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Tratamento cirúrgico dos aneurismas da aorta abdominal: existe diferença dos resultados entre homens e mulheres?

Surgical treatment of abdominal aortic aneurysms: is there difference in the results obtained in men and women?

Resumos

OBJETIVO: Avaliar os resultados cirúrgicos após o tratamento convencional e eletivo do aneurisma da aorta abdominal, verificando se existe diferença entre homens e mulheres na mortalidade e morbidade cirúrgicas, bem como nos resultados a longo prazo. PACIENTES E MÉTODOS: Entre dezembro de 1983 e dezembro de 2003, 675 pacientes foram submetidos ao tratamento cirúrgico do aneurisma da aorta abdominal infra-renal, sendo divididos em dois grupos: homens (n = 575) e mulheres (n = 100). Os dados demográficos e aqueles relacionados ao procedimento cirúrgico, bem como os resultados perioperatórios, foram coletados pela revisão dos prontuários. Os pacientes com alta hospitalar formaram uma coorte retrospectiva, onde foram avaliadas as causas tardias de óbito e a sobrevida. RESULTADOS: A média das idades foi similar, sem diferença estatística entre mulheres e homens (68,9 ± 9,1 versus 67,4 ± 7,1 anos; P = 0,089). A presença de hipertensão arterial foi significativamente superior nas mulheres (73 versus 62,4%; P = 0,042), e a cardiopatia isquêmica e história de tabagismo foram mais freqüentes nos homens (P <0,05). A mortalidade operatória total foi de 2,8%, não havendo diferença significativa entre mulheres e homens (4 versus 2,6%, respectivamente; P = 0,43). A morbidade cirúrgica envolveu 14% dos pacientes femininos e 18,4% dos masculinos (P 0,05). A taxa de sobrevida global em 1, 3, 5 e 10 anos não diferiu entre os grupos, sendo a sobrevida em 5 anos de 71% para as mulheres e 72% para os homens (P 0,05). A principal causa de morte tardia foi de origem cardiovascular, seguida de complicações renais nas mulheres e neoplasia nos homens. CONCLUSÂO: A taxa de mortalidade e morbidade cirúrgicas não aumentou significativamente nas mulheres após a correção eletiva do aneurisma da aorta abdominal infra-renal. Além disso, os resultados a longo prazo são semelhantes entre os dois gêneros.

Aneurisma da aorta abdominal; cirurgia; mulheres


OBJECTIVE: To evaluate perioperative results in patients submitted to elective conventional open repair of abdominal aortic aneurysm, comparing the results between women and men in relation to perioperative mortality and morbidity, as well as long term outcomes. PATIENTES AND METHODS: Between December 1983 and December 2003, 675 patients were submitted to infrarenal abdominal aortic aneurysm repair. We divided these patients into two groups: men (n = 575) and women (n = 100). Demographic and operative data, as well as perioperative outcomes were obtained from chart review. Discharged patients formed a retrospective cohort, in which the late causes of death and survival were evaluated. RESULTS: The mean age was similar, but no statistical difference was observed between men and women (68.9 ± 9.1 versus. 67.4 ± 7.1 years; P = 0.089). The presence of hypertension was significantly higher in women (73 versus 62.4%; P = 0.042), and coronary artery disease and history of smoking were more prevalent in men (P <0.05). The overall mortality rate was 2.8%, without any significant difference between women and men (4 versus 2.6%, respectively; P = 0.43). Perioperative morbidity was similar in both groups (14% for women; 18.4% for men; P 0.05). The survival rates in 1, 3, 5, and 10 years were similar in the groups, with a 5-year survival of 71% for women and 72% for men (P 0.05). Cardiovascular disease was the main late death cause in both groups, followed by renal complications in women and neoplasia in men. CONCLUSION: Perioperative mortality and morbidity rates did not significantly increase in women after conventional infrarenal abdominal aortic aneurysm repair. Furthermore, long term results were similar in both genders.

Abdominal aortic aneurysm; surgery; women


ARTIGO ORIGINAL

Tratamento cirúrgico dos aneurismas da aorta abdominal: existe diferença dos resultados entre homens e mulheres?

Surgical treatment of abdominal aortic aneurysms: is there difference in the results obtained in men and women?

