Acessibilidade / Reportar erro

Probabilidade de refluxo nas veias safenas de mulheres com diferentes graus de insuficiência venosa crônica

Resumos

CONTEXTO: A presença de refluxo nas junções safeno-femoral e safeno-poplítea é um dado importante para programação da cirurgia de varizes. Estudos mostraram que, na maioria dos pacientes com insuficiência venosa crônica, as junções estão competentes, e o refluxo está presente ao longo do trajeto das veias safenas. OBJETIVOS: Identificar probabilidade de diferentes padrões de refluxo nas veias safenas de mulheres com vários graus de insuficiência venosa crônica e avaliar se o comprometimento das junções das safenas está associado com gravidade da insuficiência venosa. MÉTODOS: Um total de 1.184 membros inferiores de 672 mulheres foram estudados pela ultra-sonografia vascular com Doppler colorido e avaliados pela classificação clínica, etiológica, anatômica e patológica (CEAP). As extremidades foram agrupadas de acordo com a gravidade da insuficiência venosa em graus leve (CEAP C1-C2), moderado (CEAP C3) e grave (CEAP C4-C6). Para avaliar a classificação clínica CEAP na predição do padrão de refluxo, utilizou-se o Teorema de Bayers. Para avaliar associação entre classificação clínica CEAP e padrões de refluxo com ou sem comprometimento das junções das safenas, utilizou-se o teste qui-quadrado (p < 0,05). RESULTADOS: Das 1.184 extremidades avaliadas, 50,2% apresentavam varizes sem edema (CEAP C2). O padrão de refluxo segmentar foi o mais freqüente nas veias safenas magna (35,14%) e parva (8%), independente da gravidade da insuficiência venosa. As junções safeno-femoral e safeno-poplítea foram fontes de refluxo em 12 e 6% das extremidades, respectivamente. Considerando a associação entre classificação clínica CEAP e insuficiência das junções das safenas, foi observada diferença significativa entre presença de refluxo nas junções safeno-femoral (p = 0,0009) e safeno-poplítea (p = 0,0006) na doença avançada. CONCLUSÕES: O refluxo inicia-se predominantemente em segmentos no trajeto das veias safenas. As junções das safenas não são as principais fontes causadoras do refluxo no sistema venoso superficial. À medida que piora a apresentação clínica da insuficiência venosa, aumenta a probabilidade de refluxo nas junções das safenas.

Insuficiência venosa; varizes; veia safena; ultra-som; Doppler


BACKGROUND: Presence of reflux in saphenofemoral and saphenopopliteal junctions represents important data for indication of varicose vein surgery. Studies demonstrated that in most patients with chronic venous insufficiency junctions are competent and reflux is present in segments in the course of saphenous veins. OBJECTIVES: To identify the probability of different reflux patterns in the saphenous veins of women with various degrees of chronic venous insufficiency and to evaluate whether junction impairment is associated with severity of venous insufficiency. METHODS: A total of 1,184 lower limbs of 672 women were evaluated by color-flow Doppler ultrasonography and classified according to clinical, etiologic, anatomic and pathophysiological classification (CEAP). The extremities were divided according to severity of venous insufficiency into three groups: mild (CEAP C1-C2), moderate (CEAP C3) and severe (CEAP C4-C6). Bayes' theorem was used to evaluate CEAP classification as a predictor of reflux patterns. The association between CEAP clinical classification and reflux patterns with or without saphenofemoral and saphenopopliteal insufficiency was analyzed using chi-square test (p < 0.05). RESULTS: Out of 1,184 lower limbs, 50.2% had varicose veins without edema (CEAP C2). The most common reflux pattern was the segmental in both great (35.14%) and small (8%) saphenous vein, regardless of severity of venous insufficiency. Saphenofemoral and saphenopopliteal junctions were the source of reflux in 12 and 6% of lower limbs, respectively. Considering the association between CEAP clinical class and saphenous vein insufficiency, there was significant difference between presence of reflux in saphenofemoral (p = 0.0009) and saphenopopliteal (p = 0.0006) junctions in advanced disease. CONCLUSIONS: Venous reflux begins mainly in saphenous vein segments. Saphenous vein junctions are not the main sources of reflux in the superficial venous system. Risk of reflux in saphenous vein junctions increases with clinical severity of chronic venous insufficiency.

