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Aspectos eletrencefalográficos em crianças com mucopolissacaridose

Electroencephalographic features in children with mucopolysaccharidosis

Resumos

INTRODUÇÃO: Mucopolissacaridose é uma doença hereditária rara, de transmissão autossômica recessiva, causada por deficiência enzimática. Entre as manifestações clínicas mais frequentes estão as hérnias inguinais e umbilicais, hirsutismo, alterações nasais e labiais, opacidade corneana, limitações articulares, hepatoesplenomegalia, disostose, retardo do crescimento e atraso cognitivo. O objetivo do estudo foi analisar os principais aspectos eletrencefalográficos de pacientes com mucopolissacaridose. MÉTODOS: Estudo clínico retrospectivo. RESULTADOS: Foram incluídos 16 pacientes com idade média de 10,3 anos, sendo 11 (68,8%) do sexo masculino. Quatro pacientes (25%) foram classificados como MPS tipo I, sete (43,8%) como MPS tipo II, um (6,3%) como MPS tipo III, um (6,3%) como MPS tipo IV e três (18,6%) como MPS tipo VI. Quatro (25%) pacientes apresentavam diagnóstico de epilepsia. Quanto ao EEG, a atividade de base foi normal em seis (40%) casos, descargas generalizadas em um (6,7%) e descargas focais ou multifocais em dois casos (13,3%). CONCLUSÃO: Embora crises epilépticas não estejam entre os aspectos mais frequentes da doença, o EEG deve ser realizado rotineiramente durante a investigação neurológica desses pacientes. Há evidente predomínio de alterações eletrencefalográficas inespecíficas, embora paroxismos epileptogênicos possam ser encontrados em crianças com mucopolissacaridose com ou sem epilepsia.

Mucopolissacaridose; epilepsia; eletrencefalograma


INTRODUCTION: Mucopolysaccharidosis is a rare hereditary disease of autosomal recessive, caused by enzyme deficiency. Among the most frequent clinical manifestations are the umbilical and inguinal hernias, hirsutism, changes in the nose and lip, opacity of the cornea, joint limitations, hepatosplenomegaly, dysostoses, growth retardation and cognitive delay. The aim of our study was to analyze the main aspects EEG of patients with MPS. METHODS: Retrospective clinical study. RESULTS: Participated in the study 16 patients with mean age of 10.3 years, and 11 (68.8%) were male. Four patients (25%) were classified as MPS type I, seven (43.8%) as MPS type II, one (6.3%) as MPS type III, one (6.3%) as MPS type IV and three (18.6%) as MPS type VI. Four (25%) children had a previous diagnosis of epilepsy. Regarding the EEG, the background activity was normal in six (40%), generalized discharges in one (6.7%) and focal or multifocal discharges in two cases (13.3%). CONCLUSION: Although seizures are not among the most common clinical manifestations of mucopolysaccharidosis, the EEG should be routinely performed during neurological research in this syndrome. There is a clear predominance of nonspecific EEG abnormalities, although epileptogenic paroxysms may be found in children with mucopolysaccharidosis with or without epilepsy.

Mucopolysaccharidosis; epilepsy; electroencephalogram


REVIEW ARTICLE

Aspectos eletrencefalográficos em crianças com mucopolissacaridose

Electroencephalographic features in children with mucopolysaccharidosis

Rafaella Montana Lago AlbuquerqueI; Paulo Breno Noronha LiberalessoI, II; Mara Lucia Schmitz Ferreira SantosI; Karlin Fabianne KlagenbergII; Ari Leon JurkiewiczII; Bianca Simone ZeigelboimII

IDepartamento de Neuropediatria, Hospital Pequeno Príncipe, Curitiba, Brasil

IIPrograma de Pós-graduação em Distúrbios da Comunicação Humana, Universidade Tuiuti do Paraná, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rafaella Montana Lago Albuquerque Departamento de Neuropediatria Hospital Pequeno Príncipe CEP 80250-020, Curitiba, PR, Brasil E-mail: < rafa_perola@yahoo.com.br>

RESUMO

INTRODUÇÃO: Mucopolissacaridose é uma doença hereditária rara, de transmissão autossômica recessiva, causada por deficiência enzimática. Entre as manifestações clínicas mais frequentes estão as hérnias inguinais e umbilicais, hirsutismo, alterações nasais e labiais, opacidade corneana, limitações articulares, hepatoesplenomegalia, disostose, retardo do crescimento e atraso cognitivo. O objetivo do estudo foi analisar os principais aspectos eletrencefalográficos de pacientes com mucopolissacaridose.

