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Estudo da resposta tissular à endoprótese recoberta de jugular bovina em veia cava inferior de suínos

Bovine jugular covered stent-graft implanted in swine inferior vena cava - a study of tissue response

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a resposta tissular a uma endoprótese, com cobertura biológica heteróloga, implantada em veia cava inferior de suínos. MÉTODO: Desenvolvemos uma endoprótese auto-expansível, revestida com um segmento de jugular bovina, conservada por processo L-hydro e suturada em um stent de aço inoxidável 316L. O dispositivo introdutor utilizado foi a bainha de liberação da endoprótese aórtica Taheri-Leonhardt (Flórida, EUA). Foram implantadas endopróteses em 10 suínos, todas na veia cava infra-renal. Os animais foram submetidos à flebografia peroperatória. À necropsia, após 2 meses, cada endoprótese foi retirada em bloco e analisada macroscopicamente, visando a avaliação da perviedade, aderência aos tecidos vizinhos e incorporação à parede venosa; e, histopatologicamente, visando a resposta histológica ao enxerto. RESULTADOS: Na análise macroscópica, todas as endopróteses encontravam-se pérvias e totalmente incorporadas à parede venosa, porém seis apresentavam trabeculações grosseiras no seu interior e quatro algum grau de fibrose perivascular. Três animais desenvolveram linfocele, uma retroperitoneal e as outras na parede abdominal. No estudo histopatológico, observamos reação inflamatória granulomatosa tipo corpo estranho em todos os casos, sendo predominante na camada média (80%). CONCLUSÃO: O modelo estudado apresentou baixa trombogenicidade, corroborando com a eficácia do meio de conservação e material escolhidos; porém, baixa biocompatibilidade, provavelmente pelo obstáculo imunológico dos xenoenxertos e resposta tissular exagerada do território venoso.

Endoprótese; bioprótese; veias jugulares; bovinos; veia cava inferior; histocompatibilidade


OBJECTIVE: To evaluate tissue response to a bovine jugular vein covered stent when implanted in the swine inferior vena cava. METHOD: We developed a self-expanding stent, using a segment of L-hydro conserved bovine jugular vein, which was trimmed and sutured to a 316L stainless steel stent. We used the Taheri-Leonhardt delivery system for aortic stent-graft deployment (Florida, USA). Ten handmade stent-grafts were implanted in 10 swine inferior venae cavae. All animals were submitted to perioperative venography. At necropsy, 2 months later, the stent-grafts were removed en bloc and histopathologic analysis was undertaken, in order to analyze its patency, adherence to neighboring tissues and incorporation to the venous wall, as well as tissue response. RESULTS: All stent-grafts were patent and adherent to venous wall, but six presented with gross trabeculation and four had some degree of perivascular fibrosis at macroscopy. Three animals developed lymphocele, one in the retroperitoneal space and the others in the abdominal wall. At histopathology, we observed chronic inflammatory reaction with foreign body granulomatous response in all cases, with prevalence of the tunica media (80%). CONCLUSION: The model presented low thrombogenicity, which corroborates the efficacy of the chosen means of preservation and material. However, there was low compatibility, probably due to the immunological obstacle of xenografts and exaggerated tissue response of the venous territory.

Stent-graft; bioprosthesis; jugular veins; cattle; inferior vena cava; histocompatibility


ARTIGO ORIGINAL

Estudo da resposta tissular à endoprótese recoberta de jugular bovina em veia cava inferior de suínos

Bovine jugular covered stent-graft implanted in swine inferior vena cava - a study of tissue response

Cristina Ribeiro Riguetti PintoI; Celso Luiz Muhlethaler ChouinII; Gaudencio Espinosa LopezIII

IMestranda, Serviço de Cirurgia Vascular, Departamento de Cirurgia Geral, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ

IIDoutorando, Serviço de Cirurgia Vascular, Departamento de Cirurgia Geral, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ

IIIDoutor, Professor Adjunto, Serviço de Cirurgia Vascular, Departamento de Cirurgia Geral, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Cristina Ribeiro Riguetti Pinto Rua Raul Pompéia, 144/704 - Copacabana CEP 22080-000 - Rio de Janeiro, RJ Tel: (21) 9873.3328 Fax: (21) 2249.2346 E-mail: crisriguetti@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a resposta tissular a uma endoprótese, com cobertura biológica heteróloga, implantada em veia cava inferior de suínos.