Venous insufficiency; varicose veins; saphenous vein; ultrasonics; Doppler


ARTIGO ORIGINAL

Probabilidade de refluxo nas veias safenas de mulheres com diferentes graus de insuficiência venosa crônica

Maria Fernanda Cassou; Patrícia Carla Zanelatto Gonçalves; Carlos Alberto Engelhorn* * Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, PR. Angiolab – Laboratório Vascular Não Invasivo, Curitiba, PR.

Correspondência Correspondência: Carlos Alberto Engelhorn Rua Deputado Heitor Alencar Furtado, 1720/901 CEP 81200-110 – Curitiba, PR Tel.: (41) 3279.1241 Email: carlos.engelhorn@pucpr.br

RESUMO

CONTEXTO: A presença de refluxo nas junções safeno-femoral e safeno-poplítea é um dado importante para programação da cirurgia de varizes. Estudos mostraram que, na maioria dos pacientes com insuficiência venosa crônica, as junções estão competentes, e o refluxo está presente ao longo do trajeto das veias safenas.

OBJETIVOS: Identificar probabilidade de diferentes padrões de refluxo nas veias safenas de mulheres com vários graus de insuficiência venosa crônica e avaliar se o comprometimento das junções das safenas está associado com gravidade da insuficiência venosa.

MÉTODOS: Um total de 1.184 membros inferiores de 672 mulheres foram estudados pela ultra-sonografia vascular com Doppler colorido e avaliados pela classificação clínica, etiológica, anatômica e patológica (CEAP). As extremidades foram agrupadas de acordo com a gravidade da insuficiência venosa em graus leve (CEAP C1-C2), moderado (CEAP C3) e grave (CEAP C4-C6). Para avaliar a classificação clínica CEAP na predição do padrão de refluxo, utilizou-se o Teorema de Bayers. Para avaliar associação entre classificação clínica CEAP e padrões de refluxo com ou sem comprometimento das junções das safenas, utilizou-se o teste qui-quadrado (p < 0,05).

RESULTADOS: Das 1.184 extremidades avaliadas, 50,2% apresentavam varizes sem edema (CEAP C2). O padrão de refluxo segmentar foi o mais freqüente nas veias safenas magna (35,14%) e parva (8%), independente da gravidade da insuficiência venosa. As junções safeno-femoral e safeno-poplítea foram fontes de refluxo em 12 e 6% das extremidades, respectivamente. Considerando a associação entre classificação clínica CEAP e insuficiência das junções das safenas, foi observada diferença significativa entre presença de refluxo nas junções safeno-femoral (p = 0,0009) e safeno-poplítea (p = 0,0006) na doença avançada.

CONCLUSÕES: O refluxo inicia-se predominantemente em segmentos no trajeto das veias safenas. As junções das safenas não são as principais fontes causadoras do refluxo no sistema venoso superficial. À medida que piora a apresentação clínica da insuficiência venosa, aumenta a probabilidade de refluxo nas junções das safenas.

Palavras-chave: Insuficiência venosa, varizes, veia safena, ultra-som, Doppler.

Introdução

A presença de insuficiência venosa crônica (IVC) é facilmente identificada pela sintomatologia apresentada pelo paciente e pela inspeção dos membros inferiores. O exame físico pode fornecer informações sobre a presença, a localização e a extensão da insuficiência valvular. Contudo, a identificação precisa das fontes de refluxo no sistema venoso é possível somente com a investigação por meios diagnósticos complementares. Essas informações complementares são importantes para o aprimoramento do diagnóstico, para o planejamento do tratamento, bem como para a melhor compreensão da história natural da doença. A ultra-sonografia vascular com Doppler colorido (UVDC) é capaz de identificar com precisão a distribuição e a extensão do refluxo venoso. Esse exame tornou-se o método de escolha para a avaliação venosa periférica1,2.

Pela UVDC, é possível a identificação dos padrões de refluxo e o mapeamento pré-operatório para a cirurgia de varizes. A presença de refluxo na junção safeno-femoral (JSF) e na junção safeno-poplítea (JSP) é um dado importante para a programação cirúrgica. Estudos recentes realizados com a UVDC mostraram que, na grande maioria dos pacientes com IVC, a JSF e a JSP estão competentes. Esses pacientes apresentam refluxo em segmentos isolados ou múltiplos ao longo do trajeto das veias safenas magna e parva3-7.

