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Aneurisma ilíaco associado a fístula arteriovenosa

Resumos

A ruptura dos aneurismas aorto-ilíacos para a veia ilíaca ou veia cava é uma complicação pouco comum. A hipertensão venosa leva a vários sinais e sintomas, o que dificulta o diagnóstico pré-operatório, tais como edema do membro inferior, dispnéia, hematúria, sinais de insuficiência renal ou cardíaca. Sopro abdominal é a chave do diagnóstico clínico, associado à massa pulsátil e dor abdominal. O reconhecimento da fístula arteriovenosa no pré-operatório é importante para o planejamento cirúrgico. Relatamos um caso de aneurisma da artéria ilíaca comum e interna direita associado a fístula para veia ilíaca comum, cursando, inicialmente, com edema do membro inferior direito e dispnéia, o que levou ao diagnóstico incorreto de trombose venosa profunda.

Aneurisma ilíaco; fístula arteriovenosa; aneurisma roto


Rupture of aortoiliac aneurysms into the iliac vein or vena cava is an uncommon complication. Many signs and symptoms develop as a result of venous hypertension, which makes preoperative diagnosis difficult, such as leg edema, dyspnea, hematuria, signs of renal or cardiac insufficiency. Abdominal bruit, associated with pulsatile mass and abdominal pain, is the key for clinical diagnosis. Preoperative recognition of arteriovenous fistula is important for surgical planning. We report a case of right internal and common iliac artery aneurysm associated with fistula into the common iliac vein. Initial symptoms were right leg edema and dyspnea, which induced to the incorrect diagnosis of deep vein thrombosis.

Iliac aneurysm; arteriovenous fistula; ruptured aneurysm


RELATO DE CASO

Aneurisma ilíaco associado a fístula arteriovenosa

Daniel Mendes PintoI; Leonardo Ghizoni BezI; José Olimpio Dias JúniorII; Caetano de Sousa LopesI; Ari MandilIII

ICirurgiões vasculares, Hospital Felício Rocho, Belo Horizonte, MG

IICardiologista e ecografia vascular, Belo Horizonte, MG

IIICardiologista intervencionista, Hospital Felício Rocho, Belo Horizonte, MG

Correspondência Correspondência: Daniel Mendes Pinto Av. do Contorno, 9495/01 CEP 30110-130 – Belo Horizonte, MG Email: dmpnet@terra.com.br

RESUMO

A ruptura dos aneurismas aorto-ilíacos para a veia ilíaca ou veia cava é uma complicação pouco comum. A hipertensão venosa leva a vários sinais e sintomas, o que dificulta o diagnóstico pré-operatório, tais como edema do membro inferior, dispnéia, hematúria, sinais de insuficiência renal ou cardíaca. Sopro abdominal é a chave do diagnóstico clínico, associado à massa pulsátil e dor abdominal. O reconhecimento da fístula arteriovenosa no pré-operatório é importante para o planejamento cirúrgico. Relatamos um caso de aneurisma da artéria ilíaca comum e interna direita associado a fístula para veia ilíaca comum, cursando, inicialmente, com edema do membro inferior direito e dispnéia, o que levou ao diagnóstico incorreto de trombose venosa profunda.

Palavras-chave: Aneurisma ilíaco, fístula arteriovenosa, aneurisma roto.

Introdução

A ruptura espontânea dos aneurismas aorto-ilíacos para as veias ilíacas ou cava é uma complicação pouco comum, encontrada em menos de 1% dos casos operados1,2. Relatamos um caso de aneurisma da artéria ilíaca comum e interna direita com fístula para veia ilíaca comum, cuja apresentação inicial foi de edema do membro inferior direito (MID) e dispnéia, causando confusão diagnóstica com trombose venosa profunda e embolia pulmonar.

Relato do caso

Paciente de 75 anos apresentou quadro de edema súbito do MID e dispnéia. Mesmo com eco-Doppler não revelando sinais de trombose venosa, foi iniciada anticoagulação, devido à suspeita de embolia pulmonar. Durante o controle ambulatorial, foram diagnosticados sopro e frêmito abdominais e ausência de pulso femoral direito. Uma ultra-sonografia abdominal revelou um aneurisma de artéria ilíaca direita de 8 cm de diâmetro, quando, então, foi encaminhado ao cirurgião vascular.

O anticoagulante oral foi suspenso, e a angiotomografia abdominal revelou um aneurisma das artérias ilíaca comum e interna direitas e contraste simultâneo da veia cava inferior (Figura 1). Eco-Doppler arterial do MID revelou um fluxo diastólico reverso de grande amplitude e fluxo distal com velocidades sistólicas reduzidas. Devido à ampla comunicação entre o aneurisma e o sistema venoso, a arteriografia abdominal não revelou adequadamente o local da fístula.


Durante a exploração cirúrgica, foi identificada a comunicação entre a artéria ilíaca comum e a veia ilíaca comum. Foram feitos controle do sangramento com compressão digital da fístula e reparo direto da mesma, com reconstrução com prótese bifurcada de dácron (Figura 2). A perda sangüínea foi calculada em 2.800 mL.


Não houve complicações pós-operatórias. Após 6 meses, o paciente encontrava-se sem dispnéia, com pulsos tibiais palpáveis.

