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Tratamento das epilepsias parciais

Partial epilepsies treatment

Resumos

As epilepsias parciais constituem a forma mais comum de epilepsia nos indivíduos adultos. As drogas antiepilépticas (DAEs) permanecem como a principal forma de tratamento para os pacientes com epilepsia. Apesar da importância da medicação um número elevado de pacientes permanece sob um regime terapêutico inapropriado ou até mesmo sem qualquer medicação. Existem várias medicações disponíveis para o tratamento das epilepsias. A escolha de uma medicação específica ou a associação entre DAEs deve ser particularizada o máximo possível. Neste artigo revisamos alguns aspectos como classificação, início das crises, idade, sexo, comorbidades, custo e posologia das DAEs e história medicamentosa com a perspectiva de auxiliar nesta individualização do tratamento. Algumas características das principais DAEs disponíveis também são discutidas. Estes aspectos podem auxiliar na criação de um perfil ajudando assim na escolha do regime terapêutico mais apropriado para cada indivíduo. Aspectos práticos como o manuseio dos efeitos adversos, monoterapia e politerapia também são abordados.

Epilepsia parcial; epilepsia focal; tratamento medicametoso; monoterapia; politerapia; drogas antiepilépticas


Partial epilepsies are the most common form of epilepsy in adult individuals. Antiepileptic drugs (AEDs) continue as the main form of treatment for patients with epilepsy. Regardless of the importance of the medication a high number of patients are under inappropriate or not receiving AEDs. There are several medications available for the treatment of epilepsy. The choice of a particular medication or association among AEDs may be individualized as much as possible. In this article some aspects such as classification, onset of the seizures, age, sex, associated medical conditions, cost and posology of AEDs and medical drug history are reviewed. Details of the available AEDs are also discussed. These points may help to create a profile helping the decision for the appropriate AED. Some practical issues like adverse reaction management, monotherapy and politherapy are also discussed.

Partial epilepsy; focal epilepsy; medical treatment; monotherapy; polytherapy; antiepileptic drugs


THEORETICAL AND PRACTICE ASPECTS IN MANAGEMENT OF ANTIEPILEPTIC DRUGS

Tratamento das epilepsias parciais

Partial epilepsies treatment

Luiz Eduardo BettingI; Carlos A. M. GuerreiroII

IDoutor em Neurologia - FCM-UNICAMP

IIProfessor Titular de Neurologia - FCM-UNICAMP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Carlos A. M. Guerreiro Rua Tessália V. Camargo, 126 - CP 6111 CEP 13083-970, Campinas, SP, Brasil E-mail: guerreiro@fcm.unicamp.br

RESUMO

As epilepsias parciais constituem a forma mais comum de epilepsia nos indivíduos adultos. As drogas antiepilépticas (DAEs) permanecem como a principal forma de tratamento para os pacientes com epilepsia. Apesar da importância da medicação um número elevado de pacientes permanece sob um regime terapêutico inapropriado ou até mesmo sem qualquer medicação. Existem várias medicações disponíveis para o tratamento das epilepsias. A escolha de uma medicação específica ou a associação entre DAEs deve ser particularizada o máximo possível. Neste artigo revisamos alguns aspectos como classificação, início das crises, idade, sexo, comorbidades, custo e posologia das DAEs e história medicamentosa com a perspectiva de auxiliar nesta individualização do tratamento. Algumas características das principais DAEs disponíveis também são discutidas. Estes aspectos podem auxiliar na criação de um perfil ajudando assim na escolha do regime terapêutico mais apropriado para cada indivíduo. Aspectos práticos como o manuseio dos efeitos adversos, monoterapia e politerapia também são abordados.

Unitermos: Epilepsia parcial, epilepsia focal, tratamento medicametoso, monoterapia, politerapia, drogas antiepilépticas.

ABSTRACT

Partial epilepsies are the most common form of epilepsy in adult individuals. Antiepileptic drugs (AEDs) continue as the main form of treatment for patients with epilepsy. Regardless of the importance of the medication a high number of patients are under inappropriate or not receiving AEDs. There are several medications available for the treatment of epilepsy. The choice of a particular medication or association among AEDs may be individualized as much as possible. In this article some aspects such as classification, onset of the seizures, age, sex, associated medical conditions, cost and posology of AEDs and medical drug history are reviewed. Details of the available AEDs are also discussed. These points may help to create a profile helping the decision for the appropriate AED. Some practical issues like adverse reaction management, monotherapy and politherapy are also discussed.

