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Profissionais mais competentes, politicas e práticas de gestão mais avançadas?

Profesionales más competentes, políticas y prácticas de gestión más avanzadas?

More competent professionals, more advanced management policies and practices?

Resumos

Este trabalho apresenta resultados de pesquisas conduzidas com o propósito de investigar até que ponto a demanda por profissionais dotados de competências cada vez mais abrangentes e sofisticadas encontra-se acompanhada por uma evolução de políticas e práticas organizacionais que as sustentem. Utilizando como referencial teórico a Abordagem de Avaliação da Modernidade Organizacional e uma revisão das abordagens anglo-americana e francesa sobre a Competência, o estudo compreende a apresentação e análise comparativa de achados de três levantamentos empíricos. Após tratamento do conjunto dos dados, por meio de técnicas estatísticas multivariadas e descritivas, constata-se que a demanda por competências não tem sido acompanhada, em mesmo nível, por uma modernidade de políticas e práticas de gestão, sugerindo a necessidade de ambientes organizacionais mais aderentes aos novos perfis profissionais requeridos.

Competências; competências individuais; modernidade organizacional; políticas e práticas de gestão; gestão de competências


This paper presents the results of a research program conducted to investigate the extent to which demand for professionals with increasingly more sophisticated and wide-ranging competences has been followed by an evolution in the organizational policies and practices that sustain them. Using as its theoretical framework the Evaluation Approach to Organizational Modernity and a review of Anglo-American and French approaches to competences ,the study presents a comparative analysis of the findings of three empirical pieces of research. After the data had been treated with multivariate and descriptive statistics, evidence was found that the demand for competences has not been accompanied by the modernization of organizational policies and practices at the same pace, suggesting the need for organizational environments that adhere more to the new professional profiles required.

Competences; individual competences required; organizational modernity; management policies and practices; competence management


ARTIGOS

Profissionais mais competentes, politicas e práticas de gestão mais avançadas?

Profesionales más competentes, políticas y prácticas de gestión más avanzadas?

More competent professionals, more advanced management policies and practices?

Anderson Souza Sant'Anna

FDC

RESUMO

Este trabalho apresenta resultados de pesquisas conduzidas com o propósito de investigar até que ponto a demanda por profissionais dotados de competências cada vez mais abrangentes e sofisticadas encontra-se acompanhada por uma evolução de políticas e práticas organizacionais que as sustentem. Utilizando como referencial teórico a Abordagem de Avaliação da Modernidade Organizacional e uma revisão das abordagens anglo-americana e francesa sobre a Competência, o estudo compreende a apresentação e análise comparativa de achados de três levantamentos empíricos. Após tratamento do conjunto dos dados, por meio de técnicas estatísticas multivariadas e descritivas, constata-se que a demanda por competências não tem sido acompanhada, em mesmo nível, por uma modernidade de políticas e práticas de gestão, sugerindo a necessidade de ambientes organizacionais mais aderentes aos novos perfis profissionais requeridos.

Palavras-chave: Competências, competências individuais, modernidade organizacional, políticas e práticas de gestão, gestão de competências.

ABSTRACT

This paper presents the results of a research program conducted to investigate the extent to which demand for professionals with increasingly more sophisticated and wide-ranging competences has been followed by an evolution in the organizational policies and practices that sustain them. Using as its theoretical framework the Evaluation Approach to Organizational Modernity and a review of Anglo-American and French approaches to competences ,the study presents a comparative analysis of the findings of three empirical pieces of research. After the data had been treated with multivariate and descriptive statistics, evidence was found that the demand for competences has not been accompanied by the modernization of organizational policies and practices at the same pace, suggesting the need for organizational environments that adhere more to the new professional profiles required.

Keywords: Competences, individual competences required, organizational modernity, management policies and practices, competence management.

INTRODUÇÃO

As pressões em torno da competitividade, a intensificação dos processos de globalização e as profundas transformações nas estruturas dos mercados evidenciam a relevância de as organizações revisitarem seus modelos e instrumentos de gestão, em particular os direcionados ao gerenciamento de seus elementos humanos.

Conforme salientam autores como Prahalad e Hamel (1990) e Bartlett e Ghoshal (1987), na medida em que fontes tradicionais de vantagem competitiva, tais como tecnologia e mão-de-obra barata, não mais se revelam suficientes para proverem uma posição competitiva sustentável, os indivíduos e suas competências passam a ser enfatizados como elementos centrais de diferenciação estratégica. Bartlett e Ghoshal (1987) chegam mesmo a afirmar que as organizações que agora concorrem entre si por clientes e mercados, em escala jamais vista, vêem-se compelidas a competirem também por um recurso elevado à categoria de o mais importante de todos: o talento humano. De fato, se há um ponto em relação ao qual poucos se opõem é que, com o intuito de fazerem frente às atuais transformações do mundo dos negócios, as empresas têm necessitado de indivíduos cada vez mais talentosos e competentes.

Por um lado, essa nova realidade traz à tona a importância de valorizar o chamado capital intelectual e de reconhecer a relevância das pessoas e suas competências como fontes primordiais de vantagens competitivas sustentáveis. Por outro lado, no entanto, freqüentemente observam-se relatos acerca de intensificação do volume de trabalho imposto aos trabalhadores; de contínua automatização e rotinização de funções; de sofisticação de mecanismos de controle potencializados pelas novas tecnologias; e de elevação de pressões por contínua atualização profissional (STOREY, 1995).

