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Profilaxia da trombose venosa profunda: aplicação prática e conhecimento teórico em um hospital geral

Resumos

CONTEXTO: Trabalho realizado na área de cirurgia vascular, porém relevante a todas as especialidades clínicas e cirúrgicas devido à importância clínica da trombose venosa profunda e sua principal complicação, a embolia pulmonar. OBJETIVOS: Verificar se a profilaxia para a trombose venosa profunda está sendo utilizada de forma adequada e rotineira em nosso serviço e avaliar o conhecimento dos médicos sobre as indicações de profilaxia medicamentosa. MÉTODOS: Foi realizado um estudo prospectivo com 850 pacientes internados de março a maio de 2007 no Hospital Geral de Roraima. Foram pesquisados fatores clínicos, medicamentosos e cirúrgicos. A estratificação de risco e a avaliação da profilaxia foram estabelecidas conforme a classificação recomendada pela Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular e o protocolo realizado por Caiafa em 2002. Os médicos responderam a um questionário e analisaram três casos clínicos hipotéticos. Os dados foram tabulados e analisados estatisticamente usando o programa de computador Epi-Info 2002®. RESULTADOS: Dos 850 pacientes estudados, 557 (66,66%) eram clínicos e 293 (33,34%) cirúrgicos. Do total, 353 pacientes (41,56%) foram classificados como baixo risco, 411 (48,32%) como médio risco e 86 (10,12%) como alto risco para desenvolver trombose venosa profunda. Dos 497 pacientes que necessitavam receber profilaxia medicamentosa para trombose venosa profunda, apenas 120 (24%) a receberam; destes, 102 (85%) a receberam de forma correta. Dos que não necessitavam de profilaxia, nenhum a recebeu. Os clínicos prescreveram mais e de forma mais correta a profilaxia em relação aos cirurgiões, apesar de estes terem demonstrado possuir um melhor conhecimento teórico do tema. No geral, o conhecimento teórico sobre trombose venosa profunda foi insuficiente. CONCLUSÕES: Em nosso serviço, a profilaxia medicamentosa da trombose venosa profunda é subutilizada em pacientes com indicação para recebê-la, tornando necessária a implementação de um programa de educação continuada sobre o tema.

Tromboembolismo; trombose venosa profunda; fatores de risco; profilaxia


BACKGROUND: Although this work belongs to the area of vascular surgery, it is relevant to all clinical and surgical specialties due to the clinical importance of deep venous thrombosis and its main complication, pulmonary embolism. OBJECTIVES: To verify whether pharmacological prophylaxis of deep venous thrombosis is being adequately and routinely used in our service and to evaluate physicians' knowledge about the indications of deep venous thrombosis chemoprophylaxis. METHODS: A prospective study was accomplished including 850 patients hospitalized from March to May 2007 at Hospital Geral de Roraima. Clinical, pharmacological and surgical factors were researched. Risk stratification and evaluation of prophylaxis were established according to the classification suggested by the Brazilian Society of Angiology and Vascular Surgery and to the protocol developed by Caiafa in 2002. Physicians answered a questionnaire and analyzed three hypothetical clinical cases. Data were tabled and statistically analyzed with the support of the software Epi-Info 2002®. RESULTS: Of the 850 patients surveyed, 557 (66.66%) were clinical and 293 (33.34%) were surgical patients. Of the total, 353 (41.56%) had low risk, 411 (48.32%) medium risk and 86 (10.12%) high risk for development of deep venous thrombosis. Of the 497 patients that needed to receive chemoprophylaxis for deep venous thrombosis, only 120 (24%) received it and of these, 102 (85%) received it adequately. Any patient who did not need prophylaxis received it. Clinical physicians prescribed prophylaxis more frequently and correctly than surgeons, although the latter have demonstrated better theoretical knowledge of the theme. In general, theoretical knowledge on deep venous thrombosis was insufficient. CONCLUSIONS: In our hospital, chemoprophylaxis for deep venous thrombosis is underused in patients indicated for receiving it. Therefore, it is necessary to implement a continuous education program about this theme.

