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Farmacogenética e antiepilépticos (farmacologia das drogas antiepilépticas: da teoria à prática)

Pharmacogenetic and antiepileptics

Resumos

A otimização do uso de antiepilépticos para o tratamento da epilepsia freqüentemente é comprometido pela falta de resposta terapêutica, efeitos colaterais inesperado ou variações inexplicadas dos níveis séricos dos antiepilépticos. A presença de polimorfismo do DNA destes indivíduos está implicada em alterações no transporte de drogas, receptores cerebrais, metabolização de drogas e efeitos colaterais idiossincrásicos graves, que podem explicar partes dos problemas. A maioria dos antiepilépticos são metabolizados pela via do Citocromo P450 ou da UDP-glucoronil-transferase. As enzimas do Citocromo P450 com maior significado clínico são CYP1A2, CYP2D6, CYP2C9, CYP2C19 e CYP3A4. A fenitoina é metabolizados pelo CYP2C9 e CYP2C19, cujos polimorfismos reduzem a atividade metabólica em até 27-54%, ocorrendo em 20-30% da população, variando conforme a origem étnica do indivíduo. A utilização da farmacogenética no tratamento de pessoas com epilepsia é bastante promissora, porém mais estudos são necessários.

Farmacogenética; antiepilépticos; epilepsia; citocromo P450; polimorfismos


The optimized use of antiepileptic drugs to treatment of epilepsy is usually compromised by lack of therapeutic response, unexpected side effects and unexplained variations of antiepileptics plasma levels. The presence of DNA polymorphism in these persons is associated to alterations on drug transportation, cerebral drug receptors, drug metabolization or severe idiosyncratic side-effects, which could explain some of these problems. Most of antiepileptics are metabolized by cytochrome P450 or UDP-glucoronosyl-transferase. The cytochrome P450 enzymes more clinically significant are CYP1A2, CYP2D6, CYP2C9, CYP2C19 and CYP3A4. Phenytoin is metabolized by CYP2C9 e CYP2C19, and polymorphism reduce metabolic activity to 27-54%, occurring at 20-30% of population, according to the person ethnic origin. The use of pharmacogenetics in the treatment of person with epilepsy has a large potential, but more studies are necessary.

Pharmacogenetic; antiepileptics; epilepsy; cytochrome P450; polymorphisms


THEORETICAL AND PRACTICE ASPECTS IN MANAGEMENT OF ANTIEPILEPTIC DRUGS

Farmacogenética e antiepilépticos (farmacologia das drogas antiepilépticas: da teoria à prática)

Pharmacogenetic and antiepileptics

Carlos Silvado

Neurologia do Hospital de Clínicas Universidade Federal do Paraná

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Carlos Silvado Hospital de Clínicas Universidade Federal do Paraná Rua General Carneiro 181 3º andar Bloco Central CEP 80069-000, Curitiba, PR E-mail: silvado@hc.ufpr.br

RESUMO

A otimização do uso de antiepilépticos para o tratamento da epilepsia freqüentemente é comprometido pela falta de resposta terapêutica, efeitos colaterais inesperado ou variações inexplicadas dos níveis séricos dos antiepilépticos. A presença de polimorfismo do DNA destes indivíduos está implicada em alterações no transporte de drogas, receptores cerebrais, metabolização de drogas e efeitos colaterais idiossincrásicos graves, que podem explicar partes dos problemas. A maioria dos antiepilépticos são metabolizados pela via do Citocromo P450 ou da UDP-glucoronil-transferase. As enzimas do Citocromo P450 com maior significado clínico são CYP1A2, CYP2D6, CYP2C9, CYP2C19 e CYP3A4. A fenitoina é metabolizados pelo CYP2C9 e CYP2C19, cujos polimorfismos reduzem a atividade metabólica em até 27-54%, ocorrendo em 20-30% da população, variando conforme a origem étnica do indivíduo. A utilização da farmacogenética no tratamento de pessoas com epilepsia é bastante promissora, porém mais estudos são necessários.

Unitermos: Farmacogenética, antiepilépticos, epilepsia, citocromo P450, polimorfismos.

