manifestações clínicas: endometriose peritoneal superficial (EPS), endometriose ovariana e endometriose infiltrativa profunda (EIP). Essa proposta se baseia nas hipóteses que explicam o desenvolvimento da doença e suas peculiaridades clínicas e epidemiológicas. A EPS é a forma mais superficial, surge na forma de lesões sobre a membrana peritoneal, cujo aspecto varia de focos hemorrágicos, castanhos ou escuros, a pontos em que ocorre a reabsorção local do peritônio; os diferentes aspectos clínicos correspondem a diferentes fases evolutivas da endometriose peritoneal(55 Nisolle M, Donnez J. Peritoneal endometriosis, ovarian endometriosis, and adenomyotic nodules of the rectovaginal septum are three different entities. Fertil Steril. 1997; 68(4): 585-96.. A endometriose ovariana se apresenta na forma de cistos com volumes variados denominados endometriomas; implantes superficiais também podem ocorrer no ovário, assemelhando-se aos do peritônio(55 Nisolle M, Donnez J. Peritoneal endometriosis, ovarian endometriosis, and adenomyotic nodules of the rectovaginal septum are three different entities. Fertil Steril. 1997; 68(4): 585-96..

A EIP afeta aproximadamente 20% a 35% das pacientes com endometriose. Define-se pela presença de implantes endometriais que infiltram as estruturas com mais de 5 mm profundidades, geralmente envolvendo ligamentos uterossacros, septo retovaginal, músculos adjacentes ao útero e/ou invadindo os órgãos pélvicos(66 Martinho MSL. Papel da imaginologia na avaliação diagnóstica da endometriose profunda. AOGP; 2010; 9(2): 1-12.. Existem muitas dúvidas se essas formas clínicas da endometriose são, efetivamente, aspectos distintos da mesma doença(77 Koninckx PR, Ussia A, Keckstein J, Wattiez A, Adamyan L. Epidemiology of subtle, typical, cystic, and deep endometriosis: a systematic review. Gynecol Surg. 2016; 13: 457-67. Doi: 10.1007/s10397-016-0970-4.
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.

A endometriose do septo retovaginal é uma das formas mais severas de EIP(77 Koninckx PR, Ussia A, Keckstein J, Wattiez A, Adamyan L. Epidemiology of subtle, typical, cystic, and deep endometriosis: a systematic review. Gynecol Surg. 2016; 13: 457-67. Doi: 10.1007/s10397-016-0970-4.
https://doi.org/10.1007/s10397-016-0970-...
. A endometriose que atinge o reto, a que infiltra a bexiga e a adenomiose são também exemplos de EIP(88 Abrão MS, Neme RM, Averbach M. Endometriose de septo reto-vaginal: doença de diagnóstico e tratamento especí?cos. Arq Gastroenterol. 2003; 40(3): 192-7..

Estrogênio e progesterona são os principais reguladores do tecido endometrial. Estima-se que cada um desses hormônios regule a expressão de milhares de genes, determinando as modificações endometriais características do ciclo menstrual, por meio da ligação e da interação com os seus respectivos receptores(22 Samartzis N, Samartzis EP, Noske A, et al. Expression of the G protein-coupled estrogen receptor (GPER) in endometriosis: a tissue microarray study. Reprod Biol Endocrinol. 2012; 10(1): 30-8.. O tecido endometrial ectópico dos focos de endometriose e o endométrio tópico respondem a esses hormônios com modificações histofuncionais peculiares, pois ambos os tecidos endometriais (tópico e ectópico) contêm receptores de progesterona (RP) e de estrógeno (RE)(99 Eleuterio Jr J, Cavalcante DIM, Ferreira FVA, Medeiros FC. Receptores de estrógeno e progesterona em células do sedimento de ?uido peritoneal na endometriose pélvica: estudo imunocitoquímico. Rev Bras Ginecol Obstet. 2001; 23(2): 83-6.. Os RE executam um papel importante na sobrevivência e na manutenção desses tecidos, mediando a ação estrogênica. Apresenta duas isoformas: o RE alfa e o RE beta, aparentemente com estruturas e funcionalidades diferentes. Segundo estudos, os RE beta aparecem em maior quantidade nos tecidos endometrióticos, quando comparados com tecidos endometriais tópicos, e estão ligados a altos níveis de ciclo-oxigenase-2 (COX-2) e à síntese de prostaglandinas na endometriose, que causam dor pélvica crônica(22 Samartzis N, Samartzis EP, Noske A, et al. Expression of the G protein-coupled estrogen receptor (GPER) in endometriosis: a tissue microarray study. Reprod Biol Endocrinol. 2012; 10(1): 30-8..