MÉTODO: Desenvolvemos uma endoprótese auto-expansível, revestida com um segmento de jugular bovina, conservada por processo L-hydro e suturada em um stent de aço inoxidável 316L. O dispositivo introdutor utilizado foi a bainha de liberação da endoprótese aórtica Taheri-Leonhardt (Flórida, EUA). Foram implantadas endopróteses em 10 suínos, todas na veia cava infra-renal. Os animais foram submetidos à flebografia peroperatória. À necropsia, após 2 meses, cada endoprótese foi retirada em bloco e analisada macroscopicamente, visando a avaliação da perviedade, aderência aos tecidos vizinhos e incorporação à parede venosa; e, histopatologicamente, visando a resposta histológica ao enxerto.

RESULTADOS: Na análise macroscópica, todas as endopróteses encontravam-se pérvias e totalmente incorporadas à parede venosa, porém seis apresentavam trabeculações grosseiras no seu interior e quatro algum grau de fibrose perivascular. Três animais desenvolveram linfocele, uma retroperitoneal e as outras na parede abdominal. No estudo histopatológico, observamos reação inflamatória granulomatosa tipo corpo estranho em todos os casos, sendo predominante na camada média (80%).

CONCLUSÃO: O modelo estudado apresentou baixa trombogenicidade, corroborando com a eficácia do meio de conservação e material escolhidos; porém, baixa biocompatibilidade, provavelmente pelo obstáculo imunológico dos xenoenxertos e resposta tissular exagerada do território venoso.

Palavras-chave: Endoprótese, bioprótese, veias jugulares, bovinos, veia cava inferior, histocompatibilidade.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To evaluate tissue response to a bovine jugular vein covered stent when implanted in the swine inferior vena cava.

METHOD: We developed a self-expanding stent, using a segment of L-hydro conserved bovine jugular vein, which was trimmed and sutured to a 316L stainless steel stent. We used the Taheri-Leonhardt delivery system for aortic stent-graft deployment (Florida, USA). Ten handmade stent-grafts were implanted in 10 swine inferior venae cavae. All animals were submitted to perioperative venography. At necropsy, 2 months later, the stent-grafts were removed en bloc and histopathologic analysis was undertaken, in order to analyze its patency, adherence to neighboring tissues and incorporation to the venous wall, as well as tissue response.

RESULTS: All stent-grafts were patent and adherent to venous wall, but six presented with gross trabeculation and four had some degree of perivascular fibrosis at macroscopy. Three animals developed lymphocele, one in the retroperitoneal space and the others in the abdominal wall. At histopathology, we observed chronic inflammatory reaction with foreign body granulomatous response in all cases, with prevalence of the tunica media (80%).

CONCLUSION: The model presented low thrombogenicity, which corroborates the efficacy of the chosen means of preservation and material. However, there was low compatibility, probably due to the immunological obstacle of xenografts and exaggerated tissue response of the venous territory.

Key words: Stent-graft, bioprosthesis, jugular veins, cattle, inferior vena cava, histocompatibility.

O tratamento de lesões traumáticas e processos estenóticos ou oclusivos venosos é um assunto de grande dificuldade e controvérsia terapêutica1-4. Por se tratar de um território vascular cuja lesão apresenta menor impacto clínico e evolução mais lenta em relação à arterial, há uma carência de experiência e consenso na literatura. Com o advento da cirurgia endovascular, técnica minimamente invasiva, a indicação desse tipo de intervenção no território venoso é crescente2-11.

A angioplastia transluminal venosa percutânea pode ser eficaz durante alguns meses, porém, em geral, as estenoses são muito resistentes, com alto índice de ineficácia primária e reestenose a curto e médio prazo12. A utilização de stents representa um certo progresso, mas não definitivo. A maior parte dos pacientes, com exceção dos casos de tratamento paliativo para estenoses neoplásicas, terá de submeter-se a várias intervenções endoluminais para manter a permeabilidade de seu sistema venoso e para prevenir uma eventual trombose, que, se aguda, pode ter conseqüências drásticas. Porém, os resultados, ainda que inferiores aos arteriais, competem com os obtidos com as cirurgias convencionais de grandes vasos dos sistemas das veias cava superior e inferior12,13.