ABSTRACT

The optimized use of antiepileptic drugs to treatment of epilepsy is usually compromised by lack of therapeutic response, unexpected side effects and unexplained variations of antiepileptics plasma levels. The presence of DNA polymorphism in these persons is associated to alterations on drug transportation, cerebral drug receptors, drug metabolization or severe idiosyncratic side-effects, which could explain some of these problems. Most of antiepileptics are metabolized by cytochrome P450 or UDP-glucoronosyl-transferase. The cytochrome P450 enzymes more clinically significant are CYP1A2, CYP2D6, CYP2C9, CYP2C19 and CYP3A4. Phenytoin is metabolized by CYP2C9 e CYP2C19, and polymorphism reduce metabolic activity to 27-54%, occurring at 20-30% of population, according to the person ethnic origin. The use of pharmacogenetics in the treatment of person with epilepsy has a large potential, but more studies are necessary.

Key words: Pharmacogenetic, antiepileptics, epilepsy, cytochrome P450, polymorphisms.

Freqüentemente no tratamento de pacientes com epilepsia nos deparamos com pacientes que não respondem ao tratamento medicamentoso, apresentam efeitos colaterais graves mesmo em baixas dosagens das drogas antiepilépticas (DAE) ou necessitam de doses muito elevadas para obter um controle adequado das crises epilépticas. A variação na resposta às DAE deve-se a vários mecanismos e é quase sempre imprevisível, porém existem diversas evidências no perfil genético do indivíduo que podem ajudar na individualização do tratamento medicamentoso.12

A presença de polimorfismos do DNA, que ocorre em torno de 1% da população e varia conforme a etinicidade do indivíduo, levará a síntese de proteínas alteradas, que irão afetar os sistemas de metabolização e excreção, transporte e receptores das drogas, conseqüentemente afetando a eficácia, tolerabilidade e características farmacocinéticas e farmacodinâmicas das DAE.

Estes fenômenos são objeto da Farmacogenética que visa, utilizando as características do perfil genético do indivíduo, prever a resposta e eficácia da droga, bem como os potenciais efeitos adversos.3 Swen e col. define Farmacogenômica como a "individualização da terapia medicamentosa, mediante a seleção da medicação ou ajuste da dose, baseado na avaliação direta (genotipagem) ou indireta (fenotipagem) da constituição genética da pessoa para resposta à medicação.4

Uma busca no PubMed (www.pubmed.gov) por artigos publicados no período de 2000 a 2008, utilizando os termos (pharmacogenetics OR pharmacogenomics) AND (epilepsy OR antiepileptics OR anticonvulsants), identificou 170 trabalhos, sendo 70 deles revisões (41,2%). O período de 2000 a 2005 teve em média 13,3 artigos por ano, com um aumento significativo nos anos 2006 (31 artigos), 2007 (34 artigos) e 2008 (14 artigos até agora). Estes números demonstram que, apesar do interesse e até entusiasmo pelo assunto, ainda existem poucos trabalhos, a maioria com séries pequenas, não controlados e com populações de características muito variadas, que dificultam a melhor compreensão e utilização da farmacogenética no atendimento de pacientes com epilepsia.

Dentre as diversas revisões sobre o papel da farmacogenética no tratamento da epilepsia publicadas recentemente5,6,7,8,3,5,9,10 destaca-se a de Löchers e col. por abordar de forma crítica o impacto da farmacogenética no tratamento de epilepsia.3

Para compreender as alterações farmacocinéticas (ação do indivíduo sobre a droga ou dose da droga e nível da droga) e farmacodinâmicas (ação da droga sobre o indivíduo ou nível da droga e feitos colaterais) envolvidas na farmacogenética das DAE é necessário conhecer previamente os principais conceitos de farmacologia clínica. Uma excelente demonstração interativa online deles está disponível em www.icp.org.nz.11

Podemos dividir a interferência dos polimorfismos genéticos no uso de antiepilépticos em pacientes com epilepsia em 4 tópicos:

a) Mecanismos de transporte;

b) Receptores cerebrais;

c) Metabolização e excreção;

d) Reações idiossincrásicas graves.