Com a adoção da classificação clínica, etiológica, anatômica e patológica (CEAP), tornou-se possível o estudo de grupos específicos de pacientes com o mesmo estágio de evolução da IVC. Tal abordagem permite definir com mais precisão as diretrizes para o tratamento desses pacientes8.

Os objetivos desse estudo são identificar a probabilidade de diferentes padrões de refluxo nas veias safenas de mulheres com vários graus de IVC e avaliar se o comprometimento das JSF e JSP está associado com a gravidade clínica da insuficiência venosa.

Método

Foram incluídos no estudo somente pacientes do sexo feminino, com sinais ou sintomas de IVC, de etiologia primária, decorrente de insuficiência valvular (refluxo), avaliados consecutivamente pela UVDC.

Foram excluídos os pacientes do sexo masculino, mulheres com história prévia de trombose venosa profunda ou cirurgia de varizes e mulheres com IVC decorrente de malformação vascular congênita.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em seres humanos da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) sob o protocolo número 876.

Avaliação clínica

Os membros inferiores foram classificados clinicamente, no momento do exame pelo ultra-sonografista vascular, de acordo com a classificação CEAP8, em sete classes clínicas: C0 = ausência de sinais visíveis ou palpáveis de doença venosa; C1 = telangiectasia ou veias reticulares; C2 = veias varicosas; C3 = edema; C4 = alterações cutâneas decorrentes de doença venosa (pigmentação, eczema, lipodermatoesclerose); C5 = alterações cutâneas com úlcera cicatrizada; C6 = alterações cutâneas com úlcera ativa.

Para avaliar a associação entre a insuficiência da JSF e da JSP e a gravidade clínica da IVC, os membros inferiores foram divididos em três estágios evolutivos da doença: leve (classes CEAP C1 e C2), moderado (classe CEAP C3) e grave (classes CEAP C4 a C6), baseados na história natural da IVC, analogamente à classificação de Porter et al.8

Estudo pela ultra-sonografia vascular com Doppler colorido

As pacientes foram avaliadas com aparelho de ultra-sonografia com Doppler Colorido da marca Siemens&reg; , modelo Elegra&reg; , inicialmente para a exclusão de trombose venosa recente ou antiga, com a paciente em decúbito dorsal, através de cortes ultra-sonográficos transversais em modo B e manobras de compressibilidade das veias, utilizando transdutores de baixa freqüência (5 Mhz).

O estudo das veias safenas magna e parva foi realizado com a paciente em posição ortostática, com transdutor de alta freqüência (7 Mhz), para a obtenção das imagens das veias em cortes ultra-sonográficos longitudinais em modo B. Com o auxilio do mapeamento a cores do fluxo, foi realizada a pesquisa de refluxo pelas manobras de Valsalva e de compressão muscular manual distal ao posicionamento do transdutor. A quantificação do refluxo nas veias safenas foi baseada nos critérios de van Bemmelen9, considerando significativo um pico de refluxo maior ou igual a 30 cm/s ou um tempo de duração do refluxo superior a meio segundo.

Avaliação dos padrões de refluxo das veias safenas magna e parva

Baseado na detecção de refluxo nas veias safenas magna e parva, foram identificados seis padrões de refluxo4:

- Padrão de refluxo perijunção: caracterizado por refluxo na JSF ou na JSP, escoado por veias tributárias da JSF ou JSP, com manutenção da competência valvular na veia safena principal.

- Padrão de refluxo proximal: caracterizado por refluxo na JSF ou na JSP e na veia safena principal, originado diretamente das veias femoral ou poplítea via JSF ou JSP, sendo escoado por veias tributárias superficiais ou veia perfurante, na topografia da coxa ou perna, com manutenção da competência valvular no restante da veia safena.

- Padrão de refluxo distal: caracterizado por ausência de refluxo na JSF ou na JSP e na veia safena principal proximal. Presença de refluxo na veia safena até a região perimaleolar, causado por veia tributária superficial ou veia perfurante na topografia da coxa ou perna.

- Padrão de refluxo segmentar: caracterizado por um único segmento da veia safena com refluxo, na topografia da coxa e/ou da perna, sem envolver a JSF ou a JSP, causado e escoado por veia tributária ou perfurante.