A investigação de materiais biológicos para a confecção de endopróteses é recente14. A veia foi um dos primeiros enxertos utilizados, em sua forma autóloga ou heteróloga desnaturada15. Embora o enxerto venoso autólogo apresente o melhor resultado, necessita de procedimento cirúrgico para sua coleta e depende do patrimônio venoso do paciente16. Porém, as endopróteses biológicas oferecem algumas qualidades que os polímeros sintéticos não possuem, como a resistência à infecção, baixo perfil, maior complacência e maior biocompatibilidade16.

Uma série de processos celulares e moleculares complexos contribui para a cicatrização das endopróteses. Esses processos cicatriciais refletem a resposta tissular ao implante de um corpo estranho no sistema vascular e resultam em quatro tipos de formações tissulares: trombo, neo-íntima, endotélio e infiltrado de células inflamatórias16,17. Tanto a extensão quanto a localização de cada um dos quatro tipos tissulares são influenciadas por um número de fatores mecânicos relacionados ao implante da endoprótese, localização das hastes de metal do stent, tipo de polímero ou material biológico do enxerto e método de conservação utilizado16.

O presente estudo foi elaborado para avaliar a resposta tissular ao implante, na cava inferior de suínos, de uma endoprótese auto-expansível recoberta com segmento de veia heteróloga conservada em solução especial pelo processo L-hydro.

MATERIAL E MÉTODO

Este estudo foi realizado no centro de pesquisa da Labcor Laboratórios, em Santa Luzia (MG), e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Animais de Laboratório do Departamento de Cirurgia da UFRJ e pelo Comitê de Cuidados e Uso de Animais do Centro de Pesquisa da Labcor Laboratórios, em Belo Horizonte (MG).

Endopróteses

A endoprótese foi estruturada por um stent constituído por três anéis de fio com secção redonda de 0,018", de aço inoxidável 316L, dobrados em ziguezague, tipo "alça de guardanapo", e conectados entre si longitudinalmente por um fio do mesmo material e perfil (barra conectora). Cada anel do stent media aproximadamente 12 mm de comprimento, com um total de 10 dobras eqüidistantes, totalizando cinco cristas e cinco vales. Todo o dispositivo apresentava em média 63 mm (47 mm-80 mm) de extensão por 15 mm (10 mm-22 mm) de diâmetro. Os diâmetros dos stents foram adequados aos segmentos de jugular bovina disponíveis. Já os diâmetros das endopróteses, escolhidas para cada animal, foram estipulados de acordo com o protocolo estabelecido por Gomez-Jorge et al. e confirmados empiricamente pela avaliação do diâmetro externo da cava sob visão direta18.

Os segmentos da jugular de bovino foram extraídos de animais abatidos em idade adulta, no abatedouro municipal de Santa Luzia (MG), aprovado pelo Ministério da Agricultura e Vigilância Sanitária para esse fim. Após serem aparados, para eliminar o excesso de tecido, e montados em suporte, receberam o tratamento de preservação pelo processo L-hydro.

O processo L-hydro de conservação é dividido em três etapas distintas. A primeira combina a extração de antígenos, sob condições controladas, sem o uso de detergentes, surfactantes ou enzimas digestivas, com o mascaramento de antígenos remanescentes pelo poliglicol, sob oxidação química controlada. Essa etapa é realizada em condições físicas específicas, que protegem os componentes extracelulares, tais como o colágeno e a elastina. A segunda etapa consiste em um processo de incorporação ao tecido de um agente antiinflamatório não-esteróide (equivalente ao ácido acetilsalicílico) e de um agente antitrombótico (equivalente à heparina). A terceira e última etapa realiza a esterilização do tecido em fase aquosa de peróxido de hidrogênio (H2O2).