Transportadores de DAEs

Existem diversas proteínas que realizam o transporte ativo de drogas através das membranas celulares, para dentro e para fora das células, regulando a concentração intracelular e protegendo-as dos efeitos deletérios de drogas.10 Dentre estas destaca-se a superfamília ABC (ATP-binding cassete), que atua na absorção e excreção de drogas no intestino, fígado, rins, barreira hemato-encefálica (BBB) e em diversos outros locais, ocorrendo diversos polimorfismos que afetam a distribuição de drogas no SNC. As proteínas ABC são produtos dos genes de resistência a múltiplas drogas (MDR), que são bastante estudados em oncologia. A p-glicoproteína (PGP), que é a ABCB1 regulada pelo gene MDR1, está localizada nas células endoteliais dos capilares cerebrais e regula a eliminação de DAEs no cérebro.12,13 Em condições normais a atuação da PGP nas DAE não parece ser clinicamente relevante, porém em situações de polimorfismo do ABCB1, como reação ao tratamento antiepiléptico ou manifestação da epilepsia, pode ocorrer uma expressão exagerada da PGP na BBB, que ao reduzir a concentração da DAE intracelular, ocasiona uma resistência a todas DAE que são substratos da PGP (fenobarbital, fenitoína, gabapentina, topiramato, carbamazepina, levetiracetam e lamotrigina), independente do mecanismo de ação ou da dose utilizada.13,14,15

Expressão aumentada de PGP e de genes MDR já foram descritas em tecido cerebral epileptogênico de pacientes com epilepsia16,17 e em modelos animais de epilepsia,18 com redução dos níveis extracelular de DAE nestas regiões.19 Um modelo in vitro da BBB apresenta uma redução da permeabilidade à fenitoína de até 10x nos pacientes com epilepsia refratária em relação aos controles normais, que pode ser revertida parcialmente (redução de 3,5x) com uso de tariquidar, um inibidor seletivo da PGP, apenas nos pacientes com epilepsia refratária, sugerindo uma ação direta da PGP na redução dos níveis de fenitoína.20 Verapamil e nimodipina também bloqueam a ação da PGP.16 Iannetti e col. descreveram uma criança de 11 anos com estado de mal epiléptico prolongado, apesar do uso de diversas DAE. No 37º dia foi iniciado verapamil EV, para controle de taquicardia supraventricular. Após 1,5 horas de infusão ela recobrou a consciência e controlou a atividade epileptiforme de forma sustentada.21

Basic e col. demonstraram uma redução significativa dos níveis liqüóricos de fenobarbital, sem redução concomitante dos níveis plasmáticos, em pacientes com epilepsia generalizada idiopática com crises generalizadas tônico-clônicas, que apresentam o genótipo CC do polimorfismo C3435T do ABCB1 em relação aos que apresentam o genotipo CT ou TT.22

Löscher e col.3 compararam os resultados de 15 estudos em humanos sobre a associação de polimorfismos do gene de resistência a múltiplas drogas (MDR1 e ABCB1) com a resistência ao tratamento antiepiléptico em pacientes com epilepsia (8 com resultados positivos e 7 com resultados negativos) e conclui que os resultados são conflitantes, porém promissores, pois indicam um possível mecanismo diferente para controle de crises com as DAE disponíveis, sendo ainda necessário mais e melhores estudos para definir a situação.

Receptores Cerebrais de DAE

Polimorfismos nos receptores cerebrais de drogas também podem ter um papel importante no tratamento das epilepsias, mas muito pouco é conhecido sobre eles. É aceito que as propriedades funcionais dos canais iônicos podem ser reguladas dinamicamente por mecanismos genéticos. O melhor exemplo é a Síndrome de Dravet (epilepsia mioclônica severa da infância), causada por uma mutação do canal de sódio voltagem dependente SCN1A.23 Esses canais têm uma maior expressão nos interneurônios inibitórios. O bloqueio desses canais pela lamotrigina e carbamazepina provoca uma acentuada piora das crises pelo aumento da inibição dos interneurônios GABAérgicos, com pouca ação no neurônios piramidais excitatórios.24,25

