Associação estatística entre o polimorfismo rs2243250 no gene da IL-4 e o AVC hemorrágico na população brasileira

RESUMO

A interleucina-4 (IL-4) tem grande importância nos processos inflamatórios em casos de acidente vascular cerebral (AVC), uma vez que ela é capaz de polarizar micróglias para o fenótipo anti-inflamatório chamado M2. Este estudo analisou se a variação entre o genótipo TT e os demais genótipos (CT e CC), no polimorfismo -589 (rs2243250) do gene IL4, possui associação com o prognóstico de AVC hemorrágico e com aspectos clínicos que são fatores de risco para doenças cerebrovasculares. O resultado deste estudo mostra que não há associação estatística do polimorfismo do IL4 nem com prognóstico nem com os aspectos clínicos dos pacientes com AVC hemorrágico.

Unitermos:
interleucina-4; polimorfismo de nucleotídeo único; acidente vascular cerebral; hemorragias intracranianas; aneurisma intracraniano

ABSTRACT

Interleukin-4 (IL-4) has great significance in inflammatory processes in cases of stroke, since it is able to polarize microglia to the antiinflammatory phenotype called M2. This study analyzed if the variation between TT genotype and the other genotypes (CT and CC), in -589 (rs2243250) polymorphism of IL4 gene, has association with the prognosis of hemorrhagic stroke (HS) and with clinical aspects which are risk factors for cerebrovascular diseases. The result of this study shows that there is no statistical association of the IL4 polymorphism with either prognosis or clinical aspects in HS patients.

Key words:
interleukin-4; single nucleotide polymorphism; stroke; intracranial hemorrhages; intracranial aneurysm

RESUMEN

La interleucina-4 (IL-4) tiene gran importancia en los procesos inflamatorios en casos de accidente cerebrovascular (ACV), puesto que hace que las microglías sean polarizadas hacia el fenotipo antiinflamatorio M2. Este estudio analizó si la variación entre el genotipo TT y los demás genotipos (CT y CC), en el polimorfismo -589 (rs2243250) del gen IL4, posee asociación con el pronóstico de ACV hemorrágico y con aspectos clínicos que son factores de riesgo para enfermedades cerebrovasculares. El resultado de este estudio enseña que no hay asociación estadística del polimorfismo del IL4 ni con el pronóstico ni con los aspectos clínicos de pacientes con ACV hemorrágico.

Palabras clave:
interleucina-4; polimorfismo de nucleótide simple; accidente cerebrovascular; hemorragias intracraneales; aneurisma intracraneal

INTRODUÇÃO

As doenças cardiovasculares são a maior causa de morte global, sendo o acidente vascular cerebral (AVC) e o infarto do miocárdio responsáveis por 85% dessas mortes¹. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), há aproximadamente 15 milhões de casos de AVC por ano em todo o mundo. Destes, 5 milhões resultam em óbito e outros 5 milhões em incapacidade permanente². Isso pode ser notado no Brasil, onde o AVC é uma das maiores causas de hospitalização e mortalidade, causando, na maioria dos pacientes que sobrevivem, algum tipo de sequela³.

Há dois tipos de AVC: o AVC isquêmico, que é a forma mais comum (80%-85% dos casos), e o AVC hemorrágico, a forma menos comum da doença (15%-20% dos casos)⁴.

Após um AVC isquêmico, vários agentes lesivos são liberados do núcleo isquêmico para a área de penumbra. Esses agentes são capazes de desencadear respostas pró-inflamatórias que causam dano ao tecido nervoso local, mas também podem ativar a micróglia presente no ambiente⁵. A ativação da micróglia, presente no sistema nervoso central, é um processo heterogêneo, já que pode resultar em dois subtipos: o fenótipo pró-inflamatório M1, pela ativação clássica; e o fenótipo anti-inflamatório M2, pela ativação alternativa^(6,7).

A interleucina-4 (IL-4), liberada pelos neurônios na área de penumbra, desempenha um papel importante nesse processo, pois é capaz de polarizar a micróglia do fenótipo M1 ao fenótipo M2. Isso acontece porque a IL-4 pode induzir a expressão de genes responsáveis pelo fenótipo M2. A IL-4 também pode aumentar a expressão do receptor de IL-4 na micróglia⁵. A maioria dos estudos que mostram o papel da IL-4 em casos de AVC lida com AVC isquêmico, mas os poucos estudos sobre AVC hemorrágico mostram a IL-4 promovendo a ativação do fenótipo M2 na micróglia⁸.