Para o implante da endoprótese, foi utilizado o sistema liberador da endoprótese de aorta tipo Taheri-Leonhardt (Flórida, EUA), composto por uma bainha coaxial, com um êmbolo propulsor (Figura 1). Os sistemas usados foram de calibres variados: 18-24F, sendo escolhidos conforme a regra do "n + 4" desenvolvida in vitro por Gomez-Jorge et al.18.


Amostra

Foram utilizados 10 suínos fêmeas de raça híbrida (cruzamento de Landrace e Large White), provenientes da Fazenda Córrego Fundo, Brumadinho (MG). Todos os animais apresentavam-se saudáveis, com idade de 3 meses e peso médio aproximado de 26 kg, variando de 20 a 35 kg. Os animais foram alimentados com ração de crescimento para suínos Socil Guyomarc'h, Cevadil 12, 600 mg/dia e água ad libitum.

Procedimento cirúrgico

Os animais foram submetidos a um jejum de 12 horas para alimentos sólidos e 6 horas para líquidos. A via de acesso venoso foi a veia marginal da orelha direita, e no ato anestésico foram utilizadas as seguintes drogas: sulfato de atropina na dose de 0,04 mg/kg intramuscular (IM) 20 minutos antes da indução; cloridrato de ketamina na dose de 7,8 mg/kg IM; cloridrato de xilazina na dose de 2,2 mg/kg IM; tiopental sódico na dose de 8 mg/kg endovenoso e restante conforme necessidade; e succinilcolina na dose de 1 mg no início do procedimento.

A via de acesso foi a retroperitoneal, utilizando-se uma incisão abdominal oblíqua arqueada com concavidade medial em quadrante inferior direito. Após exposição, dissecção e reparo das veias ilíacas externa, interna e comum, o animal foi anticoagulado com heparina sódica na dose de 350 UI/kg. Foi puncionada a veia ilíaca comum direita e introduzida bainha curta 5F, pela técnica de Seldinger. Foi também realizada flebografia para delimitação do limite proximal (veia renal) e distal (bifurcação ilíaca) para o posicionamento da endoprótese. Após pinçamento distal dos vasos, foi introduzido sob fluoroscopia, por flebotomia longitudinal, o sistema de liberação apoiado sobre fio guia teflonado 0,035" x 145 cm com ponta em "J". Procedendo-se à liberação da endoprótese, foi realizada flebografia de controle pelo próprio sistema liberador retraído distalmente e posterior fleborrafia com fio de polipropileno 7-0 (Figura 2). A anticoagulação foi revertida com cloridrato de protamina na dose de 1 ml para cada 1.000 UI de heparina sódica administrados, e realizou-se síntese da parede abdominal por planos.


Pós-operatório

Após a cirurgia, os animais foram mantidos sob temperatura ambiente em compartimentos individuais nos primeiros dias e em alojamento conjunto no período restante. Foram mantidos em regime de droga antiinflamatória por 3 dias consecutivos (flunixin meglumine 50 mg/dia) e antibiótica por 7 dias (enrofloxacina), 5 mg/kg/dia.

Sacrifício

Após 2 meses do procedimento de implante da endoprótese, o animal foi anestesiado pela mesma técnica e sacrificado com injeção endovenosa de cloreto de potássio a 10% na dose de 20 ml in bolus. O segmento de veia cava inferior foi retirado em bloco e fixado com solução de aldeído fórmico a 10%.

Análise macroscópica

De acordo com a avaliação das características internas e externas da peça, foi estabelecido um esquema de escore para comparação final dos resultados. A reação de fibrose tissular com aderência a estruturas adjacentes foi pontuada com zero quando não ocorreu, 1 ponto quando foi moderada e 2 pontos quando intensa. A perviedade luminal foi pontuada com zero quando era total, 1 ponto quando houve trabeculações e 2 pontos quando da oclusão total do vaso. A incorporação da endoprótese recebeu zero quando totalmente incorporada ao vaso nativo, 1 ponto quando parcialmente incorporada (descolável ao manuseio) e 2 pontos quando não incorporada (descolada).