As ações da progesterona são mediadas pela sua interação com seu receptor, que também pode ser expresso em duas isoformas: RP-A e RP-B. Essas isoformas são transcritas a partir do mesmo gene, mas possuem diferentes promotores, os quais conferem atividades distintas de transcrição. Embora suas funções exatas ainda não estejam totalmente esclarecidas, o RP-B parece ser um potente ativador de genes-alvo da progesterona, enquanto o RP-A parece atuar como repressor dominante do RP-B, além de diminuir a resposta de outros hormônios esteroidais, como os andrógenos e os estrógenos(1010 Blaustein A. Pelvic endometriosis. In: Blaustein A. Pathology of the female genital tract. 2 ed. New York: Springer Science Business Media, LCC; 1982. Chap. 19, p. 464-78.. O estradiol atua no endométrio e nas células estromais, estimulando o gene PR a transcrever proteínas que formam os receptores de progesterona; dessa forma, torna o endométrio responsivo à ação da progesterona. No entanto, o RP em ácido ribonucleico mensageiro (mRNA) e as proteínas não são elevados na biópsia de tecidos endometrióticos, que são constantemente expostos a altos níveis de estrogênio. Isso indica que, na endometriose, a ação do gene PR em resposta ao estradiol é altamente atenuada. Consequentemente, os altos níveis de estradiol e o aumento do RE beta parecem suprimir a expressão de RE alfa(1010 Blaustein A. Pelvic endometriosis. In: Blaustein A. Pathology of the female genital tract. 2 ed. New York: Springer Science Business Media, LCC; 1982. Chap. 19, p. 464-78..

Apesar de os receptores hormonais de estrógeno e progesterona serem comumente expressos tanto nos tecidos endometriais tópicos quanto nos focos endometriais ectópicos(11 Nogueira AA. Endometriose. 2013. Available at: http://disciplinas.stoa.usp.br/pluginfile.php/63950/mod_resource/content/1/comodiagnosticaretratarendometriose.pdf. [Access on: 1 Feb, 2018].
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, o conhecimento acerca da influência desses receptores na progressão da endometriose ainda não está completamente claro, portanto, estudos futuros podem trazer importantes contribuições para o tratamento da doença. Essa distinção de ações e efeitos dos esteroides em diferentes topografias da endometriose pode contribuir para o seguinte entendimento: se são doenças efetivamente distintas sob o ponto de vista da etiopatologia e da evolução clínica.

A cinética epitelial pode ser avaliada por meio de alguns marcadores histológicos, como índice de apoptose, expressão da topoisomerase 2-α (TOP2A), p53, c-erb2 e Ki-67. Bassi et al. (2015)(1111 Bassi MA, Arias V, D'Amico-Filho N, Gueleuvonian-Silva BY, Abrão MS, Podgaec C. Deep invasive endometriosis lesions of the rectosigmoid may be related to alterations in cell kinetics. Reprod Science. 2015; 22(9): 1122-8.) compararam a ocorrência desses marcadores no epitélio endometrial tópico e na EIP e observaram que houve correlação entre o tamanho das lesões e o turnover celular. Embora o índice de apoptose seja semelhante nos dois grupos, a expressão de TOP2A foi menor no grupo com endometriose do que no controle.

O Ki-67 é um bom marcador da proliferação epitelial e sua expressão em tecido endometriótico parece sofrer os efeitos dos esteroides ovarianos, pois é superestimulado em pacientes submetidos à hiperestímulação ovariana para os processos de fertilização in vitro(1212 Anaf V, Simon P, El Nakadl I, et al. Relationship between endometriotic foci and nerves in rectovaginal endometriotic nodules. Hum Reprod. 2000; 15(8): 1744-50.,1313 Mendonça M, de Paula LB, Moro L, et al. Apoptose no endométrio humano e endometriose. J Bras Med. 2013; 101(6): 11-5.).

Alguns estudos discutiram a presença e as concentrações de RE e RP em fragmentos de endometriose superficial e profunda. Entretanto, não encontramos nenhum estudo que comparasse as concentrações desses receptores em diferentes pontos do epitélio.

