Acessibilidade / Reportar erro

Sintomas depressivos e qualidade de vida em indivíduos com epilepsia por esclerose mesial temporal

Depressive symptoms and quality of life in people with epilepsy related to mesial temporal sclerosis

Resumos

Introdução: Dificuldades no trabalho, em relacionamentos interpessoais, familiares e sociais, a percepção do estigma, da discriminação dentre outros têm sido associados aos estados depressivos interictais, influenciando negativamente a qualidade de vida (QV) das pessoas com epilepsia. A depressão tem alta prevalência (20 a 55%) nas epilepsias, sendo vista como o fator mais importante no julgamento do paciente sobre sua QV. Objetivos: Avaliar a ocorrência de sintomas depressivos em pacientes com epilepsia do lobo temporal por esclerose mesial temporal (EMT); estudar a associação entre sintoma depressivo e QV; e entre localização da lesão estrutural e sintomas depressivos. Metodologia: Setenta pacientes com EMT em tratamento ambulatorial, foram avaliados entre junho/2003 e abril/2005. Além da anamnese clínica, exames subsidiários (EEG, vídeo-EEG, RNM), avaliação neuropsicológica, psiquiátrica, todos foram submetidos à avaliação de QV que incluiu uma entrevista semidirigida, o questionário Medical Outcomes Short-Form 36 (SF-36) e o Inventário de Depressão de Beck (BDI). Resultados: Quarenta e dois pacientes (60%) eram do sexo feminino e 28 (40%) do masculino, com média de idade de 37 anos e 26 de duração da epilepsia. Em quarenta (57%) foi constatada EMT à esquerda e em 30 (43%) à direita. Quanto à situação de trabalho, 34 (49%) encontravam-se em auxílio doença/aposentados por invalidez/ou sem qualquer atividade produtiva. Trinta e um (44%) alegaram ser o trabalho a esfera mais prejudicada pela epilepsia. Trinta e nove indivíduos (56%) apresentaram sintomas depressivos com escores mais baixos no SF-36 quando comparados àqueles sem depressão. A pontuação alta do BDI, indicativa de depressão manteve uma associação significante (coeficiente de Spearman: p < 0,001) com todos os domínios do SF-36, com exceção de capacidade funcional (CF). Não houve correlação entre o lado da EMT e os sintomas depressivos. Conclusão: A presença de depressão infuencia o julgamento individual em relação a QV. O uso sistemático de instrumentos de fácil manuseio permitiria a identificação precoce de distúrbios de humor, contribuindo significativamente para a melhoria da QV de indivíduos com epilepsia.

epilepsia do lobo temporal; qualidade de vida; sintoma depressivo; BDI; SF-36


INTRODUCTION: Depressive symptoms and quality of life in people with epilepsy related to mesial temporal sclerosis Introduction: Difficulties in working, interpersonal, familial and social relationships, the perception of stigma, the discrimination by others have been associated with interictal depressive state influencing negatively the quality of live (QOL) of people with epilepsy. Depression has a high prevalence (20-55%) in epilepsies, being considered the most important factor in the judgment of the patient concerning his QOL. Objective: To evaluate the occurrence of depressive symptoms in patients with temporal lobe epilepsy due to mesial temporal sclerosis (MTS); to study the association between depressive symptoms and QOL as well as of the lateralization of the structural lesion and depressive symptoms. Methodology: 70 patients with MTS in the Outpatient Clinic were evaluated between June 2003 and April 2005. Besides the clinical anamnesis and examination all the patients had ancillary exams (EEG, video-EEG, MRI), psychological and psychiatric evaluation and QOL evaluation which was performed with a semi-structured interview, the questionnaire Medical Outcomes Short Form 36 (SF-36) and the Beck Depression Inventory (BDI). Results: 42 (60%) patients were female and 28 (40%) male. The average age was 37 and the mean epilepsy duration 26. In 40 (57%) MTS was located on the left and in 30 (42%) on the right. As to the work situation, 34 (49%) were in welfare/retired due to illness/without any productive activity. 31 (44%) stated that lack of work was the greatest burden of epilepsy. 39 (56%) presented depressive symptoms with lower scores in the SF-36 when compared to those without depression. A high score of the BDI, an indication of depression, maintained a significant association (Spearman coefficient p < 0.001) in all SF-36 domains with the exception of Functional Capacity. There was, however, no correlation between the lateralization of MTS and depressive symptoms. Conclusion: The presence of depression influences the personal judgment in relation to QOL. The systematic use of simple instruments would allow the precocious identification of humor disturbances contributing significantly to the improvement of QOL of people with epilepsy.

