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Percepção do estigma na criança com epilepsia refratária: estudo comparativo entre doenças crônicas na infância

Stigma perception on children with refractory epilepsy: comparative study between chronic diseases in the childhood

Resumos

A epilepsia refratária gera impacto na integração social, tendo repercussões emocionais e neuropsicológicas, possibilitando a vivência do estigma pelo paciente e seus familiares. OBJETIVO: Avaliar a percepção do estigma em crianças com epilepsia refratária e asma grave e em seus respectivos cuidadores, correlacionando os resultados entre estas duas doenças crônicas. Verificar as possíveis diferenças na percepção do estigma entre estes dois grupos de crianças. MÉTODOS: Estudo hipotético-dedutivo-observacional-transversal. A amostra foi constituída de crianças com epilepsia refratária (e seus cuidadores) e do grupo controle constituído por crianças com asma grave (e seus respectivos cuidadores). As avaliações foram realizadas a partir de Escalas de Estigma (Child stigma scale e Parent stigma scale) e Escalas Weschsler de inteligência (WISC III - versão para crianças e WAIS III - versão para adultos) (em critérios de exclusão). RESULTADOS: A análise de variância mostrou que a percepção do estigma é semelhante em ambas doenças, com médias de 22,35 nas crianças com epilepsia e 20,84 naquelas com asma. A maioria das crianças apresentou pontuação na escala de estigma, entre valores médios e altos, sugerindo que a percepção do estigma é significativa. Enquanto que os cuidadores de crianças com epilepsia mostraram média 15,35 e aqueles que cuidam de crianças com asma apresentaram média 15,16, indicando igual vivência de estigma entre os cuidadores.

Epilepsia; estigma; asma; cuidador; criança


The refractory epilepsy causes an impact in the social integration, emotional and neuropsychological repercussions, which make living with the stigma possible by the patient and the patient's family. OBJECTIVE: To evaluate the stigma perception on children who suffer from refractory epilepsy and the severe asthma and also on their caregivers, correlating the results between these two chronic diseases. To check the possible differences in the perception of the stigma between these two groups of children. METHODS: Hypothetical-deductive-observational-transversal research. The sample was done with children who suffer from refractory epilepsy (and their caregivers) and with the control group of children with severe asthma (and their caregivers). The evaluations were realized based on the Stigma scale (Child stigma scale e Parent stigma scale) and the Weschsler intelligence scale (WISC III - child version and WAIS III - adult version) (in exclusion criteria). RESULTS: The analysis of the variances has shown that the stigma perception is similar on both diseases, with average figures of 22, 35 on children with epilepsy and 20, 84 on those with asthma. Most of the children have shown punctuation in the stigma scale, among average and high numbers, suggesting a significant perception of the stigma. While the caregivers of children with epilepsy have shown average 15, 35 and those who take care of children with asthma have presented an average 15, 16, indicating the same living stigma among caregivers.

Epilepsy; stigma; asthma; caregivers; child


ORIGINAL ARTICLE

Percepção do estigma na criança com epilepsia refratária: estudo comparativo entre doenças crônicas na infância

Stigma perception on children with refractory epilepsy: comparative study between chronic diseases in the childhood

Rachel Schlindwein-ZaniniI; Mirna Wetters PortuguezII; Danielle I. CostaIII; Sabine Possa MarroniIV; Jaderson Costa da CostaV

INeuropsicóloga, Doutora em Ciências da Saúde, Área de Concentração: Neurociências pela Faculdade de Medicina (FAMED) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Pós-doutorado em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Representante regional (Santa Catarina) da Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - SBNp. rachelsz@floripa.com.br

IINeuropsicóloga, Doutora em Neurociências pela Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP, professora adjunta em Neurologia da Faculdade de Medicina (FAMED) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS

IIIPsicóloga, pós-graduada em Neuropsicologia das Epilepsia e Neuropsicologia Infantil, Unidade de Neuropsicologia, Serviço de Neurologia, Hospital São Lucas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Mestre em Neurociências pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Professora de Neuropsicologia da Faculdade da Serra Gaúcha

IVFonoaudióloga e acadêmica de Psicologia. Especialista em Linguagem e com aperfeiçoamento em Neuropsicologia das Epilepsias (HSL-PUCRS). Mestre em Ciências da Saúde, Área de Concentração: Neurociências, Faculdade de Medicina (FAMED) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS

VNeurologista, Doutor em Ciências Biológicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, professor titular de Neurologia da Faculdade de Medicina (FAMED) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rachel Schlindwein-Zanini Rua Lauro Linhares, 2123, Torre 1, sala 612 - Bairro Trindade CEP 88036-002, Florianópolis, SC, Brasil E-mail: rachelsz@floripa.com.br

RESUMO

A epilepsia refratária gera impacto na integração social, tendo repercussões emocionais e neuropsicológicas, possibilitando a vivência do estigma pelo paciente e seus familiares. OBJETIVO: Avaliar a percepção do estigma em crianças com epilepsia refratária e asma grave e em seus respectivos cuidadores, correlacionando os resultados entre estas duas doenças crônicas. Verificar as possíveis diferenças na percepção do estigma entre estes dois grupos de crianças.