Portanto, ficamos interessados em analisar a expressão de RE e RP, bem como a do Ki-67, nos diferentes sítios de endometriose, comparando especificamente a endometriose peritoneal/ovariana com a endometriose profunda no septo retovaginal nas porções estromal e epitelial.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Casuística

Vinte e quatro casos foram analisados: 19 eram de endometriose superficial e cinco, de endometriose profunda. Selecionamos lâminas com maior quantidade de material e tecidos mais íntegros, de modo que fosse possível realizar a imuno-histoquímica. As amostras foram pareadas pela idade das pacientes, conforme os diferentes locais de acometimento da endometriose. Elas foram armazenadas no laboratório de patologia (Laboratório Stecca de Patologia e Citologia de Sorocaba) e pertenciam a pacientes submetidos a cirurgias. Os critérios de inclusão foram: diagnóstico de EPS ou EIP e existência de material suficiente em blocos de parafina para a pesquisa dos receptores de estradiol, progesterona e Ki-67. Os critérios de exclusão foram: não caracterização do local comprometido por endometriose, material inadequado para o estudo imuno-histoquímico e presença de doença neoplásica maligna concomitante. Após a seleção do material e a aplicação dos critérios de inclusão/exclusão, nove casos foram selecionados. O estudo foi iniciado apneas após o parecer positivo do Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE 55511616.9.0000.5373).

Métodos

Dosagem de receptores

A técnica de imuno-histoquímica que usa anticorpos monoclonais específicos para RE e RP tem a vantagem de exigir uma pequena quantidade de tecido que possa ser fixado e embebido em parafina(1414 Kamergorodsky G, Ribeiro PAA, Galvão MAL, et al. Avaliação da classi?cação histológica da endometriose observada em implantes de mulheres portadoras de endometriose pélvica super?cial e profunda. Rev Bras Ginecol Obstet. 2007; 29(11): 568-674.). Os blocos de parafina foram processados e as lâminas encaminhadas para recuperação antigênica. Cada lâmina foi registrada no IntelliPATH (Biocare Medical, USA), um equipamento automatizado para reação imuno-histoquímica. O controle negativo consistiu em uma lâmina do mesmo tecido analisado, na qual o anticorpo primário foi substituído por albumina sérica salina-bovina tamponada com proteína (PBS-BSA).

Interpretação da imuno-histoquímica

A presença de RE e RP foi cegamente realizada por um dos autores. Avaliamos quantitativamente o número de núcleos marcados. Optamos por realizar a contagem em três diferentes campos, na porção epitelial e estromal das amostras, com avaliação final dada pela média das três contagens para cada local. Os campos de interesse foram escolhidos em baixa magnificação. Com a lente objetiva de 40×, a expressão do marcador foi verificada nos núcleos corados, após a avaliação de 100 células em cada campo escolhido.

Método estatístico

Para a análise inferencial, inicialmente, as análises de normalidade das variáveis foram verificadas pelo teste de Shapiro- Wilk (significância de 5%). Posteriormente, a correlação linear foi medida pelo teste não paramétrico de Spearman (1% de significância); análise de regressão linear foi realizada para correlações significativas. Para a análise estatística dos dados e dos gráficos, os softwares Excel, IBM SPSS estatistics versão 22, 2013 foram utilizados.

RESULTADOS

Os casos de EPS (cinco pacientes) envolviam peritônio e ovários, enquanto os casos de EIP (quatro pacientes) foram encontrados em ligamento uterossacro, retossigmoide e redondo. Buscamos caracterizar separadamente a expressão de RE, RP e Ki-67, nas porções glandular e estromal das amostras (Tabela).

TABELA
Análise descritiva percentual das variáveis RE, RP e Ki-67 em EPS e EIP nas porções glandular e estromal

De acordo com a análise dos coeficientes de variação, todas as variáveis são heterogêneas, pois seu coeficiente é maior que 20%. Nessa análise, observou-se alta variação (acima de 100%) para as variáveis Ki-67 estromal e glandular em EPS e EIP na porção glandular; para RE na porção glandular e RP nas porções glandular e estromal na EIP. Todas essas variáveis apresentaram valores mínimos iguais a zero. Não detectados outliers nas variáveis analisadas.

A partir da análise da normalidade das variáveis pelo teste de Shapiro-Wilk a 5% de significância, conclui-se que todas as variáveis não são distribuídas conforme a variável normal. Assim, para a análise de correlação, utilizou-se o teste não paramétrico de Spearman a 1% de significância. Tomou-se precaução para correlacionar as variáveis RE, RP e Ki-67 em paciente com EPS e, posteriormente, com EIP. Houve correlação de Spearman (α = 0,01) entre as variáveis RE em pacientes com EPS e Ki-67 (r = -0,975, p = 0,005). Isso demonstra que, nessa forma de endometriose, com o aumento de RE, ocorre a diminuição do Ki-67 e vice-versa, com forte correlação negativa. Pela regressão linear dos dados, obteve-se a equação de reta y=5,940,1×, onde Ki-67 é a variável y independente e os RE em EPS, a variável dependente, com r2 = 0,638. Esses dados mostram que a variação da variável Ki-67 pode ser explicada em 63,8% pela variação da variável RE na EPS.