O gene humano responsável pela codificação da IL-4 está localizado no cromossomo 5q31.1⁹. Estudos têm indicado que polimorfismos nos genes que regulam a resposta inflamatória podem estar associados a maior risco de ambos os tipos de AVC¹⁰. Na região promotora do gene IL4, há o polimorfismo rs2243250 na posição -589 (C/T) a jusante¹¹. Esse polimorfismo de nucleotídeo único (SNP) é fundamental, pois se demonstrou que o risco de AVC hemorrágico é influenciado pelos alelos de rs2243250⁹. Considerando que este tema é pouco compreendido, nosso estudo verificou a correlação entre a variação nos alelos IL4 -589 em pacientes brasileiros com AVC hemorrágico e cinco aspectos desses pacientes [sexo, hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes, consumo de álcool e tabagismo], além do prognóstico de AVC hemorrágico.

Recrutamos um total de 21 pacientes para o estudo (14 mulheres e 7 homens), todos diagnosticados segundo a definição de AVC da OMS, e os resultados foram confirmados por exames de imagem [tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM) ] ⁽¹². As amostras foram obtidas de um estudo de caso-controle de base hospitalar realizado entre janeiro de 2011 e dezembro de 2012.

Este estudo foi submetido à apreciação do comitê de ética institucional, que o aprovou. O consentimento livre e esclarecido foi obtido de todos os participantes antes da coleta de informações.

Todos os pacientes foram avaliados clinicamente e tiveram sua história clínica analisada em detalhes. Os seguintes aspectos são fatores de risco comuns para doenças cerebrovasculares e foram avaliados em cada paciente: sexo, tabagismo, consumo de álcool, HAS (a pressão sanguínea foi medida), diabetes e prognóstico de AVC hemorrágico. Este último aspecto foi estimado com a escala de Rankin modificada (MRS), que é amplamente empregada para avaliar a recuperação de AVC¹³. Essa escala é usada para medir o grau de dependência ou incapacidade dos pacientes em atividades diárias^(14,15).

O ácido desoxirribonucleico (DNA) de cada paciente foi obtido de amostras de 5 ml de sangue periférico venoso usando o Invisorb Spin Blood Mini Kit (250) da Invitek (catalog #CA10-0005, lote #1031100300). A reação em cadeia da polimerase (PCR) combinada com análise de polimorfismo do comprimento do fragmento de restrição foi utilizada para realizar a genotipagem do polimorfismo IL4 -589 C/T (rs2243250). Os primers usados para amplificar o polimorfismo rs2243250 foram 5'-AAA CTA GGC CTC ACC TGA TAC G-3' forward e 5'-TGC ATA GAG GCA GAA TAA CAG G-3' reverse. A amplificação foi executada obedecendo ao seguinte programa de ciclagem: desnaturação inicial a 94°C por 30 segundos, seguida de anelamento a 55°C por 30 segundos e finalmente uma extensão a 72°C por 60 segundos. Os produtos da PCR foram sequenciados pelo centro de genética da Universidade de São Paulo (USP).

As frequências alélicas dos pacientes com AVC hemorrágico foram comparadas entre eles, especificamente, com cada um dos cinco aspectos previamente mencionados e com o prognóstico de AVC hemorrágico. Essa comparação foi feita usando o teste qui-quadrado em variações dominantes e recessivas do SNP.

As características clínicas dos pacientes não tiveram associação estatística com o polimorfismo, como mostrado na Tabela (valor de p > 0,05). A Tabela compara o genótipo TT com os demais (CC homozigoto e CT heterozigoto); essa forma de representação foi escolhida porque o alelo -589T foi capaz de aumentar a expressão de IL-4¹⁶. O sexo não possui associação com a distribuição genotípica do polimorfismo. O mesmo resultado foi mostrado para AVC hemorrágico e diabetes, mas é importante mencionar que embora o diabetes seja um dos aspectos avaliados, já que se sabe que ele pode aumentar o risco de AVC promovendo alterações em vasos sanguíneos cerebrais¹⁷, após as análises, observamos que nenhum dos pacientes era diabético. O consumo de álcool e o tabagismo também não tiveram associação estatística com SNP. O tabagismo apresentou uma pequena variação entre grupos com diferentes alelos (p = 0,128), mas esse resultado não foi estatisticamente significante. Os resultados da MRS, assim como o tabagismo, mostram pequena variação em pacientes com alelos diferentes. Entretanto, essa variação em rs2243250 também não teve associação com o prognóstico em pacientes com AVC hemorrágico (p = 0,624), que é o aspecto mais importante deste estudo.