Thromboembolism; deep venous thrombosis; risk factors; prophylaxis


ARTIGO ORIGINAL

Profilaxia da trombose venosa profunda: aplicação prática e conhecimento teórico em um hospital geral

Cristiano Almeida PereiraI; Sérgio Soares de BritoII; Antonio Sansevero MartinsIII; Christiany Moreira AlmeidaIV

IInterno (6º ano), Medicina, Universidade Federal de Roraima (UFRR), Boa Vista, RR

IIMédico, cirurgião vascular. Professor colaborador, Internato em Cirurgia Vascular, UFRR, Boa Vista, RR. Membro, SBACV

IIIMédico, cirurgião pediátrico. Professor coordenador geral, Internato em Cirurgia Vascular, UFRR, Boa Vista, RR

IVAcadêmica, 4º ano, Medicina, UFRR, Boa Vista, RR

Correspondência Correspondência: Cristiano Almeida Pereira Av. Dr. Reinaldo Neves, 755, Bairro Jardim Floresta I CEP 693000-000 – Boa Vista, RR Tel.: (95) 8116.5286 Email: med.cristiano@gmail.com

RESUMO

CONTEXTO: Trabalho realizado na área de cirurgia vascular, porém relevante a todas as especialidades clínicas e cirúrgicas devido à importância clínica da trombose venosa profunda e sua principal complicação, a embolia pulmonar.

OBJETIVOS: Verificar se a profilaxia para a trombose venosa profunda está sendo utilizada de forma adequada e rotineira em nosso serviço e avaliar o conhecimento dos médicos sobre as indicações de profilaxia medicamentosa.

MÉTODOS: Foi realizado um estudo prospectivo com 850 pacientes internados de março a maio de 2007 no Hospital Geral de Roraima. Foram pesquisados fatores clínicos, medicamentosos e cirúrgicos. A estratificação de risco e a avaliação da profilaxia foram estabelecidas conforme a classificação recomendada pela Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular e o protocolo realizado por Caiafa em 2002. Os médicos responderam a um questionário e analisaram três casos clínicos hipotéticos. Os dados foram tabulados e analisados estatisticamente usando o programa de computador Epi-Info 2002®.

RESULTADOS: Dos 850 pacientes estudados, 557 (66,66%) eram clínicos e 293 (33,34%) cirúrgicos. Do total, 353 pacientes (41,56%) foram classificados como baixo risco, 411 (48,32%) como médio risco e 86 (10,12%) como alto risco para desenvolver trombose venosa profunda. Dos 497 pacientes que necessitavam receber profilaxia medicamentosa para trombose venosa profunda, apenas 120 (24%) a receberam; destes, 102 (85%) a receberam de forma correta. Dos que não necessitavam de profilaxia, nenhum a recebeu. Os clínicos prescreveram mais e de forma mais correta a profilaxia em relação aos cirurgiões, apesar de estes terem demonstrado possuir um melhor conhecimento teórico do tema. No geral, o conhecimento teórico sobre trombose venosa profunda foi insuficiente.

CONCLUSÕES: Em nosso serviço, a profilaxia medicamentosa da trombose venosa profunda é subutilizada em pacientes com indicação para recebê-la, tornando necessária a implementação de um programa de educação continuada sobre o tema.

Palavras-chave: Tromboembolismo, trombose venosa profunda, fatores de risco, profilaxia.

Introdução

A origem da trombose venosa profunda (TVP) pode ser analisada com base na tríade de Virchow, descrita em 1856. Estase, lesão do endotélio e hipercoagulabilidade são os fatores envolvidos, em conjunto ou isolados, em sua gênese etiopatogênica1.

Doença de ocorrência multidisciplinar, a TVP é uma entidade freqüente e grave, que ocorre principalmente como conseqüência de outras afecções cirúrgicas ou clínicas, tendo como complicações mais graves a embolia pulmonar (EP) em sua fase aguda e a síndrome pós-trombótica tardiamente2.

A TVP e a EP ainda constituem graves problemas de saúde pública, especialmente em idosos. Enquanto a incidência de EP sofreu um pequeno decréscimo em décadas recentes, a incidência de TVP permanece inalterada para homens e está aumentando para mulheres mais velhas3. Em trabalho de revisão utilizando metanálise, a incidência mundial de TVP foi estimada em 50 casos por 100.000 habitantes/ano. A incidência mostrou-se ligeiramente maior nas mulheres em relação aos homens, aumentando dramaticamente com a idade, de 20 a 30 casos por 100.000 pessoas/ano na faixa etária de 30 a 49 anos para 200 casos por 100.000 pessoas/ano na faixa etária de 70 a 79 anos4. Nos países ocidentais, estima-se uma incidência de 48 casos de TVP e de 23 casos de EP por ano para cada 100.000 habitantes5.