MÉTODOS: Estudo hipotético-dedutivo-observacional-transversal. A amostra foi constituída de crianças com epilepsia refratária (e seus cuidadores) e do grupo controle constituído por crianças com asma grave (e seus respectivos cuidadores). As avaliações foram realizadas a partir de Escalas de Estigma (Child stigma scale e Parent stigma scale) e Escalas Weschsler de inteligência (WISC III - versão para crianças e WAIS III - versão para adultos) (em critérios de exclusão).

RESULTADOS: A análise de variância mostrou que a percepção do estigma é semelhante em ambas doenças, com médias de 22,35 nas crianças com epilepsia e 20,84 naquelas com asma. A maioria das crianças apresentou pontuação na escala de estigma, entre valores médios e altos, sugerindo que a percepção do estigma é significativa. Enquanto que os cuidadores de crianças com epilepsia mostraram média 15,35 e aqueles que cuidam de crianças com asma apresentaram média 15,16, indicando igual vivência de estigma entre os cuidadores.

Unitermos: Epilepsia, estigma, asma, cuidador, criança.

ABSTRACT

The refractory epilepsy causes an impact in the social integration, emotional and neuropsychological repercussions, which make living with the stigma possible by the patient and the patient's family.

OBJECTIVE: To evaluate the stigma perception on children who suffer from refractory epilepsy and the severe asthma and also on their caregivers, correlating the results between these two chronic diseases. To check the possible differences in the perception of the stigma between these two groups of children.

METHODS: Hypothetical-deductive-observational-transversal research. The sample was done with children who suffer from refractory epilepsy (and their caregivers) and with the control group of children with severe asthma (and their caregivers). The evaluations were realized based on the Stigma scale (Child stigma scale e Parent stigma scale) and the Weschsler intelligence scale (WISC III - child version and WAIS III - adult version) (in exclusion criteria).

RESULTS: The analysis of the variances has shown that the stigma perception is similar on both diseases, with average figures of 22, 35 on children with epilepsy and 20, 84 on those with asthma. Most of the children have shown punctuation in the stigma scale, among average and high numbers, suggesting a significant perception of the stigma. While the caregivers of children with epilepsy have shown average 15, 35 and those who take care of children with asthma have presented an average 15, 16, indicating the same living stigma among caregivers.

Key words: Epilepsy, stigma, asthma, caregivers, child.

INTRODUÇÃO

A epilepsia é um distúrbio crônico muito comum na infância, afetando, aproximadamente, de 5 a 10 crianças em cada 1.000.1 A definição da epilepsia requer a ocorrência da crise epiléptica2, gerando impacto na integração social, repercussões emocionais e neuropsicológicas, possibilitando a vivência do estigma pelo paciente e seus familiares. A epilepsia refratária refere-se à impossibilidade de controle das crises com tratamento por drogas anti-epilépticas (DAEs).

A asma caracteriza-se por inflamação, hiper-reatividade e estreitamento das vias aéreas, desencadeadas por vários estímulos. Na infância, apresenta um quadro clínico variado. Suas características são de difícil diferenciação de outras causas de obstrução das vias aéreas inferiores. A maioria das crianças com asma apresenta episódios recorrentes de sibilância, tosse e/ou dispnéia, os quais são geralmente desencadeados por infecções virais ou, ainda, por exposição a fatores ambientais, tais como alérgenos, ar frio e fumaça de cigarro. Muitas dessas alterações ocorridas nas vias aéreas da criança com asma são devidas a uma resposta inflamatória local.3 O início precoce, o tempo e a gravidade da asma, a deformidade torácica, a hipoxemia, a anorexia crônica, o uso de corticosteróides e o nível socioeconômico são aspectos estudados como potencialmente responsáveis pelo retardo do crescimento desta criança, apesar de resultados conflitantes.4

Acredita-se que a epilepsia refratária, assim como a asma grave, poderia apresentar diversas repercussões na vida das crianças e seus familiares, levando a restrições nos aspectos físicos, sociais e psicológicos dos envolvidos, podendo aumentar o risco de desenvolvimento de desajustes psicossociais.