Key words: Partial epilepsy, focal epilepsy, medical treatment, monotherapy, polytherapy, antiepileptic drugs.

Introdução

As epilepsias parciais constituem a forma mais comum de epilepsia no adulto.1 O tratamento apropriado é de fundamental importância e tem como objetivo prevenir a ocorrência de crises epilépticas proporcionando melhor qualidade de vida para o paciente. O tratamento medicamentoso permanece sendo a principal forma de terapia para os pacientes com epilepsia. Apesar da disponibilidade das medicações e dos avanços nesta área, 38% dos pacientes permanecem recebendo tratamento inadequado e até 20% dos pacientes com epilepsia permanecem sem medicações.2

As epilepsias parciais são caracterizadas por crises parciais simples e complexas.3 Nas crises parciais simples o paciente não perde a consciência e na maioria das vezes é capaz de descrever os sintomas. A descrição desta aura pelo paciente é de fundamental importância, pois a sua descrição tem valor localizatório permitindo a identificação da região em que a crise se inicia (foco epileptogênico). Nas crises parciais complexas o paciente perde a consciência ficando impossibilitado de descrever a manifestação clínica. Nesta situação é de vital importância detalhar a semiologia com uma pessoa que tenha testemunhado a crise. De forma semelhante as crises parciais simples, a semiologia depende do local de início das crises e também pode auxiliar na localização do foco epileptogênico. Eventualmente, crises parciais simples ou complexas podem evoluir para crises tônico-clônicas generalizadas. Esta generalização secundária das crises não auxilia na localização da zona de início ictal.

Idealmente, o tratamento das epilepsias deveria ser realizado de forma individualizada com uma medicação específica para cada paciente. Apesar dos avanços nas pesquisas esta possibilidade permanece distante da prática clínica. Entretanto, as múltiplas medicações disponíveis associado com inúmeras apresentações, dosagens e possibilidades de combinações entre as drogas antiepilépticas (DAEs) permitem que o tratamento possa ser realizado de forma bastante particular para cada paciente. Deste modo, para a realização do tratamento das epilepsias uma série de situações podem influenciar a escolha das DAEs.

1 Classificação da epilepsia

O primeiro passo para o tratamento é classificar a epilepsia. A distinção deve ser realizada pelo menos entre epilepsias parciais e generalizadas. Esta divisão é de grande importância uma vez que algumas medicações utilizadas para as epilepsias parciais como carbamazepina e fenitoína podem exacerbar crises em pacientes com epilepsias generalizadas.4

A classificação auxilia não só a escolha da DAE como também permite a realização de inferências sobre a etiologia e o prognóstico das epilepsias. A etiologia deve ser determinada de forma mais precisa o possível. Para a classificação das epilepsias e determinação da etiologia a associação entre história clínica/exame neurológico, eletroencefalograma (EEG) e neuroimagem (especialmente ressonância magnética) é de grande importância. De acordo com a classificação, e especialmente a etiologia, é possível traçar um perfil do paciente possibilitando a previsão da resposta ao tratamento medicamentoso. Deste modo, epilepsias sintomáticas secundárias a lesões estruturais como acidente vascular cerebral, malformações vasculares e tumores apresentam uma melhor chance de controle das crises em relação aos pacientes com atrofia hipocampal e displasias corticais, que tendem a ter um pior controle das crises.5 Assim, neste último grupo de pacientes a escolha do tratamento deve priorizar medicações que permitam uma maior dosagem e utilização a longo prazo com menor número de efeitos adversos como por exemplo carbamazepina, oxcarbazepina e lamotrigina.

2 Epilepsia recém-diagnosticada

O reconhecimento da fase em que a epilepsia se encontra é muito importante para determinar o tratamento ou as modificações terapêuticas em pacientes com epilepsia. Assim, o tratamento é distinto para pacientes com crise única, epilepsia recém-diagnosticada, epilepsia crônica controlada e epilepsia crônica não controlada.

a) Crise epiléptica única

A decisão de iniciar o tratamento em pacientes com crise única permanece controversa. De forma geral a chance de recorrência após uma primeira crise epiléptica se encontra por volta de 20%.6 Após uma segunda crise, a chance de recorrência aumenta de forma considerável passando a ser 73%.7 Em decorrência destes dados epidemiológicos geralmente frente a uma crise única, o tratamento não é indispensável. Entretanto, todo o contexto clínico deve ser avaliado. Alguns estudos randomizados mostraram que o uso de DAEs pode reduzir o risco da recorrência das crises.8 Portanto, mesmo frente a uma crise única, o tratamento pode ser considerado em pacientes que apresentem maior chance de recorrência das crises (Tabela 1) ou com maior risco de morbi-mortalidade em decorrência de uma nova crise (risco ocupacional, paciente com múltiplas comorbidades, idosos).