temporal lobe epilepsy; quality of life; depressive symptoms; BDI; SF-36


Sintomas depressivos e qualidade de vida em indivíduos com epilepsia por esclerose mesial temporal

Depressive symptoms and quality of life in people with epilepsy related to mesial temporal sclerosis

Neide Barreira AlonsoI; Tatiana Indelicato da SilvaI; Ana Carolina WestphalI; Auro Mauro AzevedoI; Luís Otávio Sales Ferreira CabocloII; Rozana Mesquita CiconelliIII; Eliana GarzonIV; Américo Ceiki SakamotoV; Elza Márcia Targas YacubianV

IPós-graduandos da Disciplina de Neurologia da Universidade Federal de São Paulo

IIMestre em Neurologia, Médico da Disciplina de Neurologia da Universidade Federal de São Paulo

IIIDoutora Professora da Disciplina de Reumatologia da Universidade Federal de São Paulo

IVDoutora Professora Assistente da Disciplina de Neurologia da Universidade Federal de São Paulo

VDoutores Professores Afiliados da Disciplina de Neurologia da Universidade Federal de São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rua Borges Lagoa, 1080, cj. 807 - Vila Clementino CEP 04038-002, São Paulo, SP, Brasil E-mail: neide.bal@uol.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: Dificuldades no trabalho, em relacionamentos interpessoais, familiares e sociais, a percepção do estigma, da discriminação dentre outros têm sido associados aos estados depressivos interictais, influenciando negativamente a qualidade de vida (QV) das pessoas com epilepsia. A depressão tem alta prevalência (20 a 55%) nas epilepsias, sendo vista como o fator mais importante no julgamento do paciente sobre sua QV.

OBJETIVOS: Avaliar a ocorrência de sintomas depressivos em pacientes com epilepsia do lobo temporal por esclerose mesial temporal (EMT); estudar a associação entre sintoma depressivo e QV; e entre localização da lesão estrutural e sintomas depressivos.

METODOLOGIA: Setenta pacientes com EMT em tratamento ambulatorial, foram avaliados entre junho/2003 e abril/2005. Além da anamnese clínica, exames subsidiários (EEG, vídeo-EEG, RNM), avaliação neuropsicológica, psiquiátrica, todos foram submetidos à avaliação de QV que incluiu uma entrevista semidirigida, o questionário Medical Outcomes Short-Form 36 (SF-36) e o Inventário de Depressão de Beck (BDI).

RESULTADOS: Quarenta e dois pacientes (60%) eram do sexo feminino e 28 (40%) do masculino, com média de idade de 37 anos e 26 de duração da epilepsia. Em quarenta (57%) foi constatada EMT à esquerda e em 30 (43%) à direita. Quanto à situação de trabalho, 34 (49%) encontravam-se em auxílio doença/aposentados por invalidez/ou sem qualquer atividade produtiva. Trinta e um (44%) alegaram ser o trabalho a esfera mais prejudicada pela epilepsia. Trinta e nove indivíduos (56%) apresentaram sintomas depressivos com escores mais baixos no SF-36 quando comparados àqueles sem depressão. A pontuação alta do BDI, indicativa de depressão manteve uma associação significante (coeficiente de Spearman: p < 0,001) com todos os domínios do SF-36, com exceção de capacidade funcional (CF). Não houve correlação entre o lado da EMT e os sintomas depressivos.

CONCLUSÃO: A presença de depressão infuencia o julgamento individual em relação a QV. O uso sistemático de instrumentos de fácil manuseio permitiria a identificação precoce de distúrbios de humor, contribuindo significativamente para a melhoria da QV de indivíduos com epilepsia.

Unitermos: epilepsia do lobo temporal, qualidade de vida, sintoma depressivo, BDI, SF-36.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Difficulties in working, interpersonal, familial and social relationships, the perception of stigma, the discrimination by others have been associated with interictal depressive state influencing negatively the quality of live (QOL) of people with epilepsy. Depression has a high prevalence (20-55%) in epilepsies, being considered the most important factor in the judgment of the patient concerning his QOL.