Diante desse quadro, a proposta consiste em investigar até que ponto a difusão desse discurso que faz apelo à valorização dos trabalhadores e à necessidade de competências cada vez mais abrangentes e sofisticadas tem sido acompanhada por uma modernidade das políticas e práticas de gestão, capaz de propiciar um ambiente organizacional favorável ao desenvolvimento e aplicação das competências requeridas.

Tendo como eixo central essa problemática, o estudo, fruto de um programa de pesquisas conduzido com o propósito de ampliar o entendimento acerca das relações entre os construtos Competências Individuais Requeridas e Modernidade Organizacional, propõe analisar resultados de três levantamentos empíricos de dados. Um primeiro, realizado junto a 654 pós-graduandos de programas lato-sensu em administração; um segundo, compreendendo a investigação de 220 egressos e pós-graduandos de programas de pós-graduação lato sensu na área de telecomunicações; e um terceiro, abrangendo 129 graduandos em administração. Nos três levantamentos, buscou-se melhor compreender: (1) o grau em que as organizações a que se vinculam os profissionais pesquisados têm requerido novas competências individuais, consideradas chave para o enfrentamento do novo ambiente dos negócios; (2) a adequação entre o nível de competências demandadas e o grau em que os sistemas de gestão organizacionais favorecem e sustentam a formação e aplicação das novas competências requeridas. Buscou-se, ainda, comparar os resultados obtidos junto aos três públicos pesquisados.

Em termos de sua relevância, o presente estudo revela-se significativo, sobretudo, ao ampliar o conjunto de estudos desenvolvidos sobre competências, correlacionando-as a outros construtos, como o de Modernidade Organizacional. Mostra-se relevante, também, na medida em que visa extrapolar as abordagens tradicionais de competência, centradas no desenho, recrutamento e seleção de perfis ideais, incorporando a importância da construção de ambientes organizacionais que sirvam de suporte à aplicação e desenvolvimento das competências requeridas. Finalmente, contribui ao propiciar às organizações o desenvolvimento de projetos de mudança que as coloquem no real caminho da modernidade, considerando uma de suas dimensões centrais, porém, muitas vezes, ignorada: o elemento humano.

REFERENCIAL TEÓRICO

Como referencial teórico, fez-se uso da Abordagem de Análise dos Padrões de Modernidade Organizacional, proposta por Eboli (1996), assim como de uma revisão de estudos sobre competências, marco teórico para a identificação das competências individuais mais enfaticamente requeridas aos trabalhadores como respostas às demandas do atual ambiente dos negócios.

Competências individuais requeridas

O conceito de competência não é recente. Na verdade, constitui uma idéia consideravelmente antiga, porém reconceituada e revalorizada no presente em decorrência de fatores como os processos de reestruturação produtiva, a intensificação das descontinuidades e imprevisibilidades das situações econômicas, organizacionais e de mercado e as sensíveis mudanças nas características do mercado de trabalho, resultantes, em especial, dos processos de globalização (FLEURY; FLEURY, 2001).

Diversas, no entanto, têm sido as definições atribuídas ao termo competência. A inexistência de um consenso quanto a seu conceito, além de divergências de caráter filosófico e ideológico podem, também, ser atribuídas à adoção da expressão com diferentes enfoques, em diferentes áreas do conhecimento (MANFREDI, 1998).

Não obstante a ausência de unanimidade quanto ao seu conceito, Barato (1998) destaca a prevalência de duas correntes principais. Uma primeira, de origem anglo-americana, a qual, tomando como referência o mercado de trabalho, centra-se em fatores ou aspectos ligados a descritores de desempenho requeridos pelas organizações. E uma segunda, originária da França, que enfatiza a vinculação entre trabalho e educação, indicando as competências como uma resultante de processos sistemáticos de aprendizagem.

De modo similar, Steffen (1999), ao analisar a competência de acordo com diversas correntes teórico-filosóficas, identifica modelos que seguem a concepção comportamentalista, típica do sistema norte-americano, centrada na definição de atributos individuais capazes de resultar em desempenhos organizacionais superiores; a concepção funcionalista, originada na Inglaterra, que enfatiza a definição de perfis ocupacionais que servirão de apoio para a certificação de competências; e a concepção construtivista, desenvolvida na França, a qual destaca o processo de aprendizagem como mecanismo central para o desenvolvimento de competências profissionais, enfocando a relevância de programas de formação profissional orientados, sobretudo, à qualificação das populações menos dotadas das novas competências requeridas e, portanto, mais susceptíveis de exclusão do mercado de trabalho.

Apesar das diferentes perspectivas e abordagens existentes em torno do construto da Competência, alguns pontos comuns em relação a essa noção podem, todavia, ser identificados. Em primeiro lugar, a competência é comumente apresentada como uma característica ou um conjunto de características ou requisitos – saberes, conhecimentos, aptidões, habilidades – indicados como condição capaz de produzir resultados ou solucionar problemas (SPENCER; SPENCER, 1993; BOYATZIS, 1982; MCCLELLAND; DAILEY, 1972).

Outro ponto comum às diversas acepções contemporâneas de competência é a elevada conformidade desse conceito com o discurso empresarial vigente, bem como com as demandas advindas dos processos de reestruturação e de modernização produtiva em voga (DESAULNIERS, 1997; STROOBANTS, 1997; HIRATA, 1994).