- Padrão de refluxo multissegmentar: caracterizado por dois ou mais segmentos da veia safena com refluxo na topografia da coxa e/ou da perna. Esse padrão de refluxo subdivide-se em multissegmentar com refluxo na JSF ou na JSP e multissegmentar sem refluxo na JSF ou na JSP.

- Padrão de refluxo difuso: caracterizado por refluxo em toda a extensão da veia safena principal, desde a JSF ou a JSP até a região perimaleolar.

Análise estatística

Para avaliar a classificação clínica CEAP na predição do padrão de refluxo, foi utilizado o Teorema de Bayers, com o objetivo de estimar a probabilidade de cada padrão de refluxo, dada a classificação clínica. As probabilidades de cada padrão de refluxo, bem como as probabilidades condicionais de classificação leve, moderada ou grave para cada padrão de refluxo, foram estimadas pelos resultados da amostra do estudo.

Para avaliar a associação entre a classificação clínica CEAP e os padrões de refluxo com ou sem o comprometimento da JSF ou JSP, foi utilizado o teste do qui-quadrado. Valores de p ≤ a 0,05 foram definidos como estatisticamente significantes.

Resultados

Foram analisados 1.184 membros inferiores de 672 pacientes do sexo feminino, com idades entre 17 e 87 anos, com média de 41 anos. Dos 1.184 membros inferiores avaliados, 601 foram direitos, e 583, esquerdos, sendo 158 exames unilaterais.

De acordo com a classificação CEAP, a maioria dos membros inferiores (50,25%) apresentava varizes sem edema (CEAP C2) (Tabela 1).

Avaliação da veia safena magna

Dentre os 1.184 membros inferiores examinados, não foi observado refluxo na veia safena magna em 29,47% dos casos. Nas 835 veias safenas magnas com refluxo, foram detectados os seguintes padrões de refluxo: 1,07%, padrão de refluxo perijuncional; 7,66%, padrão proximal; 12,81%, padrão distal; 49,82% padrão segmentar; 19,40%, padrão multissegmentar não envolvendo a JSF; 5,38%, padrão multissegmentar envolvendo a JSF; e 3,83%, padrão difuso.

Das 288 veias safenas magnas nas extremidades identificadas como CEAP C1, 157 (54,51%) não apresentaram refluxo, e 87 (30,21%) apresentaram refluxo segmentar. As veias safenas magnas das extremidades identificadas como CEAP C2, C3 e C4 apresentaram refluxo segmentar, respectivamente, em 214 (35,97%) 104 (38,10%) e nove (42,86%). Das veias safenas magnas das extremidades identificadas como CEAP C5, duas (50%) apresentaram refluxo tipo multissegmentar, e, no CEAP C6, foram encontrados em igual proporção os padrões ausente, segmentar e difuso (33,33%) em cada uma das extremidades (Tabela 2).

A probabilidade de encontrar refluxo tipo segmentar na veia safena magna nas classes C1, C2, C3, C4, C5 e C6 é de, respectivamente, 30,21, 35,97, 38,10, 42,86, 28,57 e 28,57% (Tabela 3).

Dentre as extremidades com refluxo, foi identificada a presença de refluxo na JSF em apenas 12,67%. Considerando a associação entre a classificação CEAP e a insuficiência da JSF, foi observada diferença estatisticamente significativa (p = 0,0009) entre a presença de refluxo na JSF e estágios mais avançados da doença. O percentual de veias safenas magnas com refluxo na JSF foi menor nos casos com classificação CEAP leve (10,65%), aumentando nos casos com classificação moderada (17,95%) e grave (25%).

Avaliação da veia safena parva

Dentre as 1.184 extremidades avaliadas, 79,81% não apresentavam refluxo na veia safena parva. Nos membros inferiores com refluxo na veia safena parva, 41% apresentavam padrão de refluxo segmentar.

Das 288 pernas classificadas como grau CEAP C1, 265 (92,01%) não apresentaram refluxo na veia safena parva, e oito (2,78%) apresentavam refluxo segmentar. Refluxo segmentar foi observado em 61 (10,25%), 24 (8,79%) e quatro (19,05%) das 595 extremidades classificadas como CEAP C2, C3 e C4, respectivamente. Das veias safenas parvas classificadas como CEAP C5, duas (50%) apresentaram refluxo tipo distal, e, no CEAP C6, duas (66,67%) apresentaram o padrão difuso (Tabela 4).