MÉTODOS: Estudo clínico retrospectivo.

RESULTADOS: Foram incluídos 16 pacientes com idade média de 10,3 anos, sendo 11 (68,8%) do sexo masculino. Quatro pacientes (25%) foram classificados como MPS tipo I, sete (43,8%) como MPS tipo II, um (6,3%) como MPS tipo III, um (6,3%) como MPS tipo IV e três (18,6%) como MPS tipo VI. Quatro (25%) pacientes apresentavam diagnóstico de epilepsia. Quanto ao EEG, a atividade de base foi normal em seis (40%) casos, descargas generalizadas em um (6,7%) e descargas focais ou multifocais em dois casos (13,3%).

CONCLUSÃO: Embora crises epilépticas não estejam entre os aspectos mais frequentes da doença, o EEG deve ser realizado rotineiramente durante a investigação neurológica desses pacientes. Há evidente predomínio de alterações eletrencefalográficas inespecíficas, embora paroxismos epileptogênicos possam ser encontrados em crianças com mucopolissacaridose com ou sem epilepsia.

Unitermos: Mucopolissacaridose, epilepsia, eletrencefalograma.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Mucopolysaccharidosis is a rare hereditary disease of autosomal recessive, caused by enzyme deficiency. Among the most frequent clinical manifestations are the umbilical and inguinal hernias, hirsutism, changes in the nose and lip, opacity of the cornea, joint limitations, hepatosplenomegaly, dysostoses, growth retardation and cognitive delay. The aim of our study was to analyze the main aspects EEG of patients with MPS.

METHODS: Retrospective clinical study.

RESULTS: Participated in the study 16 patients with mean age of 10.3 years, and 11 (68.8%) were male. Four patients (25%) were classified as MPS type I, seven (43.8%) as MPS type II, one (6.3%) as MPS type III, one (6.3%) as MPS type IV and three (18.6%) as MPS type VI. Four (25%) children had a previous diagnosis of epilepsy. Regarding the EEG, the background activity was normal in six (40%), generalized discharges in one (6.7%) and focal or multifocal discharges in two cases (13.3%).

CONCLUSION: Although seizures are not among the most common clinical manifestations of mucopolysaccharidosis, the EEG should be routinely performed during neurological research in this syndrome. There is a clear predominance of nonspecific EEG abnormalities, although epileptogenic paroxysms may be found in children with mucopolysaccharidosis with or without epilepsy.

Keywords: Mucopolysaccharidosis, epilepsy, electroencephalogram.

INTRODUÇÃO

A mucopolissacaridose (MPS) é uma doença hereditária rara, de transmissão autossômica recessiva (com exceção do tipo II que é ligado ao cromossomo X), classificada entre as doenças de depósito e causada pela deficiência enzimática. Diversas mutações gênicas podem determinar alterações de enzimas lisossômicas que participam em diversos processos metabólicos, particularmente em mecanismos sequenciais de degradação de glicosaminoglicanos, componentes fundamentais do tecido conjuntivo. A deficiência enzimática em graus variados desencadeia o acúmulo de glicosaminoglicanos no lisossoma e disfunção celular em múltiplos órgãos.

