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Aneurisma de artéria isquiática persistente: relato de caso

Resumos

Os autores relatam um caso de aneurisma de artéria isquiática persistente, uma rara doença vascular congênita ocasionada por falha ou no desenvolvimento do sistema femoral ou na involução do tronco vascular primitivo durante o desenvolvimento embriológico. Um paciente de 60 anos, sexo masculino, apresentando massa pulsátil e indolor em região glútea há cerca de quatro meses, sem história prévia de trauma. Através da realização de exames complementares, concluiu-se ser um aneurisma de artéria isquiática persistente incompleta e unilateral, sendo submetido à ligadura proximal e distal da artéria isquiática, sem realização de revascularização arterial.

Artéria isquiática persistente; aneurisma; artéria isquiática


The authors report a case of persistent sciatic artery aneurysm, which is a rare vascular congenital disease that occurs when the femoral system fails to develop or when the primitive vascular system fails to involute during embryologic development. A 60-year-old male patient presented a painless and pulsatile buttock mass for 4 months. He had no history of external trauma. Complementary tests demonstrated an incomplete and unilateral persistent sciatic artery aneurysm. The patient was submitted to proximal and distal ligation of sciatic artery, and vascular reconstruction was not performed.

Persistent sciatic artery; aneurysm; sciatic artery


RELATO DE CASO

Aneurisma de artéria isquiática persistente: relato de caso

José Lacerda BrasileiroI; Juliana ChenII; Maldonat Azambuja SantosIII

IMembro titular, SBACV. Mestre, Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM), São Paulo, SP. Preceptor, Residência Médica em Cirurgia Vascular, Hospital Universitário - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (HU/UFMS), Campo Grande, MS

IIResidente, Cirurgia Vascular, HU/UFMS, Campo Grande, MS

IIICoordenador, Comissão de Residência Médica (COREME), Campo Grande, MS. Supervisor, Residência Médica em Cirurgia Vascular, HU/UFMS, Campo Grande, MS

Correspondência Correspondência: José Lacerda Brasileiro Rua Gonçalo Alves, 59, Vivendas do Bosque CEP 79021-182 - Campo Grande, MS Tel.: (67) 8142.2314, (67) 3326.2842 Email: jlbrasileiro@gmail.com

RESUMO

Os autores relatam um caso de aneurisma de artéria isquiática persistente, uma rara doença vascular congênita ocasionada por falha ou no desenvolvimento do sistema femoral ou na involução do tronco vascular primitivo durante o desenvolvimento embriológico. Um paciente de 60 anos, sexo masculino, apresentando massa pulsátil e indolor em região glútea há cerca de quatro meses, sem história prévia de trauma. Através da realização de exames complementares, concluiu-se ser um aneurisma de artéria isquiática persistente incompleta e unilateral, sendo submetido à ligadura proximal e distal da artéria isquiática, sem realização de revascularização arterial.

Palavras-chave: Artéria isquiática persistente, aneurisma, artéria isquiática.

Introdução

A persistência da artéria isquiática é uma rara má-formação congênita, em que o tronco vascular primitivo persiste como principal suprimento sangüíneo aos membros inferiores. Pode evoluir para dilatação aneurismática, assim como para isquemia de membros por trombose ou embolia distal, para compressão neuromuscular local ou até mesmo para sua ruptura1.

Baseado no estudo da embriogênese da artéria isquiática, pode-se encontrar sua persistência do tipo completa, a mais comum, em que essa artéria continua-se diretamente com a artéria poplítea e geralmente está associada com hipoplasia ou ausência da artéria femoral, enquanto no tipo incompleta a artéria isquiática é hipoplásica, de modo que predomina o sistema femoral1.

A arteriografia é necessária tanto para o diagnóstico quanto para o estudo da circulação arterial do membro inferior, para o planejamento cirúrgico.

Os autores relatam um caso raro de persistência da artéria isquiática esquerda associada a aneurisma.