Em estudos baseados em necropsias, o tromboembolismo mostrou-se a causa mais comum de mortalidade hospitalar passível de prevenção e de morbimortalidade em pacientes cirúrgicos, e também responsável por 300.000 a 600.000 hospitalizações por ano6. Quando fatal, o óbito ocorre principalmente na primeira hora, e o diagnóstico usualmente não é cogitado7.

Em nosso meio, fez-se uma estimativa de 60 casos por 100.000 habitantes/ano a partir dos casos de TVP confirmados por flebografia ou mapeamento dúplex (MD)8. Em trabalho realizado em São Paulo, foram analisados os resultados de 5.261 necropsias. A EP foi encontrada em 10,34% dos pacientes, sendo a principal causa da morte em 4,27% dos casos. A taxa de não suspeita ante mortem para tromboembolismo pulmonar (TEP) foi de 84%, sendo que 40% desses pacientes apresentaram TEP fatal9. Em outro estudo conduzido em nosso país, foram realizadas 767 necropsias entre 1985 e 1995, quando se identificou tromboembolismo venoso (TEV) em 3,9% dos casos; destes, em 83%, o TEV não havia sido previamente diagnosticado ou considerado10.

A maioria dos casos de TEV parece estar associada a situações clínicas de risco bem definidas, denominadas fatores de risco. Por muitas décadas, as observações clínicas e epidemiológicas realizadas por inúmeros autores em diferentes partes do mundo permitiram identificar uma série desses fatores e de doenças que precediam ou acompanhavam os quadros clínicos de trombose venosa11-13.

No mesmo período, foi observado que tanto os pacientes clínicos quanto os cirúrgicos com maior número desses fatores de risco tinham maior probabilidade de desenvolver trombose, o que levou muitos autores a criarem métodos de avaliação prognóstica por meio de tabelas. Nessas tabelas, cada fator recebe um valor numérico absoluto ou percentual. Se um paciente apresentar a soma desses valores parciais maior do que um determinado valor, ele é considerado paciente de risco para a doença tromboembólica, merecendo, por isso, cuidados especiais, inclusive eventual tratamento medicamentoso anticoagulante profilático14,15.

Atualmente, em nosso país, o protocolo de profilaxia de TVP da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV)14 e o protocolo utilizado em um grande estudo realizado em 2001 no Hospital Naval Marcílio Dias16 têm sido utilizados tanto no processo de classificação de risco como também na definição do tipo de profilaxia em vários trabalhos.

Dessa forma, todo doente que venha a ser internado deve ser avaliado quanto ao risco de desenvolver TVP e deve receber uma correta profilaxia quando necessário. A efetividade dessa abordagem já foi amplamente demonstrada na literatura e reafirmada em consensos nacionais e internacionais, com recomendações detalhadas a todas as classes de pacientes hospitalizados14,15,17.

Porém, apesar de os protocolos de prevenção da TVP estarem à disposição de todos os profissionais médicos e da grande quantidade de trabalhos e atividades desenvolvidos nessa área, publicações recentes sugerem que a adoção de medidas profiláticas em hospitais gerais ainda é insatisfatória18.

O objetivo do presente estudo é verificar se a profilaxia para a TVP está sendo utilizada de maneira rotineira e correta em nosso serviço, bem como avaliar o conhecimento dos médicos sobre as classificações de risco e indicações de profilaxia medicamentosa da TVP, fazendo um paralelo com a aplicação prática desse conhecimento em seus pacientes.

Métodos

Foi realizado um estudo prospectivo de coorte entre os meses de março e maio de 2007 no Hospital Geral de Roraima, um hospital da rede pública estadual de saúde que conta com 250 leitos, sendo referência em atendimento médico terciário a pacientes com idade a partir de 13 anos no estado de Roraima. O hospital atende também pacientes de países vizinhos, como Venezuela e Guiana, e possui convênio para o ensino médico com a Universidade Federal de Roraima (UFRR). O estudo foi conduzido com a aprovação do protocolo pelo Comitê de Ética da UFRR, com a permissão da direção do hospital e com o consentimento informado dos pacientes. Estes foram divididos em clínicos e cirúrgicos e estratificados nas diferentes especialidades de acordo com as informações obtidas através de consulta aos prontuários de internação. A entrevista com os pacientes foi realizada após o segundo dia de internação, sendo considerados pacientes cirúrgicos aqueles submetidos a algum procedimento cirúrgico na atual internação. Os critérios de exclusão foram: pacientes sem autorização de internação hospitalar (AIH) e/ou com permanência menor que 24 horas, a não aceitação por parte do paciente em participar do estudo e pacientes menores de 18 anos. Foram pesquisados fatores clínicos, medicamentosos e cirúrgicos para TVP em todos os pacientes incluídos no estudo através de protocolo previamente elaborado.