Até o momento foram identificados 11 defeitos enzimáticos que causam sete diferentes tipos de MPS e alguns subtipos: tipo I - subtipos Hurler, Hurler-Scheie e Scheie (deficiência de α-L-iduronidase); tipo II ou síndrome de Hunter (deficiência de iduronato-sulfatase); tipo III-A ou síndrome de Sanfilippo A (deficiência de sulfamidase); tipo III-B ou síndrome de Sanfilippo B (deficiência de α-N-acetilglicosaminidase); tipo III-C ou síndrome de Sanfilippo C (deficiência de acetil-Coa: α-glicosaminida-acetiltransferase); tipo III-D ou síndrome de Sanfilippo D (deficiência de N-acetilglicosamina 6-sulfatase); tipo IV-A ou síndrome de Morquio A (deficiência de N-acetil-galactosamina 6-sulfatase ou galactose-6-sulfatase); tipo IV-B ou síndrome de Morquio B (deficiência de β-galactosidase); tipo VI ou síndrome de Maroteaux-Lamy (deficiência de N-acetil-galactosamina 4-sulfatase ou arilsulfatase B); tipo VII ou síndrome de Sly (deficiência de β-glicuronidase) e tipo IX ou síndrome de Natowicz (deficiência de hialuronidase). Embora apresentem um amplo espectro fenotípico, as formas e subtipos podem ser diferenciadas segundo sua evolução e prognóstico neurológico.1,2 O objetivo do estudo foi analisar de forma descritiva os principais aspectos eletrencefalográficos em pacientes portadores de MPS.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo retrospectivo, no qual foram incluídos pacientes portadores de MPS em acompanhamento regular no Serviço de Erros Inatos do Metabolismo do Departamento de Neurologia Infantil de um hospital terciário de alta complexidade do Sul do Brasil. Como fator de inclusão, os pacientes tiveram diagnóstico confirmado através da análise de glicosaminoglicanos na urina e testes enzimáticos utilizando substratos específicos. Todos os pacientes foram acompanhados clinicamente por um mesmo médico (MLSFS), o que confere maior uniformidade à amostra no que diz respeito às condutas terapêuticas e de investigação subsidiária.

Após a seleção dos pacientes e análise de seus prontuários médicos, foi preenchida uma ficha de pesquisa clínica previamente elaborada contendo dados referentes à identificação, procedimentos de diagnóstico clínico e laboratorial, classificação da forma e subtipo, realização ou não de tratamento com reposição enzimática, se epiléptico ou não e se já havia apresentado crise epiléptica isolada anteriormente, resultado de exames de tomografia de crânio e ressonância magnética do encéfalo e de coluna. Como os pacientes portadores de doenças de depósito acompanhados no Serviço de Erros Inatos do Metabolismo desse hospital seguem protocolos específicos, todos apresentavam praticamente os mesmos exames de investigação neurológica. Foram analisados, ainda, os resultados de eletrencefalograma (EEG) realizados durante a investigação. Todos os EEG foram realizados em equipamento digital, com duração mínima de 30 minutos, por técnica experiente e com eletrodos de superfície posicionados segundo o Sistema Internacional 10-20.

O estudo foi analisado e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos do Hospital Pequeno Príncipe (registro de aprovação número 0813-10).

RESULTADOS

Foram incluídos no estudo 16 pacientes com idade entre três e 19,4 anos (média de 10,3 anos; mediana de 10,4 anos e desvio padrão de 4,4 anos), sendo 11 (68,8%) do sexo masculino, com diagnóstico de MPS. Quatro pacientes (25%) foram classificados como MPS tipo I, sete (43,8%) como MPS tipo II, um (6,3%) como MPS tipo III, um (6,3%) como MPS tipo IV e três (18,6%) como MPS tipo VI. Quatro (25%) pacientes apresentavam diagnóstico de epilepsia e estavam em uso de droga antiepiléptica (Tabela 1).

Embora o objetivo de nosso estudo não tenha sido avaliar aspectos de neuroimagem, esses dados foram coletados para corroborar, quando necessário, a interpretação dos achados eletrencefalográficos. Tomografia ou ressonância magnética (encéfalo e/ou coluna) foram realizadas em 15 pacientes. Em um caso foi contra-indicada sedação devido doença cardíaca grave, impossibilitando a realização de exame de neuroimagem. Os principais achados foram hidrocefalia em oito (53,3%) casos, redução volumétrica dos hemisférios cerebrais em seis (40%), dilatação dos espaços perivasculares em seis (40%), estenose do forame magno e/ou do canal medular em seis (40%), deformidade ou hipoplasia de corpos vertebrais em cinco (33,3%) e cistos aracnóides em três (20%) casos (Tabela 2).

Em um dos 16 pacientes incluídos no estudo não pode ser realizado EEG devido impossibilidade de sedação com hidrato de cloral. A atividade de base foi considerada normal em seis (40%) pacientes e alentecida em nove (60%). Em sete (46,7%) pacientes foi constatada carência de grafoelementos fisiológicos do sono (ondas agudas do vértex, fusos de sono e complexos K). Surtos inespecíficos de ondas lentas em projeção generalizada estiveram presentes em dois (13,3%) pacientes, descargas generalizadas em um (6,7%) e descargas focais ou multifocais em dois (13,3%). Dois pacientes com diagnóstico prévio de epilepsia (nº 11 e 12) apresentaram descargas de ondas agudas focais ou multifocais no EEG, enquanto outro paciente (nº 6), sem histórico de crises epilépticas, apresentou descargas de espícula e espículas-onda generalizadas (Tabela 3).