Relato de caso

Paciente do sexo masculino, 60 anos, procurou atendimento no Hospital Universitário (HU/UFMS), com história de massa pulsátil e indolor em região glútea, com evolução de 4 meses, tornando-se dolorosa à pressão (como ao sentar-se) após 1 mês, porém sem aparente aumento de seu volume. Negava história de trauma local, claudicação intermitente, parestesia e outras alterações em membros inferiores. Durante o período, referiu que sua pressão arterial, elevada nos últimos 4 anos, previamente em níveis controlados, aumentou significativamente nos últimos meses, apesar do uso de medicação regular. Ao exame físico, constatamos massa pulsátil e expansível com volume de cerca de 10 x 6 cm em quadrante súpero e ínfero-lateral de região glútea esquerda (Figura 1), indolor, com frêmito discreto e sopro sistólico ++++/4+. Pulsos em membros inferiores presentes e normais.


O eco-Doppler evidenciou aneurisma arterial em região glútea esquerda, possivelmente de artéria isquiática, medindo 6,4 cm no seu maior diâmetro e 7,0 cm de extensão, com trombo parietal ocupando grande parte de sua luz, sendo que essa artéria prosseguia, após o aneurisma, em trajeto descendente na face posterior da coxa, até se unir à artéria poplítea na altura do joelho.

A tomografia computadorizada revelou uma tumoração de 7,7 cm de comprimento, 4,2 cm no sentido ântero-posterior e 5,0 cm de largura na fossa ísquio-retal, entre a grande tuberosidade do fêmur e ramo isquiático, posterior ao músculo gêmeo superior e piriforme e anterior ao músculo grande glúteo, determinando compressão extrínseca muscular e, principalmente, nervos da região como o isquiático, glúteo inferior ou o cutâneo posterior da coxa. Evidenciou, também, calcificações laminares periféricas interrompidas no bordo posterior e lateral da massa e ausência de impregnação significativa da lesão após uso do contraste endovenoso.

No entanto, foi a arteriografia que confirmou a suspeita diagnóstica, mostrando a artéria isquiática com aneurisma próximo à cabeça do fêmur esquerdo (Figura 2). Os vasos femorais estavam normais. Assim, concluiu-se ser uma artéria isquiática persistente incompleta e unilateral.


Após ser submetido a exames pré-operatórios e avaliação cardiológica, o paciente foi submetido a tratamento cirúrgico aberto, em que foi realizada a ligadura proximal e distal da artéria isquiática, associado a abertura e esvaziamento do trombo aneurismático (Figura 3). Não foi necessária a reconstrução arterial, em decorrência da persistência da artéria isquiática ser do tipo incompleto.


No pós-operatório, o paciente evoluiu sem intercorrências, recebendo alta hospitalar decorridos 3 dias.

O paciente está em acompanhamento ambulatorial, com reavaliação a cada 6 meses, e atualmente encontra-se assintomático.

Discussão

A persistência da artéria isquiática é uma rara patologia vascular congênita, cuja incidência é de aproximadamente 0,03 a 0,06%. Não há preferência quanto ao sexo, porém a idade média de apresentação está em torno de 51 anos, embora o caso relatado já tivesse 60 anos na época do diagnóstico. Em um terço dos casos, sua localização é bilateral2,3.

Durante a embriogênese, a artéria que acompanha o nervo isquiático representa o principal suprimento sangüíneo dos membros inferiores. À medida que a artéria femoral, continuação da artéria ilíaca externa, se desenvolve para se tornar o principal suprimento sangüíneo do membro inferior, ocorre a involução daquela artéria, cujos remanescentes formam as artérias poplítea e fibular. Os demais vasos arteriais são brotos da artéria ilíaca externa. A falha no desenvolvimento do sistema femoral ou na involução do sistema axial gera a persistência da artéria isquiática1,4,5.

Essa lesão pode se apresentar de duas formas: a completa, a mais comum, em que a artéria isquiática persistente representa o principal suprimento sangüíneo aos membros inferiores, geralmente com artéria femoral hipoplásica, enquanto as artérias ilíaca externa e femoral comum apresentam-se normais, e a incompleta, observada no nosso paciente, em que há hipoplasia da artéria isquiática na coxa e predominância do sistema femoral6.

O diagnóstico geralmente é realizado na vigência de complicações, como uma massa pulsátil em região glútea (aneurisma) e/ou associada a sintomas compressivos de músculos e de nervos da região (glúteo inferior, cutâneo posterior da coxa e isquiático), isquemia de membros inferiores (trombose e fenômenos embólicos) e ruptura. Deve ser suspeitado em caso de ausência de pulso femoral, porém com pulsos poplíteos e/ou pediosos presentes (sinal de Cowie)2. Em nosso trabalho, o paciente procurou atendimento médico com uma massa pulsátil em região glútea (aneurisma) que provocava dor local, principalmente quando se sentava.

