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Avaliação dos indicadores de qualidade dos exames citopatológicos do colo do útero realizados em um município do Paraná, Brasil

RESUMO

Introdução:

Ainda que critérios e recomendações estejam bem definidos para melhoria da qualidade do exame citopatológico no Brasil, os indicadores de qualidade de vários laboratórios apresentam-se abaixo dos padrões recomendados. Objetivo: Avaliar os indicadores de qualidade dos exames citopatológicos do colo do útero realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Método:

Estudo transversal com base nos resultados dos exames citopatológicos realizados no município de Cascavel, Paraná, Brasil, de janeiro de 2012 a dezembro de 2018. Foram incluídos 141.191 exames; as seguintes variáveis foram analisadas: adequabilidade da amostra, resultado do exame citopatológico e indicadores de monitoramento interno da qualidade recomendados pelo Ministério da Saúde.

Resultados:

A porcentagem de exames insatisfatórios não ultrapassou 0,97%. A representação da junção escamocolunar variou de 63% a 67,4%. A porcentagem de exames alterados entre as amostras satisfatórias variou de 0,46% a 6,44%. O índice de positividade variou de 0,46% a 6,44%, enquanto o indicador lesão intraepitelial de alto grau/satisfatórios, de 0,21% a 1,06%; atipias escamosas de significado indeterminado/alterados, de 22,47% a 49,93%; atipias escamosas de significado indeterminado/satisfatórios, de 0,1% a 2,57%; e razão atipias escamosas de significado indeterminado/lesões intraepiteliais escamosas, de 0,31 a 1,02.

Conclusão:

Em 2012 e 2013, os indicadores de lesão intraepitelial de alto grau/satisfatórios e índice de positividade encontravam-se abaixo dos parâmetros recomendados; nos demais anos, esses indicadores estavam dentro dos parâmetros recomendados. Consequentemente, foi identificado um maior número de lesões verdadeiramente precursoras do câncer, demonstrando a importância do controle interno da qualidade na prevenção do câncer do colo do útero.

Unitermos:
câncer do colo do útero; exame colpocitológico; controle de qualidade; detecção precoce de câncer

ABSTRACT

Introduction:

Although the criteria and recommendations are well defined to improve the quality of cervical cytopathology tests (Pap smear) in Brazil, the quality indicators of several laboratories are below the recommended standards. Objective: To evaluate the quality indicators of cervical cytopathology tests carried out by the Brazilian Unified Health System [Sistema Único de Saúde (SUS)].

Method:

Cross-sectional study based on the results of cervical cytopathology tests conducted in the municipality of Cascavel, Paraná, Brazil, from January 2012 to December 2018. The study included 141,191 tests and the following variables were analyzed: sample suitability, cervical cytopathology tests result, and internal quality monitoring indicators recommended by the Brazilian Ministry of Health.

Results:

The percentage of unsatisfactory tests did not exceed 0.97%. The representation of the squamocolumnar junction ranged from 63% to 67.4%. The percentage of altered exams among the satisfactory samples ranged from 0.46% to 6.44%. The positivity index ranged from 0.46% to 6.44%, while the high-grade squamous intraepithelial lesion/satisfactory indicator ranged from 0.21% to 1.06%, atypical squamous cells of undetermined significance/altered ranged from 22.47% to 49.93%, atypical squamous cells of undetermined significance/satisfactory ranged from 0.1% to 2.57%: and atypical squamous cells of undetermined significance/squamous intraepithelial lesions ranged from 0.31 to 1.02.

Conclusion:

In 2012 and 2013, the high-grade squamous intraepithelial lesion/satisfactory and the positivity index indicators were below the recommended parameters, and in the remaining years, these indicators were within the parameters recommended. Consequently, a greater number of truly cancer precursor lesions were identified, demonstrating the importance of internal quality control in the prevention of cervical cancer.

Key words:
cervical cancer; Pap smear; quality control; early detection of cancer

RESUMEN

Introducción:

Aunque criterios y recomendaciones están bien definidos para la mejora de calidad de las pruebas citopatológicas en Brasil, los indicadores de calidad de varios laboratorios se encuentran por debajo de los estándares recomendados. Objetivo: Evaluar los indicadores de calidad de las pruebas citopatológicas de cuello uterino realizadas por el sistema público de salud en Brasil (SUS).

