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Novas perspectivas na avaliação neuropsicológica em pacientes com epilepsia refratária

News perspectives in epilepsy cirurgy neuropsychological evaluation

Resumos

Passados mais de 50 anos, desde que Brenda Milner começou a avaliar pacientes com epilepsia refratária, os testes utilizados nos centros de cirurgia de epilepsia são praticamente os mesmos. Pouco progresso ocorreu em relação ao surgimento de novas técnicas e métodos mais sensíveis e específicos para este fim. Parece que alcançamos o máximo com as técnicas padrões que possuímos o que nos leva a concluir, que sem a inclusão de novas metodologias, a possibilidade de diagnósticos mais específicos e fidedignos, não será mais possível. Novos paradigmas precisam ser desenvolvidos, assim como técnicas que permitam o mapeamento de funções cognitivas, como a Ressonância Magnética funcional. Neste artigo, discutimos a investigação neuropsicológica de pacientes com epilepsia refratária e questionamos alguns aspectos da avaliação da linguagem e memória, bem como sua utilidade para predizer a extensão dos déficits de memória que poderão ocorrer após a cirurgia. Além disso, fazemos referência as novas perspectivas de investigação neste contexto.

avaliação neuropsicológica; epilepsia refratária; linguagem; memória; Teste do Amobarbital Sódico; Teste de Escuta Dicótica; Ressonância Magnética funcional


More than fifth years have passed since Brenda Milner has started the epilepsy surgery neuropsychological evaluation and tests in use nowadays are mostly the same, i.e., there was little if any progress in terms of the development of new and more sensitive or specific methods. We may have reached the maximum of diagnostic differentiation with standard neuropsychological tests, and without inclusion of experimental test condition, more elaborate diagnostics will not be possible. We have examined several issues relevant to the utility of the current evaluation and also, some alternatives to help making surgery more safe in relation to the cognitive functions. We discuss also, the development of new paradigms to activate cortical functions, like functional Magnetic Resonance. In this article, we discuss neuropsychological investigation of patients epilepsy surgery and whether the approach of memory and language evaluation used is useful in predicting the extent of memory deficits following epilepsy surgery. Moreover, we make reference the new perspectives of investigation in this context.

neuropsychological evaluation; refractory epilepsy; language; memory; Intracarotid Amobarbital Test; Dichotic Listening Test; functional Magnetic Resonance


FÓRUM DE EPILEPSIAS E XXX REUNIÃO DA LIGA BRASILEIRA DE EPILEPSIA

TRABALHOS APRESENTADOS

Novas perspectivas na avaliação neuropsicológica em pacientes com epilepsia refratária

News perspectives in epilepsy cirurgy neuropsychological evaluation

Mirna Wetters Portuguez; Danielle Irigoyen da Costa; Sabine Possa Marroni

Comitê de Neuropsicologia do Capítulo Gaúcho da LBE

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Mirna W. Portuguez Centro Clínico da PUC Av. Ipiranga, 6690 sala 408 90610-000, Porto Alegre/RS mirna@pucrs.br

RESUMO

Passados mais de 50 anos, desde que Brenda Milner começou a avaliar pacientes com epilepsia refratária, os testes utilizados nos centros de cirurgia de epilepsia são praticamente os mesmos. Pouco progresso ocorreu em relação ao surgimento de novas técnicas e métodos mais sensíveis e específicos para este fim. Parece que alcançamos o máximo com as técnicas padrões que possuímos o que nos leva a concluir, que sem a inclusão de novas metodologias, a possibilidade de diagnósticos mais específicos e fidedignos, não será mais possível. Novos paradigmas precisam ser desenvolvidos, assim como técnicas que permitam o mapeamento de funções cognitivas, como a Ressonância Magnética funcional. Neste artigo, discutimos a investigação neuropsicológica de pacientes com epilepsia refratária e questionamos alguns aspectos da avaliação da linguagem e memória, bem como sua utilidade para predizer a extensão dos déficits de memória que poderão ocorrer após a cirurgia. Além disso, fazemos referência as novas perspectivas de investigação neste contexto.