Partindo, portanto, da compreensão da competência como uma resultante da combinação de múltiplos saberes – saber fazer, saber agir, saber ser – capazes de propiciarem respostas efetivas aos desafios advindos do atual contexto dos negócios, adotou-se para a identificação das competências profissionais mais enfaticamente requeridas pelas organizações uma extensa revisão das abordagens anglo-americana – destacando-se trabalhos de autores como Spencer e Spencer (1993), Boyatzis (1982) e Mcclelland e Dailey (1972) – e francesa – considerando, dentre outros, os estudos de Zarifian (2001), Perrenoud (2001), Dubar (1998), Stroobants (1997) e Le Bortef (1994).

Como resultado, foi selecionado, por meio da técnica de análise de conteúdo por categoria proposta por Richardson e outros (1985), um elenco de quinze competências mais reiteradamente apontadas nos trabalhos revisados, a saber: domínio de novos conhecimentos técnicos associados ao exercício do cargo ou função; capacidade de aprender rapidamente novos conceitos e tecnologias; criatividade; capacidade de inovação; capacidade de comunicação; capacidade de relacionamento interpessoal; capacidade de trabalho em equipes; autocontrole emocional; visão de mundo ampla e global; capacidade de lidar com situações novas e inusitadas; capacidade de lidar com incertezas e ambigüidades; iniciativa de ação e decisão; capacidade de comprometer-se com os objetivos da organização; capacidade de gerar resultados efetivos; e capacidade empreendedora.

Modernidade organizacional

Em nível organizacional, a modernidade tem sido comumente evocada para destacar a relevância de as empresas se prepararem para enfrentar a competição nos padrões da nova configuração do mundo dos negócios, por meio da adoção de estruturas, estratégias, políticas e práticas de gestão que favoreçam a formação de conteúdos culturais que estimulem um comportamento competente.

Segundo Gonçalves (1997), as armas convencionais e toda a experiência reunida em gestão não se têm mostrado suficientes às demandas impostas pelo atual ambiente vivenciado pelas organizações. É preciso, segundo o autor, romper com o passado, deixar de lado experiências tradicionais e propor soluções criativas capazes de dotar as organizações das competências necessárias às demandas desse novo ambiente.

Nessa direção, para fazer face às características da sociedade moderna, as organizações devem ser processualmente orientadas e focadas nos seus clientes, devem ser ágeis e enxutas, e suas tarefas devem pressupor, por parte de quem as executa, amplo conhecimento do negócio, autonomia, responsabilidade e habilidades para a tomada de decisões em ambientes crescentemente complexos; requerendo, por conseguinte, uma revisão completa dos modelos tradicionais de empresa, tanto do ponto de vista estrutural, quanto da gestão do negócio e do trabalho.

O desafio consiste, no entanto, em desenvolver pessoas com o perfil requerido por esse novo tipo de organização, esforço que exige transformar empregados de tarefas em profissionais de processos; repensar os papéis dos gestores e dos empregados nessa nova organização; criar novos sistemas de gestão; fazer com que o aprendizado seja parte do dia-a-dia dos negócios da empresa; e moldar uma cultura que apóie as novas formas de trabalho.

Em termos históricos, por sua vez, o conceito de modernidade pode ser introduzido a partir de determinadas caracterizações – o mito da tecnologia, o domínio da razão científica, a idéia de progresso, a exaltação da democracia – que diferenciam o mundo moderno de períodos ou fases anteriores da humanidade, como o mundo primitivo, o mundo antigo e o mundo medieval (ZAJDSZNAJDER, 1993).

Para Touraine (1994), a noção de modernidade resulta de duas grandes correntes de pensamento: de um lado, o racionalismo greco-romano, retomado pelos humanistas da Renascença; de outro, a concepção cristã de alma, secularizada por meio da idéia de sujeito. Para o autor, no entanto, durante muito tempo a modernidade foi definida apenas pela eficácia da racionalidade instrumental, ignorando-se o elemento humano em sua liberdade e criação. Desse reducionismo do conceito de modernidade, salienta o autor, decorrem os fundamentos de sua crise, cuja superação – e estabelecimento de uma nova modernidade – pressupõe o resgate de sua outra parte: o sujeito.

A modernidade para Touraine (1994) pode ser compreendida no seu sentido estrito como um redirecionamento do homem ao centro da sociedade, contemplando suas várias dimensões: tecnológica, combinando racionalização e subjetivação; social, na medida em que a subjetivação só é possível por meio do movimento social; política, visto que a democracia é o regime que permite a expressão política do indivíduo; e cultural, uma vez que valores de liberdade e eficácia se encontram em sua origem.

Eboli (1996), fundamentada nas idéias de Touraine (1994) agregadas às perspectivas de pesquisadores nacionais como Buarque (1994), Zajdsznajder (1993), Faoro (1992), e Motta (1992), propõe uma transposição da abordagem daquele autor ao contexto organizacional. Como resultado, estabelece um conjunto de indicadores abrangendo as dimensões cultural, política, social, administrativa, econômica e tecnológica das organizações.