Os pacientes foram agrupados em baixo, médio e alto risco para desenvolver TVP e tiveram comparada a profilaxia recebida com a correta indicação e utilização de profilaxia de acordo com os protocolos já citados14,16, salientando-se que profilaxia, neste estudo, refere-se a tratamento medicamentoso. Após o término da coleta de dados, foi aplicado um questionário aos médicos assistentes contendo sete questões e três casos hipotéticos com alternativas referentes à correta conduta profilática a ser utilizada. Os médicos responderam aos questionários na presença do entrevistador, entregando-os no mesmo momento. Por fim, os resultados obtidos com os questionários foram correlacionados com a prática aplicada pelos médicos em seus pacientes internados.

O software Microsoft® Office Excel 2003 foi utilizado para a tabulação dos resultados e elaboração de gráficos. Os dados foram analisados estatisticamente usando o programa de computador Epi-Info 2002®. Esse programa foi utilizado para cálculo das freqüências e porcentagens das variáveis, considerando-se validados os dados com p< 0,05.

Resultados

De março a maio de 2007, 850 pacientes admitidos no Hospital Geral de Roraima preencheram os critérios de inclusão e aceitaram participar do estudo, perfazendo um total de 36% das internações hospitalares nesse período, sendo 347 (40,8%) homens e 503 (59,2%) mulheres. A estratificação do risco para desenvolvimento da TVP de acordo com o sexo encontra-se na Tabela 1.

A proporção de homens aumentou progressivamente em relação à faixa de risco para desenvolvimento da TVP: 36% nos casos de baixo risco, 42% no risco moderado e 50% na categoria de alto risco. Essa variação é altamente significativa (p < 0,03); os dados estão evidenciados na Tabela 2. A idade dos pacientes variou entre 18 e 98 anos, com uma média 49,87 (±15,4 anos) e moda de 36 anos.

Os pacientes clínicos e cirúrgicos foram subdivididos dentro das especialidades analisadas. Os resultados encontram-se na Tabela 3.

Os cinco fatores de risco mais encontrados, por ordem de freqüência, podem ser identificados na Tabela 4. De acordo com a estratificação utilizada, dos 850 pacientes analisados, 41,56% foram classificados como baixo risco para o desenvolvimento da TVP, 48,32% eram de risco moderado e 10,12% eram de alto risco. A estratificação de risco para TVP e o uso de profilaxia medicamentosa observada na prescrição médica dos pacientes internados encontram-se na Figura 1.


Do total de pacientes analisados, 557 (66,66%) eram clínicos e 293 (33,34%) eram cirúrgicos. Dos pacientes clínicos, 234 foram estratificados como baixo risco, 291 como médio risco e 32 como alto risco. Em relação aos pacientes cirúrgicos, 119 apresentavam baixo risco para desenvolver TVP, 120 médio risco e 54 alto risco. As Tabelas 5 e 6 resumem em porcentagens e números absolutos quantos pacientes necessitaram receber profilaxia, quantos a receberam e a adequação desta entre os que a receberam. Esses dados apresentaram importante significância estatística (p< 0,02).

Pacientes que fizeram uso da profilaxia tiveram um maior número médio de fatores de risco que os pacientes sem profilaxia (3,1 versus 1,9; p < 0,05). Porém, quanto maior o número absoluto de fatores de risco, menos freqüentemente a profilaxia foi utilizada. Esse fato pode ser explicado pelo pouco ou nenhum uso da profilaxia em alguns pacientes que dela necessitavam. O número médio de fatores de risco foi 0,89 em pacientes de baixo risco, 2,9 em pacientes de médio risco e 5,2 em pacientes de alto risco (p< 0,01). Na Tabela 7, dados sobre o uso da profilaxia são apresentados de acordo com o número de fatores de risco.

A comparação da taxa de profilaxia utilizada na prática por clínicos e cirurgiões nos pacientes com indicação absoluta mostrou que os clínicos prescrevem mais freqüentemente a profilaxia para seus pacientes do que os cirurgiões, sendo esta diferença estatisticamente significativa (p< 0,01).