Se a classe clínica for C1, então a probabilidade de o paciente não apresentar refluxo na veia safena parva é de 92,01%. Se for C2 e C4, a probabilidade de o paciente apresentar padrão de refluxo tipo segmentar na veia safena parva é de 10,25% e 19,05%, respectivamente. Se a classe for C3, a probabilidade de o paciente apresentar refluxo tipo distal na veia safena parva é de 10,26%. Para as classes C5 e C6, o paciente apresenta igual probabilidade de apresentar os padrões de refluxo difuso, distal ou ausência de refluxo (28,57%).

A probabilidade de não encontrar refluxo na veia safena parva nas classes C1, C2, C3, C4, C5 e C6 é de, respectivamente, 92,01, 79,66, 70,70, 52,39 e 28,57% (Tabela 5).

Dentre os casos com refluxo, foi identificada a presença de comprometimento da JSP em apenas 5,66%. Considerando a correlação entre a classificação CEAP e a insuficiência da JSP, foi observada diferença estatisticamente significativa (p = 0,0006) entre insuficiência da JSP e estágios mais avançados da IVC. O percentual de veias safenas parvas com refluxo na JSP foi menor nos membros com classificação CEAP leve (4,19%), aumentando nos casos com classificação moderada (8,06%) e grave (17,86%) (Tabela 5).

Discussão

A IVC é uma doença prevalente e de repercussões sociais relevantes, responsável por custos elevados com tratamento e absenteísmo, principalmente nos casos de úlcera venosa. Estima-se que acometa cerca de 5 a 20% da população adulta de países desenvolvidos, sendo 1 a 3,6% de casos de úlcera venosa ativa ou cicatrizada10,11.

A classificação mais utilizada para avaliação clínica da IVC é a classificação CEAP. A estratificação de pacientes em classes clínicas diferentes permite que populações específicas com IVC possam ser estudadas nas suas particularidades. No entanto, questões relacionadas à origem do refluxo no sistema venoso superficial e a relação entre a gravidade clínica da IVC e as fontes de refluxo ainda precisam ser melhores investigadas.

O estudo irlandês Edinburg Vein Study avaliou, dentre a população geral, 1.566 pessoas com idade entre 18 e 64 anos, das quais 124 apresentaram queixas compatíveis com IVC. A prevalência da doença nessa população foi de 9,4% nas mulheres e 6,6% nos homens, sendo que aproximadamente 1/3 desses pacientes apresentou refluxo isolado no sistema venoso superficial. Ainda nesse estudo, foi observada maior incidência de refluxo com a maior gravidade da IVC 12.

A UVDC é considerada o método de escolha para avaliação do refluxo venoso, uma vez que permite detectar e medir o refluxo, fornecer detalhes anatômicos e funcionais das veias, além de identificar os padrões de refluxo, suas principais fontes de causa e seus pontos de drenagem, e possibilitar o mapeamento venoso13. Todas essas características possibilitam que o paciente tenha tanto diagnóstico quanto tratamento individualizados.

O refluxo venoso pode originar-se a partir da insuficiência valvular nos pontos de comunicação entre o sistema venoso profundo e o superficial (JSF, JSP e veias perfurantes diretas) ou de fontes independentes de refluxo, tais como veias pudendas, perineais, glúteas e perfurantes indiretas (sem comunicação direta com as veias safenas). Labropoulos et al.13 avaliaram o sistema venoso superficial de 860 pacientes através da UVDC e observaram a presença de refluxo em veias tributárias superficiais originadas de fontes de refluxo independentes das veias safenas em 9,7% dos casos.

Em um estudo semelhante, Seidel et al.14 estudaram em 1.712 pacientes as fontes de refluxo superficial em pacientes com as veias safenas normais e encontraram 43% de refluxo independente das veias safenas. De acordo com os autores, a provável explicação pela maior incidência de refluxo em relação ao estudo anterior pode estar relacionada às características individuais das populações estudadas.

Neste estudo, foram avaliadas as fontes de refluxo dependentes das veias safenas magna e parva e sua relação com a gravidade da IVC, portanto, sem a preocupação de identificar as fontes independentes de refluxo. Foram identificados os padrões de refluxo nas veias safenas magna e parva e o comprometimento da JSF e JSP como fontes diretas de refluxo.

