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Tratamento endovascular do trauma arterial dos membros

Resumos

Geralmente o tratamento das lesões arteriais traumáticas é realizado com técnicas tradicionais de revascularização. Cada vez mais, porém, as lesões vasculares podem ser corrigidas com eficiência por meio de procedimentos minimamente invasivos. Nós descrevemos quatro casos de trauma arterial dos membros que foram tratados por técnicas endovasculares num centro de referência. Todos os pacientes evoluíram satisfatoriamente durante o seguimento de 15 meses. Nós sugerimos que o tratamento endovascular é uma alternativa promissora em relação à cirurgia para pacientes selecionados com trauma arterial dos membros.

Trauma vascular; pseudo-aneurisma; isquemia; tratamento de urgência


Treatment of arterial traumatic injuries is usually performed with conventional revascularization techniques. However, vascular injuries can increasingly be repaired efficiently through minimally invasive procedures. We report four cases of extremity arterial trauma treated by endovascular techniques in a reference center. All patients showed satisfactory development over a 15-month follow-up. We suggest that endovascular therapy is a promising alternative to surgery for selected patients with extremity arterial trauma.

Vascular trauma; pseudoaneurysm; ischemia; emergency treatment


RELATO DE CASO

Tratamento endovascular do trauma arterial dos membros

Charles Angotti Furtado de MedeirosI; Thais Cristina HatsumuraII; Daniel Rassi GusmãoIII; Lucas Marcelo Dias FreireIV; Eduardo Faccini RochaIV; Ana Terezinha GuillaumonV

IDoutorando em Cirurgia Vascular Periférica, Centro de Referência em Cirurgia Endovascular, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, SP

IIMédica residente, Cirurgia Vascular Periférica, Centro de Referência em Cirurgia Endovascular, UNICAMP, Campinas, SP

IIIMédico residente, Cirurgia Vascular Periférica, Centro de Referência em Cirurgia Endovascular, UNICAMP, Campinas, SP

IVMédico contratado, Cirurgia Vascular Periférica, Centro de Referência em Cirurgia Endovascular, UNICAMP, Campinas, SP

VProfessora livre-docente. Chefe, Disciplina de Cirurgia Vascular Periférica, Centro de Referência em Cirurgia Endovascular, UNICAMP, Campinas, SP

Correspondência Correspondência: Charles Angotti Furtado de Medeiros Rua Izabel Negrão Bertoti, 101/52 Bairro M. Sto. Antônio CEP 13087-508 – Campinas, SP Tel.: (19) 3256.9771 Email: drcharlesangotti@hotmail.com

RESUMO

Geralmente o tratamento das lesões arteriais traumáticas é realizado com técnicas tradicionais de revascularização. Cada vez mais, porém, as lesões vasculares podem ser corrigidas com eficiência por meio de procedimentos minimamente invasivos. Nós descrevemos quatro casos de trauma arterial dos membros que foram tratados por técnicas endovasculares num centro de referência. Todos os pacientes evoluíram satisfatoriamente durante o seguimento de 15 meses. Nós sugerimos que o tratamento endovascular é uma alternativa promissora em relação à cirurgia para pacientes selecionados com trauma arterial dos membros.

Palavras-chave: Trauma vascular, pseudo-aneurisma, isquemia, tratamento de urgência.

Introdução

As lesões arteriais traumáticas com isquemia aguda dos membros são normalmente corrigidas por técnicas tradicionais de revascularização1-4. No geral, a taxa de amputação de membro no trauma varia conforme o mecanismo da lesão, se penetrante ou fechado, entre 10 e 30%, respectivamente. Para melhorar este índice, é necessário o desenvolvimento de novas técnicas de restauração da circulação.

Devido ao seu caráter minimamente invasivo, a cirurgia endovascular poderá apresentar vantagens em relação ao tratamento convencional em casos selecionados de trauma vascular. A seguir, apresentamos o relato de quatro casos de trauma arterial dos membros que foram atendidos no Pronto Socorro do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas e submetidos a tratamento endovascular com sucesso pela equipe de cirurgia vascular periférica.

Descrição dos casos

Caso 1

Paciente de 31 anos, sexo masculino, vítima de ferimento penetrante por projétil de arma de fogo (PAF) com orifício de entrada (OE) na região subescapular direita e orifício de saída (OS) na região infraclavicular do mesmo lado. Exame físico: estável, sem sinais de isquemia, com sopro sistólico audível na região infraclavicular direita. Realizou-se mapeamento dúplex, que confirmou a hipótese diagnóstica de pseudo-aneurisma da artéria axilar direita. O paciente foi submetido a angiografia digital por via femoral e correção da lesão na artéria axilar com a colocação de uma endoprótese montada em balão JOMED® por via braquial retrógrada no mesmo tempo (Figuras 1 e 2).



Caso 2

Paciente de 22 anos, sexo masculino, vítima de múltiplos ferimentos penetrantes por PAF, sendo um deles com OE na região escapular esquerda e OS na face lateral do braço do mesmo lado. Exame físico: estável, com sinais de isquemia no membro superior esquerdo e índice braquio-braquial = 0,5. Realizou-se mapeamento dúplex, que confirmou trombose da artéria axilar esquerda (Figuras 3 e 4). Foi submetido a angiografia digital por via femoral, recanalização da artéria axilar e correção da lesão com a colocação de uma endoprótese montada em balão JOMED®.