Em relação às especialidades que fizeram parte do estudo, apenas a ortopedia não utilizou a profilaxia medicamentosa para TVP em nenhum dos seus pacientes. A cardiologia foi a especialidade que mais utilizou a profilaxia, aplicando-a em 49,39% dos seus pacientes. Não houve diferença estatisticamente significativa na utilização da profilaxia entre as especialidades estudadas. O percentual de utilização da profilaxia nas especialidades analisadas está demonstrado na Figura 2.


De março a maio de 2007, 62 médicos tiveram pacientes incluídos em nosso estudo. Destes, 93% concordaram em responder ao questionário, 5% não concordaram em responder e 2% não se encontravam mais trabalhando em nosso serviço. Assim, 58 médicos responderam ao questionário. Destes, 31 eram cirurgiões e 27 eram clínicos. Os resultados obtidos encontram-se nas Tabelas 8 e 9.

Discussão

O risco de TEV é alto tanto em pacientes cirúrgicos quanto naqueles internados para tratamento de doenças clínicas. Na literatura existente sobre o tema, a importância e os benefícios de uma correta e efetiva profilaxia medicamentosa em relação à TVP está bem documentada, sendo amplamente defendida por ser superior em todos os aspectos no tratamento da doença já instalada. Os resultados de diversos estudos controlados e randomizados têm servido para mostrar intervenções capazes de reduzir de forma marcante o risco de TEV nesses pacientes11,13,15. Entretanto, o TEV permanece figurando como a principal causa de morte súbita em pacientes internados em hospitais5, ocorrendo, provavelmente, devido à desinformação a respeito da sua incidência. Em um estudo feito em 1998, com 300 médicos no Brasil, foi revelado que apenas 15,6% destes tinham pleno conhecimento da incidência do TEV19.

Estudo realizado em 2004 revelou que 38,46% dos médicos entrevistados conheciam a incidência da TVP20. No Hospital Geral de Roraima, 31,1% dos médicos referiram conhecer a incidência da TVP em nosso país. Em nosso estudo e em outros como os de Marchi et al.21, Caiafa & Bastos16, Rocha et al.22 e Deheinzelin et al.23, todos realizados em nosso país, e os de Vallano et al.24 e Chopard et al.25, realizados em outros países, podemos observar que a maioria dos médicos não submete a profilaxia pacientes nos quais foi identificado risco para TVP (Tabela 10). Segundo Arnold et al., a profilaxia inadequada é mais freqüentemente causada por omissão, seguida por duração inadequada e escolha incorreta do método de profilaxia18. Fica evidenciado na Tabela 10 que a profilaxia da TVP, embora acessível, ainda é muito pouco utilizada, mesmo em países de primeiro mundo.

Em um estudo publicado em 1999, foi demonstrado que há falhas no reconhecimento e classificação de risco dos pacientes. Fatores de risco como a imobilidade e a obesidade foram facilmente lembrados. Entretanto, o risco de trombose associado ao câncer foi subestimado26. Outro possível fator para a não utilização da profilaxia, especialmente em pacientes cirúrgicos, pode ser o medo da ocorrência de grandes sangramentos, embora tenha sido mostrado que o uso dos agentes profiláticos não aumentou o risco de sangramento durante os procedimentos27.

Os fatores de risco mais comumente encontrados entre nossos pacientes foram, respectivamente, idade maior que 40 anos (23,8%), diabetes melito (21,5%), tempo de cirurgia prolongado (15%), infecção grave (5%) e restrição ao leito maior que três dias (3%). No estudo de Caiafa & Bastos, os principais fatores de risco encontrados foram idade acima de 40 anos (25,8%), gestação (25,3%), tempo de cirurgia prolongado (16,1%) e obesidade (5,8%)16. Em estudo realizado na Espanha, os principais fatores de risco encontrados foram idade maior que 40 anos (84%), cirurgias de grande porte (37%), imobilização (36,5%), câncer (32%), obesidade (15%) e insuficiência cardíaca congestiva (6%)24. Como podemos verificar, a idade maior que 40 anos foi o fator de risco mais comumente encontrado nos três estudos.