Também houve correlação entre as variáveis RE e RP em pacientes com EIP, com r = 0,996 (p = 0,004). Ao contrário do que foi encontrado para a EPS, há um aumento linear das variáveis, com coeficiente de correlação forte e positivo. Pela regressão linear dos dados, obteve-se a equação de reta y=16,65+1,01×, onde y é a variável independente RE em EIP e os RP, a variável dependente, com r2 = 0,991. Isso demonstra que a variação dos RE pode ser explicada em 99,1% pela mesma variação dos RP na EIP.

De acordo com a análise da normalidade das variáveis pelo teste de Shapiro-Wilk, com 5% de significância, as variáveis não foram distribuídas normalmente. Conforme a análise de correlação linear para variáveis não paramétricas, não houve correlações significativas.

DISCUSSÃO

Considerando que alguns estudos mostraram diferentes funções relacionadas com o estroma e a glândula na gênese da endometriose, buscamos quantificar separadamente cada um desses componentes do tecido endometriótico(1414 Kamergorodsky G, Ribeiro PAA, Galvão MAL, et al. Avaliação da classi?cação histológica da endometriose observada em implantes de mulheres portadoras de endometriose pélvica super?cial e profunda. Rev Bras Ginecol Obstet. 2007; 29(11): 568-674..

Em um estudo realizado por Kamergorodsky et al. (2007)(1414 Kamergorodsky G, Ribeiro PAA, Galvão MAL, et al. Avaliação da classi?cação histológica da endometriose observada em implantes de mulheres portadoras de endometriose pélvica super?cial e profunda. Rev Bras Ginecol Obstet. 2007; 29(11): 568-674., as endometrioses superficial e profunda apresentaram diferenças morfológicas significativas entre si, além da relação entre a localização da endometriose e o grau de diferenciação celular.

É importante estudar RE e RP devido à intensa influência desses hormônios nos tecidos endometrial tópico e endometriótico. Sabe-se que o estrogênio estimula a proliferação das células epiteliais uterinas e a progesterona inibe essa ação estrogênica; e na endometriose há resistência à ação da progesterona e prevalência de ação estrogênica(1515 Zanatta A, Pererira RM, Rocha AM, et al. The relationship among HOXA10, estrogen receptor, progesterone receptor, and progesterone receptor B proteins in rectosigmoid endometriosis: a tissue microarray study. Reprod Sciences. 2015; 22(1): 31-7.. No entanto, essa resistência à ação da progesterona não implica necessariamente menor quantidade de RP.

Signorele et al. (2009)(1616 Signorile PG, Campioni M, Vincenzi B, D'Avino A, Baldi A. Rectovaginal septum endometriosis: an immunohistochemical analysis of 62 cases. In vivo. 2009; 23: 459-64.) estudaram casos de endometriose profunda no septo retovaginal e encontraram porcentagens muito semelhantes para a expressão desses receptores: a presença de RE variou de 0% a 93%, enquanto a de RP, de 0% a 94%. Samartzis et al. (2012)(22 Samartzis N, Samartzis EP, Noske A, et al. Expression of the G protein-coupled estrogen receptor (GPER) in endometriosis: a tissue microarray study. Reprod Biol Endocrinol. 2012; 10(1): 30-8.) também encontraram níveis variáveis de expressão de RE alfa e RP na endometriose peritoneal, ovariana e adenomiose. Além disso, o tratamento clínico da endometriose baseia-se na administração exógena de progestágenos que só são capazes de exercer sua ação devido à presença de RPs em quantidade significativa(1717 Yoo JN, Sheen H, Kim TH, et al. CRISPLD2 is a target of progesterone receptor and its expression is decreased in women with endometriosis. PLoS One. 2014; 9(6): 1-11..

Existem poucos artigos sobre a expressão de RE e RP na endometriose profunda, e nenhum estudo foi encontrado comparando os receptores presentes na endometriose superficial e profunda. O conhecimento atual sobre a ação dos RE e RP na endometriose advém de estudos sobre endometriose superficial.

Em nossos casos, observamos que na EPS, os RE não se associaram ao incremento do marcador de cinética epitelial Ki-67, achados estatisticamente significativos, mas restritos a essa forma de endometriose. Não tivemos os mesmos achados para pacientes com endometriose profunda.