OBJECTIVE: To evaluate the occurrence of depressive symptoms in patients with temporal lobe epilepsy due to mesial temporal sclerosis (MTS); to study the association between depressive symptoms and QOL as well as of the lateralization of the structural lesion and depressive symptoms.

METHODOLOGY: 70 patients with MTS in the Outpatient Clinic were evaluated between June 2003 and April 2005. Besides the clinical anamnesis and examination all the patients had ancillary exams (EEG, video-EEG, MRI), psychological and psychiatric evaluation and QOL evaluation which was performed with a semi-structured interview, the questionnaire Medical Outcomes Short Form 36 (SF-36) and the Beck Depression Inventory (BDI).

RESULTS: 42 (60%) patients were female and 28 (40%) male. The average age was 37 and the mean epilepsy duration 26. In 40 (57%) MTS was located on the left and in 30 (42%) on the right. As to the work situation, 34 (49%) were in welfare/retired due to illness/without any productive activity. 31 (44%) stated that lack of work was the greatest burden of epilepsy. 39 (56%) presented depressive symptoms with lower scores in the SF-36 when compared to those without depression. A high score of the BDI, an indication of depression, maintained a significant association (Spearman coefficient p < 0.001) in all SF-36 domains with the exception of Functional Capacity. There was, however, no correlation between the lateralization of MTS and depressive symptoms.

CONCLUSION: The presence of depression influences the personal judgment in relation to QOL. The systematic use of simple instruments would allow the precocious identification of humor disturbances contributing significantly to the improvement of QOL of people with epilepsy.

Key words: temporal lobe epilepsy, quality of life, depressive symptoms, BDI, SF-36.

INTRODUÇÃO

A qualidade de vida (QV) é um conceito multidimensional que abrange vários domínios, motivações ou indicadores sociais, como por exemplo, posição funcional (atividades de autocuidado, mobilidade, atividades físicas e desempenho de papéis), doenças e sintomas relacionados ao tratamento, funcionamento social (atividades sociais e relacionamentos), saúde mental (estado de humor, auto-estima, percepção de bem-estar), desenvolvimento espiritual ou existencial, valores culturais, segurança do ambiente (residência adequada, renda econômica garantida), amor, liberdade, felicidade, satisfação, entre outros(2,13).

A qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) avalia os efeitos que as doenças e os tratamentos têm sobre a vida diária e a satisfação pessoal(24).

A percepção do estigma, discriminação, rejeição e isolamento social, dificuldades no relacionamento interpessoal, para iniciar e manter relações amorosas, limitações às atividades cotidianas, problemas no trabalho, desemprego têm sido associados aos estados depressivos interictais( 11), influenciando negativamente a QV de indivíduos com epilepsia(23).

A relação entre epilepsia e depressão tem sido reconhecida desde os tempos de Hipócrates, que observou uma freqüência relativamente alta de melancolia entre pessoas com epilepsia e na atualidade lidera a lista de distúrbios psiquiátricos em indivíduos com epilepsia(22).

A prevalência da depressão nas epilepsias é maior do que na população em geral e do que nas demais doenças neurológicas, atingindo 20 a 55% dos pacientes com crises recorrentes e 3 a 9% daqueles com crises controladas(4,20,23). Nas epilepsias do lobo frontal e temporal, que envolvem a circuitaria límbica, a prevalência fica entre 19 a 65%(1,26).A presença de epilepsia do lobo temporal esquerda tem sido associada à depressão, embora esses achados sejam controversos(17).

Vários instrumentos foram desenvolvidos para avaliar a depressão e têm contribuído para compreender o funcionamento psicológico de indivíduos com epilepsia, a prevalência de distúrbios psiquiátricos nessa população, a repercussão dos distúrbios de humor sobre a QV, a interferência das DAE sobre os estados psíquicos. Os mais utilizados na avaliação de indivíduos com epilepsia são o Hospital Anxiety and Depression Inventory (HADS)(3,25), o Profile of Mood States (POMS)(10,15), o Symptom Checklist-90 (SCL-90)(12,18) e o Beck Depression Inventory (BDI)(5).

O BDI é provavelmente a medida de auto-avaliação mais amplamente utilizada, tanto em pesquisa como em clínica, tendo sido traduzido para vários idiomas e validado em diferentes países, inclusive no Brasil(16).