Telmo Pedro BonamigoI; Márcio Luís LucasII; Nilon Erling Jr.III

IChefe, Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular, Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre, RS. Professor adjunto de Cirurgia Vascular, Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA), Porto Alegre, RS

IIMédico, cirurgião vascular. Ex-residente, Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular, Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre, RS

IIIMédico residente, Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular, Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre, RS

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Telmo Pedro Bonamigo Rua Coronel Bordini, 675/303 CEP 90440-002 - Porto Alegre, RS Tel./Fax.: (51) 3333.1642 E-mail: telmobonamigo@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar os resultados cirúrgicos após o tratamento convencional e eletivo do aneurisma da aorta abdominal, verificando se existe diferença entre homens e mulheres na mortalidade e morbidade cirúrgicas, bem como nos resultados a longo prazo.

PACIENTES E MÉTODOS: Entre dezembro de 1983 e dezembro de 2003, 675 pacientes foram submetidos ao tratamento cirúrgico do aneurisma da aorta abdominal infra-renal, sendo divididos em dois grupos: homens (n = 575) e mulheres (n = 100). Os dados demográficos e aqueles relacionados ao procedimento cirúrgico, bem como os resultados perioperatórios, foram coletados pela revisão dos prontuários. Os pacientes com alta hospitalar formaram uma coorte retrospectiva, onde foram avaliadas as causas tardias de óbito e a sobrevida.

RESULTADOS: A média das idades foi similar, sem diferença estatística entre mulheres e homens (68,9 ± 9,1 versus 67,4 ± 7,1 anos; P = 0,089). A presença de hipertensão arterial foi significativamente superior nas mulheres (73 versus 62,4%; P = 0,042), e a cardiopatia isquêmica e história de tabagismo foram mais freqüentes nos homens (P < 0,05). A mortalidade operatória total foi de 2,8%, não havendo diferença significativa entre mulheres e homens (4 versus 2,6%, respectivamente; P = 0,43). A morbidade cirúrgica envolveu 14% dos pacientes femininos e 18,4% dos masculinos (P > 0,05). A taxa de sobrevida global em 1, 3, 5 e 10 anos não diferiu entre os grupos, sendo a sobrevida em 5 anos de 71% para as mulheres e 72% para os homens (P > 0,05). A principal causa de morte tardia foi de origem cardiovascular, seguida de complicações renais nas mulheres e neoplasia nos homens.

CONCLUSÂO: A taxa de mortalidade e morbidade cirúrgicas não aumentou significativamente nas mulheres após a correção eletiva do aneurisma da aorta abdominal infra-renal. Além disso, os resultados a longo prazo são semelhantes entre os dois gêneros.

Palavras-chave: Aneurisma da aorta abdominal, cirurgia, mulheres.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To evaluate perioperative results in patients submitted to elective conventional open repair of abdominal aortic aneurysm, comparing the results between women and men in relation to perioperative mortality and morbidity, as well as long term outcomes.

PATIENTES AND METHODS: Between December 1983 and December 2003, 675 patients were submitted to infrarenal abdominal aortic aneurysm repair. We divided these patients into two groups: men (n = 575) and women (n = 100). Demographic and operative data, as well as perioperative outcomes were obtained from chart review. Discharged patients formed a retrospective cohort, in which the late causes of death and survival were evaluated.

RESULTS: The mean age was similar, but no statistical difference was observed between men and women (68.9 ± 9.1 versus. 67.4 ± 7.1 years; P = 0.089). The presence of hypertension was significantly higher in women (73 versus 62.4%; P = 0.042), and coronary artery disease and history of smoking were more prevalent in men (P < 0.05). The overall mortality rate was 2.8%, without any significant difference between women and men (4 versus 2.6%, respectively; P = 0.43). Perioperative morbidity was similar in both groups (14% for women; 18.4% for men; P > 0.05). The survival rates in 1, 3, 5, and 10 years were similar in the groups, with a 5-year survival of 71% for women and 72% for men (P > 0.05). Cardiovascular disease was the main late death cause in both groups, followed by renal complications in women and neoplasia in men.

CONCLUSION: Perioperative mortality and morbidity rates did not significantly increase in women after conventional infrarenal abdominal aortic aneurysm repair. Furthermore, long term results were similar in both genders.