b) Epilepsia recém-diagnosticada

Para a introdução da DAE o diagnóstico de epilepsia deve estar bem firmado. A principal forma de estabelecer o diagnóstico ainda é a história clínica realizada de forma detalhada. Nos casos duvidosos além do EEG e da ressonância magnética, o vídeo-EEG pode ser de grande valor especialmente no diagnóstico diferencial entre crises epilépticas e eventos não-epilépticos.

A escolha da terapia inicial para pacientes com epilepsia recém-diagnosticada é provavelmente o ponto mais importante do tratamento das epilepsias. Com o primeiro tratamento adequado, aproximadamente 40% dos pacientes ficaram livres de crises.8 É preciso ter em mente que o tratamento a ser selecionado não será utilizado em curto prazo e muito provavelmente permanecerá durante anos. Para epilepsias parciais recém-diagnosticadas, as principais medicações a serem consideradas são a carbamazepina, oxcarbazepina, fenitoína, lamotrigina e topiramato.9,10 Em unidades de emergência, quando é necessário uma introdução medicamentosa mais rápida, a fenitoína é a medicação de escolha em nosso meio devido a sua disponibilidade na forma injetável.

c) Epilepsia crônica controlada

Frente a um paciente com epilepsia parcial com bom controle medicamentoso e durante o seguimento de pacientes com epilepsia em geral, atenção especial deve ser voltada para a presença de efeitos adversos. A presença de efeitos adversos dose dependentes pode ser controlada com redução nas doses. Os efeitos dose dependentes mais comuns são ataxia, diplopia, tonturas, cefaléia, ganho de peso, náuseas e alterações cognitivo-comportamentais. Efeitos adversos idiossincrásicos não estão relacionados a dose da medicação e podem ocorrer até mesmo anos após o início da medicação. A apresentação clínica mais comum dos efeitos adversos idiossincrásicos são as reações cutâneas. Estes efeitos adversos devem ser tratados de forma mais agressiva inclusive com a interrupção abrupta da DAE em certas situações.11 Para efeitos adversos de longo prazo, em pacientes com bom controle das crises, a retirada ou troca da medicação, dependendo da situação, deve ser avaliada. Em pacientes livres de crises a discussão sobre a retirada da medicação pode ser considerada. Estudos indicam que a chance de recorrência de crises após um período de 2 anos sem crises está por volta de 30% (Tabela 2).12

d) Epilepsia não controlada

Em aproximadamente 30% dos pacientes com epilepsia as crises epilépticas serão refratárias ao tratamento com monoterapia.13 Diante da suspeita de epilepsia refratária é importante explorar a aderência ao tratamento medicamentoso e rever o diagnóstico de epilepsia. Com relação ao tratamento medicamentoso, devemos avaliar a possibilidade de trocar a monoterapia ou adicionar uma outra medicação. Na verdade, as duas opções podem ser adequadas dependendo da situação. Se a monoterapia inicial foi bem tolerada e apresentou um efeito parcial no controle das crises uma segunda DAE pode ser iniciada. Por outro lado, em pacientes que não apresentaram boa tolerância além do controle inadequado das crises a troca da monoterapia pode ser a melhor opção.

Frente a uma epilepsia refratária ao tratamento medicamentoso, a investigação e a avaliação para o tratamento cirúrgico devem ser considerados. A politerapia medicamentosa pode ser tentada com o conhecimento de que uma porcentagem baixa destes pacientes (3%-10%) ficaram livres de crises.8,14

3 Idade

A idade deve ser levada em conta uma vez que o tratamento é bastante distinto especialmente em crianças e idosos. Em idosos, o diagnóstico de epilepsia pode ser bastante difícil.15 Além disso, alterações na absorção gastro-intestinal e diminuição das funções hepática, renal e da ligação proteica ocorrem com o envelhecimento. Por estes motivos, as doses necessárias para o controle das crises em indivíduos idosos geralmente são menores. Para dificultar ainda mais, a população de indivíduos idosos é bastante heterogênea. Todas estas particularidades dificultam a escolha da DAE mais apropriada. Outro ponto importante de preocupação em indivíduos idosos são os efeitos adversos. Alterações ósseas, ataxia que pode levar a quedas, tonturas e alterações cognitivas são especialmente relevantes nesta população. Além disso, é preciso lembrar da interação com outras medicações uma vez que freqüentemente estes pacientes utilizam medicações para outras patologias. A carbamazepina é bem tolerada especialmente quando ajustada de acordo com as alterações no metabolismo. Outras opções são a gabapentina, oxcarbazepina e lamotrigina.