Método:

Estudio transversal basado en los resultados de pruebas colpocitológicas llevadas a cabo en el municipio de Cascavel, Paraná, Brasil, de enero de 2012 a diciembre de 2018. Se incluyeron 141.191 pruebas; las siguientes variables se analizaron: adecuación de la muestra, resultado de la prueba citopatológica e indicadores de monitoreo interno de calidad recomendados por el Ministerio de Salud.

Resultados:

El porcentaje de pruebas insatisfactorias no superó 0,97%. La representación de la unión escamo-columnar varió de 63% a 67,4%. El porcentaje de pruebas alteradas entre las muestras satisfactorias varió de 0,46% a 6,44%. El índice de positividad varió de 0,46% a 6,44%, mientras el indicador de lesión intraepitelial de alto grado/satisfactorios, de 0,21% a 1,06%; atipias escamosas de significado indeterminado/alterados, de 22,47% a 49,93%; atipias escamosas de significado indeterminado/satisfactorios, de 0,1% a 2,57%; y razón atipias escamosas de significado indeterminado/lesiones intraepiteliales escamosas, de 0,31 a 1,02.

Conclusión:

En 2012 y 2013, los indicadores de lesión epitelial de alto grado/satisfactorios e índice de positividad se encontraban por debajo de los parámetros recomendados; en los otros años, esos indicadores estaban dentro de los parámetros recomendados. Por consiguiente, se identificó mayor número de lesiones realmente precursoras del cáncer, demostrando la importancia del control interno de calidad en la prevención del cáncer de cuello uterino.

Palabras clave:
cáncer del cuello uterino; prueba de Papanicolaou; control de calidad; detección precoz del cáncer

INTRODUÇÃO

O câncer é um problema de saúde pública mundial. O câncer do colo do útero (CCU) é o quarto tipo de câncer mais comum entre as mulheres - destaca-se tanto pela incidência quanto pela mortalidade -, seguido pelo câncer de mama, colorretal e pulmão11 Bray F, Ferlay J, Soerjomataram I, Siegel RL, Torre LA, Jemal A. Global cancer statistics 2018: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers in 185 countries. Ca Cancer J Clin. 2018; 0: 1-31.. A estimativa do Instituto Nacional do Câncer (Inca) para o Brasil em 2020 aponta a ocorrência de 297.261 novos casos entre mulheres, entre os quais mais de 17.030 serão de novos casos de CCU22 International Agency for Cancer Research (IARC). Estimativa 2020: incidência de câncer. Available at: https://gco.iarc.fr/tomorrow/home. [accessed on 21 August 2019].
https://gco.iarc.fr/tomorrow/home...
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Quando diagnosticado precocemente, o CCU pode chegar a 100% de cura. Para isso, o exame citopatológico do colo do útero, quando realizado com qualidade, é o exame de escolha para detecção desse câncer no Brasil33 Meggiolaro A, Unim B, Semyonov L, Miccoli S, Maffongelli E, La Torre G. The role of Pap test screening against cervical cancer: a systematic review and meta-analysis. Clin Ter. 2016; 167(4): 124-39.. Variáveis nas fases pré-analítica e analítica do exame citopatológico, como representatividade dos epitélios na coleta, correta fixação, identificação do material, nível de experiência do citologista, condições adequadas de trabalho, implantação de procedimentos operacionais padrão, além de capacitação e treinamento periódico dos profissionais, podem comprometer sua sensibilidade(44 Manrique EJC, Tavares SBN, Ázara CZS, et al. Fatores que comprometem a adequabilidade da amostra citológica cervical. Femina. 2009; 37: 283-7.,55 Bigras G, Wilson J, Russell L, Johnson G, Morel D, Saddik M. Interobserver concordance in the assessment of features used for the diagnosis of cervical atypical squamous cells and squamous intraepithelial lesions (ASC-US, ASC-H, LSIL and HSIL). Cytopathology. 2013; 24: 44-51.).