Key words: Abdominal aortic aneurysm, surgery, women.

INTRODUÇÃO

É bem conhecido que os resultados após o tratamento clínico do infarto agudo do miocárdio e após a cirurgia de revascularização cardíaca são piores nas mulheres do que nos homens1,2. No entanto, o estudo da influência do gênero sobre os resultados após cirurgia vascular periférica tem sido foco de atenção de alguns autores3-6.

A prevalência do aneurisma da aorta abdominal (AAA) é maior no homem do que na mulher7,8. Assim, a maioria dos estudos tem relatado os resultados principalmente nos pacientes do sexo masculino9.

Alguns trabalhos têm demonstrado que o gênero feminino influencia negativamente nos resultados após o tratamento cirúrgico do AAA3,10; porém, existem outros trabalhos que não têm sustentado essa diferença11,12. Além disso, existem poucos estudos que avaliaram a influência do gênero na morbidade perioperatória e nos resultados a longo prazo após a cirurgia do AAA.

Assim, nosso objetivo foi avaliar a influência do gênero sobre a morbimortalidade cirúrgica, bem como os resultados a longo prazo de pacientes submetidos à aneurismectomia da aorta abdominal.

PACIENTES E MÉTODOS

Entre dezembro de 1983 e dezembro de 2003, 675 pacientes foram submetidos à cirurgia do AAA pelo primeiro autor (T.P.B.). Desses doentes, 100 (14,8%) eram do sexo feminino. Todos os doentes eram portadores de doença aneurismática da aorta infra-renal e não-rotos.

Além da história e do exame clínico, o diagnóstico pré-operatório foi feito, fundamentalmente, através da ultra-sonografia e tomografia computadorizada de abdômen. A aortografia foi realizada em 122 pacientes (108 homens), sendo indicada quando há suspeita de doença oclusiva aorto-ilíaco-femoral, doença oclusiva renovascular ou visceral e envolvimento das artérias renais pelo aneurisma, não havendo aumento da morbidade cirúrgica dos pacientes submetidos ao exame. O procedimento cirúrgico foi realizado por técnica convencional através da abordagem transperitoneal da aorta abdominal pela incisão xifopúbica. Os pacientes permaneceram na unidade de tratamento intensivo nas primeiras 24 horas, sendo que o tempo adicional de permanência foi indicado por eventual intercorrência ou complicação.

Foram avaliadas as taxas de morbimortalidade intra-hospitalar ou em 30 dias. Além disso, aspectos cirúrgicos como tempo do procedimento, tempo do pinçamento aórtico e perda sangüínea durante a cirurgia também foram avaliados. O diâmetro médio dos aneurismas, o envolvimento das artérias ilíacas pela doença aneurismática e a presença do tipo inflamatório também foram estudados.

Os pacientes com alta hospitalar foram acompanhados através de um programa de seguimento clínico, feito através de consultas de revisão, questionário por via postal ou entrevista telefônica. Esta estratégia permitiu o conhecimento das taxas de sobrevida dos doentes, bem como as causas de morte durante o período pós-operatório tardio.

Os dados obtidos foram expressos em valores absolutos ou relativos (percentagens), sendo calculada a média e o desvio padrão dos valores quando necessário. A análise estatística foi feita usando-se o teste do qui-quadrado ( 2), teste exato de Fisher ou teste t de Student quando indicado. A análise da sobrevida foi feita pela curva de Kaplan-Meier, sendo usado o teste log-rank. Um valor de P < 0,05 foi considerado significativo.

RESULTADOS

As características clínicas e demográficas dos pacientes estão apresentadas na Tabela 1. A média de idade das mulheres foi similar à dos homens (68,9 ± 9,1 versus 67,4 ± 7,2 anos; P = 0,089). Com relação às comorbidades, a hipertensão arterial foi significativamente mais comum nas mulheres (73 versus 62,4%; P = 0,042), enquanto o tabagismo e a cardiopatia isquêmica foram mais freqüentes nos homens (P < 0,05). Não houve diferença estatisticamente significativa com relação à presença de doença cerebrovascular, insuficiência renal crônica e diabetes melito.