Primeiramente é interessante saber qual a etiologia da palavra estigma, que é o sentimento ou percepção que se pretende avaliar nesta pesquisa.

O termo estigma origina do latim stígma, sendo sinônimo de cicatriz ou marca infamante.5 Historicamente, a epilepsia é uma condição estigmatizante, que promove a persistência de estereótipos negativos desde épocas passadas até o contemporâneo, limitando a qualidade de vida (QV) das pessoas afetadas, levando ao aumento das taxas de doenças psicológicas e à redução do seu capital social. Assim, o "estigma" refere-se a um atributo que confere profundo descrédito. É estereótipo negativo (que conduz à separação social e à perda do status), de discriminação. O estigma aplica uma concepção à epilepsia como diferença humana social relevante6. A epilepsia tem um agravante histórico que é o estigma religioso. Desde séculos passados, a crise epiléptica foi encarada como uma manifestação diabólica, oposta ao divino, ou mesmo, insana, conferindo, assim, um peso ainda maior ao paciente e seu cuidador.7

Os indivíduos com epilepsia refratária possuem QV deteriorada pelo estigma e pela segregação a que se submetem, além de estarem sujeitos a alta prevalência de casos de depressão.8

Procurou-se, nesta pesquisa, quantificar a vivência de estigma de crianças com epilepsia refratária e verificar se este distúrbio pela sua manifestação clínica é mais estigmatizante do que outra doença crônica, como a asma grave.

OBJETIVO

Avaliar a percepção do estima de crianças com epilepsia refratária e comparar com um grupo controle, neste caso, a asma grave. Verificar as possíveis diferenças na percepção do estigma entre estes dois grupos de crianças e seus cuidadores.

SUJEITOS E MÉTODOS

Estudo hipotético-dedutivo-observacional-transversal . As avaliações foram realizadas a partir de Escalas de Estigma (Child stigma scale9 e Parent stigma scale9), nas quais os escores das crianças podem variar entre 8 e 40 e entre 5 e 25 nos cuidadores), sendo que o registro de um maior número de pontos indica, maior vivência de estigma. As Escalas Wechsler de Inteligência (WISC-III10 e WAIS-III11), foram utilizadas para estabelecer o QI estimado através dos subtestes vocabulário e cubos, tendo em vista que a epilepsia refratária pode estar acompanhada de outras alterações (comorbidades), como o retardo mental/prejuízos cognitivos, que precisam ser distinguidos da epilepsia, para que não venham a "mascarar" os resultados. Já que a presente pesquisa dedica-se ao estigma relacionado à doença crônica (epilepsia refratária e asma), e não as suas comorbidades (que agravam a condição psicológica/neuropsicológica do paciente). Além de, através da testagem de inteligência, garantir que houve um entendimento mínimo necessário a compreensão dos sujeitos às perguntas desta pesquisa.

No intuito de frisar tal justificativa, pode-se citar, como exemplo, a Epilepsia do Lobo Frontal (ELF). Ela pode gerar distúrbios psicológicos e neuropsicológicos, como déficits em funções executivas (cognição, planejamento, linguagem, memória e atenção) e alterações comportamentais (controle de impulsos e agressividade), reforçando a importância do diagnóstico diferencial e da avaliação neuropsicológica.12

A presente pesquisa estudou entre novembro/2005 e julho/2006, o total de 94 indivíduos, subdividos em:

- Grupo 1: constituindo a amostra do estudo, denominado de "Epilepsia". Formado por 17 crianças com epilepsia refratária e 17 cuidadores adultos.

- Grupo 2: constituindo o grupo - controle. Formado por 25 crianças com asma grave e seus 25 cuidadores adultos.

Os adultos apresentaram idades entre 18 e 48 anos e as crianças, idades entre 5 e 12 anos.

No caso do grupo principal, as crianças tinham que contemplar alguns requisitos, como ter diagnóstico há mais de 12 meses de epilepsia refratária com generalização secundária (de acordo com a Escala de Engel para avaliação da gravidade da epilepsia, do nível 7 ao 10), com mais de 24 horas entre a última crise e a avaliação desta pesquisa. Além de apresentarem QI estimado superior a 79, isto é, sem retardo mental.