Na citopatologia, o controle de qualidade se baseia na detecção, na correção e na redução de deficiência nos processos de execução dentro do laboratório, resultando em exames citopatológicos com mais qualidade e confiabilidade, minimizando ao máximo os erros diagnósticos e colaborando para a melhoria das fases pré-analítica e analítica, além de contribuir com a gestão da saúde pública66 Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva; Coordenação de Prevenção e Vigilância; Divisão de Detecção Precoce e Apoio à Organização de Rede. Manual de gestão da qualidade para laboratório de citopatologia. Rio de Janeiro: INCA; 2016. 160 p..

No Brasil, o controle de qualidade dos exames citopatológicos foi recomendado a partir de 2001 por meio da Portaria SPS/SAS nº 92 do Ministério da Saúde (MS)77 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria Conjunta nº 92/SPS/SAS/MS, de 16 de outubro de 2001. Brasília: Diário Oficial da União; 2011. seção 1, p. 55.. Essa portaria foi ratificada pela Portaria MS nº 3.388 de 30 de dezembro de 2013, que instituiu a Qualificação nacional em citopatologia na prevenção do câncer do colo do útero (Qualicito), a qual consiste na definição de padrões e critérios na avaliação da qualidade do exame citopatológico por meio do acompanhamento dos laboratórios públicos e privados prestadores de serviços ao Sistema Único de Saúde (SUS), classificados em laboratórios tipo I e tipo II. Os laboratórios tipo I são os laboratórios públicos e privados que prestam serviço ao SUS e realizam exames citopatológicos; os do tipo II são os laboratórios públicos responsáveis por realizar os exames citopatológicos no âmbito do Monitoramento Externo da Qualidade (MEQ)88 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 3.388, de 23 de julho de 2013: redefine a qualificação nacional em citopatologia na prevenção do câncer do colo do útero (QualiCito), no âmbito da rede de atenção à saúde das pessoas com doenças crônicas. Brasília: Diário Oficial da União; 2013. 11 p..

O MS/Inca elaboraram o Manual de Gestão de Qualidade para Laboratórios de Citopatologia, visando orientar os laboratórios prestadores de serviço para o SUS sobre a implantação do Monitoramento Interno da Qualidade (MIQ) e do MEQ66 Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva; Coordenação de Prevenção e Vigilância; Divisão de Detecção Precoce e Apoio à Organização de Rede. Manual de gestão da qualidade para laboratório de citopatologia. Rio de Janeiro: INCA; 2016. 160 p.. O Manual e a Qualicito incentivam o aumento da cobertura do público-alvo (mulheres de 25 a 64 anos), e o monitoramento dos indicadores internos de qualidade promovem a educação permanente dos profissionais de saúde, incentivam e estabelecem parâmetros para o contrato e o distrato dos prestadores de serviço ao SUS66 Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva; Coordenação de Prevenção e Vigilância; Divisão de Detecção Precoce e Apoio à Organização de Rede. Manual de gestão da qualidade para laboratório de citopatologia. Rio de Janeiro: INCA; 2016. 160 p.

7 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria Conjunta nº 92/SPS/SAS/MS, de 16 de outubro de 2001. Brasília: Diário Oficial da União; 2011. seção 1, p. 55.
-88 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 3.388, de 23 de julho de 2013: redefine a qualificação nacional em citopatologia na prevenção do câncer do colo do útero (QualiCito), no âmbito da rede de atenção à saúde das pessoas com doenças crônicas. Brasília: Diário Oficial da União; 2013. 11 p..

O monitoramento continuado dos resultados é uma ação importante que deve ser exercida pelo laboratório citopatológico, baseando-se nos indicadores estimados encontrados no Manual de Gestão de Qualidade para avaliação do desempenho global e individual dos profissionais66 Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva; Coordenação de Prevenção e Vigilância; Divisão de Detecção Precoce e Apoio à Organização de Rede. Manual de gestão da qualidade para laboratório de citopatologia. Rio de Janeiro: INCA; 2016. 160 p.. Alguns desses indicadores são: índice de positividade (IP), porcentagem de testes compatíveis com lesões intraepiteliais escamosas de alto grau (HSIL) em testes satisfatórios, porcentagem de células escamosas atípicas (ASC) de significado indeterminado em exames alterados e/ou satisfatórios e razão de atipias escamosas de significado indeterminado e lesões intraepiteliais escamosas66 Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva; Coordenação de Prevenção e Vigilância; Divisão de Detecção Precoce e Apoio à Organização de Rede. Manual de gestão da qualidade para laboratório de citopatologia. Rio de Janeiro: INCA; 2016. 160 p..