4 Sexo

Em mulheres, além de considerar as características das medicações, é preciso levar em conta a possibilidade de gestação, os efeitos na esfera cosmética e as alterações no metabolismo ósseo.

A Tabela 3 resume as principais orientações para o tratamento de pacientes jovens e gestantes com epilepsia. De modo geral, é muito importante ressaltar a necessidade da aderência ao tratamento, dar preferência a monoterapia na dose mínima necessária para o controle das crises e utilizar o ácido fólico 5mg/dia de forma rotineira em mulheres jovens.

Medicações que apresentam efeitos adversos na esfera cosmética como fenitoína e valproato devem ser evitadas em mulheres. O valproato deve ser evitado também devido ao ganho de peso e o topiramato pode ser uma boa escolha para pacientes com obesidade.

Apesar dos homens também estarem sujeitos as patologias ósseas, as mulheres apresentam um risco maior devido a múltiplos fatores incluindo a perda de estrogênio na menopausa. Pacientes com epilepsia em uso de DAE apresentam risco para patologias ósseas. Propensão a quedas e alterações na densidade mineral e na qualidade óssea contribuem para o risco aumentado de fraturas. As DAEs comumente envolvidas nas alterações do metabolismo ósseo são as indutoras do sistema enzimático citocromo P450 incluindo fenitoína, fenobarbital, primidona e carbamazepina.16-18 O valproato também afeta o metabolismo ósseo e dados sobre as DAEs mais recentes são escassos.19 Estes pacientes precisam ser cuidadosamente acompanhados e a densitometria deve ser considerada. Encaminhamento para um especialista deve ser realizado frente a suspeita ou evidência de patologia óssea.

5 Patologias concomitantes

A presença de outras patologias pode auxiliar na escolha da medicação. Assim a presença de migrânea pode favorecer o uso do valproato, gabapentina ou topiramato. Pacientes com psicopatologias como depressão podem se beneficiar do uso da carbamazepina, oxcarbazepina, gabapentina e do valproato. Primidona e o topiramato podem ser úteis em pacientes com tremor. Para dor neuropática podem ser utilizadas a carbamazepina, oxcarbazepina, fenitoína, gabapentina, lamotrigina e topiramato.20,21

6 Custo e posologia das medicações

O custo e a posologia das medicações precisam ser seriamente considerados antes da introdução da medicação. Em pacientes com nível social mais baixo medicações com distribuição pelo sistema de saúde e que permitam um menor número de tomadas diárias são mais adequadas favorecendo maior aderência ao tratamento.

Com relação a posologia, intervalos inapropriados entre as tomadas podem levar a problemas na tolerância e na eficácia das medicações.22 Este problema ocorre especialmente para medicações com janelas terapêuticas estreitas. Um exemplo é a carbamazepina. Muitos pacientes apresentam toxicidade com a carbamazepina em altas dosagens e escape de crises se a concentração da medicação é muito baixa. Devido a sua meia-vida de 16 horas, o nível sérico da carbamazepina permanece mais estável com 3 ou 4 tomadas diárias. As apresentações com liberação controlada reduzem as oscilações na concentração sanguínea das medicações permitindo o uso em uma ou duas tomadas diárias.

7 História medicamentosa

Várias DAEs consistem em potentes indutores hepáticos. Este efeito ocorre em virtude da indução do maior sistema enzimático oxidante presente no fígado a superfamília do citocromo P450. Assim a farmacocinética das DAEs e de outras medicações utilizadas pelo paciente devem ser consideradas e o ajuste das dosagens deve ser realizado de maneira apropriada.