A identificação dos padrões de refluxo nas veias safenas permite a individualização diagnóstica e a terapêutica nas diferentes classes de IVC. Contudo, não há padronização na literatura quanto à maneira de classificar o refluxo superficial. Baseado na classificação adotada neste trabalho, o refluxo segmentar isolado foi o mais freqüentemente encontrado, tanto na veia safena magna (35%) quanto na parva (8%). Esses dados são corroborados pelos achados de Labropoulos et al.5, que identificaram 68% do refluxo localizado nos segmentos infrapatelares da veia safena magna, seguido de 55% do refluxo localizado nos segmentos suprapatelares da veia safena magna. A incompetência da JSF e da JSP, de acordo com esses autores, foi detectada, respectivamente, em 32 e 6% das extremidades avaliadas.

Em relação ao envolvimento da JSF e da JSP na gênese do refluxo nas veias safenas, Jutley et al.6, em um estudo retrospectivo de 223 extremidades de 176 pacientes com varizes primárias, encontraram incompetência da JSF e da JSP em 30 e 9%, respectivamente. Por outro lado, Wills et al.15 estudaram 315 extremidades de 188 pacientes com queixas de IVC e encontraram um maior comprometimento da JSF e da JSP em, respectivamente, 63 e 19% dos membros inferiores avaliados. Contudo, deve-se ressaltar que, no estudo de Wills et al., foram incluídos pacientes (38%) com tratamento prévio das varizes dos membros inferiores.

Abu-Own et al.16, em um estudo com 190 membros, e Cooper et al.17, em um estudo de 706 membros, relataram alteração na JSF em 67 e 54% dos casos, respectivamente. Em ambos os estudos, foram avaliados pacientes de ambos os sexos, com média de idade de 48 e 50 anos, com varizes primárias.

No presente estudo, o comprometimento da JSF e da JSP nas 1.184 extremidades avaliadas foi de, respectivamente, 12,6 e 5,6%. A explicação para a menor incidência de refluxo na JSF e na JSP pode estar relacionada à seleção das populações nos diferentes estudos. Nos critérios de seleção, foram incluídas somente mulheres, com IVC primária, sem história de cirurgia de varizes ou trombose venosa profunda. Portanto, foi estudada uma população específica de pacientes, diferentemente dos outros autores que selecionaram populações mistas com mulheres, homens, pacientes com história prévia de trombose ou cirurgia, entre outros fatores5,6,15.

Os resultados deste estudo demonstram que, diferentemente do que se pensava, o refluxo no sistema venoso superficial não é originado predominantemente nas JSF e JSP, mas, na maioria dos casos, em segmentos isolados ou múltiplos, ao longo do trajeto das veias safenas, causado por veias tributárias ou veias perfurantes diretas. Foi observado que, à medida que ocorre piora clínica da IVC, aumenta a probabilidade de refluxo na JSF e na JSP, uma vez que houve diferença significativa na prevalência da insuficiência da JSF e da JSP em estádios mais avançados da doença.

Neste estudo, apenas 2,37% (n = 28) dos membros inferiores apresentavam-se em estágios mais avançados de IVC (classes CEAP C4, C5 e C6). A prevalência de membros inferiores nas classes CEAP C4, C5 e C6 encontrada neste estudo corrobora os achados da literatura, que referem prevalência de 1 a 3,6% de casos de úlcera venosa ativa ou cicatrizada nos pacientes com IVC 10,11.

No entanto, apesar dessa grande diferença em relação à prevalência de membros inferiores nas classes CEAP C1, C2 e C3, a análise estatística demonstrou uma tendência de maior probabilidade de refluxo nas JSF e JSP nos estágios mais avançados da doença venosa10,11.

Os achados dessa pesquisa reforçam a necessidade da abordagem individualizada dos diferentes graus de IVC em populações específicas. Mulheres em diferentes classes clínicas podem apresentar características peculiares quando comparadas entre si ou com populações masculinas. Mulheres com qualquer grau de IVC devem ter refluxo segmentar pesquisado no exame de UVDC, uma vez que esse padrão apresenta a maior probabilidade de ser o responsável pelos achados clínicos. Além disso, a baixa probabilidade de refluxo nas JSF e JSP apresenta um grande potencial de preservação das veias safenas nos pacientes com indicação de cirurgia de varizes.

Artigo submetido em 26.02.07, aceito em 14.06.07.