Análise microscópica

Foram removidos os stents com técnica microcirúrgica e realizados cortes transversos nos segmentos em contato com o anel do stent (intersegmentos) e fora dos anéis do stent (segmentos livres). Os segmentos foram incluídos em blocos de parafina e posteriormente submetidos a cortes histológicos medindo 4 µm de espessura e corados com hematoxilina-eosina.

A avaliação microscópica quantificou a reação inflamatória nos intersegmentos e segmentos livres de anéis do stent, sendo leve quando < 30%, moderada quando > 30% e < 70% e grave quando < 70%.

RESULTADO

Evolução pós-operatória

As 10 endopróteses foram liberadas com sucesso. Ocorreu um posicionamento inadvertido, com o anel mais distal na veia ilíaca comum direita, porém sem repercussão clínica. Todos os animais permaneceram vivos até o sacrifício. Um animal apresentou abcesso na parede abdominal, que regrediu com antibioticoterapia. Três animais apresentaram linfocele, uma moderada com drenagem espontânea, uma gigante na parede abdominal e outra gigante na cavidade retroperitoneal; e dois animais apresentaram granuloma na parede distal e externa da peça, sendo que um destes desenvolveu linforréia perienxerto.

Macroscopia

À necropsia, não houve nenhum caso de oclusão vascular, sendo a maioria das peças (60%) classificada com perviedade parcial (Figura 3), e o restante (40%), como totalmente pérvias, conforme Tabela 1. Encontramos um bom plano de dissecção em mais da metade (60%) do grupo em estudo: em dois animais apresentando aderência leve, em ambos os casos próximo à bifurcação ilíaca, e outros dois animais apresentando aderência intensa, conforme Tabela 1. Embora todas as endopróteses aparentassem total incorporação à parede venosa, durante o manuseio do preparo histológico, três destas se mostraram descoláveis, ou seja, parcialmente aderidas, conforme Tabela 1.


Microscopia

Foi observada a presença de processo inflamatório crônico com reação granulomatosa tipo corpo estranho em todas as peças estudadas (Figura 4). A localização predominante da resposta inflamatória foi na camada média em 80% dos casos, e houve ausência da camada íntima nos quatro últimos, conforme Tabela 2. Os resultados de quantificação da resposta mostraram uma discreta diferença entre os cortes dos intersegmentos e dos segmentos livres de anéis do stent, sendo severa em 40% dos segmentos livres e em 50% dos intersegmentos; leve em 30% dos livres e 20% dos intersegmentos; e igualmente moderada em 30% de ambos, conforme Tabela 2. Assim, a resposta severa predominou em um caso de corte nos intersegmentos, e a leve, em um caso de corte nos segmentos livres de anéis.


DISCUSSÃO

Desde o início do século 20 que modelos animais têm sido utilizados para a pesquisa da doença vascular. No entanto, um modelo ideal não existe, já que nenhum reproduz perfeitamente a resposta humana à doença. A histopatologia sugere que os vasos periféricos do porco doméstico e do coelho são os que mais se assemelham ao modelo ideal, pois apresentam tamanho e acesso vascular semelhantes aos do homem, exibem quantidades substanciais de elastina e possuem íntima, média e adventícia comparáveis19. No entanto, as respostas cicatriciais são menos intensas na espécie humana quando comparadas às demais20. E os suínos têm uma tendência à hipercoagulabilidade e sistema fibrinolítico não tão ativo21.

No nosso estudo, utilizamos suínos pela semelhança anatômica, morfológica e histológica do sistema vascular, além da facilidade de aquisição. Não encontramos problema com o ganho ponderal, pois o prazo programado do experimento foi de 2 meses, não representando dificuldade no seu manejo. Embora os suínos apresentem tendência maior à hipercoagulabilidade e um sistema fibrinolítico menos ativo quando comparados aos humanos, não foi observado nenhum caso de trombose aguda do enxerto, estando, ao final do experimento, todas as endopróteses pérvias ou parcialmente pérvias. Em nossa opinião, esse fato demonstrou que a endoprótese biológica utilizada é pouco trombogênica.