Calcado na abordagem proposta por essa autora, o estudo contemplou, como ponto de partida para a avaliação do grau de modernidade organizacional, os seguintes aspectos: grau em que a organização valoriza a iniciativa, a responsabilidade e a liberdade; grau em que a organização cultiva um clima interno que favorece mudanças, inovação e aprendizagem; grau em que a organização adota um regime democrático; grau em que a organização tem um processo decisório descentralizado e democrático; grau em que a organização estimula a autonomia e a iniciativa de ação e de decisão; grau em que a organização encoraja a interação social; grau em que a organização estimula a participação das pessoas nos processos organizacionais; grau em que a organização favorece que as pessoas se mantenham informadas e que atinjam seus objetivos, materiais ou psicológicos; grau em que a organização tem claramente definidos sua missão, objetivos, estratégias e metas; grau em que as tecnologias, políticas e práticas promovem a tomada de risco, a criatividade, a eficácia e o desempenho das pessoas; grau em que os objetivos econômicos da organização subordinam-se a objetivos sociais e princípios éticos; grau em que a tecnologia empregada favorece a interação entre pessoas e áreas; grau em que a organização combina de forma equilibrada a utilização de tecnologias avançadas com a criatividade das pessoas.

ASPECTOS METODOLÓGICOS

Com base no referencial teórico apresentado, as pesquisas foram conduzidas em Minas Gerais, compreendendo três levantamentos empíricos de dados para investigar até que ponto a demanda por profissionais dotados de competências abrangentes e sofisticadas se encontra acompanhada por uma evolução de políticas e práticas organizacionais de gestão. Os dados foram coletados por meio de questionários, e então submetidos a tratamentos estatísticos específicos.

Públicos-alvo

O estudo envolveu a realização de levantamentos de dados junto a três grupos de respondentes. Um primeiro, composto por 654 pós-graduandos de cursos de pós-graduação lato sensu em administração, oferecidos por instituições de ensino superior de Belo Horizonte (MG). Um segundo, envolvendo 220 pós-graduandos e egressos de programas de pós-graduação lato sensu na área de telecomunicações, ofertados por instituições mineiras de ensino superior, e um terceiro, compreendendo 129 graduandos dos últimos anos do curso de administração, oferecido por uma instituição mineira de ensino superior. Para a composição das amostras, foram considerados apenas respondentes com algum tipo de vínculo de trabalho.

Explicitados os públicos-alvo deste estudo, são descritos, a seguir, os procedimentos utilizados para obtenção e tratamento estatístico dos dados. Procede-se, também, a uma descrição dos processos de formatação e validação dos instrumentos de coleta de dados utilizados.

Coleta e tratamento dos dados

Com base no referencial teórico apresentado, formatou-se um questionário composto, originalmente, por 70 itens, medidos por escalas do tipo Likert de 11 pontos, o qual foi submetido à análise por três doutores na área do Comportamento Humano nas Organizações, com o objetivo de avaliar se as escalas e itens considerados mostravam-se aderentes, sob a perspectiva teórica, à proposta de mensuração dos construtos alvo deste trabalho.

Concomitantemente, o instrumento foi submetido a pré-teste, envolvendo 30 respondentes selecionados junto à população alvo da primeira pesquisa (pós-graduandos em Administração). Segundo Easterby-Smith e outros (1991), a realização de tal procedimento revela-se eficaz ao permitir verificar, a priori, se os itens do instrumento são compreensíveis, se a seqüência das questões encontra-se bem delineada e se há itens sensíveis.

Cumpridas tais etapas e procedidas as alterações necessárias, o instrumento foi, então, aplicado a uma amostra de 1.000 profissionais, de um universo de 1.510 trabalhadores que, por ocasião da coleta de dados, se encontravam cursando programas de pós-graduação lato sensu em Administração, junto a instituições de ensino superior de Belo Horizonte (MG).

Dos 1.000 distribuídos, obtiveram-se como retorno 885 questionários preenchidos. Convém salientar que o elevado percentual de resposta (88,5%) explica-se, sobretudo, pela estratégia de coleta de dados utilizada, a qual se centrou na aplicação do instrumento durante a realização das sessões dos cursos, sob a presença dos pesquisadores.

Vale observar que para a composição final da primeira amostra foram expurgados questionários com dados ausentes e com valores extremos, segundo critérios recomendados por Hair e outros (1998).

Na seqüência, foram procedidos cálculos destinados à validação das escalas propostas: verificação da dimensionalidade, por meio de análise fatorial exploratória, e análise da confiabilidade, por meio do cálculo do coeficiente alfa de Cronbach (HAIR; e outros, 1998).

Seguindo recomendações de Tabachnick e Fidell (2001) e Hair e outros (1998), quanto à relevância da verificação dos dados coletados, preliminarmente à adoção de técnicas estatísticas multivariadas – como a análise fatorial exploratória – foram levadas a efeito análises de dados ausentes e de valores extremos uni e multivariados.

No que tange à análise de dados ausentes, cabe destacar que a grande dificuldade gerada, quando de sua presença, refere-se ao viés que sua exclusão pode provocar quando não precedidas de análise de aleatoriedade. Autores como Tabachnick e Fidell (2001) salientam, todavia, que tal análise pode ser dispensada quando o percentual de dados ausentes, por variável, revelar-se inferior a 5% do total de observações. Diante disso, calculadas as distribuições de freqüência dos indicadores, obteve-se que todas as variáveis pesquisadas apresentavam percentuais de dados ausentes inferiores a 5% do total de casos, indicando a possibilidade de exclusão (exclusão listwise), sem maiores riscos de viés.