Unitermos: avaliação neuropsicológica, epilepsia refratária, linguagem, memória, Teste do Amobarbital Sódico, Teste de Escuta Dicótica, Ressonância Magnética funcional.

ABSTRACT

More than fifth years have passed since Brenda Milner has started the epilepsy surgery neuropsychological evaluation and tests in use nowadays are mostly the same, i.e., there was little if any progress in terms of the development of new and more sensitive or specific methods. We may have reached the maximum of diagnostic differentiation with standard neuropsychological tests, and without inclusion of experimental test condition, more elaborate diagnostics will not be possible. We have examined several issues relevant to the utility of the current evaluation and also, some alternatives to help making surgery more safe in relation to the cognitive functions. We discuss also, the development of new paradigms to activate cortical functions, like functional Magnetic Resonance. In this article, we discuss neuropsychological investigation of patients epilepsy surgery and whether the approach of memory and language evaluation used is useful in predicting the extent of memory deficits following epilepsy surgery. Moreover, we make reference the new perspectives of investigation in this context.

Key words: neuropsychological evaluation, refractory epilepsy, language, memory, Intracarotid Amobarbital Test, Dichotic Listening Test, functional Magnetic Resonance.

INTRODUÇÃO

Nosso propósito é procurar discutir os recentes avanços e perspectivas na área da neuropsicologia, principalmente no que diz respeito à avaliação no período pré-operatório de pacientes submetidos à cirurgia da epilepsia.

Fazendo algumas considerações sobre condutas que se pode adotar na investigação de pacientes com epilepsia refratária, é importante primeiramente que se faça uma volta ao passado, aos anos 50. Penfield e Milner, ao investigarem a linguagem e memória de um paciente candidato a cirurgia da epilepsia com as técnicas disponíveis na época, chegaram aos seguintes resultados (Penfield e Milner, 1958(1):

– O pneumo-encefalograma identificou o ventrículo lateral esquerdo maior que o direito, concluíram então, que o hemisfério cerebral esquerdo era menor que o direito.

– O eletro-encefalograma (EEG), mostrou uma atividade epileptogênica focal à esquerda e alguma atividade à direita.

– A estimulação cortical em áreas de linguagem, levou a expressão de palavras sem sentido e dificuldades para nomear.

– A avaliação de memória mostrou escores normais.

– Decidiram, após a investigação, realizar uma lobectomia temporal anterior esquerda, incluindo uncus, giro hipocampal e hipocampo. Após a cirurgia, o paciente apresentou-se afásico, confuso, desorientado e com grave déficit de memória. Não reconhecia a equipe do hospital, o examinador, os testes e nem o motivo pelo qual foi operado. Mantinha, entretanto, preservada a recordação do passado.

Quanto a avaliação neuropsicológica, observou-se, que o quociente de memória do paciente, que significa a soma dos escores de funções verbais e visuais, avaliado pelo Weschler Memory Scale, foi de 94 antes da cirurgia, passando para 72 após a lobectomia. No teste de Benton VTR, que avalia memória visual, o paciente passou de escores 5/7 no período pré-cirúrgico, para 2/7 após a cirurgia, mostrando déficits no período pós-operatório.

Foi realizado um EEG após a cirurgia, mostrando, neste momento, uma área epileptogênica no lobo temporal anterior direito, sugerindo, descargas bitemporais.

Uma lesão destrutiva não detectada na zona hipocampal direita, associada à ressecção no lobo temporal mesial esquerdo, privou o paciente de função hipocampal bilateral, levando-o a apresentar amnésia permanente.