Fizemos uma abordagem qualitativa e quantitativa, descrevendo a ocorrência, o tipo e a intensidade da resposta inflamatória, em se tratando da avaliação inicial de uma nova endoprótese e não de um dispositivo já em uso clínico. Assim, a escolha do tempo de 2 meses permitiu a análise da mortalidade precoce, complicações relacionadas ao procedimento e alterações macro e microscópicas da peça, como a perviedade e a resposta tissular.

Nos estudos de viabilidade de stents farmacológicos coronarianos, dispositivos já em uso clínico regular, exige-se a avaliação do grau de inflamação, incluindo-se uma escala de lesão em cada local com metal, a descrição da inflamação (ausente ou tipo celular e localização) e uma escala de inflamação para todo o vaso, diferenciando-se cada camada e região19,21. Em nosso estudo de resposta tissular venosa, e não da viabilidade de um dispositivo já em uso clínico, observamos o grau de inflamação, aplicando-se uma escala de reação inflamatória nos intersegmentos e segmentos livres de anéis. Nos estudos de dispositivos coronarianos, a presença de inflamação ou depósito de fibrina deve se encontrar em níveis aceitáveis, ocorrendo em até 20% dos cortes e descrita como leve ou moderada, sem acelerar ou causar lesão vascular substancial ou estenose19. Em nosso estudo, observamos reação inflamatória granulomatosa tipo corpo estranho em todos os casos, sendo severa em metade dos intersegmentos e em menos da metade (40%) dos segmentos livres de anéis. Já as lesões vasculares, trabeculações grosseiras luminais, caracterizadas como endopróteses com perviedade parcial, foram encontradas em 60% das peças. Portanto, os níveis de reação inflamatória observados não foram de acordo com os aceitáveis na literatura para doença coronariana, macroscopicamente resultando em lesões vasculares grosseiras em mais da metade dos casos.

Tentamos maximizar a perviedade do dispositivo, diminuindo o trauma mecânico com técnica microcirúrgica de preparo do enxerto, não realizando a pré-dilatação e utilizando solução de baixa pressão oncótica associada à terapia antitrombótica através da técnica de preservação L-hydro. Porém, estudos parecem demonstrar que a hiperplasia neo-intimal ocorre com maior exuberância na presença de velocidade baixa de fluxo e em menor grau com a deformação circunferencial da parede vascular22,23. A velocidade de fluxo estaria diretamente relacionada à força de cisalhamento do sangue com a parede do vaso, um fator que determina a probabilidade e duração da aderência de elementos sangüíneos à íntima22. Em nosso estudo, o implante da endoprótese foi realizado no sistema venoso de suínos, com baixa força de cisalhamento e menor velocidade de fluxo, o que provavelmente propiciou a alta resposta proliferativa local.

O tipo e a qualidade de enxertos vasculares biológicos disponíveis e em estudo são diversos, assim como também os métodos de preservação. São divididos basicamente em auto-enxertos, aloenxertos e xenoenxertos. Os auto-enxertos e aloenxertos, embora com melhor histocompatibilidade, apresentam menor disponibilidade, restringindo a sua utilização. Muita atenção tem sido dispensada, então, aos xenoenxertos e aos diferentes métodos de preservação. A distância filogenética e, portanto, o grau de discordância entre os antígenos de histocompatibilidade maiores parecem ser determinantes na intensidade da reação de rejeição aos mesmos24. Os primatas não-humanos seriam, à primeira vista, os doadores mais certos; no entanto, o doador suíno parece ser o candidato mais adequado como fonte de xenoenxertos vasculares, por sua facilidade de procriação e manipulação genética, similaridade com o sistema cardiovascular humano e menor incidência de zoonoses transmissíveis24.

A reestenose relativa ao implante de um stent no leito arterial parece ter uma forte correlação com a gravidade da lesão e o subseqüente espessamento neo-intimal e porcentagem estenótica25. Esta é uma lesão medial profunda, sendo predominantemente induzida no procedimento endovascular. Os eventos ocorridos minutos após esse procedimento são: adesão e agregação plaquetárias e trombose in situ26. A hipertrofia e a proliferação das células musculares lisas (CML) mediais ocorre após 24-48 horas25,26. Embora o período seja espécie-dependente, aproximadamente 4-14 dias após a lesão, a migração dessas células para a camada íntima e a proliferação das mesmas ocorrem sob efeito de mitógenos da musculatura lisa26. A deposição de matriz extracelular e espessamento intimal caracteriza a última fase da patogênese, variando entre 14 dias e 3 meses25,26.