Já com vistas à análise das observações cujas características revelavam-se destoantes daquelas apresentadas pelo conjunto dos dados obtidos (dados extremos), adotaram-se os critérios recomendados por Hair e outros (1998). Assim, em relação aos dados extremos univariados, foram excluídas as observações cujos valores dos escores z das variáveis encontravam-se fora do intervalo [-3,00; 3,00]. Procedidos os cálculos da distância de Mahalanobis (D2), constatou-se a possibilidade de supressão do conjunto das observações com dados extremos multivariados, resultando, ao final, em uma amostra de 654 observações.

Foram então realizadas análises para verificação da normalidade uni e multivariada, linearidade, multicolinearidade, singularidade e homocedasticidade, também apontadas por Hair e outros (1998) como premissas importantes à aplicação de técnicas de análise multivariada.

Como resultado, cabe salientar a não verificação, a partir dos testes de Kolmogorov-Smirnov e Mardia, da premissa da normalidade, muito embora, cálculo da estatística de Mardia (PK<3), realizado por meio do software LISREL 8.3, tenha indicado a aceitação da hipótese de existência de normalidade multivariada. Convém salientar, ainda, a exclusão de itens originalmente sugeridos, a fim de se assegurar o atendimento às premissas.

Concluída a análise exploratória dos dados, realizaram-se procedimentos destinados à avaliação da dimensionalidade das escalas por meio da técnica de análise fatorial exploratória. A suposição é de que todas as variáveis constantes das escalas podem ser reduzidas a fatores que garantam a unidimensionalidade das medidas.

Um segundo objetivo da análise fatorial exploratória é verificar se todos os indicadores constantes das medições são realmente relevantes para a pesquisa. Segundo Hair e outros (1998), essa relevância pode ser constatada de cinco maneiras. A primeira é a verificação das correlações entre os indicadores. A presença de indicadores relevantes encontra-se associada a um número expressivo de correlações bivariadas superiores a 0,30. A segunda maneira é verificar a medida de adequação da amostra, obtida por meio do teste Kaiser-Meier-Olkin – KMO. Contido no intervalo [0, 1], quanto mais próximo de 1 (um) for o valor obtido, melhor a adequação da amostra. Já a terceira consiste na verificação dos valores da matriz de antiimagem, os quais devem ser pequenos. A quarta forma, por sua vez, baseia-se na análise da comunalidade dos indicadores, medida que indica o grau em que os itens da escala encontram-se associados à combinação linear gerada pelo fator extraído. Finalmente, a quinta maneira é a análise da carga dos indicadores. No caso deste estudo, baseando-se nas recomendações de Hair e outros (1998), e no observado em estudos realizados no Brasil por Borges-Andrade e outros (1996), Borges-Andrade (1998), e Oliveira-Castro e outros (1998), foi considerado como ponto de corte o valor de carga 0,30.

Cabe salientar, ainda, a adoção, para os cálculos das variâncias dos fatores extraídos, do critério da raiz latente, assim como a utilização do método Oblimin para a análise dos coeficientes dos indicadores dos fatores encontrados.

Como resultado final das análises fatoriais, os quinze indicadores originalmente propostos para a mensuração das competências individuais requeridas foram agrupados em um único fator, conforme disposto no Quadro 1.


Os indicadores de modernidade organizacional, por sua vez, foram agrupados em três fatores, denominados: Modernidade Administrativa e das Práticas de Gestão de Pessoas, Modernidade Política e Modernidade Cultural (Quadro 2).


Procedida a análise da dimensionalidade, o passo seguinte consistiu na verificação da confiabilidade das escalas propostas. Segundo Malhotra (2001), uma escala pode ser considerada confiável quando sua aplicação, em sucessivas medições, produz resultados consistentes. Já para Churchill (1995), a confiabilidade de uma escala refere-se ao grau em que ela se encontra livre de erros aleatórios.

Neste estudo, como medida para a mensuração da confiabilidade das medidas propostas, adotou-se o coeficiente alfa de Cronbach, considerado por Malhotra (2001), Nunally e Berstein (1994) e Hair e outros (1998) indicador consistente para análise da confiabilidade.

Para Hair e outros (1998), muito embora não haja um padrão absoluto, valores de alfa de Cronbach iguais ou superiores a 0,70 refletem uma fidedignidade aceitável. Por outro lado, salientam que valores inferiores a 0,70 podem ser aceitos se a pesquisa for de natureza exploratória. De forma similar, Nunnaly e Bernstein (1994) apontam como aceitáveis valores de alfa de Cronbach iguais ou superiores a 0,70. Já Malhotra (2001) reconhece como aceitáveis valores iguais ou superiores a 0,60.

Considerando como valor de corte coeficientes alfa de Cronbach iguais ou superiores a 0,70, os resultados dos cálculos efetuados indicaram para todas as medidas valores acima desse patamar: Competências Individuais Requeridas (0,93), Modernidade Administrativa e das Práticas de Gestão de Pessoas (0,94), Modernidade Política (0,92), Modernidade Cultural (0,92), Satisfação com Fatores associados ao Trabalho em Si (0,84), Satisfação com Fatores Organizacionais (0,87) e Satisfação com a Gerência (0,70).