Ele foi criado para uso em populações de pacientes diagnosticados por meio de entrevistas clínicas, complementando a avaliação pela ótica do paciente. Seus valores foram divididos em intervalos: ausência de depressão (0-9 pontos); depressão leve (10-17); depressão moderada (18-29) e depressão grave (30-63).

OBJETIVOS

No presente estudo buscou-se:

  • Avaliar a ocorrência de sintomas depressivos em pacientes com epilepsia por esclerose mesial temporal (EMT).

  • Estudar a associação entre sintomas depressivos e QV.

  • Verificar a associação entre sintomas depressivos e lateralização da zona epileptogênica.

  • CASU͍STICA E METODOLOGIA

    Setenta pacientes com EMT em tratamento no ambulatório de Epilepsias da Disciplina de Neurologia da UNIFESP foram avaliados entre junho/2003 e abril/2005.

    Todos foram submetidos a anamnese para caracterização da história clínica. O EEG convencional foi realizado em todos os pacientes e 56 tiveram crises registradas por vídeo-EEG.

    O diagnóstico da EMT foi feito por RNM em protocolo específico para estudo das estruturas mesiais do lobo temporal em um sistema 1.5 T (Philips Gyroscan ACS-NT), que envolveu a avaliação de imagens pesadas em T1 em spin-echo, plano sagital; T2, turbo spin-echo em plano axial; seqüências em FLAIR, planos axial e coronal oblíquo; seqüência em Inversion Recovery, plano coronal oblíquo. Os exames foram avaliados por um único neuroradiologista. A EMT foi confirmada pela presença de atrofia e hipersinal das estruturas mesiais nas imagens pesadas em T2 e hipossinal em imagens pesadas em T1, além de dilatação do corno temporal e perda da definição entre as substâncias branca e cinzenta. Em dois pacientes o diagnóstico de EMT foi feito por RNM realizada em outros serviços. Quarenta e três tiveram confirmação deste diagnóstico por estudo anátomo-patológico.

    O estudo da QV incluiu uma entrevista para a obtenção de dados clínicos (freqüência de crises, medicações em uso, lateralização da lesão), demográficos (idade, sexo, escolaridade, ocupação) e psicossociais (impacto das crises na vida cotidiana). Após a entrevista o paciente respondeu ao questionário genérico SF-36(8) ao BDI(5).

    Indivíduos com déficit cognitivo (QI < 70), com dificuldades para compreender as questões, menores de 18 anos e aqueles com outras patologias crônicas concomitantes foram excluídos do estudo.

    Para a análise estatística dos resultados foram utilizados os testes de Mann-Whitney e o coeficiente de correlação de Spearman.

    RESULTADOS

    Características da população estudada

    Nossa amostra constituiu-se de 42 pacientes (60%) do sexo feminino e 28 do sexo masculino (40%), com média de idade de 37 anos e duração da epilepsia de 26.

    Quarenta e dois (60%) haviam cursado até a 8ª série, 23 (33%) o 2º grau e cinco (7%) o ensino superior. Quanto à situação de trabalho, 34 pacientes (49%) encontravam- se em auxílio doença/aposentados por invalidez ou sem qualquer tipo de atividade produtiva, enquanto 20 (28%) estavam inseridos no mercado de trabalho ou exerciam atividade autônoma e 16 (23%) nunca haviam tido qualquer tipo de atividade produtiva.

    Em relação à freqüência de crises 36 pacientes (51%) apresentavam mais de cinco crises parciais complexas ao mês, 26 até cinco (23%), sendo que 16 (23%) tinham crises parciais com generalização secundária. Todos os participantes do estudo haviam apresentado ao menos uma crise parcial no último mês. Em quarenta pacientes (57%) ficou constatada a presença de EMT à esquerda e em 30 (43%) EMT à direita.

    Na entrevista que antecedeu a aplicação dos questionários (SF-36 e BDI), 31 pacientes (44%) alegaram ser o trabalho a área mais afetada pelas crises epilépticas, 21(30%) relataram que problemas na esfera relacional e emocional eram os aspectos que mais os incomodavam, enquanto que para 11 (16%) a falta de independência na execução de tarefas diárias era a maior queixa.

    Em nossa casuística 39 pacientes (56%) apresentavam sintomas depressivos medidos pelo BDI. Em 16 (41%) os sintomas eram leves, em 15 (38%) moderados e em 8 (21%) graves.