Os fatores que causariam a reestenose parecem ser multifatoriais, incluindo-se a técnica de implante, fatores hemorreológicos, material e tamanho do stent, geometria das hastes do stent e localização da doença no sistema vascular. Um dos fatores a que os stents podem estar relacionados é a lesão da parede venosa pelas suas hastes27. A proliferação de CML é proporcional ao grau de lesão arterial causada pelo balão ou pelo stent27. Embora a associação entre a lesão da parede vascular e a proliferação de CML seja bem conhecida, pouco se sabe sobre estratégias para a minimização do estresse sobre a túnica média e a lâmina elástica interna durante o procedimento endovascular.

Quanto ao tipo de stent, os auto-expansíveis têm sido demonstrados como causadores de menor trauma intimal e conseqüente hiperplasia neo-intimal, quando comparados aos balões expansíveis28. Neste estudo, a força radial do stent auto-expansível foi intencionalmente utilizada para diminuir a estenose luminal produzida pela espessura da cobertura de enxerto venoso e ainda causar melhor adaptação ao ambiente venoso altamente complacente.

Comparando-se as coberturas da endoprótese com enxerto externo ou interno em relação ao stent, no estudo de Toyota et al., observou-se que a cobertura interna apresentou uma evolução pior, com oclusão ou estenose importante decorrente da hiperplasia intimal exuberante29. Essa hiperplasia intimal levou a uma reação inflamatória maior e a uma endotelização atrasada e incompleta, quando comparada à endoprótese com enxerto externo. Em nosso estudo, optamos pela fixação interna do xenoenxerto venoso, o que talvez tenha sido responsável pela pobre endotelização da endoprótese, pelos três casos de adesão incompleta à parede da cava com descolamento ao manuseio e pela prevalência da perviedade parcial ou trabeculações grosseiras.

A cobertura interna, no entanto, preveniria o contato luminal com o metal, promovendo, assim, uma superfície interna lisa, com melhora dos resultados a longo prazo15,17. A principal limitação, no entanto, é a espessura do enxerto venoso, que causaria estenose do vaso. Em nosso estudo, a proteção ao contato do fluxo venoso com o stent foi provavelmente a explicação para a taxa nula de oclusão que obtivemos. Por outro lado, o contato do stent com a parede venosa resultou em maior reação tissular nesses locais. Encontramos também dificuldade para montagem da endoprótese no sistema de liberação, devido à espessura do enxerto venoso.

CONCLUSÃO

Tentamos, neste estudo, associar um xenoenxerto a um stent para ampliar a eficácia no tratamento de patologias venosas, propiciando uma abordagem menos invasiva. Porém, deparamo-nos com o obstáculo imunológico ainda não transposto dos xenoenxertos e com o grande desafio do território venoso com respostas tissulares exageradas pelo fluxo lentificado e baixa força de cisalhamento. Observamos reação inflamatória granulomatosa tipo corpo estranho em todos os casos, sendo severa na maioria dos segmentos diretamente em contato com o metal (intersegmentos). Além dessa reação tissular exagerada, macroscopicamente observamos trabeculações grosseiras em 60% dos casos, o que comprometeu a luz dos segmentos estudados, caracterizando perviedade parcial em sua maioria. A fixação interna do enxerto à endoprótese resultou em pobre endotelização, menor aderência à parede da veia cava e, provavelmente, contribuiu para o comprometimento da perviedade. Embora não tenha ocorrido nenhuma oclusão por trombose ou hiperplasia neo-intimal, o que corrobora com a eficácia do meio de conservação e material escolhidos, os resultados reservados apontam para uma baixa biocompatibilidade do dispositivo estudado.

Artigo submetido em 18.04.06, aceito em 12.06.06.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Set 2006
    • Data do Fascículo
      Jun 2006

    Histórico

    • Aceito
      06 Jun 2006
    • Recebido
      18 Abr 2006
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