Com relação às características dos aneurismas, o diâmetro médio constatado nas mulheres foi significativamente menor do que nos homens, provavelmente relacionado com a altura menor das mulheres (5,94 ± 1,5 versus 6,57 ± 2,25 cm; P = 0,005). O envolvimento das artérias ilíacas pela doença aneurismática não diferiu entre homens e mulheres (15 versus 9%; P > 0,05), e a presença de aneurisma do tipo inflamatório foi constatado em sete mulheres (7%) e em 30 homens (5,2%) (P = 0,47) (Tabela 2).

A duração média do tempo cirúrgico foi de 205,1 (± 57,6) minutos para as mulheres e 203,7 (± 57,7) minutos para os homens (P = 0,676). O tempo de pinçamento aórtico (45,9 ± 16,5 versus 47,5 ± 16,7 minutos) e a perda sangüínea durante a cirurgia (996,3 ± 712,4 versus 1.026 ± 624,8 ml) também não diferiram entre as mulheres e os homens, respectivamente (P > 0,05) (Tabela 2).

A mortalidade perioperatória global foi de 2,8%, sendo de 4% nas mulheres e 2,6% nos homens (P = 0,43). A morbidade cirúrgica acometeu 14% dos pacientes do sexo feminino e 18,4% dos pacientes masculinos (P = 0,28) (Tabela 3). As principais causas de óbitos entre os dois gêneros deveram-se à manifestação de cardiopatia isquêmica. Não houve diferença nas complicações perioperatórias, sendo as intercorrências cardiopulmonares e gastrintestinais as mais comuns para ambos os grupos (Tabela 3).

Os pacientes com alta hospitalar (n = 656) formaram uma coorte retrospectiva deste estudo. Durante o seguimento clínico, 38 pacientes (5,8%) foram perdidos, sendo 32 homens e 6 mulheres. A taxa de sobrevida em 1, 3, 5 e 10 anos foi de 89, 82, 71 e 52% para as mulheres e de 87, 82, 72 e 56% para os homens, respectivamente. Pela análise da curva de sobrevida, não houve diferença estatística significativa entre as taxas obtidas nos diferentes grupos (Figura 1). As causas de morte tardia, durante o seguimento clínico dos doentes, estão listadas na Tabela 4. Durante o seguimento por períodos variáveis, 34 mulheres (37,8%) e 228 homens (43,2%) morreram. Em 10 pacientes (3,8%), sendo todos do sexo masculino, a causa de óbito tardio não foi possível de ser determinada. Entre as causas conhecidas, 55,9% das mulheres e 47,2% dos homens morreram de doenças cardiovasculares. Nas mulheres, a causa mais relevante de óbito tardio foi a insuficiência renal. Nos homens, houve um predomínio das neoplasias e das doenças respiratórias crônicas.


DISCUSSÃO

Os principais fatores de risco para AAA são sexo masculino, idade superior a 65 anos de idade e história de tabagismo13. Outros fatores associados são história familiar, cardiopatia isquêmica, hipertensão arterial, doença cerebrovascular e estatura alta. As mulheres, sobretudo as diabéticas e da raça negra, têm risco reduzido para o desenvolvimento do AAA13.

O conhecimento dos resultados diferenciados da cirurgia do AAA entre homens e mulheres é importante, pois dá orientação para as estratégias terapêuticas e de rastreamento. Sendo a maioria dos pacientes tratados do sexo masculino, poderia haver uma generalização dos resultados4. O sexo feminino responde por até 20% dos pacientes submetidos à cirurgia do AAA. A cirurgia eletiva e de urgência do AAA pode ser de três a cinco vezes mais freqüente nos homens5.

Nos estudos de rastreamento, a prevalência de AAA em homens varia de 4 a 9%, e em mulheres é de até 1%13. Em nosso meio, nos cardiopatas isquêmicos com revascularização miocárdica prévia, essa prevalência ficou próxima a 7%14. No estudo ADAM (Aneurysm Detection and Management), a prevalência de AAA em mulheres foi de 1,3%9. Com essa freqüência tão baixa de AAA nas mulheres, não se justificam programas de rastreamento nessa população, pois o número de mortes relacionadas ao AAA que podem ser prevenidas nesse grupo de doentes é baixo13. Já a Society of Vascular Surgery e a Society for Vascular Medicine and Biology recomendam o rastreamento do AAA em homens e mulheres com idade entre 60 e 85 anos com fatores de risco cardiovasculares e para os homens e mulheres acima de 50 anos com história familiar de AAA15. No estudo ADAM, a história familiar de AAA e a presença de doença cerebrovascular foram mais freqüentes nas mulheres9.