Vale salientar que, para o conjunto dos coeficientes obtidos, somente para a escala de modernidade cultural a retirada de um item (A organização encoraja a iniciativa e responsabilidade individual) elevaria o valor do coeficiente: de 0,9182 para 0,9246. Como, no entanto, o valor do coeficiente originalmente obtido já se revelava adequado, optou-se pela sua manutenção. A partir do conjunto de cálculos foi possível, portanto, considerar fidedignas as escalas propostas.

Validado o instrumento, ele foi reaplicado junto aos dois outros públicos-alvo deste estudo: pós-graduandos e egressos de programas de especialização em telecomunicações; e graduandos em administração. Para tal, seguiu-se a mesma estratégia de coleta de dados utilizada no primeiro levantamento.

Para a análise descritiva do conjunto dos dados obtidos, o estudo contemplou o cálculo de distribuições de freqüências, assim como medidas de tendência central (mediana) e de variabilidade. Vale destacar, também, a utilização de técnicas de análise multivariada (Modelagem de Equações Estruturais) para a verificação das relações entre os construtos alvo deste estudo (HAIR e outros, 1988).

Para fins de análise das propriedades psicométricas das escalas (validação das escalas) e de análise descritiva dos dados e das relações entre os construtos pesquisados, utilizaram-se os pacotes estatísticos SPSS, AMOS 4.0 e LISREL 8.3.

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

Os dados coletados pelas pesquisas constatam que a demanda por competências não tem sido acompanhada por uma modernidade de políticas e práticas de gestão. Os respondentes consideram haver forte pressão para desenvolverem competências profissionais requeridas pelas organizações, que, por outro lado, possuem apenas moderado grau de modernidade. Abaixo, são apresentados e analisados os resultados da pesquisa.

Caracterização dos respondentes

Visando a traçar o perfil dos 1.016 respondentes aos três levantamentos de dados, há que se salientar o perfil jovem do conjunto dos respondentes.

O público constituído por pós-graduandos em administração pode ser caracterizado como jovem (51,8%, na faixa entre 26 e 35 anos), ocupante de cargo gerencial (41,0%) ou de nível técnico especializado (31,0%) e com formação básica em cursos na área das ciências sociais aplicadas (59,8%). Constata-se, ainda, um equilíbrio entre o percentual de homens (51,5%) e mulheres (48,5%). Outros aspectos a serem destacados referem-se à predominância de profissionais com pouco tempo nas organizações em que se encontram (45,6% declararam ter entre 1 e 5 anos de casa), bem como no cargo ocupado (52,2% indicaram estar exercendo o atual cargo entre 1 e 5 anos). Visando a compor, por sua vez, uma síntese do perfil das organizações em que atuam tais profissionais, destaca-se o elevado percentual de respondentes oriundos de organizações de grande porte (55,5%), do setor de serviços (68,2%) e de controle privado nacional (48,3%) ou estatal (33,9%).

Igualmente, o grupo composto por pós-graduandos e egressos de programas de pós-graduação na área de telecomunicações apresenta predominância de indivíduos jovens (53,8% com até 30 anos) e do sexo masculino (81,8%). Em relação à formação básica, constata-se a supremacia de egressos de cursos de Engenharia (60,9%). No que tange, por seu turno, ao cargo atual, 49,5% disse ocupar posições de nível técnico especializado (analistas/especialistas), tendo a maioria menos de cinco anos de empresa (43,1%), assim como menos de cinco anos no atual cargo (49,8%). Já em relação ao perfil das empresas a que se encontram ligados, a maior parte revelou atuar em empresas de grande porte (56,9%), do setor de serviços (74,6%) e de controle privado nacional (62,2%).

O grupo composto por graduandos de administração, por sua vez, revelou-se mais jovem (55,0% com menos de 25 anos) que os grupos anteriores. Ainda diferentemente dos grupos anteriores nota-se a predominância de respondentes do sexo feminino (57,8%), assim como elevado percentual de ocupantes de cargos de nível técnico-operacional (72,3%). Quanto ao tempo de casa, a maior parte indicou ter entre um e cinco anos de empresa (52,0%), bem como o mesmo tempo na posição atual (52,0%). Constata-se um maior número de respondentes junto a empresas do setor de serviços (58,4%) e de controle privado nacional (48,3%). Finalmente, de modo distinto, registra-se a preponderância de respondentes junto a empresas de pequeno porte (41,8%).

Percepção dos pesquisados quanto às competências individuais requeridas

Antes de se proceder à apresentação dos resultados, salientamos que a mensuração das Competências Individuais Requeridas – assim como da Modernidade Organizacional e de seus indicadores constitutivos – baseou-se em questões dispostas em escala Likert de 11 pontos, abrangendo opções de resposta no intervalo de [0, 10], em que valores próximos do limite superior da escala representam maior o grau de demanda pelas competências, assim como maior o grau de modernidade das políticas e práticas de gestão investigadas.

Tendo por base tais critérios, foi possível constatar uma elevada percepção, notadamente por parte dos pós-graduandos e egressos de programas de pós-graduação, quanto à demanda pelo conjunto das competências avaliadas, evidenciando-se como fortemente requeridas aquelas mais diretamente relacionadas ao desempenho das organizações, como a capacidade de seus profissionais comprometerem-se com os objetivos organizacionais e de gerarem resultados efetivos. Constata-se, também, uma ênfase na demanda por competências descritas por Aubrum e Orofiamma (1991), como competências de terceira dimensão, as quais se caracterizam não por serem habilidades manuais ou conhecimentos técnicos, mas, antes, qualidades pessoais e relacionais, tais como capacidade de comunicação, de relacionamento interpessoal e de trabalho em equipes.