A amostra foi constituída de crianças e seus cuidadores, atendidas no Ambulatório de Epilepsia do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (HSL-PUCRS), na cidade de Porto Alegre/RS, no Hospital Regional de São José Homero de Miranda Gomes (HRSJ), e no Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago (HU-UFSC), os dois últimos na grande Florianópolis/SC, entre novembro/2005 a julho/2006. O grupo controle foi formando por crianças e seus cuidadores, atendidas no ambulatório de Pneumopediatria do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (HSL-PUCRS), na cidade de Porto Alegre/RS.

Os indivíduos e/ou responsáveis assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, concordando em participar da pesquisa. Essa, por sua vez, foi aprovada pela Comissão de Ética dos citados hospitais.

As decisões estatísticas foram tomadas com um nível de significância de 5% (P<0,05) a partir de análise de variância em delineamento completamente casualisado (one way), aplicando-se o teste F para a comparação dos quadrados médios, da análise de covariância, para a obtenção dos respectivos coeficientes de correlação de Pearson e de determinação, e da análise de regressão. As médias foram contrastadas pelo teste de Duncan.

RESULTADOS

As Escalas de estigma se mostraram de fácil aplicação e precisas na mensuração da percepção do estigma. A análise de variância mostrou que a vivência do estigma é igual em ambas as doenças, com médias de 22,35 nas crianças com epilepsia e 20,84 naquelas com asma. A maioria das crianças apresentou pontuação superior às médias, estando, entre valores médios e altos na escala de estigma. A análise de variância revelou diferenças entre as vivências de estigma das crianças com epilepsia e dos seus cuidadores, assim como o teste Tukey (P<0,05). Os cuidadores de crianças com epilepsia mostraram média 15,35 e aqueles que cuidam de crianças com asma apresentaram média 15,16, não tendo diferença estatisticamente significativa. Indicando igual percepção do estigma entre os cuidadores.

DISCUSSÃO

Atualmente, nota-se a crescente preocupação com a auto-imagem e aceitação social, nesse sentido, o estigma promove percalços, já que confere sentimentos de menos valia ao indivíduo, comprometendo sua auto-estima.

O conceito da auto-estima envolve o que é pensado a respeito de si mesmo (e isto recebe a influência da maneira como os outros percebem o indivíduo), os sentimentos que essas opiniões deflagram e seus reflexos nos relacionamentos afetivos, sociais e educacionais/profissionais13. Ao observar uma criança, cujo psiquismo está em desenvolvimento sob o olhar preconceituoso de terceiros, não é difícil imaginar as "falhas" em sua auto-estima e as repercussões destas na vida cotidiana. Trata-se não só do olhar sobre ela mesma, mas das implicações desse juízo sobre a vida de uma criança com epilepsia ou asma.

Uma auto-estima "fortalecida" traz estabilidade, favorecendo a resistência à adversidade, a capacidade de adaptação ao meio e o bem-estar emocional. O contrário também é verdadeiro. Isto é, crianças "rejeitadas" pelo grupo social apresentam dificuldades para se adaptar ao meio e menor bem-estar emocional. É como se estivessem "mal equipadas" para enfrentar o dia-a-dia. A polivalência da auto-estima, que está envolvida em aspectos essenciais da condição humana (como poder, amor, relação com os outros, status social e medo da morte) relaciona-se com a vivência do estigma.

Pode ocorrer uma maior estigmatização do indivíduo com epilepsia e de seu cuidador quando o paciente tem seqüelas e comorbidades, como, por exemplo, o retardo mental (justificando, nas crianças com epilepsia, a média de 22,35 e de 15,35 em seus cuidadores). Estas evidenciam mais a condição neuropsicológica do indivíduo. Quando uma pessoa tem uma alteração neurológica associada a um distúrbio mental/psicológico poderia, então, viver maior estigmatização. Tendo em vista que a sociedade atribui, freqüentemente, ao doente mental, características de imprevisibilidade e perigo, classificando - os como indesejáveis. Isso reflete o pensamento de senso comum, onde o preconceito baseia-se no desconhecimento desta condição. Tal reação pode iniciar frente ao diagnóstico, que por sua vez, já é estigmatizante.

