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A publicação científica na atualidade

EDITORIAL

A publicação científica na atualidade

Alfredo Pereira Jr.

Professor adjunto, Departamento Educação, Instituto de Biociências de Botucatu, Universidade Estadual Paulista (UNESP), São Paulo, SP

Desde que foram criadas, na Idade Média, até meados do século XX, as universidades foram preponderantemente instituições transmissoras de conhecimento. As grandes invenções e inovações eram feitas, a partir do século XVIII, por pesquisadores independentes que se reuniam em sociedades científicas.

Esses pesquisadores eram, muitas vezes, também empreendedores, que construíam máquinas, atuavam no mundo dos negócios, faziam reflexões filosóficas e se envolviam em movimentos políticos, como foi o caso de Benjamin Franklin e Thomas Jefferson nos EUA.

As sociedades científicas foram responsáveis pela invenção e divulgação de instrumentos que revolucionaram a pesquisa científica, como pêndulos, barômetros, termômetros, hidrômetros, bombas de ar, motores e o microscópio1. Os impactos dessas invenções se fazem presentes até os dias atuais, em que a associação entre ciência e tecnologia promove profundas transformações na vida humana.

A partir da segunda metade do século XX, o papel das universidades se alterou, possivelmente por influência do sucesso obtido na aplicação do conhecimento para gerar novos produtos e procedimentos que revolucionam a vida humana. As pesquisas econômicas indicam uma progressiva participação das universidades na geração de inovações que impactam o sistema produtivo e as diversas esferas de atividade humana, como os sistemas de assistência médica e promoção da saúde2.

Neste contexto, a pesquisa científica se afasta de seu ideal grego de busca desinteressada do conhecimento verdadeiro e assume um perfil pragmático. O que se procura é o conhecimento que possa subsidiar novas tecnologias e aplicações práticas, para se gerar um efeito tangível em um determinado campo de ação humana. Na sociedade atual, chamada de "sociedade tecnológica", "sociedade do conhecimento" e "sociedade informática"3, tem se formado, nos países desenvolvidos, uma cadeia que começa no sistema produtivo, onde são definidas as demandas, passando pelo financiamento da pesquisa e desenvolvimento de produtos e processos, e retornando ao primeiro sistema, na forma de inovações que possibilitam o aumento da competitividade desses países no mundo globalizado.

Nos países que não conseguem concatenar o processo produtivo com o sistema de inovações científicas e tecnológicas, ocorre, ao invés do "círculo virtuoso" acima descrito, um círculo vicioso, no qual a baixa produtividade econômica impede investimentos em educação e pesquisa científica e tecnológica, e a ausência de inovações relevantes no setor do conhecimento aplicado impede uma melhoria do sistema produtivo.

Tal contexto social implica restrições e também oportunidades para os docentes universitários4. Em um país como o Brasil, são inúmeras as pesquisas que podem ser realizadas enfocando temas de relevância para o desenvolvimento econômico, social e humano, cujos resultados possam ser aplicados por meio de mecanismos públicos, privados ou pelo "terceiro setor" (organizações não-governamentais). Na área de saúde, podem ser realizadas pesquisas de impacto para a qualidade de vida das pessoas, principalmente se houver mecanismos que possibilitem a aplicação desses resultados no sistema público de saúde.

Tomando como ponto de partida as considerações acima, podemos melhor avaliar a importância das publicações acadêmicas. Uma publicação nada mais é que o ato de tornar públicos a metodologia e os resultados de uma pesquisa. Se a pesquisa realizada enfocou um problema relevante para a sociedade, é de se esperar que essa mesma sociedade, por meio de seus grupos e representantes, venha a se interessar por tais resultados e pelas possibilidades de sua utilização para a resolução de seus problemas.

Há atualmente duas correntes de pensamento sobre o papel da publicação na carreira científica: uma que considera que seu papel é supervalorizado, levando a um excesso de publicações, que perdem em qualidade e número de leitores; outra (na qual me incluo) que entende que a publicação é essencial para todos que fazem pesquisa, e que os meios de publicação eletrônicos abrem uma nova perspectiva para se democratizar o processo (uma vez que, atualmente, apenas uma elite tem acesso às revistas de maior impacto).

A primeira corrente tem como um de seus principais representantes o Sr. Lindsay Waters, da Universidade de Harvard, que proferiu recentemente uma conferência sobre o tema na UNESP5. Uma das razões de sua preocupação é o estado financeiro precário das editoras de revistas científicas, uma vez que o número de autores tende a ultrapassar o de assinantes. Podemos ver o reflexo dessa situação nos diversos periódicos em que é preciso pagar uma taxa para publicar artigos, ou que obrigam os autores a assinarem a revista para terem seus artigos publicados.

Tal situação pode ser resolvida por meio da publicação eletrônica, que reduz os custos e aumenta o público potencial dos artigos. Mesmo que haja mais oferta que procura, a utilização dos mecanismos de busca por palavras-chave (por exemplo, PubMed e Google Acadêmico) possibilita que os interessados em determinado tema selecionem os artigos de seu interesse dentre os disponíveis em toda a rede. Deste modo, a mensagem chega para as pessoas certas.

Ainda mais importante que os mecanismos de busca, recentemente têm sido introduzidas as plataformas interativas, que possibilitam a discussão on-line de preprints. Por exemplo, a revista Nature tem se preocupado com o processo de democratização da ciência (lado a lado, é claro, com seu marketing corporativo), tendo inaugurado o site Nature Network (http://network.nature.com/), em que, além de publicar preprints no subsite Nature Precedings (http://precedings.nature.com/), dedicado principalmente à área biomédica, os cientistas também podem formar grupos de discussão para temas de seu interesse.

Para quem se formou em um ambiente no qual a publicação já era valorizada, desenvolvendo desde então as habilidades de redação e formatação de artigos, todas essas atividades podem se tornar fontes de satisfação e realização. Porém, para aqueles que iniciaram e desenvolveram sua carreira em ambientes adversos à publicação, a simples pressão institucional para mudar hábitos já consolidados pode gerar traumas e bloqueios.

Concluo estas reflexões apontando que precisamos criar hábitos institucionais de discutir ciência, criando novos meios eletrônicos para divulgar os resultados das pesquisas, os quais muitas vezes ficam "na gaveta" (como no caso de relatórios, trabalhos de conclusão de curso de graduação e pós-graduação e ensaios sobre temas livres). Afinal, as instituições que possuem altos índices de publicação com certeza se esforçaram nesse sentido, criando diversos mecanismos que facilitaram o caminho da pesquisa até a publicação.

  • 1. Gardner E. History of biology. Minneapolis: Burgess; 1972.
  • 2. Witkowski N, org. Ciência e tecnologia hoje. São Paulo: Ensaio; 1994.
  • 3. Schaff A. A sociedade informática. São Paulo: UNESP; 1990.
  • 4. Pereira Jr. A. A universidade pública e os desafios do desenvolvimento. Inteligência Empresarial. 2005;22:18-23.
  • 5. Editor reprova produção acadêmica dos EUA. Jornal UNESP. 2007;XXI(227). Disponível em: http://www.unesp.br/aci/jornal/227/harvard.php Acessado em 05/05/2007.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Fev 2008
  • Data do Fascículo
    Dez 2007
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