Em nosso estudo, verificou-se que, dos 497 pacientes com indicação para receber profilaxia, 377 não a receberam. Entre as duas principais divisões utilizadas, a maior omissão foi verificada nos pacientes cirúrgicos: 90% (158/174) dos pacientes de médio e alto risco não receberam profilaxia medicamentosa. No grupo de pacientes clínicos, 32,2% (104/323) dos pacientes com indicação não receberam a profilaxia. Esses resultados foram semelhantes aos encontrados na literatura consultada16,20,21, diferindo apenas dos resultados encontrados em estudo realizado na Bahia em 2006, no qual se verificou uma maior falha de profilaxia entre pacientes clínicos22. Os dados apresentados mostram que tivemos um dos piores índices quanto ao número de pacientes que receberam a profilaxia quando indicada. Por outro lado, em relação à correta profilaxia entre os pacientes que a receberam, nossos resultados mostraram a melhor taxa de adequação em relação aos estudos nos quais esta variante foi analisada. Em nosso estudo, a profilaxia foi realizada de forma correta em 85% dos pacientes, apresentando este dado alta significância estatística (p< 0,05). Em nosso hospital, a maior falha é encontrada nos pacientes de médio risco, sendo que os cirurgiões prescrevem a profilaxia com menos freqüência que os clínicos. A cardiologia foi a especialidade que mais utilizou a profilaxia para TVP, mas esta não foi satisfatória em nenhuma das especialidades. Em mais de 2/3 dos pacientes com risco potencial de desenvolvimento de TVP, não se realizou nenhuma medida profilática.

Em relação ao conhecimento acerca da TVP por parte dos profissionais que tiveram pacientes analisados em nosso estudo, fica demonstrado que, apesar de a maioria dos médicos entrevistados afirmar conhecer os grupos de risco e ter domínio da correta profilaxia em relação a cada grupo, esses profissionais não possuem domínio suficiente da teoria, conforme resultado obtido na correção dos casos clínicos. Talvez por esse fato, os médicos do Hospital Geral de Roraima não costumem utilizar a profilaxia para a TVP com freqüência. Um dado curioso obtido em nosso estudo foi que, apesar de os clínicos terem prescrito mais e de forma mais correta a profilaxia para a TVP, os cirurgiões demonstraram possuir um melhor conhecimento teórico do tema, ainda que não o empreguem na prática diária de forma satisfatória.

Esta inadequação da conduta médica frente à profilaxia da TVP não é inédita, apesar da ampla divulgação de recomendações profiláticas nas últimas duas décadas. Nos EUA, apenas uma minoria de médicos realiza a profilaxia sistemática, sendo esta mais utilizada em unidades universitárias. Um estudo prospectivo realizado em 1994 mostrou um aumento no uso da profilaxia de 29 para 52% em pacientes hospitalizados com risco potencial para desenvolver trombose venosa após a implementação de um programa de educação continuada, que tem o tromboembolismo como tema central, evidenciando que intervenções dessa natureza são de extrema importância. Nesse mesmo estudo, ficou comprovado que, em hospitais nos quais os médicos participavam continuamente dos programas de educação, a utilização da profilaxia foi superior27.

Em 1999, foi iniciado por Caiafa & Bastos28 um registro nacional brasileiro com o intuito de investigar a incidência de fatores de risco para o TEV em pacientes clínicos e cirúrgicos hospitalizados e investigar o uso de profilaxia nessas populações. Os dados obtidos mostraram uma melhora substancial nos índices de utilização da profilaxia medicamentosa para a TVP, resultado explicado pela implementação de um sistema de educação continuada durante a realização do estudo28.

Conclusão

Apesar de os benefícios da profilaxia para a TVP serem amplamente comprovados na literatura existente sobre o tema, ela não é praticada por muitos médicos, tanto clínicos quanto cirurgiões, como comprovado em vários estudos, incluindo este realizado no Hospital Geral de Roraima. O fato pode ser explicado pelo conhecimento teórico insatisfatório apresentado por esses profissionais.

Este estudo demonstra que a não utilização da profilaxia para TVP pode ser resultado da falta de conhecimento teórico sobre suas indicações por parte dos médicos. Dessa forma, novas estratégias, como programas de educação continuada e conscientização, devem ser desenvolvidas, estimuladas e aplicadas para uma melhora tanto no conhecimento teórico quanto na utilização prática desse conhecimento por parte dos profissionais médicos, esperando-se, assim, uma melhora nos índices de utilização da profilaxia nos pacientes internados.

Artigo submetido em 19.07.07, aceito em 21.12.07.

O trabalho foi desenvolvido no Hospital Geral de Roraima, com o qual a Universidade Federal de Roraima possui convênio para o ensino médico.

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  • Correspondência:

    Cristiano Almeida Pereira
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Mar 2008

    Histórico

    • Recebido
      19 Jul 2007
    • Aceito
      21 Dez 2007
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