DISCUSSÃO

A MPS foi descrita inicialmente no Canadá por Charles Hunter em 1917, relatando os casos de dois irmãos que apresentavam aspectos faciais descritos como "grosseiros". Dois anos mais tarde, Gertrud Hurler, na Alemanha, descreve outras crianças com características faciais "grosseiras", hepatomegalia e deficiência mental. Por seu pioneirismo, o médico Charles Hunter cede seu nome a MPS tipo II e a médica alemã Gertrud Hunter ao tipo I.3

Todas as formas de MPS são caracterizadas por deterioração de órgãos e tecidos, que ocorre de forma crônica e progressiva, desencadeando alterações respiratórias, cardíacas, intestinais, oftalmológicas, musculares, articulares e esqueléticas, além de comprometimento neurológico e mental em graus variados.4

As principais características da MPS tipo I são as hérnias inguinal e umbilical, hirsutismo, depressão da base do nariz, espessamento labial, opacidade das córneas, limitações articulares, aumento de volume do fígado e baço, disostose múltipla e atraso cognitivo.5,6 No tipo II, além das manifestações já descritas no tipo I, associa-se a alteração da pigmentação da retina com diminuição da acuidade visual e, raramente, giba lombar. Opacidade da córnea não ocorre.6,7 No tipo III, a aparência física e o desenvolvimento são normais durante a primeira infância, quando então surgem alterações comportamentais e regressão cognitiva. As alterações faciais, articulares e ósseas são significativamente mais discretas em comparação com os demais tipos. Podem apresentar hidrocefalia comunicante, crises epilépticas, hipoplasia do processo odontóide, distúrbios do sono, luxação atlantoaxial e hipertensão arterial secundária à lesão de pequenos vasos.6 No tipo IV, os sintomas têm início entre um e três anos, geralmente preservando a cognição e predominando comprometimento do sistema esquelético, havendo escoliose, lordose, tórax em quilha, deformidade dos metacarpos e metatarsos, hipoplasia do processo odontóide, hepatomegalia, discreta opacidade da córnea, perda auditiva condutiva e neurossensorial, malformações e redução do esmalte dentário.6 No tipo VI as manifestações clínicas têm início entre dois e quatro anos, sendo caracterizado por alterações somáticas graves (cifose, hepatoesplenomegalia, retardo de crescimento, opacidade da córnea, retinite pigmentosa, doença cardíaca, rigidez articular, hirsutismo e apnéia obstrutiva do sono) e leve comprometimento mental.4,7 O tipo VII é bastante raro, destacando a forma neonatal (hidropsia, fácies grosseira, hepatoesplenomegalia, disostose múltipla e opacidade de córnea), a forma leve (sintomas semelhantes as forma anteriores, mas em grau menos intenso) e a forma grave (início muito precoce, geralmente nos primeiros meses de vida, com macrocefalia, deformidade torácica e hérnias umbilical e inguinal).4,7 A MPS tipo IX é extremamente rara havendo pouquíssimos casos descritos na literatura mundial.7

Não há tratamento curativo para nenhum dos tipos de MPS, sendo o tratamento sintomático e de suporte. A terapia de reposição enzimática deve ser realizada apenas para os tipos I, II e VI, não havendo regressão do comprometimento neurológico e cognitivo já instalado. O transplante alogênico de células hematopoiéticas, como tentativa de corrigir defeitos enzimáticos, vem sendo realizado desde o final de década de 1970 com o objetivo de melhorar a qualidade de vida e a função cognitiva.8

Diversos mecanismos podem explicar a presença de crises epilépticas e anormalidades eletrencefalográficas em crianças com erros inatos do metabolismo como, por exemplo, as alterações estruturais do córtex cerebral devido acúmulo de substâncias endógenas não metabolizadas, déficits energéticos secundários a alterações mitocondriais, distúrbios metabólicos como a hipoglicemia relacionada à β-oxidação, além das alterações dos níveis de neurotransmissores exitatórios e inibitórios no sistema nervoso central.9