    A análise estatística (teste de Mann-Whitney) revelou uma associação estatisticamente significante entre qualidade de vida e depressão. O grupo de pacientes com sintomas depressivos apresentou escores mais baixos (p < 0,001) em todos os domínios SF-36 quando comparado aos resultados do grupo sem depressão.

    As médias dos escores do SF-36 do grupo que não apresentava depressão foram: Capacidade funcional (CF) = 94; Limitação por aspectos físicos (LAF) = 81; Dor = 75; Limitação por aspectos emocionais (LAE) = 83; Estado geral de saúde (EGS) = 73; Aspectos sociais (AS) = 80; Saúde mental (SM) = 72 e Vitalidade (VIT) = 71. No grupo com sintomas depressivos as médias do SF-36 foram: CF = 83; LAF = 52; Dor = 60; LAE = 36; EGS = 44; AS = 50; SM = 43; VIT = 52. O Gráfico 1 compara esses resultados entre os dois grupos.


    Ao buscar-se estabelecer associação entre sintomas depressivos medidos pelo BDI e os domínios do SF-36 a análise estatística mostrou forte correlação entre as variáveis estudadas (coeficiente de correlação de Spearman: < 0,001) em todos os domínios do inventário, exceção feita a subescala CF com p = 113 (não significante). Assim, quanto maior a pontuação do BDI, mais baixos os escores do SF-36. A Tabela 1 e o Gráfico 2 mostram os resultados encontrados.


    A pontuação média no BDI nos pacientes com humor deprimido (N = 39) foi de 20 pontos para aqueles com lesão à esquerda e 22 pontos naqueles com lesão à direita e não houve associação estatisticamente significante (teste de Mann-Withney) entre o lado da lesão e a presença de sintomas depressivos.

    DISCUSSÃO

    Nesta casuística encontramos 39 indivíduos (56%) com sintomas depressivos. A prevalência e incidência da depressão nas epilepsias é bastante variável conforme apontam os estudos, ficando entre 8 e 55% em pacientes com crises recorrentes, principalmente nas epilepsias do lobo temporal.

    A diversidade de metodologias e amostras estudadas, o baixo relato dos sintomas por parte dos pacientes e o subdiagnóstico têm sido apontados como as três principais dificuldades em se estabelecer dados numéricos precisos(21).

    A depressão é mais do que o reflexo de um processo de adaptação a epilepsia. Os profissionais de saúde e os pacientes conservam a concepção errônea de que é normal sentir-se deprimido quando se tem epilepsia, visto ser esse um distúrbio carregado de implicações psicossociais que se perpetuam através dos séculos: o desconhecimento, o estigma, a exclusão social, as limitações impostas às atividades cotidianas. Tais problemas ao receberem o rótulo de "normais" deixam de ser explicitados e questionados. O normal não é foco de reflexões sociais. Assim, profissionais e pacientes estabelecem "um acordo implícito" no qual o primeiro não faz perguntas a respeito de problemas emocionais e o último não revela queixas, por receio de ser mais estigmatizado ainda(21,22).

    Houve forte associação entre QV e depressão. Primeiramente a QV dos indivíduos não deprimidos foi significativamente maior e os domínios do SF-36 estiveram correlacionados aos resultados do BDI corroborando dados da literatura(6,9,14,23).

    A presença de depressão é apontada como um fator essencial no julgamento do paciente sobre sua qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS)(6,9,23).

    O uso de instrumentos auto-administráveis para pesquisar sintomas depressivos tem se mostrado simples e útil na prática clínica. A questão que permanece não respondida é se a QVRS é causa ou conseqüência da depressão(9).

    Em relação a lateralização da lesão, não houve associação estatisticamente significante entre a presença de sintomas depressivos e EMT à direita ou à esquerda. Neste sentido os trabalhos da literatura indicam resultados controversos. Enquanto alguns investigadores relatam aumento da depressão entre pacientes com epilepsia do lobo temporal esquerdo(1,27,29); outros postulam que a depressão está associada a disfunção à direita(19).

    Victoroff(31) descreveu a associação complexa entre lateralização da zona de início ictal, hipometabolismo interictal e depressão. Nos pacientes com zona epileptogênica à esquerda encontrou freqüência maior de episódios depressivos ao longo da vida.