PERSPECTIVAS

Aproximadamente 50 anos após, novos conhecimentos e novas técnicas surgiram, possibilitando um maior entendimento da epilepsia e de suas conseqüências. Os avanços permitidos pelas novas técnicas e descobertas na área da epileptologia levam a avaliação neuropsicológica padrão a não ter o mesmo peso que tinha no passado. Com o advento da neuroimagem e das técnicas funcionais tornou-se possível a definição do funcionamento de áreas cerebrais de maneira precisa e consistente. Portanto, novos paradigmas precisam ser desenvolvidos, partindo de um paradigma lesional (onde a função comprometida está associada a área de lesão/ressecção) para um funcional (localizar áreas cerebrais responsáveis por determinadas funções).

O cérebro epileptogênico em desenvolvimento é capaz de grande plasticidade, o que possibilita a reorganização de funções através da formação de novos neurônios, novas conexões, novos receptores e novas redes neurais. Com isto, os métodos neuropsicológicos atuais deverão ser capazes de identificar funções cognitivas que foram reorganizadas ou redistribuídas no cérebro. O conhecimento de que o hemisfério esquerdo é responsável por funções verbais e o hemisfério direito por funções não verbais, hoje em dia, não são mais viáveis e suficientes.

A preocupação principal dos neuropsicólogos que trabalham em um programa de cirurgia de epilepsia é auxiliar na lateralização do foco epileptogênico a partir das disfunções cognitivas encontradas na avaliação neuropsicológica realizada no período pré-cirúrgico. Além disso, atentam-se aos achados clínicos, neurofisiológicos e neurorradiológicos, buscando a congruência dos resultados.

Ao se fazer referência a avaliação neuropsicológica nas epilepsias, deve-se salientar a preocupação com o funcionamento da linguagem e da memória, tendo em vista que aproximadamente 70% dos pacientes com epilepsia refratária apresentam foco epileptogênico no lobo temporal, o qual é responsável por estas funções.

LINGUAGEM

A avaliação da linguagem destaca-se, de maneira especial, na investigação dos pacientes com Epilepsia do Lobo Temporal (ELT), visto que entre os pacientes que apresentam foco no hemisfério esquerdo, existe grande probabilidade de lateralização atípica da linguagem, isto é, da linguagem se desenvolver no hemisfério direito ou nos dois hemisférios (bilateralmente).

A partir de nossa observação e experiência na investigação dos pacientes do Programa de Cirurgia de Epilepsia do Hospital São Lucas da PUCRS (PCE-HSL-PUCRS), constatou-se que existem fatores que podem influenciar a transferência da linguagem para outro hemisfério, de forma total ou parcial, como:

– início das crises em idade precoce (0 a 5 anos), favorecendo a transferência da linguagem pela ótima plasticidade cerebral;

– lesão adquirida, pelo insulto agudo, o que favorece a lateralização atípica da linguagem (influenciando mais do que lesão de desenvolvimento);

– atividade epileptogênica intensa no hemisfério esquerdo, tanto na área anterior do lobo temporal, como em estruturas mesiais, pois sabe-se que pacientes com esclerose mesial temporal também transferem habilidades lingüísticas, apesar da localização do foco distante de áreas típicas de linguagem.

Para conseguirmos estabelecer, com segurança, a lateralização e localização da linguagem visando a preservação das funções de áreas eloqüentes, os testes neuro­psicológicos padrões têm mostrado pouca utilidade. Neste momento, outras técnicas têm se mostrado necessárias, sejam elas invasivas, como o Teste do Amobarbital Sódico (TAS) e a Estimulação Cortical (EC), ou não invasivas, como a Ressonância Magnética funcional (RMf) e o Teste de Escuta Dicótica (TED).

MEMÓRIA

Nossa preocupação na investigação do funcionamento cognitivo de pacientes com epilepsia refratária, concentra-se, também, nas funções de memória, pelo risco potencial de serem evidenciados déficits sutis ou déficits graves (como a amnésia), após a cirurgia.

O envolvimento do lobo temporal esquerdo sempre foi associado à déficits de memória verbal, entretanto, poucos estudos constataram esta mesma relação entre o lobo temporal direito e déficit no desempenho de tarefas visuais.