A influência do gênero sobre os resultados após a cirurgia vascular periférica já foi estudada em alguns ensaios prévios. Com relação à doença carotídea, constatou-se que a sua prevalência é mais baixa nas mulheres do que nos homens, com uma proporção de 3:2 até 8:16, e a proporção dos procedimentos na artéria carótida em pacientes do sexo feminino variando de 27 a 42%16,17. Com relação aos resultados pós-operatórios, a maioria dos estudos indica um pior resultado nas mulheres, com uma taxa de acidente vascular cerebral maior no sexo feminino18,19.

No que diz respeito às cirurgias de revascularização infra-inguinal, cerca de 1/3 dos procedimentos são realizados em mulheres, com taxas de mortalidade perioperatória e perviedade do enxerto a médio e longo prazo significativamente inferiores aos pacientes do gênero masculino20,21.

A causa para os piores resultados obtidos no gênero feminino após a cirurgia do AAA é desconhecida. Presume-se que possa existir uma maior comorbidade nesse grupo de pacientes. Nesse contexto, um estudo envolvendo 582 pacientes com 92 mulheres não demonstrou diferença nos fatores de risco22; no entanto, um estudo populacional, com 5.419 pacientes, demonstrou que as mulheres possuíam uma comorbidade cardiovascular maior que os homens6. Outra causa seria o uso de diâmetros semelhantes do AAA para a conduta e indicação cirúrgica nos diferentes gêneros. Isso possibilitaria uma indicação cirúrgica mais tardia nas mulheres, pois elas são portadoras de aortas com menor diâmetro. O ideal seria considerar o tratamento cirúrgico do AAA de maneira distinta para os dois grupos, como concluiu o UK Small Aneurysm Trial, em que a cirurgia estaria indicada para AAA com dimensões acima de 4,5 cm nas mulheres e 5,5 cm nos homens23.

Com relação aos resultados de nosso estudo, constatamos que as mulheres tiveram uma média de idade um pouco maior que os homens e demonstraram uma freqüência maior de hipertensão arterial e aneurismas menores. Esses achados são similares àqueles obtidos por outros autores3,5,24-26. No entanto, há autores que não demonstraram uma diferença estatística significativa nas comorbidades entre os gêneros9,22.

Existem poucos estudos que relatam as diferenças na morbidade perioperatória entre os gêneros após a correção do AAA. Nossos resultados não demonstraram diferença estatisticamente significativa na morbidade cirúrgica entre os gêneros, sendo similares aos dados obtidos pelo estudo de Johnston3. Com relação à mortalidade perioperatória, o óbito ocorreu em 4% das mulheres e 2,6% nos homens, não havendo, também, diferença significativa, concordando com os resultados de outros autores3,10,22; porém, outros estudos têm demonstrado um maior risco de óbito nas mulheres. Assim, Katz et al., com base nos dados de mais de 8.000 pacientes operados no estado de Michigan entre 1980 e 1990, demonstraram uma mortalidade maior no grupo feminino11. Da mesma forma, analisando os resultados através do Nationwide Inpatient Sample norte-americano, Dimick et al. obtiveram uma mortalidade significativamente maior nas mulheres (5,3 versus 3,2%). Além disso, esses autores também demonstraram que os piores resultados foram obtidos em pacientes do sexo feminino, com idade superior a 65 anos e operados em hospitais de baixo volume (7,1%), sendo os melhores resultados obtidos em pacientes masculinos, com idade inferior a 65 anos e operados em hospitais de grande volume (0,8%)12.