Há poucos estudos publicados a respeito de exames neurofisiológicos em crianças com MPS. Husaina et al.10 avaliaram uma série de 15 pacientes com idade média de 2,7 anos, todos portadores deMPS tipo III, através da realização de uma série de exames neurofisiológicos. Os exames de EEG foram obtidos em 13 desses pacientes e obedeceram as normatizações da Sociedade Americana de Neurofisiologia Clínica, tendo sido realizados com duração mínima de 30 minutos. Os autores demonstraram que em 67% dos pacientes com mucopolissacaridose tipo III-A os EEG foram normais, enquanto nos demais 33% foi observado alentecimento difuso da atividade de base. Nas crianças com mucopolissacaridose tipo III-B, 25% apresentaram EEG normal, enquanto alentecimento difuso foi observado em 75% dos casos. Paroxismos epileptogênicos ou outras anormalidades específicas não foram registradas em nenhum paciente. Quando se considerou as crianças com as formas III-A e III-B conjuntamente, alterações eletrencefalográficas estiveram presentes em 46% dos casos.

Mariotti et al.11 avaliaram seis pacientes com MPS tipo III através de polissonografia com duração de 48 horas e constataram que todos apresentaram padrão eletrográfico irregular durante o sono. Os dois pacientes mais jovens tiveram frequentes despertares noturnos e insônia inicial. Embora baseados em uma casuística pequena, os autores sugerem que as anormalidades eletrográficas observadas, embora inespecíficas, poderiam relacionar-se às alterações do ciclo sono/vigília comumente presentes nessa síndrome. Anormalidades inespecíficas durante o sono, como carência dos grafoelementos fisiológicos (particularmente das ondas agudas do vértex e fusos de sono), além de desorganização na progressão natural das fases de sono NREM e REM, já haviam sido relatadas por Kriel et al.,12 no final da década de 1970, em indivíduos com MPS.

Quando analisamos nossa população constatamos que nossos dados são semelhantes aos previamente relatados, havendo predomínio de alterações eletrográficas inespecíficas, já que pouco mais da metade (60%) de nossos pacientes apresentou alentecimento da atividade elétrica cerebral. Por outro lado, menos da metade de nossos casos apresentou alteração da macroestrutura do sono ao EEG, revelando carência de grafoelementos como ondas agudas do vértex, fusos de sono e complexos K. Outro achado patológico, porém de caráter inespecífico, foram os surtos de ondas na faixa delta generalizadas presentes em duas crianças (13,3%)

Não encontramos na literatura pesquisada estudos confirmando a incidência de epilepsia em crianças com mucopolissacaridose, bem como suas principais características eletrencefalográficas. Embora a associação entre mucopolissacaridose e encefalopatias epilépticas infantis não seja habitual, Gudino et al.13 descreveram o caso de um paciente com MPS tipo I (subtipo Hurler) e que desenvolveu síndrome de West relacionada à deficiência de piridoxina. Além do aspecto eletrencefalográfico clássico (hipsarritimia), a criança apresentava atraso do desenvolvimento neuropsicomotor e hidrocefalia. Em nosso estudo, quatro pacientes eram epilépticos, embora todos apresentassem controle satisfatório das crises no último ano. A presença de paroxismos epileptogênicos também foi considerada pouco frequente, já que somente em um EEG foram observadas descargas generalizadas e em dois outros exames foram registradas descargas focais ou multifocais (mais de três focos de descargas epileptogênicas independentes).

Por se tratar de uma doença relativamente rara na população geral, acreditamos que nossa casuística seja significativa para que possamos concluir que, embora crises epilépticas não estejam entre os aspectos mais frequentes na MPS, o EEG deve fazer parte da rotina de investigação dessas crianças. Embora haja claro predomínio de achados inespecíficos, paroxismos epileptogênicos podem ser encontrados em crianças com MPS com ou sem histórico de epilepsia. Estudos com maior número de pacientes e, possivelmente multicêntricos, são necessários para estabelecer a importância do EEG como ferramenta na avaliação diagnóstica e prognóstica da síndrome.

Received Nov. 08, 2010; accepted Dec. 03, 2010.

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  • Endereço para correspondência:
    Rafaella Montana Lago Albuquerque
    Departamento de Neuropediatria
    Hospital Pequeno Príncipe
    CEP 80250-020, Curitiba, PR, Brasil
    E-mail: <
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Recebido
      08 Nov 2010
    • Aceito
      03 Dez 2010
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