Discussão

A fístula arteriovenosa (FAV) que ocorre com aneurismas aorto-ilíacos é uma entidade clínica descrita em séries de casos na literatura, com incidência entre 0,2 e 2,22% entre todos os aneurismas infra-renais operados3, podendo chegar a 6% entre os aneurismas rotos2. Além dos aneurismas ateroscleróticos, que são a maioria, outras causas são: aneurismas sifilíticos, micóticos, secundários a síndrome de Marfan, síndrome de Ehlers-Danlos, arterite de Takayasu4-7, após cirurgias de hérnia de disco lombar8 e secundários a traumas abdominais penetrantes ou, mais raramente, contusos9,10.

Várias séries, com pequeno número de casos, relatam a dificuldade de diagnóstico. A maioria dos casos é de comunicações entre a aorta e a veia cava. Poucos abordam as fístulas ílio-ilíacas11. Davis et al.12 relataram apenas cinco casos de fístulas ílio-ilíacas entre os 18 casos operados em 27 anos. Em artigo de revisão, Bonamigo descreveu a importância do diagnóstico da FAV associada ao aneurisma e citou dois casos tratados em vigência de ruptura13.

A apresentação clínica varia de acordo com o tamanho, a localização da fístula e a função cardiopulmonar do paciente. Em revisão recente de 12 casos de aneurismas ilíacos isolados, Carvalho et al. relataram que 83% apresentavam dor abdominal inespecífica14. A tríade diagnóstica clássica do aneurisma associado à FAV consiste em: dor abdominal, massa pulsátil e sopro abdominal. Sopro abdominal é o sinal mais comum, porém, pode faltar devido à presença de trombos no saco aneurismático próximo à fístula15.

A insuficiência cardíaca congestiva é descrita entre 11,5 e 28% dos casos16. O aumento da pressão venosa e a compressão de veias adjacentes levam ao edema do membro inferior. Como conseqüência da hipertensão venosa, podem ocorrer hematúria, insuficiência renal, edema escrotal e sangramento retal17.

A ruptura do aneurisma de aorta para veia cava apresenta-se com sintomas evidentes de dor abdominal, o que leva ao rápido tratamento cirúrgico. Diferentemente, os aneurismas de ilíaca rotos para o sistema ilíaco-cava apresentam-se com menos sintomas; é comum os pacientes permanecerem semanas ou meses sem o diagnóstico até serem operados16.

No caso relatado, o paciente permaneceu por 7 semanas sem o diagnóstico definitivo da FAV. O evento inicial foi de edema do MID com dispnéia. Provavelmente, os episódios de dispnéia decorriam de uma descompensação cardíaca temporária, após esforços físicos. No pós-operatório, cessaram os episódios de dispnéia.

O diagnóstico foi confirmado através de exames de imagem feitos para o estudo do aneurisma, principalmente a angiotomografia do abdômen. Visualiza-se contraste nas veias ilíacas ou na cava ainda na fase arterial (Figura 1). Algumas vezes, a angiotomografia pode revelar o local da fístula, porém, normalmente, essa informação é obtida com a arteriografia18.

O reconhecimento da fístula aortocava antes do ato operatório é de extrema importância para a abordagem cirúrgica. O diagnóstico pré-operatório varia de 17 a 70% (média de 34%) dentre as séries publicadas12. A mortalidade peroperatória é maior quando não se tem o diagnóstico da FAV16. Dos cinco óbitos relatados por Cinara et al. (19,5% dos casos), em nenhum havia o diagnóstico prévio da fístula11. Esses autores enfocam o fato de a ruptura do aneurisma para veia cava ou ilíaca ter mortalidade menor que a ruptura retroperitoneal, intraperitoneal ou para alças intestinais, quando diagnosticada no pré-operatório.

O tratamento habitual consiste na sutura direta da fístula, após abertura do saco aneurismático, seguida da reconstrução aorto-ilíaca. Há relatos de ligadura na veia ilíaca comum. Outras opções menos comuns são o uso de remendo de prótese (patch) e clipagem da veia cava10,12.

Há poucos relatos de tratamento de fístulas aortocavas com endopróteses. Foram publicados nove casos de tratamento endovascular de aneurismas ateroscleróticos associados a FAV19,20. A FAV pode dificultar o tratamento endovascular do aneurisma, devido a: (1) dissecção da artéria femoral comum dificultada pelas veias superficiais dilatadas e com fluxo aumentado; e (2) alto fluxo da FAV, que dificulta a visualização das artérias renais21. Uma alteração hemodinâmica descrita por Lau et al. foi o súbito aumento da resistência vascular periférica, causada pela queda abrupta do débito cardíaco, após a oclusão da FAV com a liberação da endoprótese22. Isso leva a hipertensão de difícil controle. Essa alteração não é comum na cirurgia aberta, devido ao pinçamento da aorta e ao sangramento.

Concluindo, apesar da pouca freqüência da FAV em aneurismas aorto-ilíacos, um exame físico cuidadoso deve levantar a suspeita clínica. O sopro abdominal é o sinal mais comum, por vezes associado à dor e à palpação de massa abdominal. O reconhecimento pré-operatório da fístula é essencial para o planejamento cirúrgico e redução da mortalidade.

Artigo submetido em 19.06.07, aceito em 28.06.07.

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  • Correspondência:
    Daniel Mendes Pinto
    Av. do Contorno, 9495/01
    CEP 30110-130 – Belo Horizonte, MG
    Email:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      Set 2007

    Histórico

    • Aceito
      28 Jun 2007
    • Recebido
      19 Jun 2007
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