Apesar desses esforços, estudos evidenciam resultados que não são preconizados pelo MS, como o percentual de exames realizados fora da faixa etária recomendada99 Souza AAR, Silva MASS, Vieira FS, et al. Indicadores de monitoramento do câncer de colo de útero em um município maranhense. Revista Eletrônica Acervo Saúde. 2019; 11(2).. No estado de Minas Gerais, Brasil, laboratórios prestadores de serviço para o SUS apresentaram IP abaixo do recomendado pelo MS, visto que vários laboratórios não detectaram ou detectaram um número baixo de lesões precursoras do CCU1010 Tobias AHG, Amaral RG, Diniz EM, Carneiro CM. Quality indicators of cervical cytopathology tests in the public service in Minas Gerais, Brazil. Rev Bras Ginecol Obstet. 2016; 38(2): 65-70.; resultados de outro estudo mostram que os indicadores de qualidade para laboratórios que prestam serviços ao SUS em vários estados e regiões do Brasil estão, em sua maioria, fora dos parâmetros preconizados pelo MS(1111 Costa RFA, Longatto-Filho A, de Lima Vazquez F, Pinheiro C, Zeferino LC, Fregnani JHTG. Trend analysis of the quality indicators for the Brazilian cervical cancer screening programme by region and state from 2006 to 2013. BMC Cancer. 2018; 18(1): 126.,1212 Ázara CZS, Manrique EJC, Tavares SBN, Souza NLA, Amaral RG. Avaliação de indicadores de controle de qualidade interno de exames de citopatologia cervical realizados em laboratórios monitorados pelo Laboratório Externo de Controle de Qualidade. Rev Bras Ginecol Obstet. 2014; 36(9): 398-403.).

Ainda que critérios e recomendações estejam bem definidos para melhoria da qualidade do exame citopatológico no Brasil, os indicadores de qualidade de vários laboratórios apresentam-se abaixo dos padrões recomendados pelo MS. Diante disso, o objetivo deste estudo foi avaliar os indicadores da qualidade dos exames citopatológicos do colo do útero realizados pelo SUS em um município do estado do Paraná, Brasil.

MÉTODO

Estudo transversal com base nos resultados dos exames citopatológicos realizados pela população feminina usuária do SUS do município de Cascavel, Paraná, incluídos no sistema de informação do câncer entre janeiro de 2012 e dezembro 2018. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Paranaense (UNIPAR) sob o protocolo número 892452/2014.

Foram incluídos 20.115 exames de 2012; 19.500 de 2013; 15.859 de 2014; 22.546 de 2015; 20.377 de 2016; 21.586 de 2017; e 21.208 de 2018, totalizando 141.191 exames citopatológicos na amostra. As informações dos exames de 2012 e 2013 foram coletadas do Sistema de Informação do Câncer do Colo do Útero (SISCOLO), e as dos anos de 2014 e 2018, do Sistema de Informação do Câncer (SISCAN).

As variáveis analisadas foram: adequabilidade da amostra, resultado do exame citopatológico e indicadores de monitoramento interno da qualidade.

As informações sobre os resultados dos exames citopatológicos, incluindo a adequabilidade da amostra e a representatividade da junção escamocolunar (JEC), foram extraídas a partir dos laudos citopatológicos contidos no SISCOLO e no SISCAN e classificadas segundo a nomenclatura brasileira para laudos cervicais e condutas preconizadas1313 Brasil. Ministério da Saúde. Nomenclatura brasileira para laudos cervicais e condutas preconizadas: recomendações para profissionais de saúde. 3th ed. Ministério da Saúde. 2012a..