Além dessas competências, dados obtidos junto aos pós-graduandos e egressos de programas na área de telecomunicações indicam elevada demanda por componentes da competência, tais como iniciativa de ação e decisão, capacidade de aprender rapidamente novos conceitos e tecnologias e de lidar com mudanças, incertezas, ambigüidades e situações imprevistas, típicas de empresas de alta tecnologia que vivenciam contínuos processos de transformação.

É interessante salientar também que, não obstante a maioria dos graduandos em administração ocupar cargos de nível técnico-operacional, se constata uma significativa percepção deles quanto ao nível de demanda pelas competências investigadas, em especial a tônica na capacidade de inovação e geração de resultados efetivos. Além disso, são significativas as demandas por competências como iniciativa de ação e decisão, visão de mundo ampla e global, capacidade de lidar com incertezas, ambigüidades e situações novas e inusitadas, assim como capacidade de comunicação e autocontrole emocional. Competências, essas, considerando-se, sobretudo, os níveis requeridos, típicas de funções de nível gerencial (Tabela 1).

Visando a sintetizar a percepção dos profissionais pesquisados quanto à demanda pelo conjunto das competências investigadas, foi calculado um índice (Índice de Competências Individuais Requeridas – ICR), destinado a refletir a média geral das competências individuais requeridas, o qual resultou nos valores de ICR=8,3 para os pós-graduandos e egressos de cursos na área de telecomunicações, ICR=8,1 para os pós-graduandos em administração e ICR=7,8 para os graduandos de administração. Considerando-se a utilização de uma escala de 0 a 10, os valores obtidos ratificam as percepções quanto a significativos graus de demanda pelas competências investigadas, mesmo para o grupo composto exclusivamente por graduandos.

Percepção dos pesquisados quanto à modernidade organizacional

Em relação ao Grau de Modernidade Organizacional (GMO), os resultados indicam, para os três grupos pesquisados – pós-graduandos e egressos de programas de especialização em telecomunicações (GMO=6,8), pós-graduandos em administração (GMO=6,0) e graduandos em administração (GMO=5,9) – patamares que podem ser caracterizados como moderados (Tabela 2).

Quanto à modernidade administrativa e das práticas de gestão de pessoas, os dados coletados indicam percepções dos respondentes quanto à prevalência, em grau mais elevado, de aspectos de modernidade mais diretamente associados à dimensão administrativa, notadamente a ênfase no compartilhamento dos propósitos, missão, objetivos e metas organizacionais, assim como a tônica em resultados. Sobressaem-se, também, percepções quanto a estímulos ao estabelecimento de ambientes de trabalho mais favoráveis à comunicação e integração entre as pessoas, mesmo de níveis hierárquicos diferentes. Por outro lado, aspectos associados à dimensão das práticas de gestão, propriamente ditas, como a existência de sistemas de avaliação que permitam diferenciar bom e mau desempenho, de sistemas de remuneração que premiem atos de competência, assim como de práticas de recursos humanos que estimulem as pessoas a se preocuparem com aprendizagem contínua, apresentaram os menores escores para os três grupos estudados, destacando-se a proximidade dos escores obtidos junto aos pós-graduandos e graduandos em administração (Tabela 3).

No que tange à dimensão cultural nota-se, a partir dos dados apresentados na Tabela 4, concordância (por parte de percentual significativo dos respondentes) quanto ao encorajamento, pelas organizações, de climas internos que estimulem valores como iniciativa, responsabilidade individual e aprendizagem contínua.

Paradoxalmente, os dados obtidos junto à dimensão política sugerem, não obstante os esforços para o estabelecimento de climas mais abertos à inovação e à aprendizagem, caráter organizacional com traços de autoritarismo, centralização e rigidez hierárquica (Tabela 5).

Ao mesmo tempo em que se exige, não raro de forma indistinta, graus cada vez mais elevados de competências, seus detentores, ao buscarem aplicá-las, deparam-se com sistemas de gestão tradicionais e pouco favorecedores do desenvolvimento e aplicação das novas competências demandadas.

Cabe destacar, nessa direção, a constatação de maior grau de insatisfação dos graduandos pesquisados com a qualidade das políticas e práticas organizacionais e, em especial, com incoerências entre discurso e prática. Como conseqüência, observam-se relatos de dificuldades na retenção de jovens talentos, assim como quadros de frustração profissional e insatisfação no trabalho, assim como verificado em outros trabalhos (SANT'ANNA, e outros, 2002; SARSUR, e outros, 2003).

Finalmente, cálculos estatísticos realizados por meio de técnicas de modelagem de equações estruturais confirmam a existência de correlação positiva entre os construtos de competências individuais requeridas e de modernidade organizacional, corroborando os dados apresentados nas Tabelas 2 e 3, os quais indicam maiores demandas pelas competências acompanhadas por percepções elevadas, quanto à modernidade das políticas e práticas de gestão (graduandos em administração: ICR=7,8, GMO=5,9; pós-graduandos em administração: ICR=8,1, GMO=6,0; e pós-graduandos e egressos telecomunicações: ICR=8,3, GMO=6,8). Tais achados revelam-se significativos na medida em que sinalizam a possibilidade de que as atuais demandas por profissionais dotados de competências cada vez mais abrangentes venham implicar, no futuro, maior modernidade das políticas e práticas de gestão.