    Algumas hipóteses modernas da lateralização se relacionam às conexões das estruturas mesiais temporais, as quais, no caso da EMT à esquerda promoveriam disfunção do lobo frontal esquerdo e depressão clínica(30).

    A relação entre depressão nas epilepsias, lesão epileptogênica e disfunção das estruturas temporais mesiais parece ser bastante conclusiva, com estudos recentes apontando a importância de tais estruturas no surgimento desse distúrbio afetivo(7,19) particularmente da EMT, confirmando a hipótese de que essa seja a lesão mais implicada na gênese da depressão(28).

    Um aspecto importante, que não foi explorado neste estudo, e pouco elucidado na literatura é que escores elevados no BDI podem ser o reflexo do humor depressivo apresentado pelo paciente e não de uma depressão clínica propriamente dita(28).

    Por fim, a atenção aos fatores psicossociais permite alcançar um estado de bem estar e promover a QVRS, que não se restringe às variáveis biológicas(23). Com o diagnóstico adequado, o paciente pode se beneficiar de modalidades de tratamento medicamentoso e psicoterápico. Não podemos esquecer que a desinformação, o estigma, a exclusão social têm um efeito sobre cada indivíduo que vai muito além de marcadores biológicos e que necessita do auxílio dos profissionais de saúde e da comunidade como um todo na busca de soluções.

    CONCLUSÃO

    A presença de sintomas depressivos é um forte indicador da QVRS e em pacientes com ELT além de buscar o controle das crises, é igualmente importante a atenção à presença da depressão. Isso pode ser conseguido com o uso sistemático de instrumentos de fácil manuseio que permitam o diagnóstico e intervenção precoces.