A avaliação dos indicadores de monitoramento interno da qualidade do exame citopatológico foi realizada com base em cinco indicadores, que seguem descritos a seguir com suas respectivas fórmulas, conforme recomendações do MS1414 Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva. Coordenação Geral de Prevenção e Vigilância. Divisão de detecção precoce e apoio à organização de rede. Manual de gestão da qualidade para laboratório de citopatologia. Rio de Janeiro: INCA; 2012b.:

a) IP - o IP expressa a prevalência de alterações celulares e caracteriza a sensibilidade do rastreamento em detectar lesões na população examinada, de acordo com a nomenclatura brasileira para laudos cervicais e condutas preconizadas1414 Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva. Coordenação Geral de Prevenção e Vigilância. Divisão de detecção precoce e apoio à organização de rede. Manual de gestão da qualidade para laboratório de citopatologia. Rio de Janeiro: INCA; 2012b..

Método de cálculo:

Total de exames citopatol ó gi cos com resultados alterados em det er min ado local e per í odo × 100 Total de exames citopatol ó gi cos satisfat ó rios realizados no mesmo local e per í odo

Para a análise crítica dos laboratórios cadastrados no SISCOLO/SISCAN, uma categorização do IP foi determinada da seguinte forma: muito baixo - abaixo de 2%; baixo - entre 2% e 2,9%; esperado - entre 3% e 10%; acima do esperado - acima de 10%. É necessário considerar que esses prestadores podem atender a serviços de referência secundária em patologia do colo do útero.

b) percentual de exames compatíveis com HSIL/exames satisfatórios: as HSIL representam as lesões verdadeiramente precursoras do CCU, ou seja, aquelas que apresentam efetivamente potencial para progressão. Sua detecção é o principal objetivo da prevenção secundária do CCU. Recomenda-se que o valor indicador seja maior ou igual a 0,4%.

Método de cálculo:

N ú mero de exames HSIL × 100 Total de exames satisfat ó rios

c) percentual de ASC/exames alterados - o IP deve ser analisado em conjunto com o indicador ASC/exames alterados, pois esse índice, aparentemente adequado, pode conter elevado percentual de exames compatíveis com ASC. Recomenda-se que o valor indicado seja inferior a 60% dos exames alterados.

Método de cálculo:

N ú mero de exames com c é lulas escamosas at í picas de significado in det er min ado possivelmente n ã o neopl á sicas ASC US e c é lulas escamosas at í picas de significado in det er min ado n ã o podendo excluir les ã o de alto grau ASC H × 100 Total de exames alterados

d) percentual de atipias escamosas de significado indeterminado (ASC)/exames satisfatórios - espera-se que no máximo 4%-5% de todos os exames sejam classificados como ASC. Valores superiores merecem avaliação e podem indicar necessidade de treinamento junto aos profissionais do laboratório.

Método de cálculo:

N ú mero de exames com ASC US e ASC H × 100 Total de exames satisfat ó rios

e) razão ASC/lesões intraepiteliais escamosas (SIL) - auxilia na identificação das alterações que são lesão intraepitelial escamosa de baixo grau (LSIL) e HSIL. Recomenda-se que essa relação não seja superior a 34.

Método de cálculo:

N ú mero de exames com ASC US e ASC H N ú mero de exames com LSIL e HSIL

A análise dos dados foi realizada por meio de estatística descritiva (cálculo das frequências absolutas e relativas), utilizando o programa Microsoft Excel.

RESULTADOS

Este estudo evidenciou que foram realizados entre 15.859 e 22.546 exames por ano; a porcentagem de exames insatisfatórios não ultrapassou 0,97%. A representação da JEC variou ao longo dos anos de 63% a 67,4% dos exames (Tabela 1).

TABELA 1
Adequabilidade da amostra dos exames citopatológicos do colo do útero, segundo as recomendações do MS, realizados pela população feminina usuária do SUS no município de Cascavel, Paraná, entre 2012 e 2018

O total de amostras satisfatórias variou de 15.701 a 22.147 exames por ano, a maior quantidade de exames alterados em 2017, com 1.364 resultados citopatológicos. Entre os exames alterados, os resultados que apresentaram ASC-US variaram de 0,08% a 2,22%; os que apresentaram ASC-H, de 0,02% a 0,53%; os que apresentaram LSIL, de 0,12% a 2,58%; e os com HSIL, de 0,21% a 1,06%. De 2015 a 2018, resultados de carcinoma invasor também foram identificados (Tabela 2).