Os testes neuropsicológicos habitualmente utilizados para avaliação da memória são eficientes quando se trata da memória verbal, entretanto, a associação da disfunção de memória visual ao lobo temporal mesial comprometido, tem gerado incertezas e se tornado um grande desafio. Entre os testes utilizados para avaliação das funções de memória, destaca-se o Weschler Memory Scale, tanto na versão antiga (WMS-R), como na mais atual (WMS-III). Este teste é o mais conhecido, mais utilizado e mais completo, entretanto, sua capacidade para determinar a lateralização da disfunção de memória, assim como de outros testes, é bastante limitada. Apesar do WMS-III con­ter um material mais completo, especialmente com o desempenho de memória visual, a sensibilidade para lateralizar disfunções verbais e visuais ainda deixa a desejar, não sendo totalmente satisfatório na investigação de pacientes com epilepsia refratária candidatos à cirurgia.

A possibilidade de mensurar, nos hemisférios cerebrais, as memórias verbal e não-verbal para verificar a relação destas funções com a localização do foco epileptogênico (áreas temporais esquerda e direita) torna-se difícil, já que os testes para memória não-verbal utilizados nos centros de epilepsia podem ser verbalizados.

Em relação à memória não verbal, sabemos que o processamento de estímulos visuais depende tanto de codificação verbal, quanto não verbal e portanto, poderá envolver ambos hemisférios cerebrais (Barr et al. 2004)(2). Esta questão tem nos levado a procurar desenvolver novos paradigmas na avaliação da memória visual, com a utilização de métodos mais sensíveis para localizar áreas cerebrais responsáveis pelas funções de memória e com isto poder identificar, mais precisamente, as disfunções verbais e não verbais isoladamente e sua correlação anátomo­funcional.

Na tentativa de responder a algumas destas questões, nossas pesquisas no PCE-HSL-PUCRS atualmente procuram:

– verificar qual a melhor tarefa de estimulação da memória visual capaz de ativar o hipocampo direito;

– verificar se a ressecção hipocampal direita ou esquerda, impede o processo de ativação da memória visual;

– estudar os correlatos anátomo-funcionais da memória visual.

Uma das formas de investigação que estamos utilizando, refere-se a memorização e reconhecimento de faces, padrões abstratos e cenas, pela RMf, na tentativa de identificar qual estímulo é mais sensível as funções hipocampais. Após o processamento dos dados, é possível a visualização de áreas cerebrais ativadas durante estes processos, correlacionando estrutura e função. Preliminarmente, temos observado que os padrões abstratos ativam mais o hipocampo direito, o que sugere que este é um padrão mais difícil de ser verbalizado e mais específico para ativar as estruturas envolvidas com estímulos visuais puros. No entanto, nossos resultados ainda estão sendo analisados, não estando concluída esta questão.

Além disso, estamos avaliando os pacientes com ELT, com métodos que procuram investigar a memória visual, de orientação espacial e de localização. Para avaliação da orientação espacial são utilizados testes que possibilitam identificar no espaço, objetos que foram retirados após sua localização ter sido aprendida. Em seguida, sem a percepção visual, o paciente tenta recordar a localização espacial destes objetos.

Para o aprendizado de memória de localização, outro teste utilizado consiste em percorrer uma rota real (caminho) dentro de um ambiente físico. Para este teste, estabelecemos uma rota dentro do hospital, com vários estímulos visuais que servem como pistas para melhor registro na memória, visando avaliar a habilidade em aprender uma rota em um ambiente real (Barrash et al. 2000)(3).

Para avaliação da memória remota espacial solicita­se ao paciente que desenhe a planta de sua casa de infância, a qual é confirmada, após sua realização, por um familiar que tenha morado junto, procurando verificar a recordação de mapas espaciais de ambientes apreendidos no passado (Rosenbaum et al, 2005)(4). Estes procedimentos encontram-se em fase inicial de pesquisa, por isto, não temos ainda resutados.

