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Diagnóstico etiológico da trombose venosa profunda de repetição dos membros inferiores

Etiologic diagnosis of recurrent deep venous thrombosis of the lower limbs

DESAFIO DIAGNÓSTICO

Diagnóstico etiológico da trombose venosa profunda de repetição dos membros inferiores

Etiologic diagnosis of recurrent deep venous thrombosis of the lower limbs

Eduardo LichtenfelsI; Aline S. BeckerI; Vinicius C. PiresI; Telmo Pedro BonamigoII

IResidente de Cirurgia Vascular, Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular, Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, FFFCMPA, Porto Alegre, RS

IIProfessor titular, Disciplina de Cirurgia Vascular, Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA), Porto Alegre, RS. Chefe, Serviço de Cirurgia Vascular, Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Porto Alegre, RS

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Telmo P. Bonamigo Rua Cel. Bordini, 675/303 CEP 90440-001 - Porto Alegre, RS Tel./Fax: (51) 3333.1642 E-mail: telmobonamigo@terra.com.br

PARTE II - O QUE FOI FEITO

As provas de coagulação, exames laboratoriais rotineiros e radiografia de tórax eram normais.

Os exames laboratoriais para avaliação de trombofilia (proteína C e S, fator V de Leiden, anticardiolipina e fator lúpico) eram normais.

A paciente foi submetida, então, a uma tomografia computadorizada de abdômen e, posteriormente, a uma venografia de cava inferior.

A tomografia computadorizada de abdômen (Figura 1) não evidenciou nenhuma massa abdominal ou lesões orgânicas. O laudo descreve: "Observa-se que o segmento infra-renal da veia cava inferior está em topografia habitual e ausência do segmento supra-renal da veia cava inferior, incluindo o segmento intra-hepático. Após a veia cava inferior receber as renais, a mesma tem continuidade através da veia ázigo, que apresenta calibre bastante aumentado. As veias hepáticas desembocam diretamente no átrio direito".


A venografia da cava inferior (Figura 2 e 3) evidenciou a agenesia do segmento supra-renal da veia cava inferior. O laudo cita: "O segmento infra-renal da veia cava continua-se cranialmente pela veia ázigo, que se encontra vicariante. Visualiza-se circulação venosa intra-renal através da veia do lobo caudado e veias supra-hepáticas que drenam diretamente para o átrio direito".



A agenesia da veia cava inferior é relatada como uma anomalia rara (menos de 1% da população), resultante de desenvolvimento embrionário aberrante1-7. Há relatos de que malformações da veia cava compreenderiam 5% de todas as TVP em pacientes com menos de 50 anos e 16% das TVP de ilíaca nesta mesma faixa etária8. A etiologia da TVP em pacientes jovens geralmente é uma anormalidade da coagulação congênita ou adquirida, doença imunológica ou neoplasia, mas, com as novas técnicas de imagem, as malformações da veia cava são um novo fator a ser considerado8.

O defeito embrionário, nesses casos, é resultante de uma atrofia inadequada das veias primitivas (pós-cardinais, subcardinais e supracardinais) - no caso da veia cava inferior supra-renal, um defeito da veia subcardinal direita de se anastomosar com os sinusóides hepáticos1,2,4,6,7,9,10. A drenagem venosa da parte inferior do corpo retorna ao coração pelo sistema ázigo vicariante até a veia cava superior e pelas veias hepáticas que drenam diretamente para o átrio direito4,6,9. A veia cava inferior infra-renal pode ser direita, esquerda ou dupla (Figura 4)6. Pode estar associada a outras anormalidades cardíacas ou abdominais, mas os pacientes que não possuem essas outras anormalidades são tipicamente assintomáticos1,2,6,9,10.


A agenesia de veia cava é considerada fator de risco para TVP por facilitar a estase venosa e aumentar a pressão no sistema venoso dos membros inferiores. Poucos casos estão descritos na literatura médica1,3,8,10. A maior parte dos casos descritos foi diagnosticada em pacientes com menos de 30 anos e com trombose da veia ilíaca8.

Com relação ao tratamento, raramente é recomendada a cirurgia1. Como a paciente não apresentou novos episódios de TVP após a anticoagulação, e a recidiva da TVP em pacientes sem anticoagulação e malformações da veia cava é alta8, foi decidido reiniciá-la. A paciente foi anticoagulada com varfarina, 5 mg ao dia, e recebeu alta hospitalar. Deverá, em princípio, permanecer anticoagulada. Além disso, recebeu orientações para evitar outros fatores de risco para TVP, como o uso de hormônios ou imobilização prolongada.

Concluímos que, nos casos envolvendo pacientes jovens, sem fatores de risco para TVP e onde os exames clássicos para investigação de trombofilias estão inalterados, devem ser excluídas malformações do sistema venoso cava como causa de TVP de repetição dos membros inferiores.

REFERÊNCIAS

1. Cho BC, Choi HJ, Kang SM, et al. Congenital absence of inferior vena cava as a rare cause of pulmonary thromboembolism. Yonsei Med J. 2004;45(5):947-51.

2. Fortaleza SCB, Cortez AP, Furtado LETA, et al. Agenesia de veia cava inferior na síndrome unha-patela. J Vasc Bras. 2004;3(3):273-6.

3. Lane DA. Congenital hypoplasia of the inferior vena cava: an underappreciated cause of deep venous thromboses among young adults. Mil Med. 2005;170(9):739-42.

4. Pearce WH, Yao JST, Baxter BT, McCarthy WJ. Venous angiodysplasia and venous malformation. In: Bergan JJ, Yao JST. Venous disorders. Philadelphia: WB Saunders; 1991. p. 362.

5. Valentine RJ, Wind GG. Anatomy of commonly exposed arteries. In: Rutherford RB. Vascular surgery. Philadelphia: WB Saunders; 2000. p. 648-660. Disponível em: http://www.sbacvsp.org.br/medicos/biblioteca/indiceslivros/rutherford.htm.

6. Latorre J. Malformaciones congénitas. In: Latorre Vilallonga JL. Sector Iliocava. Anatomía, fisiopatología, exploraciones y tratamiento. Barcelona: Edika-Med; 1993. p. 75-94.

7. Cotta-Pereira G. Embriologia e histologia do sistema vascular. In: Brito CJ. Cirurgia vascular. Rio de Janeiro: Revinter; 2002. p. 17-20.

8. Garcia-Fuster MJ, Forner MJ, Flor-Lorente B, Soler J, Campos S. Inferior vena cava malformations and deep venous thrombosis. Rev Esp Cardiol. 2006;59(2):171-5.

9. Kempinas WG. O desenvolvimento do sistema vascular. In: Maffei FHA, Lastória S, Yoshida WB, Rollo HA. Doenças vasculares periféricas. 3rd ed. São Paulo: Medsi; 2002. p. 16-7.

10. Castro FJ, Pérez C, Narváez FJ, et al. Agenesia de vena cava inferior como factor de riesgo de tromboembolismo pulmonar. An Med Interna (Madrid). 2003;20(6):304-6.

Artigo submetido em 05.03.06, aceito em 13.06.06.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Set 2006
    • Data do Fascículo
      Jun 2006
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