TABELA 2
Resultado dos exames citopatológicos do colo do útero, segundo a Nomenclatura Brasileira para Laudos Citopatológicos, realizados pela população feminina usuária do SUS, no município de Cascavel, Paraná, entre 2012 e 2018

Os resultados mostram que o IP variou de 0,46% a 6,44% (valor dentro do parâmetro recomendado, entre 3% e 10%) em cinco dos sete anos de estudo. Em relação ao indicador HSIL/exames satisfatórios, o índice variou de 0,21% a 1,06% - valor dentro do recomendado (≥ 0,4%) em cinco dos sete anos de estudo. Sobre o indicador ASC/exames alterados, o índice variou de 22,47% a 49,93% - valor dentro do recomendado (< 60%) em todos os anos de estudo. O indicador ASC/exames satisfatórios variou de 0,1% a 2,57%, valor dentro do recomendado (< 5%) em todos os anos de estudo. Por fim, o indicador razão ASC/SIL variou de 0,31 a 1,02, valor dentro do recomendado (< 3) em todos os anos de estudo (Tabela 3).

TABELA 3
Indicadores de monitoramento interno da qualidade dos exames citopatológicos do colo do útero realizados pela população feminina usuária do SUS, no município de Cascavel, Paraná, entre 2012 e 2018

DISCUSSÃO

Os resultados deste estudo mostram que, ao longo dos anos, houve um aumento na detecção de HSIL e HSIL com características suspeitas de invasão (HSIL micro). A lesão de alto grau é considerada a verdadeira lesão precursora do CCU; sua detecção e seu tratamento são importantes para evitar a evolução para o câncer1515 McCredie MR, Sharples KJ, Paul C, et al. Natural history of cervical neoplasia and risk of invasive cancer in women withcervical intraepithelial neoplasia 3: a retrospective cohort study. Lancet Oncol. 2008; 9(5): 425-34..

O aumento na detecção de HSIL impacta diretamente os indicadores HSIL/exames satisfatórios e IP. O indicador HSIL/exames satisfatórios mede a capacidade de detecção de lesões precursoras, e o IP, a prevalência de alterações celulares nos exames, bem como a sensibilidade do processo do rastreamento em detectar lesões na população examinada. Um IP baixo pode indicar que alterações malignas não estão sendo identificadas, o que ocasiona resultados falso-negativos66 Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva; Coordenação de Prevenção e Vigilância; Divisão de Detecção Precoce e Apoio à Organização de Rede. Manual de gestão da qualidade para laboratório de citopatologia. Rio de Janeiro: INCA; 2016. 160 p.. Neste estudo, percebemos que, a partir de 2014, esses indicadores estavam dentro dos parâmetros recomendados, diferentemente do que ocorreu anos de 2012 e 2013, cujos valores estavam muito abaixo do preconizado. Podemos inferir que tal cenário ocorreu devido ao rigoroso controle interno de qualidade em 2014, o qual foi implementado no laboratório prestador de serviço para o SUS, o que contribuiu para a padronização de critérios citomorfológicos e, consequentemente, para a melhora nos indicadores de qualidade.

Os indicadores ASC/exames alterados, ASC/exames satisfatórios e ASC/SIL estavam dentro dos parâmetros recomendados em todos os anos do estudo. O indicador ASC/exames alterados deve ser analisado juntamente com o IP, pois um IP aparentemente adequado contém elevado percentual de ASC. Grande quantidade de atipias limítrofes pode indicar problemas, tanto na coleta e/ou preparo da amostra quanto na análise citopatológica. No geral, isso demonstra a necessidade de educação continuada para os profissionais, principalmente para revisão de critérios diagnósticos de ASC66 Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva; Coordenação de Prevenção e Vigilância; Divisão de Detecção Precoce e Apoio à Organização de Rede. Manual de gestão da qualidade para laboratório de citopatologia. Rio de Janeiro: INCA; 2016. 160 p..