Antecedentes de reações alérgicas também devem ser levados em conta. Carbamazepina, fenitoína e fenobarbital são medicações que apresentam composição aromática aumentando assim a chance de hipersensibilidade cruzada.23

Princípios Gerais para o Manuseio das Drogas Antiepilépticas: Como minimizar efeitos adversos

A titulação ambulatorial das DAEs deve ser realizada de forma gradativa. As DAEs devem ser ajustadas com o objetivo de fazer com que os pacientes fiquem livres de crises sem efeitos adversos. Este equilíbrio pode ser difícil de ser atingido uma vez que todas as DAEs podem potencialmente causar efeitos adversos dose dependente. Estes efeitos podem ser melhorados com a redução da dosagem da medicação, redução ou eliminação de politerapia ou substituição do esquema terapêutico por uma DAE melhor tolerada. Assim o aumento gradual das dosagens minimiza os riscos de efeitos adversos. A dose mínima necessária deve ser utilizada para o controle das crises. De modo semelhante, a retirada ou troca das DAEs também deve ser realizada de forma gradual reduzindo as chances de ocorrerem escapes de crises nesta situação mais vulnerável em que as concentrações das medicações não estão estáveis.

A preferência deve ser dada ao tratamento em monoterapia. A politerapia aumenta os riscos de efeitos adversos e não apresenta vantagem sobre o controle das crises em comparação com a monoterapia.

Tratamento das Epilepsias Parciais: Monoterapia

Várias DAEs podem ser utilizadas para o tratamento das epilepsias parciais. Estudos indicam que a maioria das medicações apresenta eficácia semelhante. Deste modo o principal ponto a ser considerado na escolha da DAE passa a ser o seu perfil de tolerabilidade. A monoterapia pode ser realizada com DAEs tradicionais como carbamazepina, fenitoína, fenobarbital e valproato ou pode ser realizada com novas drogas como oxcarbazepina, lamotrigina, topiramato e gabapentina.

a) DAEs tradicionais

Carbamazepina: Devido ao perfil de tolerabilidade, custo, disponibilidade na rede pública e baixo número de efeitos adversos constitui a primeira escolha para o tratamento em monoterapia das crises parciais.24 Seu mecanismo de ação está relacionado com o bloqueio de canais de sódio.25

Fenitoína: Representa uma boa opção para o tratamento das epilepsias em especial nas unidades de emergência devido a sua apresentação parenteral. Apresenta eficácia semelhante a carbamazepina. Entretanto, sua utilização em longo prazo e especialmente em mulheres deve ser realizada com cautela devido aos efeitos adversos como hiperplasia gengival, hirsutismo e alterações na estética facial. Seu mecanismo de ação também está relacionado com o bloqueio de canais de sódio.26

Fenobarbital: Pode ser utilizado para o tratamento das epilepsias parciais. Devido ao custo acessível, disponibilidade na rede pública e utilização em uma tomada diária pode ser considerado em pacientes com dificuldade de aderência ao tratamento. O fenobarbital tem apresentação parenteral também podendo ser utilizado nas unidades de emergência. Suas desvantagens principais são os efeitos adversos na esfera cognitiva e comportamental. Seu mecanismo de ação está relacionado aos canais de cloro e a duração da atividade neuronal induzida pelo ácido gama-aminobutírico (GABA).27

Valproato: Sua principal utilidade é no tratamento das epilepsias generalizadas. Apresenta boa eficácia no tratamento das epilepsias parciais também. Os principais efeitos adversos são tremor, queda de cabelo, irregularidades menstruais, ganho de peso e edema. O valproato não leva a indução enzimática e sua associação pode elevar o nível de outras DAEs. O mecanismo de ação do valproato está relacionado aos canais de sódio e a inibição neuronal mediada pelo GABA.1,26

b) DAEs novas

Oxcarbazepina: Perfil e mecanismo de ação semelhante a carbamazepina. Estudos indicam um melhor perfil em termos de tolerabilidade e interações medicamentosas, em parte porque a oxcarbazepina não induz o sistema microssomal hepático P450.28 Portanto, a oxcarbazepina constitui uma das medicações de escolha para o tratamento das epilepsias parciais e pode ser considerada uma boa opção para o tratamento de indivíduos idosos. Assim como a carbamazepina pode levar a hiponatremia, ainda que mais comumente que a carbamazepina, principalmente em doses altas, idosos ou pacientes em uso de vários medicamentos como diuréticos e antidepressivos.