Caso 3

Paciente de 18 anos, sexo masculino, vítima de ferimento penetrante por PAF com OE na fossa cubital esquerda e OS na prega axilar do mesmo lado. Exame físico: estável, com sinais de isquemia no membro superior esquerdo e índice braquio-braquial = 0,6. Foi submetido a angiografia digital por via femoral, recanalização da artéria braquial e correção da lesão com a colocação de uma endoprótese montada em balão JOMED®por via braquial retrógrada no mesmo tempo (Figuras 5 e 6).



Caso 4

Paciente de 44 anos, sexo masculino, vítima de acidente automobilístico. Exame físico: estável, com hematoma extenso na coxa direita, ausência de pulso poplíteo neste lado e ausência de som ao Doppler nas artérias distais. Realizou-se angiografia digital por punção femoral contralateral, que confirmou a oclusão total da artéria femoral superficial (AFS) direita no terço médio da coxa com enchimento da artéria poplítea acima da linha articular. Foi submetido a recanalização da AFS e liberação de stent auto-expansível OPTIMED® (Figuras 7 e 8).



Discussão

Em decorrência de novas opções de tratamento, o cuidado dos pacientes portadores de doenças vasculares tem mudado drasticamente nos últimos anos. Os procedimentos endovasculares vieram contribuir de forma significativa para a maioria dessas alterações. As diversas técnicas minimamente invasivas também foram adaptadas para os pacientes politraumatizados. Isso foi bem evidente no tratamento das lesões dos órgãos sólidos e das fraturas pélvicas, que passaram a ser embolizadas para controlar a hemorragia5.

Hoje, com o avanço crescente dos procedimentos endovasculares, as lesões traumáticas das artérias de grande calibre podem ser corrigidas com eficiência, em muitos casos por meio de técnicas endovasculares. Esses procedimentos parecem particularmente atraentes no trauma fechado, especialmente nas áreas entre o tronco e as extremidades, onde o controle vascular proximal é difícil.

Especialmente nos casos de pseudo-aneurisma e de fístulas arteriovenosas, o tratamento endovascular é de grande valor. Atualmente, com técnicas minimamente invasivas, podem-se corrigir lesões agudas ou crônicas, evitando, assim, uma cirurgia na maioria das vezes difícil, em local onde há alteração das estruturas anatômicas e sangramento intenso6-8.

Entretanto, quando se refere ao trauma arterial das extremidades, a terapêutica torna-se um tanto mais desafiadora. Talvez por esse motivo existam poucos relatos sobre o tratamento endovascular do trauma nas artérias periféricas, seja dos membros inferiores ou dos membros superiores, seja em relação ao mecanismo de lesão, penetrante ou fechado9-15.

A principal vantagem das técnicas endovasculares nesses casos seria a de evitar as áreas de trauma recente, nas quais há uma grande distorção anatômica na tentativa de exposição das estruturas acometidas para controle do sangramento e restauração do fluxo sangüíneo, imprescindíveis para a preservação do membro. Como conseqüência direta, as lesões inadvertidas, a perda sangüínea e a incidência de infecções deverão ser bem menores. Também são esperados um menor tempo de internação e a possibilidade de tratamento com anestesia local apenas.

Por outro lado, é freqüente a associação com lesões venosas e linfáticas, com fraturas ósseas, trauma de partes moles e lesões neurológicas. Apesar do sucesso no tratamento das lesões vasculares, as lesões neurológicas determinam déficit funcional importante em até 40% dos casos16.

Até o momento, não há evidências na literatura indicando que o tratamento endovascular no trauma seja superior ao tratamento cirúrgico convencional. Hoje, é consenso que os pacientes com grave instabilidade hemodinâmica ou aqueles com sangramento ativo importante apresentam contra-indicação formal para o tratamento endovascular. Também os casos de politraumatismo com lesões associadas de crânio e abdome devem ser submetidos a cirurgia convencional, principalmente se houver contra-indicação para anticoagulação. Os pacientes com tempo de evolução muito prolongado (> 6 horas) também deverão ser submetidos a revascularização aberta do membro isquêmico.

Na urgência, a falta de tempo para o planejamento constituiu um fator limitante. Com essa dificuldade, os dispositivos escolhidos foram aqueles que podiam ser usados e, ainda assim, tiveram que ser adaptados para cada situação. Dos quatro casos relatados acima, todos obtiveram sucesso técnico. O tempo médio de internação foi de 3 dias, e durante o seguimento de 15 meses, a taxa de salvamento de membro atingiu 100%. A perviedade dos stents é avaliada facilmente pelo simples exame físico, e, se necessário, a ultra-sonografia Doppler poderá ser utilizada para confirmação (Figura 6).

É preciso lembrar que, para obter tais resultados, é necessária a presença de equipamentos de imagem adequados e de uma equipe médica especializada, bem como a disponibilidade imediata dos diversos materiais que poderão ser utilizados para a correção endovascular de qualquer lesão diagnosticada. É preciso, também, um estudo dirigido, para se estabelecer o custo-benefício em relação ao tratamento cirúrgico convencional.

Artigo submetido em 08.01.08, aceito em 24.01.08.

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  • Correspondência:

    Charles Angotti Furtado de Medeiros
    Rua Izabel Negrão Bertoti, 101/52 Bairro M. Sto. Antônio
    CEP 13087-508 – Campinas, SP
    Tel.: (19) 3256.9771
    Email:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Mar 2008

    Histórico

    • Recebido
      08 Jan 2008
    • Aceito
      24 Jan 2008
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