Metabolismo e Eliminação de DAE

O metabolismo das drogas endógenas e exógenas envolve fundamentalmente 2 etapas. A fase I (oxidação), é efetuada pela enzimas da família do citocromo P450 e basicamente consiste em adicionar um átomo de oxigênio ao substrato, criando um grupo funcional a ser usado nas reações de conjugação. A fase II (conjugação) é efetuada predominantemente pelas enzimas do sistema UGT (uridina-difosfato-glucoronil transferase), que liga o ácido glucorônico com substratos como esteróides, bilirrubina e drogas, aumentando a solubilidade e facilitando a excreção renal.26,27 A metabolização hepática é feita por oxidação (90%) e glucoronidação (10%), com 25% das drogas ou seus metabólitos sendo excretados de forma inalterada por via renal.28 A epóxido hidroxilase microssomial é responsável pela metabolização dos epóxidos (radicais aromáticos) com efeitos tóxicos e teratogênicos, que são produtos intermediário da metabolização da carbamazepina e.26

O sistema oxidativo Citocromo P450 (CYP450) compreende 57 genes que codificam enzimas, sendo as mais importantes as CYP1A2, CYP2C9, CYP2C19, CYP2D6, CYP3A4 e CYP3A5, responsáveis pela metabolização de mais de 90% das drogas.29,30 São expressas predominantemente no fígado, porém estão também presentes no intestino delgado, particularmente a CYP3A.30 A denominação citocromo P450 deve-se a ligação das enzimas às membranas celulares (cito), a presença de um pigmento heme (cromo e P) e absorção da luz com comprimento de onda de 450nm, quando exposta ao monóxido de carbono.30 A superfamília do citocromo p450 é responsável pelo metabolismo de diversas medicações e conforme o polimorfismo presente pode aumentar ou reduzir esta metabolização.10,30 A atividade metabólica do sistema CYP450 é dependente da idade. Em relação à atividade metabólica do adulto, a do recém-nato é reduzida em 50 a 70%. Gradativamente ocorre um aumento, e aos 2-3 anos de vida já é superior a do adulto, mantendo-se assim até a puberdade.31

Como cada gene específico codifica uma enzima e cada pessoa herda um alelo de cada um dos pais. Cada alelo pode ser classificados como "selvagens" ou "variante". Alelos "selvagens" são os mais comuns na população e uma pessoa que possui duas cópias de alelos "selvagens" é considerado um metabolizador normal, que é o tipo mais comum na população. Alelos "variantes" têm polimorfismo, geralmente SNP, que codifica uma enzima com atividade reduzida ou nula. Pessoas com 2 cópias de alelos "variantes" são metabolizadores fracos e as com 1 alelo "selvagem" e 1 alelo variante tem metabolização reduzida e são considerados metabolizador intermediário. Os que herdam múltiplas cópias de alelos "selvagem" tem uma atividade enzimática aumentada, sendo denominados metabolizador ultra-rápido.

Polimorfismos genéticos já foram identificados em CYP1A2, CYP2C9, CYP2C19 e CYP2D6, e não foram descritos no CYP3A4.2,32 Metabolizadores ultra-rápidos só foram identificados no CYP2D6.3

Apenas fenitoína, fenobarbital e diazepan são afetados diretamente pelos polimorfismos conhecidos do CYP450, pois são metabolizados pelo CYP2C9 e 2C19.33,34 As demais DAEs são afetados indiretamente, pela inibição ou indução do seu metabolismo ocasionada por outras drogas. Alterações neste sistema enzimático têm importantes implicações no manejo destes pacientes, particularmente nos efeitos colaterais e interações medicamentosas.8,27,33,35

CYP3A está presente nas células intestinais e hepáticas, corresponde a 30% das enzimas CYP450 e metaboliza mais de 50% dos medicamentos. Metaboliza anti-depressivos, diazepínicos, neurolépticos, hormônios, além de carbamazepina, etosuximida, tiagbina e zonizamida. A administração da droga com ação inibidora do CYP3A4 por via oral afeta principalmente a CYP3A4 intestinal. A distribuição é diferente das demais enzimas do CYP450, por ser contínua e monomodal, com múltiplos genes envolvidos e papel reduzido de fatores genéticos individuais, porém a atividade CYP3A pode varia até 5 vezes entre os membros de uma determinada população.30