Norman et al.27 revisaram 32 trabalhos sobre os resultados após a cirurgia do AAA, englobando mais de 10.500 pacientes, com uma mortalidade variando de 0 a 10,4% e sobrevida a longo prazo, em média, de 70% em 5 anos, comparada com 80% da população em geral. Apenas três estudos relataram a comparação da sobrevida a longo prazo entre homens e mulheres. Em nenhum desses estudos constatou-se uma diferença significativa na sobrevida em 5 anos entre os gêneros, variando de 61 a 79% nas mulheres e de 63 a 79% nos homens10,28,29. O estudo canadense de Johnston também não demonstrou diferença significativa na sobrevida em 5 anos entre homens (82,8%) e mulheres (74,2%)3. Nossos resultados estão de acordo com esses achados, pois a sobrevida em nossos pacientes do sexo feminino (71%) são semelhantes àquela obtida nos pacientes masculinos (72%) (Tabela 5). No entanto, quando analisada a sobrevida relativa em 5 anos (considerada a maneira mais fidedigna dos resultados a longo prazo, pois é uma relação com a população geral de mesma idade, sexo e localidade), Norman et al. obtiveram piores resultados a longo prazo no sexo feminino, quando comparado com o grupo masculino10. Achados semelhantes foram aqueles obtidos por Stenbeak et al.4, em que a sobrevida em 5 anos foi similar entre os gêneros; no entanto, a sobrevida relativa foi pior nas mulheres. Em nossos pacientes, a principal causa de óbito tardio, em ambos os gêneros, foi devido à doença cardiovascular, seguida das doenças neoplásicas, principalmente nos homens, concordando com a revisão de Norman et al.27.

Embora não seja assunto de nosso trabalho, a influência do gênero nos resultados após a cirurgia do AAA roto também foi estudada por outros autores. Assim, Evans et al.30, através dos dados de um sistema de auditoria de resultados da Inglaterra, analisaram quase 700 pacientes submetidos à cirurgia do AAA roto entre 1983 e 1995, não demonstrando diferença na mortalidade perioperatória e na sobrevida a longo prazo entre os dois gêneros. No estudo de Johnston, a mortalidade foi de 55% nos homens e 49,2% nas mulheres3. Ausência de diferença na mortalidade após a correção do AAA roto também foi obtida por outros autores31,32. Por outro lado, há autores que demonstraram uma diferença entre os gêneros nos resultados após a cirurgia do AAA roto. Desta maneira, Semmens et al.33 identificaram uma mortalidade de 76% para os homens e 90% para as mulheres (P < 0,0001). Resultados semelhantes também foram obtidos por Johansen et al.34 (67 versus 90%). Em estudo recente, feito por Dueck et al.35, demonstrou-se que o gênero feminino não foi considerado um fator independente para um resultado pior em pacientes operados eletivamente; no entanto, em pacientes operados de AAA roto, o sexo feminino mostrou-se um fator independente para um pior desfecho perioperatório.

Com relação ao tratamento endovascular, Ouriel et al.36 demonstraram resultados semelhantes entre homens e mulheres após o tratamento do AAA, com uma mortalidade perioperatória de 1,3 e 3,1%, respectivamente. Esses achados concordam com aqueles obtidos por Mathison et al.26, que obtiveram uma mortalidade de 2,8% para os homens e 0,8% para as mulheres (P > 0,05), porém com uma taxa maior de sucesso no procedimento nos homens e uma percentagem maior de procedimentos abandonados no grupo feminino. No estudo de Sampaio et al.24, não houve diferença na mortalidade perioperatória, na sobrevida e na incidência de endoleak a médio prazo.

Em resumo, observamos que a prevalência da cirurgia eletiva do AAA foi quase seis vezes mais comum nos homens. No entanto, as taxas de morbidade e mortalidade perioperatórias foram semelhantes entre os gêneros, apesar de as mulheres apresentarem hipertensão arterial com maior freqüência e possuírem aneurismas menores do que os homens, e estes serem, com maior freqüência, cardiopatas isquêmicos e tabagistas. Além disso, os resultados da sobrevida a longo prazo não diferiram entre os gêneros, com cerca da metade dos óbitos tardios ocorrendo por doença cardiovascular em ambos os grupos. Assim, o conhecimento dos resultados cirúrgicos nos pacientes de ambos os gêneros possibilita uma melhor racionalização da conduta frente ao paciente com AAA.

Artigo submetido em 09.03.06, aceito em 06.06.06.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Set 2006
    • Data do Fascículo
      Jun 2006

    Histórico

    • Aceito
      06 Jun 2006
    • Recebido
      09 Mar 2006
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