TESTE DO AMOBARBITAL SÓDICO, RESSONÂNCIA MAGNÉTICA FUNCIONAL E TESTE DE ESCUTA DICÓTICA

Os esforços da medicina em busca da redução dos riscos cirúrgicos baseados nos trabalhos pioneiros de Penfield e seus associados (Penfield & Rasmussen, 1950)(5), originaram o desenvolvimento de técnicas através das quais tornou-se possível "mapear" a expressão funcional das áreas cerebrais relevantes aos procedimentos cirúrgicos.

A sofisticação dos métodos de neuroimagem nas últimas décadas, possibilitou o avanço dos conhecimentos sobre as estruturas e as lesões cerebrais in vivo, sua relação com as síndromes neuropsicológicas e o seguimento prospectivo-evolutivo dos distúrbios cognitivos. Essa cor­relação clínico-anátomo-funcional outrora, somente podia ser obtida através de estudos de necrópsias ou de achados neurocirúrgicos, métodos pouco satisfatórios para o entendimento da complexidade dos sistemas neuropsicológicos. A utilização das técnicas de exame das funções mentais e estrutura cerebral por imagem representa um importante avanço para a neuropsicologia.

Nos centros dedicados à cirurgia da epilepsia em vários países do mundo, os epileptologistas reconhecem a importância da localização de funções corticais, de forma exata e específica, principalmente naqueles pacientes que serão submetidos a procedimentos cirúrgicos em áreas corticais macroscopicamente normais. O mais importante e necessário é o mapeamento do córtex da linguagem e identificação da dominância da memória nos hemisférios cerebrais em pacientes que se submeterão à cirurgia no cérebro, a fim de guiar o neurocirurgião e minimizar os déficits no período pós-operatório.

Entre as técnicas que permitem o mapeamento de funções cognitivas, utilizadas atualmente na avaliação de pacientes com epilepsia refratária, podemos citar o Teste do Amobarbital sódico (TAS) que trata-se de um procedimento eficiente e confiável, o qual já é usado há cerca de 50 anos. Apesar de seu caráter invasivo, é ainda rotina na determinação da lateralização da linguagem e do funcionamento da memória nos dois hemisférios cerebrais, no período pré-operatório. No entanto, entre as técnicas atualmente disponíveis, a Ressonância Magnética funcional (RMf) é uma das alternativas mais promissoras. Este método não invasivo tem várias vantagens, como a possibilidade de mapeamento de áreas relevantes dentro dos hemisférios cerebrais ou do mesmo hemisfério cerebral e de repetição em caso de resultados discordantes.

O TAS é mais confiável para indicar o hemisfério dominante para linguagem, entretanto, não localiza áreas responsáveis pela linguagem. Além disso, a anestesia de todo hemisfério ipsilateral à injeção, leva a um comprometimento de funções de linguagem maior que o prejuízo que poderá ocorrer após ressecção cirúrgica de áreas envolvidas com funções lingüísticas. Já com a técnica da RMf, é possível a localização topográfica das áreas funcionais através da ativação por tarefas determinadas. Além disso, não existe desativação de funções. A RMf também nos permite verificar a organização atípica em relação à aspectos específicos da linguagem, isto é, a dissociação inter hemisférica entre compreensão e expressão verbal, o que pode ser avaliado por tarefas como interpretar histórias e fluência verbal.

Vários estudos mostram a correlação da RMf com o TAS, considerado o padrão ouro, encontrando uma concordância de resultados em cerca de 90%. Pode-se considerar, portanto, a RMf como uma alternativa válida para substitur o TAS (Klöppel e Büchel, 2005)(6). Entretanto, o TAS permanece como a única técnica utilizada no período pré-cirúrgico capaz de fornecer resultados similares aos efeitos da cirurgia.