Topiramato: Também constitui boa opção para o tratamento das epilepsias parciais. Representa boa escolha para pacientes que apresentem obesidade ou migrânea como comorbidades. Sua titulação deve ser realizada de forma muito lenta minimizando efeitos adversos. Existe risco aumentado de litíase renal. Apresenta múltiplos mecanismos de ação entre eles bloqueio dos canais de sódio e aumento da ação inibitória do GABA.29

Lamotrigina: DAE de amplo espectro de ação. Pode ser utilizada para epilepsias parciais e generalizadas. Estudos recentes, controversos com relação à metodologia empregada, sugerem um melhor perfil de tolerabilidade da lamotrigina em comparação com outras DAEs favorecendo sua escolha para monoterapia inicial em pacientes com epilepsia parcial.30,31 Rash cutâneo pode aparecer em 5% dos adultos e raramente pode ocorrer síndrome de Stevens-Johnson (<1%).29 A titulação lenta diminui o risco de efeitos adversos mais sérios. O mecanismo de ação da lamotrigina está relacionado com a inibição das correntes de sódio.32

Gabapentina: Como vantagens apresenta um bom perfil de tolerabilidade. A eliminação da gabapentina é realizada pelos rins e não metabolizada, diferentemente das outras DAEs. Pode ser uma boa opção em idosos em especial com alterações neuropáticas associadas. Seu efeito modesto no controle das crises e a necessidade de elevadas dosagens são as principais desvantagens. Sua ação está relacionada com a inibição das correntes de sódio e provavelmente com o aumento da ação do GABA.29

Tratamento das Epilepsias Parciais: Politerapia

Nos pacientes que permanecem apresentando crises após a utilização de uma monoterapia em máxima dose tolerada. Uma segunda monoterapia com outra DAE deve ser tentada. Caso as crises permanecem, uma opção seria a politerapia. Uma minoria dos pacientes ficam livres de crises nesta situação, entretanto a tentativa é válida uma vez que alguns pacientes irão responder ao tratamento. Para a politerapia cuidados especiais devem ser tomados para a seleção das DAEs e no seguimento do pacientes:

a) Seleção da DAEs para politerapia

- Idealmente para a politerapia medicações com mecanismos de ação distintos devem ser utilizadas. Assim combinações como DAEs tradicionais com benzodiazepínicos como o clobazam são preferíveis. O clobazam é um benzodiazepínico que apresenta uma estrutura diferenciada levando a uma melhor tolerância e menor sedação. Pode ser associado com valproato e carbamazepina ou utilizado de forma intermitente nas exacerbações das crises.1,33

- A associação de valproato e lamotrigina também parece ser sinérgica no controle das epilepsias focais.

- A associação do topiramato às demais DAE utilizadas para epilesia focal também tem sido uma combinação útil na politerapia.

b) Seguimento dos pacientes

A politerapia aumenta as chances de efeitos adversos. Na gestação o risco de teratogenicidade é maior, os efeitos relacionados ao metabolismo ósseo e os efeitos adversos dose dependentes também são exacerbados. Assim, durante o acompanhamento, o paciente deve ser avaliado de forma cuidadosa buscando por estes efeitos e a prevenção e orientações quanto aos efeitos na gestação devem ser realizados de forma ainda mais contundente.

Falha no Tratamento Medicamentoso

No caso de refratariedade ao tratamento medicamentoso, alguns passos devem ser adotados. Em primeiro a revisão do diagnóstico de epilepsia. Em seguida verificar se o paciente realmente apresenta crises parciais. A aderência ao tratamento deve ser exaustivamente pesquisada.

Na presença de focalidades e congruência entre a semiologia-exame neurológico, EEG e neuroimagem o encaminhamento para o tratamento cirúrgico deve sempre ser considerado. Um atraso no tratamento cirúrgico em pacientes com indicação clara pode ser prejudicial. Os resultados cirúrgicos são bons em pacientes com focalidades congruentes. Um exemplo é a epilepsia de lobo temporal que apresenta uma porcentagem de 60-70% dos adultos livres de crises.34

No caso de pacientes que não querem ou não apresentem a possibilidade de tratamento cirúrgico e com epilepsia crônica refrataria, é preciso atentar para o tratamento de comorbidades psiquiátricas especialmente déficit de atenção, ansiedade e depressão. A falha na identificação e tratamento destas comorbidades representam o maior impacto para a qualidade de vida dos pacientes com epilepsia. Diversos estudos mostram que a depressão constitui o principal preditor de uma qualidade de vida ruim.35-38

Received July 28, 2008; accepted Aug. 22, 2008.

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  • Endereço para correspondência:
    Carlos A. M. Guerreiro
    Rua Tessália V. Camargo, 126 - CP 6111
    CEP 13083-970, Campinas, SP, Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Ago 2009
    • Data do Fascículo
      Nov 2008

    Histórico

    • Aceito
      22 Ago 2008
    • Recebido
      28 Jul 2008
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