Logo, cuidar de uma criança com epilepsia tem obviamente reflexos em seu cuidador.14

Em ambas as doenças (epilepsia refratária e asma grave) as crianças mostraram a vivência de estigma, pois ambas tem limitações no âmbito da QV, social, físico e psicológico relacionado à cronicidade e gravidade da epilepsia refratária e da asma grave. Entretanto, os cuidadores de pacientes pediátricos com asma mostram pior qualidade de vida do que aqueles que cuidam dos indivíduos com epilepsia7, tendo em vista que afirmam que vários autores não encontraram aumento de ansiedade nas crianças asmáticas tão expressivo quanto encontraram nos pais dessas crianças15. Em caso de crise grave, a ajuda médica de urgência é necessária, já que os casos de óbito decorrem da ajuda médica não ter sido procurada em tempo hábil. Essa preocupação pode promover um estado de tensão e vigilância na criança e na mãe. É válido frisar que uma criança com asma está suscetível, devido às complicações respiratórias, a idas à Unidade de Emergência Hospitalar para fazer uso de inaladores mais potentes ou até a internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), sendo submetida à intubação orotraqueal, situações essas de grande desgaste, para a mãe junto a seu filho. Tal contexto justifica a média na percepção do estigma de 20.84 nas crianças e 15,16 em seus cuidadores, basicamente mães.

Há condições propícias de um indivíduo perceber-se estigmatizado, como o caso de doenças crônicas, como a epilepsia.

Pode-se dizer que o problema mais importante na epilepsia, está relacionado ao fato de ser uma disfunção neurológica. Essa diferenciação pode permanecer mesmo após a cessação da crise convulsiva. A condição, por envolver o cérebro, é mais fortemente associada com problemas mentais/a quadros psicopatológicos do que quando não ocorre envolvimento cerebral.

Como a epilepsia manifesta um modo diferente no âmbito psicológico quando comparada à asma ou a outra doença similar crônica, convém acrescentar que o simples fato de se ter uma doença neurológica da magnitude da epilepsia já é estigmatizante. Além dos aspectos já comentados, pode-se ressaltar, ainda, a politerapia, as DAEs e seus efeitos colaterais (desde cognitivos até os estéticos, como obesidade, alteração nos cabelos, nas gengivas e dentição, por exemplo). Na asma, os efeitos colaterais das medicações geralmente incluem dispnéia, obesidade, taquicardia, atraso no crescimento, mas não trazem repercussões cognitivas.

Sendo assim, tanto a epilepsia refratária como a asma grave, cada uma em seu universo, trazem repercussões estigmatizadoras ao paciente e seus familiares. Devendo ser mobilizadas preocupações quanto a medidas preventivas que devem recair sobre esses indivíduos.

É distinta a situação do indivíduo adulto com epilepsia quando comparado à criança na mesma condição16. Esses autores desenvolveram a Escala de Estigma de Epilepsia, destinada aos adultos com epilepsia e à comunidade, que apontou o primeiro sinal concreto do estigma da epilepsia como decorrente da falta de informação, da interpretação e do comportamento das pessoas nas diversas situações.

Nesse sentido, ressalta-se a importância de campanhas de conscientização (como a "Epilepsia fora das sombras", da Assistência à Saúde de Pacientes com Epilepsia - ASPE), com a participação dos meios de comunicação, além das pesquisas na área e dos trabalhos de informação, da atuação de associações, como a Associação Brasileira de Epilepsia - ABE, que juntos integram um exército na luta pela saúde, pela dignidade e pela inserção do indivíduo com epilepsia na sociedade.

CONCLUSÕES

A presente pesquisa permitiu afirmar que doenças crônicas e limitantes mostram a tendência de seu portador e cuidador a vivenciar alguma estigmatização. Isso ocorre com a epilepsia e a asma, conforme verificado pelas escalas de estigma. Desse modo, a presente pesquisa conclui que:

- O estigma é expresso similarmente nos infantes (com inteligência normal) com epilepsia refratária e com asma grave. A média obtida nas crianças apresentou pontuação superior às médias, estando, na escala de estigma, entre valores médios e altos.

- Os cuidadores (com inteligência normal) de crianças com epilepsia e aqueles que cuidam de crianças com asma mostraram igual percepção de estigma.

Os dados aqui estudados alertam, também, para a importância dos diversos aspectos que uma doença crônica pode ter, incluindo suas repercussões psicológicas e sociais, que devem ser consideradas pelos profissionais no atendimento do paciente e sua família.

AGRADECIMENTOS

Ao colaborador Eugênio Grillo - Neuropediatra, MSc, do Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago (HU-UFSC).

Received May 16, 2008; accepted June 27, 2008.

Departamento de Neurologia, Faculdade de Medicina - PUCRS

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Jan 2009
    • Data do Fascículo
      Set 2008

    Histórico

    • Aceito
      27 Jun 2008
    • Recebido
      16 Maio 2008
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