TABELA
Associação entre genótipos do polimorfismo IL4 -589 (C/T) rs2243250 e aspectos clínicos no modelo

		IL4 C/T (rs2243250)
		TT		CT + CC
		n	%	n	%	p	RC	IC (RC)
Sexo	Feminino	3	60	11	68,8	0,999	0,68	0,09-5,45
	Masculino	2	40	5	31,3
HAS	Sim	4	80	13	81,3	0,999	0,92	0,07-11,54
	Não	1	20	3	18,8
Diabetes	Sim	0	0	0	0	0,999	NA	NA
	Não	5	100	16	100
Tabagismo	Sim	2	40	1	6,3	0,128	10	0,67-149,05
	Não	3	60	15	93,8
Consumo de álcool	Sim	1	20	4	25	0,999	0,75	0,06-8,83
	Não	4	80	12	75
MRS	Mau prognóstico	1	20	6	37,5	0,624	0,42	0,04-4,66
	Bom prognóstico	4	80	10	62,5

• HAS: hipertensão arterial sistêmica; MRS: escala Rankin modificada; RC: razão de chances; IC: intervalo de confiança; NA: não aplicável.

De acordo com estudos de associação genômica ampla (GWAS), fatores genéticos têm grande importância para o risco e o prognóstico de AVC hemorrágico¹⁸. Outros estudos, como o de Yamada et al. (2006)¹⁹, revelaram o papel do SNP da citocina pró-inflamatória na suscetibilidade a AVCs. Entre eles, o polimorfismo IL-6 foi significantemente associado ao AVC hemorrágico. Borges et al. (2018)²⁰, estudando uma população brasileira, evidenciaram o SNP do fator de necrose tumoral alfa (TNFα) -308 A/G como possível fator de proteção contra o AVC hemorrágico. Park et al. (2011)²¹, em um estudo com 79 pacientes coreanos com AVC hemorrágico, encontraram uma relação estatisticamente significante entre dois SNPs (rs2243250 e rs2070874) do gene IL4; entretanto, também chamaram a atenção para o fato de que a amostra usada em seu estudo foi um fator limitador importante. Até o presente momento, há poucos estudos sobre a relação entre polimorfismos e o gene IL4; portanto, as conclusões acerca dos antecedentes genéticos desse gene e sua ligação com o AVC hemorrágico são limitadas.

Este estudo mostra que, na população brasileira, a variação de C e T no polimorfismo rs2243250 não está associada a fatores de risco comuns para AVC hemorrágico, o tipo menos frequente de AVC. Outro aspecto importante é que não há associação estatística entre o prognóstico de AVC hemorrágico e a frequência do alelo nesse SNP. Entretanto, a grande limitação deste estudo foi o pequeno número de indivíduos analisados. Estudos adicionais com mais pacientes são necessários para afirmar com maior confiança a ausência de associação entre aqueles aspectos clínicos dos pacientes com AVC hemorrágico e a variação do alelo no SNP rs2243250.