Como uma alternativa ao TAS e RMf, pode-se também utilizar o Teste de Escuta Dicótica (TED), bastante usado no passado e que ainda apresenta algumas vantagens, principalmente quando não existe a possibilidade de uso de outras técnicas invasivas. O TED consiste na apresentação simultânea de estímulos verbais no ouvido esquerdo (OE) e no direito (OD), consistindo de silabas diferentes, formadas por uma consoante e uma vogal. Tem por finalidade detectar a predominância auditiva, cujo hemisfério cerebral contralateral ao ouvido com predominância auditiva é o dominante para linguagem. As conexões contralaterais permitem o acesso mais direto dos estímulos auditivos do OD ao córtex do hemisfério esquerdo. Isso é possível, porque as vias contralaterais possuem maior número de elementos neurais que levam a supressão das fibras ipsilaterais. Na tentativa de se evitar testes invasivos, estudamos pacientes com epilepsia refratária e candidatos à cirurgia da epilepsia com as técnicas de RMf e TED. Neste estudo, evidenciou-se uma correlação entre os resultados dos dois procedimentos, o que possibilita a utilização do TED na avaliação da linguagem nestes indivíduos, com resultados satisfatórios (Fontoura D, Portuguez MW, 2005)(7).

A RMf estará pronta para substituir o TAS e a EC quando paradigmas da técnica funcional estiverem validados para identificar as regiões responsáveis pela linguagem e pela memória antes da cirurgia com o intuito de predizer déficits no período pós cirúrgico.

Temos que entender a RMf como uma promissora alternativa não invasiva, com excelente resolução espacial e possibilidade de se estudar o cérebro sadio. Para isso, precisamos desenvolver paradigmas seguros que possibilitem ativar, de forma consistente e confiável, as áreas cerebrais correspondentes às funções corticais superiores.

CONCLUSÃO

O cenário atual da pesquisa e clínica em neuropsicologia instiga mudanças. Acredita-se que com paciência e espírito científico podemos levar esta área de conhecimento a contribuir de uma forma mais eficiente na determinação das áreas cerebrais importantes a um procedimento cirúrgico, poupando áreas eloqüentes. Pesquisas são necessárias para elucidar o envolvimento das regiões cerebrais nas mais diversas funções cognitivas em humanos. A fim de tornar mais efetivo esse processo, devemos nos aliar as descobertas tecnológicas e metodológicas que se apresentam, tornando cada vez mais consistentes e elucidativos os resultados da avaliação neuropsicológica dos pacientes com epilepsia.

Received November 20, 2005; accepted Dec. 20, 2005.

  • 1. Penfield W, Milner B. Memory deficit produce by bilateral lesions in the hippocampal zone. Arch Neurol Psychiatry. 1958;79:475-97.
  • 2. Barr W, Morrison C, Zaroff C, Devinsky O. Use of Brief Visuospatial Memory Test-Revised (BVMT-R) in neuropsychological evaluation of epilepsy surgery candidates. Epilepsy & Behavior. 2004;5:175-9.
  • 3. Barrash J, Damásio H, Adolphs R, Tranel D. The neuroanatomical correlates of route learning impairment. Neuropsychologia, 38, 820836, 2000.
  • 4. Rosenbaum SR, Gao Fuqiang RB, Black E, Moscovitch S, Moscovitch M. "Where to?" Remote memory for spatial relations and Landmark identity in former táxi drivers with Alzheimers disease and encephalitis. Jounal of Neuroscience. 2005; 173.
  • 5. Penfield W, Rasmussen T. The cerebral cortex of man. New York: MacMillan; 1950.
  • 6. Klöppel S, Büchel C. Alternatives to the Wada test: a critical view of funcional magnetic resonance imaging in preoperative use. Current Opinion in Neurology. 2005;18:418-23.
  • 7. Fontoura DR, Portuguez MW. Determinaçăo de dominância cerebral para linguagem em pacientes com epilepsia refratária de lobo temporal: Estudo comparativo entre ressonância magnética funcional e teste de escuta dicótica. Dissertaçăo de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005.
  • Endereço para correspondência:
    Mirna W. Portuguez
    Centro Clínico da PUC
    Av. Ipiranga, 6690 sala 408
    90610-000, Porto Alegre/RS
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jun 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Recebido
      20 Nov 2005
    • Aceito
      20 Dez 2005
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