Zanatta et al. (2015)(1515 Zanatta A, Pererira RM, Rocha AM, et al. The relationship among HOXA10, estrogen receptor, progesterone receptor, and progesterone receptor B proteins in rectosigmoid endometriosis: a tissue microarray study. Reprod Sciences. 2015; 22(1): 31-7.) e Samartiz et al. (2012)(22 Samartzis N, Samartzis EP, Noske A, et al. Expression of the G protein-coupled estrogen receptor (GPER) in endometriosis: a tissue microarray study. Reprod Biol Endocrinol. 2012; 10(1): 30-8.) estudaram a expressão de RE e RP em EIP e encontraram forte expressão de RE e RP no tecido glandular e estromal. Tais achados contradizem os da literatura, cujos estudos analisaram apenas casos de endometriose superficial e concluíram que a expressão de RE era fraca ou ausente. Essa divergência nos achados da endometriose superficial e profunda parece sugerir que a fisiopatologia desses dois tipos de endometriose é diferente, ou talvez os hormônios e seus receptores possam ter ações distintas em diferentes ambientes(1515 Zanatta A, Pererira RM, Rocha AM, et al. The relationship among HOXA10, estrogen receptor, progesterone receptor, and progesterone receptor B proteins in rectosigmoid endometriosis: a tissue microarray study. Reprod Sciences. 2015; 22(1): 31-7..

Outro marcador estudado pela imuno-histoquímica neste trabalho foi o Ki-67, amplamente utilizado como marcador de proliferação celular. A literatura descreve que ele é encontrado em menores níveis no tecido endometriótico, em comparação com o endométrio proliferativo(1818 Anaf V, El Nakadi, Simon P, et al. Sigmoid endometriosis and ovarian stimulation: case reports. Hum Reprod. 2000; 15(4): 790-4..

Calcagno et al. (2011)(1919 Calcagno A, Grassi T, Mariuzzi L, et al. Expression patterns of aurora A and B kinases, Ki-67 and the estrogen and progesterone receptors determined using an endometriosis tissue microarray model. Hum Reprod; 2011; 26(10): 2731-41.) constataram que o Ki-67 foi expresso em níveis mais elevados no endométrio proliferativo do que nos tecidos endometrióticos e no endométrio secretório. Esse marcador também é maior nos tecidos endometrióticos não ovarianos, quando comparados com a endometriose de ovário. Também foi possível observar uma expressão mais baixa de Ki-67 na endometriose de ovário do que em tecido endometriótico de outra localização.

Receptores hormonais, por via de regra, são expressos em menor quantidade no endométrio ectópico do que no endométrio tópico e expressos em menor nível na endometriose de ovário do que na endometriose de localização não ovariana, bem como no endométrio proliferativo do que no secretório. Essa diferença de receptores em endometriose de tecido ovariano e não ovariano pode ser explicada pela influência dos esteroides ovarianos sobre a endometriose de ovário, o que promoveria a regulação negativa dos receptores no tecido endometriótico ovariano por meio de ação parácrina de hormônios ovarianos(1919 Calcagno A, Grassi T, Mariuzzi L, et al. Expression patterns of aurora A and B kinases, Ki-67 and the estrogen and progesterone receptors determined using an endometriosis tissue microarray model. Hum Reprod; 2011; 26(10): 2731-41..

Neste estudo, observou-se que a EIP apresentava maior quantidade de células indiferenciadas, portanto, com maior capacidade de invasão de tecidos, enquanto a EPS apresentava células bem diferenciadas. Nossos achados foram compatíveis com os dados da literatura, pois, no presente estudo, avaliamos a presença de RE, RP e marcador Ki-67; eles foram efetivamente detectados com valores estatisticamente significativos nas formas de endometriose profunda. Tais achados poderiam explicar os motivos que levam a EIP a manifestar quadros mais agressivos e a ter menor resposta à terapêutica hormonal(88 Abrão MS, Neme RM, Averbach M. Endometriose de septo reto-vaginal: doença de diagnóstico e tratamento especí?cos. Arq Gastroenterol. 2003; 40(3): 192-7..

Acreditamos que os nossos resultados são importantes, pois sugerem que realmente existem diferenças do ponto de vista da ação hormonal e da cinética celular em endometriose superficial e profunda, o que corrobora estudos anteriores, que apresentam condições mórbidas semelhantes, mas com populações e evolução natural diferentes. É necessário, portanto, a ampliação de nossa casuística para confirmar as tendências observadas em nosso estudo.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    17 Maio 2019
  • Revisado
    20 Ago 2019
  • Aceito
    20 Ago 2019
  • Publicado
    03 Mar 2020
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