O ano de 2013 foi o que apresentou a menor detecção de alterações malignas e, consequentemente, os menores índices. Em parte, isso pode se justificar pela menor representação da JEC nas amostras analisadas. A representação da JEC nos esfregaços citopatológicos é muito importante, pois é reconhecidamente a região com maior probabilidade de desenvolver lesões precursoras do CCU1616 Solomon D, Nayar R. Sistema Bethesda para citopatologia cervicovaginal: definições, critérios e notas explicativas. 3th ed. Rio de Janeiro: Revinter; 2018..

Alterações menos graves, ASC-US e LSIL, foram as mais frequentes, exceto em 2013. ASC-US são correlacionadas com doença de baixa gravidade para a maioria das mulheres, por isso a conduta clínica prevista é conservadora1717 Brasil. Ministério da Saúde. Diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do colo do útero. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. 2 edição [revised and expanded]. Rio de Janeiro, RJ: INCA; 2016., assim como acontece com a lesão de baixo grau, que apresenta significativa taxa de regressão espontânea1818 Monteiro DL, Trajano AJB, Russomano FB, Silva KS. Prognosis of intraepithelial cervical lesion during adolescence in up to two years of follow-up. J Pediatr Adolesc Gynecol. 2010; 23(4): 230-6., sendo considerada a lesão menos provável de progressão para carcinoma invasor1919 Demay RM. The Pap test. Chicago: ASCP Press. 2005; 12-89..

Em relação à adequabilidade da amostra, a quantidade de amostras insatisfatórias não ultrapassou os 5% recomendados pelo MS66 Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva; Coordenação de Prevenção e Vigilância; Divisão de Detecção Precoce e Apoio à Organização de Rede. Manual de gestão da qualidade para laboratório de citopatologia. Rio de Janeiro: INCA; 2016. 160 p. e teve como principais causas o material acelular ou hipocelular e os artefatos de dessecamento. Entre as amostras rejeitadas, o principal motivo foi ausência ou erro de identificação. Esses achados corroboram os encontrados por Galvão et al. (2015)2020 Galvão EFB, Silva MJM, Esteves FAM, Peres AL. Frequência de amostras insatisfatórias dos exames preventivos do câncer de colo uterino na rede pública de saúde, em município do agreste pernambucano. Rev Para Med. 2015; 29(2).: das amostras insatisfatórias, 34% foram devido a material acelular ou hipocelular; 21% foram rejeitadas por ausência ou erro na identificação; e 14% apresentaram artefatos de dessecamento.

A qualidade do exame citopatológico está intimamente ligada a fatores como informações sobre dados de anamnese, coleta realizada adequadamente, boa fixação do esfregaço, coloração adequada e análise criteriosa da amostra. Qualquer erro em um desses fatores pode ocasionar resultados falso-negativos ou falso-positivos e prejudicar não apenas a mulher, mas a sociedade como um todo.

Visando melhorar o controle de qualidade do exame citopatológico, o MS, em 2013, publicou a portaria 3.388 denominada Qualicito88 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 3.388, de 23 de julho de 2013: redefine a qualificação nacional em citopatologia na prevenção do câncer do colo do útero (QualiCito), no âmbito da rede de atenção à saúde das pessoas com doenças crônicas. Brasília: Diário Oficial da União; 2013. 11 p.. Entre as recomendações da portaria, como critério de qualidade, cita-se que os laboratórios tenham uma produção anual de 15.000 exames, o que foi demonstrado neste estudo.

Como limitações deste trabalho, destacamos a ausência de informações sobre o perfil da população. Esse dado contribuiria para explicar a prevalência de alterações menos graves e de outras possíveis variáveis que influenciam o IP.

CONCLUSÃO

Os resultados deste estudo mostram que em 2012 e 2013 os indicadores HSIL/exames satisfatórios e IP encontravam-se abaixo dos parâmetros recomendados pelo MS. Nos demais anos, esses indicadores estavam dentro dos parâmetros recomendados. Consequentemente, um maior número de lesões verdadeiramente precursoras do CCU foi identificado. Demonstramos, dessa forma, a importância da implantação do controle interno da qualidade dos exames citopatológicos para o rastreamento e a prevenção do CCU.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    29 Out 2019
  • Revisado
    29 Out 2019
  • Aceito
    06 Nov 2019
  • Publicado
    06 Jan 2020
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