CYP2C19 tem diversas variantes, mas apenas 2 das variantes respondem por 95% dos casos de metabolização deficiente (*2 e *3).36 Furuta e col. descrevem significativas diferenças no percentual de cura da infecção do helycobacter pylori com inibidores de bomba de próton (rabeprazole) + amoxilina, que variou de 61% para os metabolizadores normais, 92% para os metabolizadores intermediários e 94% para os metabolizadores fracos do CYP2C19.37

O CYP2C9 é um gene altamente polimórfico, com um total de 20 alelos variantes identificados até o momento. Entretanto, apenas 3 alelos, nomeados de CYP2C9*1, CYP2C9*2 e CYP2C9*3 são identificados freqüentemente nas populações étnicas estudadas.38 Os alelos CYP2C9*2 e CYP2C9*3 apresentam uma atividade metabólica deficiente. A fenitoína é metabolizada pela CYP2C9 (90%) e CYP2C19 (10%).39,40,41 Indivíduos com as variantes *2 e *3 do CYP2C9 apresentavam redução de 27 a 54% da metabolização da fenitoína,40 com um nível sérico até 40% maior que na população *1,42 ocasionando uma maior predisposição à toxicidade pela FNT nas doses usuais.38,40 Estima-se que cerca de 20 a 30% dos indivíduos, dependendo da população étnica estudada,43 apresentariam um perfil "metabolizador-fraco".44 Perfil genético com baixa metabolização da fenitoína está associada aos principais efeitos colaterais da fenitoína como hiperplasia gengival38 e reações cutâneas,45 mas não há estudos sobre a atrofia cerebelar. Hung e col. sugerem que a dose de fenitoína nos metabolizadores fracos e intermediários do CYP2C9 deve ser reduzida para 2 a 4mg/kg/dia.40

A carbamazepina é inicialmente metabolizada pelos CYP3A4 à carbamazepina-10,11-epóxido, um metabólito ativo (que pode ser responsável por alguns efeitos colaterais), que é inativado pela ação da epóxido-hidroxilase microssomial. Posteriormente ocorre conjugação por ação da UGT2B7.3 Não há registro de associação de níveis séricos de carbamazepina ou resposta terapêutica com polimorfismos.

As DAE podem causar interações importantes com outras drogas, ao interferirem na ação de determinados CYPs, seja como indutor, causando um aumento da sua atividade enzimática ou inibidor, reduzindo a sua atividade enzimática (Tabela 1). A magnitude do efeito de inibição ou indução vai variar conforme a fração do metabolismo da droga que é realizada pela enzima que é induzida ou inibida. A indução (e também a desindução) ocorre de forma gradual (dias a semanas), conforme a meia vida da droga indutora e o grau de síntese enzimática da droga induzida, sendo mais rápida quanto mais curta é a vida média da droga indutora. A introdução ou retirada de uma droga indutora ou inibidora deve ser acompanhada de ajuste da dose das drogas metabolizadas pela CYP afetada, particularmente se a faixa terapêutica for estreita.46 A carbamazepina desencadeia uma auto-indução, que ocorre 3 a 4 semanas após o início do tratamento, ao induzir um aumento da sua metabolização (de até 50%), feito por ela mesma.29 Uma lista completa dos substratos metabolizados pelos mais freqüentes CYP, bem como os indutores e inibidores de cada um destes CYP pode ser consultada em www.healthanddna.com/healthcare-professional/p450-drug-list.html.47

O efeito indutor implica em redução do nível sérico da outra droga, ocasionado pela sua maior metabolização devido ao aumento da ação do CYP afetado, com possível perda de eficácia.

As DAE tradicionais (fenobarbital, fenitoína, carbamazepina) são potentes indutores do CYP3A4, que metaboliza estrógenos, progesterona, antidepressivos, ansiolíticos e etc., além de carbamazepina, etosuximida, tiagbina e zonizamida.30 Topiramato (em doses acima de 200mg/dia) e oxcarbazepina são fracos indutores da CYP3A4 e também induzem o CYP2C9, responsável pela metabolização de inibidores de bomba de prótons, citalopram, fluoxetina e sertralina.26

Ao contrário o efeito inibidor, aumenta o nível sérico, com potencial para um aumento da resposta terapêutica e principalmente dos efeitos colaterais. Valproato é um potente inibidor da CYP2C9 (carbamazepina e fenitoína), da epóxi hidroxilase (carbamazepina) e da UGT (lamotrigina e lorazepan). Várias das DAE (gabapentina, vigabatrina, levetiracetam, tiagabina e zonizamida) não têm efeito indutor ou inibidor nas enzimas do CYP450.34

Malone e col. identificaram e classificaram a severidade de 56 interações de drogas. Três delas envolvem DAE e foram consideradas graves: carbamazepina () com propoxifeno ou macrolideos e fenitoína () com fluoxetina ou fluvoxamine,48 e devem evitadas.