Cerca de 25% dos casos evoluem para aneurisma, provavelmente devido à sua posição anatômica suscetível ao trauma. Alteração nos componentes elásticos da parede arterial predispõe tanto para a formação aneurismática como para a degeneração ateromatosa, assim como se sugere que a hipertensão arterial em longo prazo também possa ter sua parcela de contribuição7,8. No nosso caso, o paciente relatava aumento da pressão arterial durante o período que surgiu a massa, apesar do uso regular da medicação para hipertensão arterial.

História recente de trauma deve ser questionada, a fim de se excluir pseudo-aneurisma, assim como lesão de artéria femoral, aneurisma de artérias glúteas e fístulas arteriovenosas.

A arteriografia é essencial tanto para o diagnóstico como para a avaliação da anatomia arterial, identificando-se classicamente a artéria ilíaca interna, que cursa lateralmente ao nível da cabeça femoral com um calibre maior que a artéria ilíaca externa, localizando-se posteriormente nas incidências oblíquas. As artérias ilíaca externa e femoral comum são usualmente normais ou hipoplásicas. A artéria femoral gradualmente estreita-se à medida que se dirige para a coxa e bifurca-se próximo ao nível do canal adutor. Próximo ao estreitamento, a artéria isquiática aparece tortuosa, geralmente ectasiada e com paredes irregulares. Vasos distais podem ser normais ou apresentar sinais de aterosclerose9,10.

Já a tomografia computadorizada e a ressonância magnética permitem determinar o tamanho real e as estruturas adjacentes7. O eco-Doppler também é considerado um instrumento útil, pois permite rastrear o curso dos vasos e localizar regiões de turbulência significativa, que podem significar presença de aneurisma2. A tomografia computadorizada angiográfica permite boa avaliação do sistema vascular pélvico, sendo considerada superior à ultra-sonografia na avaliação de aneurisma de aorta abdominal, porém equivalente à angiografia para estudo vascular de artérias de grande e médio calibre11.

O tratamento cirúrgico gera risco pela dificuldade de exposição e pela proximidade com o nervo isquiático e baseia-se na exclusão do aneurisma. Este pode ser excluído ou excisado. Na forma incompleta de artéria isquiática persistente, recomenda-se sua exclusão por ligadura distal e proximal ao aneurisma, que foi a conduta usada neste caso, além da abertura e exploração do saco aneurismático à procura de vasos adicionais nutridores. Contudo, na forma completa, é indicada a revascularização do membro inferior associada à exclusão8,12. Bez et al.13 relataram um caso em que a artéria isquiática se apresentava toda aneurismática até a poplítea, havendo a necessidade de tratamento cirúrgico com revascularização fêmoro-fibular com veia safena associada à ligadura da artéria isquiática.

A revascularização pode ser realizada por derivação fêmoro-poplítea ou ílio-poplítea transobturador. A técnica fêmoro-poplítea não é indicada nos casos em que o sistema femoral hipoplásico não fornece fluxo sangüíneo adequado. Contudo, Eglinton et al.5 consideram a derivação transobturador uma boa opção nesses casos, por permitir uma rota mais curta para o trajeto da ponte.

Com o desenvolvimento de técnicas endovasculares, surgiram métodos para tratamento de aneurismas de artéria isquiática persistente com menor risco de lesão dos nervos da região12. Gabelmann et al.14 e Fearing et al.6 relataram bons resultados com o emprego de stent endovascular após acompanhamento de seus casos, 22 e 39 meses, respectivamente. Contudo, a durabilidade de seus resultados necessita de mais estudos, através de maior tempo de observação.

Artigo submetido em 16.10.07, aceito em 15.01.08.

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Vascular, HU/UFMS, Campo Grande, MS.

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  • Correspondência:

    José Lacerda Brasileiro
    Rua Gonçalo Alves, 59, Vivendas do Bosque
    CEP 79021-182 - Campo Grande, MS
    Tel.: (67) 8142.2314, (67) 3326.2842
    Email:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Mar 2008

    Histórico

    • Aceito
      15 Jan 2008
    • Recebido
      16 Out 2007
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