    Departamento de Neurologia/Neurocirurgia, UNIFESP, São Paulo, SP

    • 1. Altshuler LL, Devinsky O, Post RM, Theodore W. Depression, anxiety, and temporal lobe epilepsy: laterality of focus and symptoms. Arch Neurol 1991; 47(3):284-8.
    • 2. Anderson KL. Conceptualization and measurement of quality of life as an outcome variable for health care intervention and research. J Adv Nurs 1999; 20(2):298-306.
    • 3. Andrews D, Camp K, Kilpatrick C, Cook M. The assessment and treatment of concerns and anxiety in patients undergoing presurgical monitoring for epilepsy. Epilepsia 1999; 40(11):1535-42.
    • 4. Baker GA, Jacoby A, Chadwick DW. The associations of psychopathology in epilepsy: a community study. Epilepsy Res 1996; 25:29-39.
    • 5. Beck AT, Steer RA. Beck Depression Inventory: Manual. USA. The Psychological Corporation; 1993. 20p.
    • 6. Boylan LS, Flint LA, Labovitz DL, Jackson SC, Staner K, Devinsky O. Depression but not seizure frequency predicts quality of life in treatment resistant epilepsy. Neurology 2004; 62:258-61.
    • 7. Bromfield EB, Altshuler L, Leidermann DB, Balish M, Ketter TA, Devinsky O, Post RM, Theodore WH. Cerebral metabolism and depression in patients with complex partial seizures. Arch Neurol 1992; 49:617-23.
    • 8. Ciconelli RM, Ferraz MB, Santos W, MeinãoI, Quaresma MR. Tradução para a língua portuguesa e validação do questionário genérico de avaliação de qualidade de vida SF-36 (Brasil SF-36). Rev Bras Reumatol 1999; 39(3):143-50.
    • 9. Cramer JA, Brandenburg N. Differentiating anxiety and depression symptoms in patients with partial epilepsy. Epilepsy Behav 2005; 6:563-9.
    • 10. Cramer JA, Hammer AE, Kustra RP. Improved mood states with lamotrigine in patients with epilepsy. Epilepsy Behav 2004; 5(5):702-7.
    • 11. Cramer JA, Bum D, reed M, Fanning K. The influence of comorbid depression on quality of life for people with epilepsy. Epilepsy Behav 2003; 4:515-21.
    • 12. Cunha I, Brissos S, Dinis M, Mendes I, Nobre A, Passao V. Comparison between the results of the Symptom Checklist-90 in two different populations with temporal lobe epilepsy. Epilepsy Behav 2003; 4(6):733-9.
    • 13. Farquhar M. Definitions of quality of life: a taxonomy. J Adv Nurs 1995; 32:502-9.
    • 14. Gilliam FG. Optimizing health outcomes in active epilepsy. Neurology 2002; 58(Suppl 5):S9-S19.
    • 15. Gillham R, Bryant-Comstock L, Kane K. Validation of Side Effect and Life Satisfaction (SEALS) Inventory. Seizure 2000; 9(7):458-63.
    • 16. Gorenstein C, Andrade LHSG. Inventário de Depressão de Beck: propriedades psicométricas da versão em português. In: Gorenstein C, Andrade LHSG, Zuardi AW, editores. Escalas de avaliação clínica em Psiquiatria e Psicofarmacologia. São Paulo. Lemos Editorial; 2000. p.89-95.
    • 17. Harden CL. The co-morbidity of depression and epilepsy: epidemiology, etiology and treatment. Neurology 2002; 59(Suppl 4): S48-S55.
    • 18. Hermann BP, Seidenberg M, Bell B, Woodard A, Rutecki P, Sheth R. Comorbid psychiatric symptoms in temporal lobe epilepsy: association with chronicity of epilepsy and impact on quality of life. Epilepsy Behav 2000; 1(13):184-90.
    • 19. Hermann BP, Seidenberg M, Haltiner A, Wyler AR. Mood state in unilateral temporal lobe epilepsy. Biol Psychiatry 1991; 30:1205-18.
    • 20. Jacoby A, Baker GA, Steen N, Potts P, Chadwick DW. The course of epilepsy and its psychosocial correlates: findings from a U.K. community study. Epilepsia 1996; 37:148-61.
    • 21. Kanner AM. Depression in epilepsy: prevalence, clinical semiology, pathogenic mechanisms, and treatment. Biol Psychiatry 2003; 54:388-98.
    • 22. Kanner AM, Rivas Nieto JC. Depressive disorders in epilepsy. Neurology 1999; 53(Suppl 2):S26-S32.
    • 23. Lehrner J, Kalchmayr R, Serles W, Olbrich A, Pataraia E, Aull S, Bacher J, Leutmezer F, GrÃśppel G, Deecke L, Baumgartner C. Health-related quality of life (HRQL), activity of daily (ADL) and depressive mood disorder in temporal lobe epilepsy patients. Seizure 1999; 8:88-92.
    • 24. Muldoon MF. What are quality of life measurements measuring? BMJ 1998; 316:542-5.
    • 25. O'Donoghue MF, Goodridge DM, Redhead K, Sander JW, Duncan. Assessing the psychosocial consequences of epilepsy: a community based study. Br J Gen Pract 1999; 49(440):211-4.
    • 26. Perini GI, Tosin C, Carraro C, Bernasoni G, Canevini MP, Carger R. Interictal mood and personality disorder in temporal lobe epilepsy and juvenile myoclonic epilepsy. J Neurol Neurosurg Psychiatry 1996; 61:601-5.
    • 27. Perini G, Mendius R. Depression and anxiety in complex partial seizures. J Nerv Ment Dis 1984; 172(5):287-90.
    • 28. Quiske A, Helmstaedter C, Lux S, Elger CE. Depression in patients with temporal lobe epilepsy is related to mesial temporal sclerosis. Epilepsy Res 2000; 39:121-5.
    • 29. Robertson MM, Trimble MR, Townsend HRA. Phenomenology of depression in epilepsy. Epilepsia 1987; 24(4):364-72.
    • 30. Schmitz B. Depressive discords in epilepsy. In: Trimble M, Schmitz B, editors. Seizures, affective disorders and anticonvulsant drugs Guildford, UK. Clarius Press LTD 2002; 25-43.
    • 31. Victoroff JI, Benson F, Grafton ST, Engel Jr J. Depression in complex partial seizures. Electroencephalography and cerebral metabolic correlates. Arch Neurol 1994; 51(2):155-63.
  • Endereço para correspondência:
    Rua Borges Lagoa, 1080, cj. 807 - Vila Clementino
    CEP 04038-002, São Paulo, SP, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Jun 2012
    • Data do Fascículo
      2005
    Liga Brasileira de Epilepsia (LBE) Av. Montenegro, 186 sala 505 - Petrópolis, 90460-160 Porto Alegre - RS, Tel. Fax.: +55 51 3331 0161 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: jecnpoa@terra.com.br