Reações Adversas Idiossincrásicas às DAE

A maioria dos efeitos adversos às DAE são previsíveis, doses dependentes e explicáveis pelas características farmacológicas das DAE. São geralmente controláveis com alterações nas doses e nos intervalos de tomadas, podendo levar a suspensão da DAE em 10 a 27% dos pacientes.49 Alguns efeitos adversos são imprevisíveis e não dependem da dose utilizada. São usualmente devidos a efeitos citotóxicos ou imunológicos desencadeados pela DAE ou seus metabólitos ativos. Apesar de ocorrem em menos de 10% dos pacientes, geralmente nos 2 primeiros meses de uso, podem variar de um simples rash cutâneo a reações cutâneas graves (RCG), como a síndrome de Steven-Johnson (SJS), a necrose epidérmica tóxica e a hipersensibilidade sistêmica à droga (HSS).

As RCG ocorrem em menos de 1% dos casos, mas são fatais em até 30% deles.50,51 As DAE mais freqüen-temente envolvidas nas RCG são fenobarbital, fenitoína, carbamazepina e lamotrigina.52 A identificação dos fatores que predispõem às reações cutâneas graves tem importante significado clínico. Existem diversos fatores descritos como envolvidos em RCG, porém os resultados são conflitantes.3 Há uma evidente associação entre o alelo HLA-B*1502, que está presente em 100% dos casos de SJC induzidos por carbamazepina em chineses/asiáticos e em apenas 3% dos pacientes tolerantes à CBZ e em 9% dos controles.53 HLA-B*1502 não está presente em SJS ocorrida em caucasianos ou em reação de hipersensibilidade a droga,54 significando que o alelo é específico para SJD, mas devem haver outros fatores e etinicidade envolvidos. A US Food and Drug Administration (FDA), no comunicado de alerta de 12/12/200755 determina que pacientes com ancestrais asiáticos devem realizar testagem para HLA-B*1502 antes de iniciarem o tratamento com carbamazepina. Se o teste for positivo, só devem iniciar carbamazepina se o benefício esperado for claramente superior aos riscos de reações cutâneas graves. Os pacientes em uso de carbamazepina por mais de alguns meses sem reações cutâneas têm um risco muito pequeno de desenvolvê-las.

Valor da dos Testes Farmacogenéticos na Epilepsia

As DAE têm características como o uso prolongado (maior risco de interações medicamentosas) e freqüentemente a faixa terapêutica é estreita.

Não há boa correlação entre nível sérico, efetividade e efeitos colaterais com a presença de efeitos indutores ou inibidores significativos, o que as tornam candidatas ideais para a otimização da terapia utilizando testes farmacogenéticos para definir o perfil de CYP450 do indivíduo.26 O valor desta otimização já é definido para os principais antidepressivos, neurolépticos, cumarínicos, antineoplásicos e em pesquisa clínica de novas drogas.56,57 Em epilepsia pode ser utilizado para esclarecer falha terapêutica ou efeito colateral inesperado, presença de níveis séricos muito acima ou abaixo do esperado para a dose utilizada, principalmente para fenitoína. Como podem ser feitos uma única vez na vida e servirem para a otimização do uso das mais diversas drogas, alguma delas com efeitos colaterais potencialmente graves, como sangramento durante uso de coumarínicos, a identificação do perfil farmacogenético dos principais polimorfismos do CYP450 é útil, na dependência dos custos e disponibilidade.

Received Oct. 28, 2008; accepted Nov. 7, 2008

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  • Endereço para correspondência:
    Carlos Silvado
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Ago 2009
    • Data do Fascículo
      Nov 2008

    Histórico

    • Recebido
      28 Out 2008
    • Aceito
      07 Nov 2008
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