  • 1. Labropoulos N, Delis K, Nicolaides AN, Leon M, Ramaswami G. The role of distribution and anatomic extent of reflux in the development of signs and symptoms in chronic venous insufficiency. J Vasc Surg. 1996;23:504-10.
  • 2. Yamaki T, Nozaki M, Fujiwara O, Yoshida E. Comparative evaluation of duplex-derived parameters in patients with chronic venous insufficiency: correlation with clinical manifestations. J Am Coll Surg. 2002;195:822-30.
  • 3. Salles-Cunha SX. Lower extremity mapping of venous reflux. Vasc US Today. 2000;5(1):1-20.
  • 4. Engelhorn CA, Engelhorn AL, Cassou MF, Zanoni CC, Gosalan CJ, Ribas E. Classificação anátomofuncional da insuficiência das veias safenas baseada no eco-Doppler colorido, dirigida para o planejamento da cirurgia de varizes. J Vasc Bras. 2004;3:13-9.
  • 5. Labropoulos N, Giannoukas AD, Delis K, et al. Where does venous reflux start? J Vasc Surg. 1997;26:736-42.
  • 6. Jutley RS, Cadle I, Cross KS. Preoperative assessment of primary varicose veins: a duplex study of venous incompetence. Eur J Vasc Endovasc Surg. 2001;21:370-3.
  • 7. Engelhorn CA, Engelhorn AL, Cassou MF, Salles-Cunha SX. Patterns of saphenous reflux in women with primary varicose veins. J Vasc Surg. 2005;41:645-51.
  • 8. Porter JM, Moneta GL. International Consensus Committee on Chronic Venous Disease: reporting standards in venous disease: an update. J Vasc Surg. 1995;21:635-45.
  • 9. van Bemmelen PS, Bedford G, Beach K, Strandness DE. Quantitative segmental evaluation of venous valvular reflux with duplex ultrasound scanning. J Vasc Surg. 1989;10:425-31.
  • 10. Ruckley CV. Socioeconomic impact of chronic venous insufficiency and leg ulcers. Angiology. 1997;48:67-9.
  • 11. Santos MERC. Insuficiência venosa crônica: conceito, classificação e fisiopatologia. In: Brito CJ. Cirurgia vascular. Rio de Janeiro: Revinter; 2002. p. 1002-11.
  • 12. Ruckley CV, Evans CJ, Allan PL, Lee AJ, Fowkes FG. Chronic venous insufficiency: clinical and duplex correlations. The Edinburgh Vein Study of venous disorders in the general population. J Vasc Surg. 2002;36:520-5.
  • 13. Labropoulos N, Kang SS, Mansour MA, Giannoukas AD, Buckman J, Baker WH. Primary superficial vein reflux with competent saphenous trunk. Eur J Vasc Endovasc Surg. 1999;18:201-6.
  • 14. Seidel AC, Miranda Jr. F, Juliano Y, Novo NF, dos Santos JH, de Souza DF. Prevalence of varicose veins and venous anatomy in patients without truncal saphenous reflux. Eur J Vasc Endovasc Surg. 2004;28:387-90.
  • 15. Wills V, Moylan D, Chambers J. The use of routine duplex scanning in the assessment of varicose veins. Aust NZ J Surg. 1998;68:41-4.
  • 16. Abu-Own A, Scurr JH, Coleridge Smith PD. Saphenous vein reflux without incompetence at the saphenofemoral junction. Br J Surg. 1994;81:1452-4.
  • 17. Cooper DG, Hillman-Cooper CS, Barker SG, Hollingsworth SJ. Primary varicose veins: the sapheno-femoral junction, distribution of varicosities and patterns of incompetence. Eur J Vasc Endovasc Surg. 2003;25:53-9.
  • Correspondência:
    Carlos Alberto Engelhorn
    Rua Deputado Heitor Alencar Furtado, 1720/901
    CEP 81200-110 – Curitiba, PR
    Tel.: (41) 3279.1241
    Email:
  • *
    Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, PR. Angiolab – Laboratório Vascular Não Invasivo, Curitiba, PR.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      Set 2007

    Histórico

    • Recebido
      26 Fev 2007
    • Aceito
      14 Jun 2007
    Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV) Rua Estela, 515, bloco E, conj. 21, Vila Mariana, CEP04011-002 - São Paulo, SP, Tel.: (11) 5084.3482 / 5084.2853 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: secretaria@sbacv.org.br