REFERENCES

• ¹
  Cardiovascular diseases (CVDs) [Internet]. [cited 2019 May 1]. Available at: https://www.who.int/en/news-room/fact-sheets/detail/ cardiovascular-diseases-(cvds)
  » https://www.who.int/en/news-room/fact-sheets/detail/ cardiovascular-diseases-(cvds)
• ²
  Katan M, Luft A. Global burden of stroke. In: Mackay J, Mensah G, editors. Vol. 38. Atlas Heart Dis Stroke. 2004; 50-1.
• ³
  Almeida SRM. Análise epidemiológica do acidente vascular cerebral no Brasil. Rev Neurociencias. 2012; 20(4): 481-2.
• ⁴
  Porcello Marrone LC, Diogo LP, de Oliveira FM, et al. Risk factors among stroke subtypes in Brazil. J Stroke Cerebrovasc Dis. 2013; 22(1): 32-5.
• ⁵
  Zhao X, Wang H, Sun G, Zhang J, Edwards NJ, Aronowski J. Neuronal interleukin-4 as a modulator of microglial pathways and ischemic brain damage. J Neurosci [Internet]. 2015; 35(32): 11281-91. Available at: http://www.jneurosci.org/cgi/doi/10.1523/ JNEUROSCI.1685-15.2015
  » http://www.jneurosci.org/cgi/doi/10.1523/ JNEUROSCI.1685-15.2015
• ⁶
  Tang Y, Le W. Differential roles of M1 and M2 microglia in neurodegenerative diseases. Mol Neurobiol. 2016; 53(2): 1181-94.
• ⁷
  Schwartz YS, Svistelnik AV. Functional phenotypes of macrophages and the M1-M2 polarization concept. Part I. Proinflammatory phenotype. Biochem. 2012; 77(3): 246-60.
• ⁸
  Yang J, Ding S, Huang W, et al. Interleukin-4 ameliorates the functional recovery of intracerebral hemorrhage through the alternative activation of microglia/macrophage. Front Neurosci. 2016; 10(Mar): 1-8.
• ⁹
  IL4 interleukin 4 [Homo sapiens (human)] [Internet]. 2019; 114-9. Available at: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/gene/3565
  » https://www.ncbi.nlm.nih.gov/gene/3565
• ¹⁰
  Wei H, Feng G, Pei W, Gang W, Yuelin Z. Association between interleukin-4 genetic polymorphisms and the risk of cerebral infarction in a population of China. Biomed Res. 2017; 28(21): 9198-203.
• ¹¹
  Anovazzi G, Medeiros MC, Pigossi SC, et al. Functionality and opposite roles of two interleukin 4 haplotypes in immune cells. Genes Immun [Internet]. 2017; 18(1): 33-41. Available at: http://dx.doi.org/10.1038/ gene.2016.47
  » http://dx.doi.org/10.1038/ gene.2016.47
• ¹²
  Hatano S. Variability of the diagnosis of stroke by clinical judgement and by a scoring method. Bull World Health Organ. 1976; 54(5): 533-40.
• ¹³
  Banks JL, Marotta CA. Outcomes validity and reliability of the modified Rankin scale: implications for stroke clinical trials: a literature review and synthesis. Stroke [Internet]. 2007; 38(3): 1091-6. PubMed PMID: 17272767.
• ¹⁴
  Dewilde S, Annemans L, Peeters A, et al. Modified Rankin scale as a determinant of direct medical costs after stroke. Int J Stroke. 2017; 12(4): 392-400.
• ¹⁵
  van Swieten JC, Koudstaal PJ, Visser MC, Schouten HJA, van Gijn J. Interobserver agreement for the assessment of handicap in stroke patients. Stroke. 1988; 19(5): 604-7.
• ¹⁶
  Paffen E, Medina P, de Visser MCH, et al. The -589C>T polymorphism in the interleukin-4 gene (IL-4) is associated with a reduced risk of myocardial infarction in young individuals. J Thromb Haemost. 2008; 6(10): 1633-8.
• ¹⁷
  Chen R, Ovbiagele B, Feng W. Diabetes and stroke: epidemiology, pathophysiology, pharmaceuticals and outcome. Am J Med Sci. 2017; 351(4): 380-6.
• ¹⁸
  Chauhan G, Debette S. Genetic risk factors for ischemic and hemorrhagic stroke. Curr Cardiol Rep. 2016; 18(124): 1-11. Available at: https://doi.org/10.1007/s11886-016-0804-z
  » https://doi.org/10.1007/s11886-016-0804-z
• ¹⁹
  Yamada Y, Metoki N, Yoshida H, et al. Genetic risk for ischemic and hemorrhagic stroke. arteriosclerosis, thrombosis, and vascular biology. 2006; 26(8): 1920-5.
• ²⁰
  Borges SAB, Renata SF, Rafael MM, et al. TNFA gene in Brazilian patients with hemorrhagic stroke or cerebral aneurysm. J Bras Patol Med Lab. 2018; 54(3): 164-9.
• ²¹
  Park HJ, Kim MJ, Kang SW, et al. Association between interleukin-4 gene polymorphisms and intracerebral haemorrhage in Korean population. Int J Immunogenet. 2011; 38(4): 321-5. Pubmed PMID: 21501388.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  29 Maio 2020
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  09 Ago 2019
• Revisado
  19 Ago 2019
• Aceito
  20 Ago 2019
• Publicado
  28 Abr 2020