SÍNTESE DOS RESULTADOS E CONCLUSÕES

A partir do conjunto dos dados obtidos é possível constatar, no geral, elevada percepção dos respondentes quanto ao grau de demanda, por parte das organizações em que atuam, das competências avaliadas.

Não obstante a percepção dos respondentes quanto à significativa demanda pelo conjunto das competências pesquisadas, há maior ênfase naquelas diretamente relacionadas à performance organizacional, como a capacidade de gerar resultados, o que vem ao encontro da própria noção de competência, entendida como a capacidade de se mobilizarem múltiplos saberes, com vistas à geração de resultados efetivos (PERRENOUD, 2001). É notável, também, em especial junto aos pós-graduandos e egressos de programas de pós-graduação, a elevada percepção quanto à demanda por competências sociais e relacionais, como a capacidade de comunicação, de relacionamento interpessoal e de trabalho em equipes.

Em relação à percepção quanto à elevada demanda pelo conjunto das competências investigadas, cabe evocar a observação de Gitahy e Fischer (1996) quanto à "síndrome de construção de um super-homem", identificada em pesquisa realizada em uma subsidiária de corporação multinacional que opera no Brasil, assim como em estudo conduzido por Luz (2001) junto a uma grande empresa brasileira do setor de telecomunicações.

Observa-se, ainda, certa homogeneidade do discurso em torno da competência, refletido na percepção de que todos na organização, independentemente da posição que ocupam e do nível de formação, precisam dispor das mesmas competências e, não raro, em graus muito próximos. Percepção, a qual pode revelar-se potencialmente problemática, considerando-se que cargos apresentam diferentes amplitudes quanto ao escopo e conteúdo de suas tarefas (HACKMAN, OLDHAM, 1975). Sarsur e outros (2003), a partir de estudo investigando fatores de atração e retenção de jovens talentos, destacam excessos de expectativas e incoerências entre discurso e prática como principais fatores de desligamento voluntário desse perfil profissional.

Já em relação à modernidade organizacional, os resultados revelam percepções quanto a graus de modernidade menores que os índices de competências requeridas.

Cabem ressaltar, ainda, percepções quanto à prevalência de processos de tomada de decisões pouco participativos, transparentes e descentralizados, bem como de baixos graus de autonomia conferida a trabalhadores. Não obstante a constatação de estímulos por parte das organizações ao estabelecimento de climas internos favoráveis ao processo de aprendizagem contínuo, assim como ao estabelecimento de ambientes organizacionais que facilitem o trabalho em equipe e encorajem iniciativas de ação e decisão, o que se constata na prática é a prevalência de um caráter organizacional ainda autoritário, hierarquizado e centralizado.

Tais achados, somados aos baixos graus de modernidade verificados junto à dimensão política, corroboram teses defendidas por Leite (1996) de que a modernização em voga compreende um processo que, ainda hoje, pode ser definido como de "modernização conservadora", sugerindo a necessidade de adoção, por parte das organizações, de políticas e práticas de gestão mais aderentes aos novos perfis profissionais requeridos.

Diferentemente de achados obtidos em estudos realizados por Weil (1991) e Leite (1993), os resultados deste trabalho indicam que as exigências quanto a um novo perfil de trabalhador não têm sido acompanhadas, no grau preconizado por esses autores, por um novo conjunto de princípios, calcados na autonomia e participação dos trabalhadores nos processos decisórios.

Ao contrário, os achados reforçam a necessidade de mudanças no comportamento das organizações, de modo que estruturas verticalizadas e centralizadas cedam espaço a estruturas mais horizontais e descentralizadas, favorecedoras de maior autonomia, participação e envolvimento dos trabalhadores, o que pressupõe mudanças profundas não só nas estruturas, nos sistemas, nas políticas e nas práticas de gestão, mas também e, principalmente, na cultura organizacional.

Concomitantemente, os resultados apontam contradições entre discurso e prática de modelos de gestão em voga. Permanece, todavia, a expectativa de que, como em um círculo virtuoso, a demanda por profissionais dotados de competências cada vez mais abrangentes e sofisticadas venha a resultar em modernização das políticas e práticas de gestão, capaz de propiciar ambientes organizacionais mais favorecedores ao desenvolvimento e aplicação do máximo potencial de seus elementos humanos.

Artigo recebido em 19.07.2005.

Aprovado em 30.11.2006.

Anderson de Souza Sant'Anna

Professor da Fundação Dom Cabral.

Doutor em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais.

Interesse de pesquisa nas áreas de gestão de carreiras e competências, qualidade de vida e estresse no trabalho, políticas e práticas de gestão de pessoas.

E-mail: anderson@fdc.org.br

Endereço: Rua Juvenal Melo Senra, 51/1103, Belvedere, Belo Horizonte – MG, 30320-660.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Mar 2008
  • Data do Fascículo
    Jun 2008

Histórico

  • Aceito
    30 Nov 2006
  • Recebido
    19 Jul 2005
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